sexta-feira, 17 de março de 2023

Uma proposta para viver as 24h para o Senhor

FONTE PARA  SUBSÍDIO LITÚRGICO-PASTORAL \17-18 MARÇO 2023: Dicastério para a Evangelização - Secção para as questões fundamentais da evangelização no mundo


Índice geral

Notas introdutivas

Parte I - CONFISSÃO 

Reflexão sobre o Sacramento da Reconciliação (D. Vittorio Viola) 

Testemunho de conversão Phan Thị Kim Phúc

Como preparar-se para a confissão? Reflexão sobre o exame de consciência 

Como confessar-se? Celebração individual do Sacramento 

O que fazer após a confissão? Servo de Deus Giancarlo Rastelli 

Parte II -VIGÍLIA 

Premissas gerais 

Início da Vigília. Liturgia penitencial 

Desenvolvimento da Vigília 

Lectio Divina Jo 9,1-41 (IV Domingo de Quaresma) (Ir. Ana Felício, asm

Oração do coração,Catequese do Papa Francisco 


Notas introdutivas

Este subsídio pretende oferecer algumas sugestões para permitir às paróquias e comunidades cristãs prepararem-se para viver a iniciativa das 24 Horas para o Senhor. Trata-se, evidentemente, de propostas que podem ser adaptadas de acordo com as necessidades e costumes locais.

Na noite de sexta-feira 17 de março e durante todo o dia de sábado 18 de março, seria significativo prever uma abertura extraordinária da igreja, oferecendo a possibilidade de acesso à Confissão, de preferência num contexto de Adoração Eucarística animada. O evento poderia começar na sexta-feira à noite com uma Liturgia da Palavra para preparar os fiéis para a Confissão, e concluir com a celebração da Missa festiva no sábado à tarde.

A primeira parte deste subsídio apresenta alguns pensamentos que ajudam a refletir sobre o motivo do Sacramento da Reconciliação. Os textos preparam-nos para viver conscientemente o encontro com o sacerdote no momento da confissão individual. É também uma provocação para superar eventuais resistências que muitas vezes são levantadas para evitar a confissão. Oferece-se um testemunho que ilustra o caminho da própria conversão: uma ajuda para refletir sobre a própria mudança e a consciência da presença de Deus na vida de cada um. Apresenta-se também a vida de uma pessoa, capaz de nos inspirar a realizar obras de misericórdia e a continuar o nosso crescimento pessoal após receber a absolvição dos pecados.

A segunda parte pode ser utilizada durante o tempo de abertura da Igreja, para que aqueles que ali se confessam possam ser ajudados na oração e meditação através de um percurso baseado na Palavra de Deus.


PARTE I - CONFISSÃO

Sabeis que uma boa confissão nos devolve o céu e a amizade do nosso Deus. (Santo Cura d’Ars)

Reflexão sobre o Sacramento da Reconciliação (Vittorio Francesco Viola, O. F. M.)

A parábola do fariseu e do publicano (Lc 18,9-14) contrapõe duas atitudes opostas do homem perante Deus. A primeira é a daquele que “presume ser justo” e, portanto, não tem qualquer necessidade de ser perdoado: pelo contrário, na sua relação com Deus, tem a pretensão de um prémio, que ele exige como um direito que lhe é devido. A segunda é a de quem se sabe pecador: a única coisa que pode fazer é humilhar-se, batendo no peito e confiar na misericórdia de Deus como um dom absolutamente gratuito.


Em relação a ambos, Deus tem um único desejo, que se deve confrontar com a liberdade que ele nos deu: o Pai, rico de misericórdia, nada mais deseja do que abraçar, erguer, regenerar, restituir a dignidade de filho, libertar de todas as cadeias, trazer para a vida, salvar cada homem. Precisamente para revelar o rosto misericordioso do Pai, o Verbo se fez carne e veio habitar entre nós (cf. Jo 1,14). Escrevia são João Paulo II em Dives in misericordia (n.o 2): «[Cristo] não somente fala [da misericórdia divina] e a explica com o uso de comparações e parábolas, mas sobretudo Ele próprio encarna-a e personifica-a. Ele próprio é, em certo sentido, a misericórdia. Para quem a vê n'Ele – e n'Ele a encontra – Deus torna-se particularmente “visível” como Pai “rico em misericórdia” (Ef 2,4)». A paternidade de Deus, que, desde o dia do nosso pecado no Jardim do Éden, pensávamos ter irremediavelmente perdido, ainda que guardando dela no coração uma pungente saudade, é-nos restituída através do Filho.

Os Evangelhos contam como o encontro com o Verbo Encarnado acontece em várias circunstâncias e de formas muito diferentes, cruzando os caminhos, muitas vezes tortuosos e inesperados, da vida do homem. A adúltera é arrastada perante Ele depois de ter sido apanhada no seu pecado; o paralítico é descido sobre Ele do telhado, devido à engenhosidade dos seus amigos; Zaqueu sobe a uma árvore no desejo de O ver, para depois ter de se descer apressadamente e hospedá-lo em sua casa. A mulher em casa de Simão, conhecida por todos como pecadora, atira-se aos seus pés para os lavar com lágrimas. O ladrão encontra-o na hora decisiva, por causa da mesma sentença de morte, para se encontrar com Ele pouco tempo depois no Seu Reino.

Quem quer que se tenha aproximado de Jesus com os mesmos sentimentos e atitudes que o publicano, confessando a sua culpa, sempre “voltou para casa justificado” (cf. Lc 18,14). A sentença de condenação é substituída pela absolvição com uma fórmula completa, não porque o facto do nosso pecado não exista, mas porque é consumido no fogo do amor de Deus. A Redenção leva a cumprimento o projeto original para o qual fomos criados e ao qual Deus permaneceu fiel apesar das nossas infidelidades, ou seja, a possibilidade de participarmos na comunhão de amor das Pessoas da Santíssima Trindade.

A questão decisiva é apenas uma: como podemos nós também, hoje, fazer a experiência concreta do encontro com Ele, para receber o dom da reconciliação e viver na liberdade dos filhos de Deus? Sem um encontro real com o Senhor que salva, a consciência do nosso pecado acabaria por ser uma prisão sem estrada de saída.

Também a nós “deve” ser dada a oportunidade de nos humilharmos perante Deus com os gestos concretos de penitência e com as palavras de um verdadeiro pedido de perdão. Acima de tudo, precisamos de experimentar a misericórdia de Deus tal como aconteceu nos dias da Encarnação, através dos gestos e palavras de perdão de Jesus. Tudo isto nos é verdadeiramente dado, de forma sacramental, na celebração do Sacramento da Reconciliação.

O Concílio Vaticano II ajudou-nos a redescobrir o significado teológico da Liturgia, ou seja, o lugar que esta ocupa na dinâmica da fé. Na Sacrosanctum Concilium, no Capítulo I, são expostos os princípios gerais para a reforma e promoção da Liturgia sagrada. Recordo-os, em síntese extrema: a ação celebrativa é o momento atual, o hoje da história da salvação; a Igreja está no mundo não só para anunciar a Páscoa do Senhor, mas para a atuar na celebração dos sacramentos. Na ação celebrativa, Cristo está verdadeiramente presente de muitos modos, tornando assim possível o encontro com Ele. Não uma memória d'Ele, mas a possibilidade, sob forma sacramental, de O encontrar, como a adúltera, como o paralítico, como Zaqueu, como a mulher na casa de Simão, como o ladrão na cruz. Através de sinais sensíveis, através de ritos e orações (cf. SC n° 48), a Igreja, em virtude da presença e ação do Espírito, exerce a função sacerdotal de Jesus Cristo, atualiza o poder salvífico da sua Páscoa, oferecendo a todos os fiéis, na sua participação na ação ritual, a possibilidade de serem alcançados pela eficácia da obra da Redenção, a possibilidade de serem salvos.

Com base nestes princípios gerais, o Concílio esperava que o rito e as fórmulas da Penitência fossem revistos para que expressassem mais claramente a  natureza e o efeito do sacramento (cf. SC nº72).

A implementação desta indicação teve de enfrentar um percurso longo e difícil. Isto não surpreende, se considerarmos o complexo desenvolvimento ritual da celebração do sacramento da reconciliação, que no caminho da Igreja assumiu formas muito diferentes, antes de chegar à codificação do Ritual de Paulo V (1614) em uso até ao Concílio Vaticano II.

Ao implementar a reforma da celebração deste sacramento, foram observados alguns princípios, extraídos dos documentos conciliares.

A Lumen Gentium, no no 11, ao tratar do sacerdócio comum exercido nos sacramentos, afirma: « Aqueles que se aproximam do sacramento da Penitência, obtêm da misericórdia de Deus o perdão da ofensa a Ele feita e ao mesmo tempo reconciliam-se com a Igreja, que tinham ferido com o seu pecado, a qual, pela caridade, exemplo e oração, trabalha pela sua conversão».

O mesmo tema é retomado pelo decreto Presbyterorum Ordinis, no n° 5, falando dos presbíteros como ministros da santificação com os sacramentos e a Eucaristia: «[Os presbíteros] introduzem os homens no Povo de Deus pelo Batismo; pelo sacramento da Penitência, reconciliam os pecadores com Deus e com a Igreja».

Também o decreto Christus Dominus, no n° 30.2 recorda aos párocos «que o sacramento da Penitência contribui muitíssimo para fomentar a vida cristã» e exorta-os a que «mostrem, por isso, facilidade em ouvir confissões».

Os Praenotanda ao Rito da Penitência aprovada por São Paulo VI a 2 de dezembro de 1973, são uma ótima síntese da compreensão da celebração do sacramento à luz dos princípios reafirmados pelo Concílio.

Os elementos fundamentais aos quais era necessário fazer referência na revisão do rito podem ser sintetizados assim: a história da salvação como revelação e atuação do mistério da reconciliação; o pecado como ofensa a Deus e ferida no corpo eclesial; a dupla dimensão da reconciliação, com Deus e com a Igreja; o envolvimento da comunidade cristã no processo de conversão.

A sua implementação ritual depressa se revelou complexa. Não podemos repercorrer aqui, ainda que em síntese, a amplitude das questões que surgiram e as motivações que inspiraram a intervenção da reforma. Mesmo a escolha de manter a terminologia transmitida pela tradição, tentando redefinir os termos à luz da teologia conciliar, não se revelou simples. Pensando na finalidade deste subsídio, limitar-me-ei a algumas considerações úteis para melhorar a qualidade da participação litúrgica na celebração do sacramento, uma participação que, como deseja o Conselho, deve ser plena, consciente, ativa (cf. SC n° 14) e frutuosa (cf. SC n° 11).

Antes de mais, é oportuno recordar que a Igreja celebra o perdão dos pecados e a reconciliação no Batismo, na Eucaristia e no Sacramento da Penitência. O objetivo comum, nomeadamente o perdão dos pecados, funda a relação íntima que existe entre as distintas peculiaridades destes sacramentos (cf. Prenotada n° 3).

Além disso, a Igreja é chamada a viver uma profunda dimensão penitencial que perpassa toda a sua vida: desta forma, exprime o seu ser num processo de conversão contínua, até ao dia do regresso do Senhor. A atitude penitencial da vida cristã não é um modo de ganhar a misericórdia de Deus, mas de exprimir o nosso desejo de pertencer ao amor trinitário, não só em palavras, mas na prática concreta da oferta do sofrimento unido ao da Cruz de Cristo, das obras de misericórdia e das obras de caridade, até que Cristo seja formado em nós (cf. Gl 4,19). Esta atitude exprime-se também na Liturgia e, em particular, no sacramento da penitência (cf. Praenotanda n° 4-5).

Uma compreensão errada leva-nos por vezes a aproximarmo-nos do sacramento da Penitência com a mesma atitude interior de quem entra numa sala de tribunal sabendo que é culpado. A parábola do Pai misericordioso (Lc 15,11-32) ensina-nos que o filho que regressa a casa não encontra um tribunal penal, mas a festa que expressa a alegria do pai pelo seu filho encontrado. O lugar da celebração do sacramento é a sala do banquete nupcial, onde a comunidade celebra a Páscoa, a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte, na experiência alegre da sua misericórdia que perdoa. A nossa confissão devolve-nos a candura da veste branca do Batismo, o traje expressamente exigido para participar na festa.

Sejamos claros: Deus faz um julgamento, a cruz do seu Filho julga o nosso pecado, desmascara as nossas culpas, chama-as pelo nome, mostra a inconsistência das nossas justificações autoabsolventes. Este julgamento é certamente o olhar mais penetrante que se possa ter sobre o nosso mundo interior e que nenhuma introspeção psicológica, por mais útil que seja, poderá alguma vez igualar. Diz o Salmo 139,23-24: «Examina-me, Senhor, e vê o meu coração; põe-me à prova para saber os meus pensamentos. Vê se é errado o meu caminho e guia-me pelo caminho eterno». Este olhar, contudo, não é o de um juiz impiedoso que aplica uma lei com implacável firmeza, mas é, antes, o de um pai bom e misericordioso que, como na parábola, está ansioso por abraçar novamente o seu filho. Se tivermos de lutar para nos libertarmos da ideia de uma sala de tribunal, tentemos ao menos considerar que é um tribunal muito especial, no qual o juiz tem a firme intenção de querer absolver-nos e o nosso advogado tem o excelente argumento da sua fidelidade em nossa defesa: «... se alguém pecar, temos junto do Pai um advogado, Jesus Cristo, o Justo» (cf. 1 Jo 2,1).

A forma ritual que melhor expressa a dimensão eclesial deste sacramento é certamente a “Celebração da reconciliação de vários penitentes com confissão e absolvição individual”. No entanto, também a “Celebração da reconciliação de um só penitente”, mais frequente, – se celebrado segundo as indicações do ritual atual – preserva a mesma dimensão. Ser membros do mesmo corpo estabelece um vínculo tão profundo que, para além de uma corresponsabilidade na culpa, também nos permite experimentar uma cooperação na penitência (cf. Praenotanda n° 5).

Na celebração do sacramento, cada fiel exerce o seu sacerdócio batismal nos atos próprios do penitente: contrição, confissão e satisfação (cf. Praenotanda no 6). Esta terminologia tridentina retomada pelo atual ritual é aprofundada e compreendida no seu significado mais profundo. Apenas um exemplo: depois de definir a contrição segundo o ditame do Concílio de Trento (a dor e a detestação do pecado cometido, com o propósito de não pecar mais no futuro), a definição é ampliada com uma citação do Paenitemini de são Paulo VI, que descreve a metánoia como “aquela mudança íntima e radical, por efeito da qual o homem começa a pensar, a julgar e a reordenar a sua vida, movido pela santidade e bondade de Deus, tal como nos foi manifestada e dada em plenitude no seu Filho”.

Na estrutura ritual do sacramento da penitência, um elemento fundamental – infelizmente ainda demasiado negligenciado na prática – é a proclamação da Palavra. Um dos méritos da reforma querida pelo Concílio é certamente o de ter tornado mais evidente “que na Liturgia o rito e a palavra estão intimamente unidos” (SC n° 35). A Palavra de Deus permite-nos perscrutar o nosso coraçõe e conhecer o nosso pecado, chama-nos à conversão, proclama a misericórdia de Deus que se realiza no perdão sacramental (cf. Praenotanda n° 12).

Uma consideração final. O no 10 dos Praenotanda oferece-nos uma descrição do ministério do confessor, que mostra toda a riqueza da celebração deste sacramento. Ele é chamado como um médico para “saber distinguir as doenças da alma a fim de trazer remédios adequados” e como um juiz para avaliar tudo com sabedoria; deve ser um homem de Deus especialista no discernimento dos espíritos, que é “o conhecimento íntimo da obra de Deus no coração dos homens”; deve revelar, nas palavras e nos gestos, o coração misericordioso do Pai e o cuidado do Bom Pastor que vai em busca da ovelha perdida para a trazer de volta ao aprisco.

O Papa Francisco escreveu na Misericordiae vultus (no 2): “Misericórdia: é a palavra que revela o mistério da Santíssima Trindade. Misericórdia: é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro. Misericórdia: é a lei fundamental que mora no coração de cada pessoa, quando vê com olhos sinceros o irmão que encontra no caminho da vida. Misericórdia: é o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso pecado”.

É no Sacramento da Reconciliação que podemos fazer uma experiência viva da misericórdia de Deus para connosco.

Testemunho de conversão Phan Thi Kim Phúc

Nada agrada tanto a Deus quanto o arrependimento e a salvação do homem. São Gregório Nazianzeno

A conversão refere-se à situação de uma pessoa que, percebendo que está a caminhar na direção errada, muda de direção e toma a direção certa. É uma transformação interior em que se passa de uma situação de distância ou indiferença para com Deus, para uma vida de unidade e amizade com ele. A conversão envolve implicitamente um chamamento de Deus e, ao mesmo tempo, a força de vontade da pessoa e a promessa de aderir à vocação divina. Portanto, a conversão é simultaneamente um dom da Graça de Deus e um ato livre do homem.

O processo de conversão pode acontecer gradualmente, levando vários dias, semanas, meses e até anos – ou pode acontecer num brevíssimo momento, em que uma pessoa se apercebe da presença de Deus, da sua própria inadequação e da existência do caminho que leva à felicidade eterna, escolhendo-o livremente como o seu próprio caminho.

Esperamos que o testemunho de conversão pessoal que reportamos de seguida facilite a reflexão sobre o próprio estado de fé e sobre a presença de Deus na vida.

A 2 de abril de 1963, em Trang Bang, uma aldeia rural a cerca de 40 quilómetros da capital Cidade de Ho Chi Minh, no Vietname do Sul, nasceu Phan Thị Kim Phúc. O país está, já há vários anos, imerso numa guerra sangrenta e a região é frequentemente visitada por guerreiros do Vietcongue, ou das forças governamentais. A guerra, contudo, não afeta Trang Bang e Kim, juntamente com os seus pais, avós e oito irmãos e irmãs, leva uma vida bastante despreocupada, ajudando os seus pais nas simples tarefas domésticas.

No início da década de 1970, as ações bélicas acontecem cada vez mais nas vizinhanças de Trang Bang. Assim chega o dia memorável de 8 de junho de 1972. As forças do Vietcongue ocupam a aldeia e as tropas do Vietname do Sul decidem atacá-las. Cerca de trinta civis, entre os quais a família Phúc, reúnem-se no templo local na esperança de que nenhum dos militares e guerrilheiros ataquem o local religioso. Por volta do meio-dia, contudo, um dos soldados sul-vietnamitas confunde os civis reunidos no templo com os membros do Vietcongue. De repente “uma granada de fumo explodiu, cobrindo a cena com púrpura brilhante e ouro. Era um sinal para o piloto sul-vietnamita após a batalha: largar as bombas precisamente neste local”.

Um dos soldados, que estava perto do templo, apercebeu-se da gravidade do erro e começou a gritar: “Saiam! Fujam! Têm de sair deste lugar! Aqui não é seguro! Destruirão totalmente este lugar! Saiam! Crianças, corram à frente!”

Kim, juntamente com as outras crianças, sai do templo para a pequena praça adjacente e, de seguida, todos se dirigem para a rua principal da aldeia. Do canto do olho, vê o avião descer abruptamente e lançar quatro bombas. Poucos momentos depois, toda a área é inundada de napalm. O ar queima, atingindo uma temperatura de 1.000 graus centígrados. Kim está a arder. As suas roupas, os seus ombros, as suas pernas – tudo em chamas. A dor é imensa, mas ela não para. Corre para a frente.

Ao longo da mesma estrada, juntamente com os militares, está um repórter muito jovem: Nick Ut, que imortaliza o ataque aéreo com a sua máquina fotográfica.

O grupo de crianças alcança os militares – Kim recordará alguns anos mais tarde que, naquele momento, gritava: "Nóng quá, nóng quá – demasiado quente, demasiado quente".

Um dos jornalistas, Christopher Wain, estende a sua mão e dá água à menina. Depois deita a água sobre a cabeça e o corpo dela queimados, mas piora as coisas, porque o oxigénio da água reage com os resíduos de napalm no seu corpo e volta a criar fogo. Também Nick Ut a socorre, deixando a sua máquina fotográfica para trás, e leva-a para o hospital na Cidade de Ho Chi Minh. Os médicos, contudo, determinam que a rapariga não poderá sobreviver – cerca de 30% do seu corpo está queimado. Nick insiste e acaba por convencer os médicos a tentar. Kim passa os catorze meses seguintes no hospital e submete-se a dezassete intervenções médicas.

Entretanto, uma das fotos tiradas por Nick, que mostra Kim nua, queimada e aterrorizada, correndo pela rua com as outras crianças, foi premiada com o Prémio Pulitzer. A fotografia chama-se: “The terror of war – O terror da guerra”.

O processo de cura é dolorosíssimo, mas durante esse caminho algo mais acontece – muito mais grave: no coração de Kim nascem a raiva e o ódio. São emoções negativas e muito profundas para com todas as pessoas que provocaram a sua dor, para com todas as pessoas que viraram as costas, ao verem a sua pele cicatrizada e deformada. Ela já não se sente amada, aceite, bela, digna de uma vida.

Anos e anos mais tarde, durante uma entrevista, Kim dirá: “Eu queria ter morrido naquele dia, juntamente com a minha família... foi difícil para mim carregar todo aquele ódio, toda aquela raiva".

Todas estas experiências físicas e emocionais levaram-na a escolher a medicina como tema de estudo. Ao mesmo tempo, procura também um significado mais profundo para a sua vida e estuda diferentes religiões. Um dia, em 1982, no seu segundo ano de universidade, encontrou o Novo Testamento na biblioteca da universidade da Cidade de Ho Chi Minh. Pega nele, senta-se e começa a folhear as páginas. O seu olhar recai sobre a frase proferida por Jesus no Evangelho de São João: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim” (14,6). Kim pensa inicialmente que Jesus é muito presunçoso – “há milhares de caminhos para chegar a Deus; todos sabem isso”. Fecha o livro mas a sua reflexão prossegue – apercebe-se que, se a frase proferida por Jesus é verdadeira, então durante toda a sua vida ela tem venerado os deuses errados.

Assim, surge nela outro pensamento: “Aquele Jesus, Ele sofreu em defesa da Sua alegação. Ele foi escarnecido. E torturado. E assassinado. Porque teria Ele feito todas estas coisas, se Ele não era, de facto, o Deus? A sua dor deve ter tido um objetivo, caso contrário não poderia ter suportado o confronto tão fielmente. Eu nunca considerei Jesus deste lado – o lado ferido, o lado que tem as cicatrizes”.

Toda a reflexão leva Kim a concluir: “Se Jesus é verdadeiramente quem diz ser, e suportou tudo o que diz ter suportado, então talvez ele pudesse ajudar-me a dar sentido à minha dor e, finalmente, a aceitar as minhas cicatrizes”.

Nas semanas seguintes, Kim aprofunda o seu conhecimento da religião cristã, fala com outras pessoas, descobre gradualmente que a fé nasce da escuta e que Deus tem um plano para ela. Confronta as suas experiências dolorosas com Deus que sofreu. Um dia, ela descobre que é amada e querida por Deus. No início de 1983, ela anuncia à sua família que mudou de religião – ela deu a sua vida ao Senhor Jesus Cristo.

A conversão cristã deu-lhe a força para perdoar. Hoje, Kim Phuc vive no Canadá com o seu marido e dois filhos. Dedicou a sua vida à promoção da paz, prestando apoio médico e psicológico às vítimas da guerra.

“O perdão libertou-me do ódio. Ainda tenho muitas cicatrizes no meu corpo e dores fortes quase todos os dias, mas o meu coração está purificado. O Napalm é muito poderoso, mas a fé, o perdão e o amor são muito mais fortes. Não teremos mais guerra se todos aprendêssemos a conviver com o verdadeiro Amor, a esperança, e o perdão. Se aquela menina da foto conseguiu fazê-lo, perguntemo-nos: consigo fazê-lo também eu?”

Como preparar-se para a confissão? Reflexão sobre o exame de consciência

Papa Francisco, 6 agosto 2014, Audiência Geral

Jesus confia-nos inclusive o «protocolo», de acordo com o qual seremos julgados. No fim do mundo nós seremos julgados. E quais serão as perguntas que nos farão lá? Quais serão as interrogações? Qual é o protocolo segundo o qual o Juiz nos julgará? É aquele que encontramos no capítulo 25 do Evangelho de Mateus. Hoje, tendes a tarefa de ler o capítulo 5 do Evangelho de Mateus, onde se encontram as Bem-Aventuranças; e lereis também o capítulo 25, onde está o protocolo, onde estão as perguntas que nos dirigirão no dia do Juízo. Não teremos títulos, créditos ou privilégios para aduzir. O Senhor reconhecer-nos-á se, por nossa vez, O tivermos reconhecido no pobre, no faminto, no indigente, no marginalizado, nos que sofrem, em quem está sozinho... Este é um dos critérios fundamentais de averiguação da nossa vida cristã, com o qual Jesus nos convida a confrontar-nos cada dia. Leio as Bem-Aventuranças e penso como deve ser a minha vida cristã, e depois faço o exame de consciência com este capítulo 25 de Mateus. Cada dia: fiz isso, fiz aquilo... Isto far-nos-á bem! São gestos simples, mas concretos.

Como preparar-se para a confissão? 

Mt 5,3-10

Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. Felizes os que choram, porque serão consolados.

Felizes os mansos, porque possuirão a terra.

Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Felizes os puros de coração, porque verão a Deus.

Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.

Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu.

Mt 25,31-46

Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há de sentar-se no seu trono de glória. Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. À sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos.

O Rei dirá, então, aos da sua direita: “Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.”

Então, os justos vão responder-lhe: “Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar- te?” E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: “Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes”.

Em seguida dirá aos da esquerda: “Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está preparado para o diabo e para os seus anjos! Porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, era peregrino e não me recolhestes, estava nu e não me vestistes, doente e na prisão e não fostes visitar-me”. Por sua vez, eles perguntarão: “Quando foi que te vimos com fome, ou com sede, ou peregrino, ou nu, ou doente, ou na prisão, e não te socorremos?” Ele responderá, então: “Em verdade vos digo: Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer”.

Estes irão para o suplício eterno, e os justos, para a vida eterna.

Como confessar-se? Celebração individual do Sacramento

Quando te apresentas como penitente, o sacerdote acolhe-te cordialmente, dirigindo palavras de encorajamento. Ele torna presente o Senhor misericordioso.

Juntamente com o sacerdote, faz o sinal da cruz, dizendo:

Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

O sacerdote ajuda-te a ter confiança em Deus, com estas ou outras palavras semelhantes:

O Senhor esteja no teu coração, para confessares os teus pecados com espírito arrependido.

O sacerdote, se for oportuno, lê ou recita de cor algum texto da Sagrada Escritura, no qual se anuncia a misericórdia de Deus e se convida o homem à conversão, por exemplo.

Rom 5, 8-9

Deus prova assim o seu amor para connosco: Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores.

E agora, que fomos justificados pelo seu sangue,

com muito maior razão, seremos por Ele salvos da ira divina.

Neste momento, podes confessar os teus pecados. Se necessário, o sacerdote ajuda-te, faz-te perguntas e dá-te conselhos oportunos. O sacerdote convida o penitente a manifestar o arrependimento, recitando o ato de contrição ou outra fórmula semelhante, por exemplo:

Pai, pequei contra Vós.

Já não mereço ser chamado vosso filho.

Tende compaixão de mim, que sou pecador. (Lc 15, 18; 18,13)

O sacerdote, com as mãos estendidas sobre a cabeça do penitente (ou estendendo, pelo menos, a mão direita), diz:

Deus, Pai de misericórdia,

que, pela morte e ressurreição de seu Filho, reconciliou o mundo consigo

e enviou o Espírito Santo para remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da Igreja,

o perdão e a paz.

E eu te absolvo dos teus pecados

em nome do Pai, e do Filho, + e do Espírito Santo.

 Respondes:

Ámen.

Depois da absolvição, o sacerdote prossegue:

Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom.

Respondes:

Eterna é a sua misericórdia.

A seguir, o sacerdote despede-se, dizendo:

O Senhor perdoou os teus pecados. Vai em paz.

Oração do Penitente:

Lavai-me, Senhor, da minha iniquidade,

e purificai-me de todas as faltas.

Porque eu reconheço os meus pecados

e tenho sempre diante de mim as minhas culpas.

Sal 50, 4-5

Ou

Senhor Jesus,

que abristes os olhos dos cegos, curastes os enfermos, perdoastes à pecadora, e, depois da queda, confirmastes Pedro no vosso amor,

escutai a minha oração:

perdoai todos os meus pecados,

renovai em mim o vosso amor,

e concedei-me a graça de viver

em perfeita unidade com os irmãos,

para que possa anunciar aos homens a vossa salvação!

O que fazer depois da confissão?

É na esperança que fomos salvos: diz São Paulo aos Romanos e a nós também (Rm 8,24). A «redenção», a salvação, segundo a fé cristã, não é um simples dado de facto. A redenção é-nos oferecida no sentido que nos foi dada a esperança, uma esperança fidedigna, graças à qual podemos enfrentar o nosso tempo presente: o presente, ainda que custoso, pode ser vivido e aceite, se levar a uma meta e se pudermos estar seguros desta meta, se esta meta for tão grande que justifique a canseira do caminho. (Bento XVI, Spe salvi, n° 1.)

 Servo de Deus Giancarlo Rastelli

Giancarlo Rastelli nasceu em Pescara a 25 de junho de 1933. O seu pai, Vito Rastelli, é jornalista, enquanto a sua mãe, Luisa Bianchi, é professora numa escola primária. No final da guerra, em 1945, Giancarlo mudou-se com a sua família para Parma, a cidade natal dos seus pais, onde concluiu o ensino secundário em 1951. Matriculou-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Parma, tendo concluído o curso em 1957 com notas máximas e a sua tese ganhou o prémio Lepetit. Mas não são só os seus talentos intelectuais que surpreendem os seus colegas universitários. Ainda hoje contam o tempo em que Gian, antes de repetir a anatomia, conseguiu surpreender todos com uma pergunta do tipo: “Lembram-se do hino à caridade de são Paulo?”

A sua carreira médica é brilhante. Trabalhou no Instituto de Anatomia Humana, no Instituto de Patologia Geral e no Instituto de Clínica Cirúrgica. Uma vez licenciado, tornou- se assistente voluntário e depois assistente extraordinário na Primeira Clínica Cirúrgica e na Cátedra de Patologia Especial Cirúrgica da Universidade de Parma. Após cinco anos, recebeu uma bolsa de estudo da NATO e mudou-se para os Estados Unidos, para a Clínica Mayo – um centro líder de investigação médica – onde se especializou em cirurgia cardíaca. Aos seus colegas e amigos Gian diz: “Sempre pensei que a primeira caridade que o doente deve ter do médico é a caridade da ciência, é a caridade de ser tratado como está”.

À sua excelente educação médica e prática laboral, deve ser acrescentada outra característica: a religiosa. O Dr. Rastelli não encontra a motivação para salvar vidas só no juramento de Hipócrates, mas descobre-o e aprofunda-o na sua fé cristã. Já com treze anos, entrou na Congregação Mariana em Parma, no Oratório de São Rocco, onde o Padre Molin Pradel dirigia a sua atenção para os últimos, os marginalizados, os excluídos e os doentes. Este espírito cristão de abertura e dedicação absoluta aos mais necessitados revela-se mais tarde na sua missão como médico, cirurgião e investigador. No rosto dos doentes Giancarlo vê sempre a face de Cristo. Consequentemente, o seu trabalho como investigador na Clínica Mayo é sempre unido ao seu serviço aos doentes, executando fielmente o lema da clínica: “The patient comes first – O doente vem primeiro”. Um dos seus pacientes descreve assim a relação especial com o seu médico assistente, o Dr. Rastelli: “Ele estava doente com os doentes e curava-se com eles”.

Em 1964 Giancarlo regressa a Itália para casar com Anna Anghileri de Sondrio e vinte dias mais tarde, no seu regresso a Mayo, descobre, nos exames de rotina obrigatórios para os investigadores que tinha um linfogranuloma maligno (o chamado linfoma de Hodgkin). O Dr. Rastelli é informado de que o mais provável é que tenha cinco anos de vida. Apesar da notícia surpreendente, ele não hesita e diz à sua esposa Anna: “Sou feliz. Tive tanto da vida e agora contigo tive tudo”. E após alguns dias: “Foi-me dado mais tempo, graças a Deus. Não falemos mais nisso. Vivamos uma vida normal”, e ela cumpre com igual força espiritual.

Os cinco anos sucessivos são espetaculares: o Dr. Rastelli elabora novas classificações e procedimentos para cirurgias cardíacas, que, nos manuais médicos de todo o mundo, ainda são conhecidos como os Procedimentos de Rastelli 1 e 2. Ao mesmo tempo, o seu crescimento espiritual e humano, que poucas pessoas conhecem, torna-se cada vez mais sobrenatural.

Giancarlo exerce a sua generosidade para com os pacientes e amigos, pagando mesmo pessoalmente as caríssimas cirurgias na Mayo, a crianças que chegam de Itália para serem tratadas por ele. Acolhe-as até em sua casa, se não tiverem dinheiro para se hospedarem nos EUA. Uma vez escreveu sobre isto: “Saber, sem saber amar, não é nada. É menos que nada”. Em 1966, nasceu a filha de Giancarlo e Anna: Antonella.

Anna, sua esposa, descreve a sua relação da seguinte forma: “Em Gian descobri a minha razão de ser. Gian é a prova da existência de Deus e da eternidade. Mas, na minha felicidade, há lágrimas por aquilo que se sabe e não se pode dizer. Pensei que estava a enlouquecer, mas a força veio grande e inesperada. Cada dia é um presente do céu. O nosso caminho é tão leve como a respiração e tão importante como a vida. E não estou a falar da vida nesta terra, que consideramos o tempo roubado à eternidade, mas da vida para sempre".

A doença de Giancarlo faz-se sentir cada vez mais forte. Sujeita-se a recaídas, ciclos de Rontgen e quimioterapia. Em janeiro de 1970, sofre com uma febre esgotante, que impediu quase completamente a sua investigação profissional. No final do mesmo mês, quis apresentar à sua equipa o “terceiro procedimento de Rastelli”, mas não pôde participar no encontro nesse dia. Internado e intubado, morreu a 2 de fevereiro sem ter podido revelar o seu terceiro método.

Em 2005, o processo de beatificação de Giancarlo Rastelli foi aberto.

  

PARTE II - VIGÍLIA

É Ele quem vos espera, quando nada do que encontrais vos satisfaz; Ele é a beleza que tanto vos atrai; é Ele quem vos provoca com aquela sede de radicalidade que não vos deixa ceder a compromissos; é Ele quem vos impele a depor as máscaras que tornam a vida falsa; é Ele quem vos lê no coração as decisões mais verdadeiras que outros quereriam sufocar. É Jesus quem suscita em vós o desejo de fazer da vossa vida algo de grande, a vontade de seguir um ideal, a recusa de vos deixardes submergir pela mediocridade, a coragem de vos empenhardes, com humildade e perseverança, no aperfeiçoamento de vós próprios e da sociedade, tornando-a mais humana e fraterna. (São João Paulo II, Vigília de oração na XV Jornada Mundial da Juventude, 2000)

Premissas gerais

A Vigília realizada durante a iniciativa "24 horas para o Senhor" tem um papel fundamental, porque caracteriza todo o evento; portanto, é desejável que seja celebrada com o Santíssimo Sacramento exposto, enquanto um ou mais sacerdotes permanecem disponíveis para celebrar o Sacramento da Reconciliação.

Esta Vigília inspira-se nas palavras do Evangelho de Lucas: “Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador” (cf. 18,13), realçando a iniciativa do homem que se volta para Deus em busca de perdão. O Evangelista Lucas conta a parábola de Jesus sobre dois homens que vão ao templo para orar (cf. Lc 18,9-14). No relato, a atitude do fariseu aparece em contraposição com a do publicano. Enquanto o primeiro, de pé durante a oração, se vangloria das suas ações perante o Senhor, o segundo, mantendo-se à distância e com os olhos abaixados, reconhece a sua culpa. A consciência da sua culpa leva o publicano a formular uma das mais simples orações de perdão: “Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador”. A oração é acolhida e o publicano volta para casa justificado por Deus, ao contrário do fariseu, que se justifica a si próprio. O texto pode ser compreendido de várias maneiras. Centramo-nos em duas delas: a primeira destaca a ação do homem que se reconhece como pecador perante Deus e que humildemente faz um pedido de perdão. O segundo, por outro lado, adverte contra uma atitude humana que procura a autojustificação através da comparação com outros homens. Durante este processo, o homem encontra defeitos nos outros e percebe-se a si próprio como melhor do que eles. O sentimento de superioridade não lhe permite pedir perdão a Deus.

O evento das “24 horas para o Senhor” está intimamente ligado ao tempo litúrgico da Quaresma, e em particular ao IV Domingo de Quaresma, anteriormente conhecido como “Laetare”. A alegria celebrada durante este dia nasce da conversão pessoal, da reconciliação com Deus e da graça recebida no Sacramento do Perdão. As leituras dominicais (1 Sam 16,1b.4.6-7.10-13; Sl 22; Ef 5,8-14; Jo 9,1-41) apresentam, entre outras coisas, como o homem é escolhido por Deus e tocado pela sua graça, abandonando a vida das trevas e tornando-se um filho da luz. Esta passagem das trevas para a luz, da morte para a vida, do pecado para o perdão, é ilustrada através do processo de cura do homem cego de nascença.

Decidiu-se colocar esta iniciativa precisamente nos dias que antecedem o IV Domingo de Quaresma, para dar a todos os fiéis a possibilidade de libertarem as suas vidas dos pecados, preparando-se assim para a Páscoa que se aproxima.

Durante o decorrer da iniciativa “24 horas para o Senhor”, é oportuno sublinhar os conteúdos acima indicados. Contudo, o modo como desenvolver a iniciativa, assim como a escolha dos temas e passagens bíblicas é sempre deixada ao critério dos pastores e organizadores do evento, que, nas diversas partes do mundo, conhecem melhor as necessidades dos fiéis confiados ao seu cuidado pastoral.

N.B. A reconciliação com Deus e com os homens restitui ao homem a paz. As guerras e a paz não são um simples fruto das negociações políticas, mas acima de tudo da disposição dos corações humanos. Neste sentido, cada homem, e mais ainda cada cristão, é responsável pela guerra e pela paz nas sociedades e entre as nações. A missão de todos nós é cultivar o coração misericordioso e propagar a cultura do perdão e da paz. Durante a iniciativa “24 horas para o Senhor”, não pode faltar a oração pela paz e pela reconciliação entre as nações em guerra e entre grupos sociais que se encontram em conflito.

Da prática dos anos precedentes, infere-se que a iniciativa decorre, geralmente, em três modos:

1. Nas pequenas comunidades, tais como hospitais, prisões ou paróquias/reitorias com um número relativamente pequeno de fiéis.

Neste caso, toda a iniciativa decorre frequentemente na sexta-feira à noite. Poder- se-ia iniciar o evento com a Liturgia Penitencial, depois expor o Santíssimo Sacramento e, com a Adoração Eucarística silenciosa ou animada por um grupo de oração (de acordo com as possibilidades e necessidades da comunidade), convidar todos à reconciliação sacramental com Deus.

2. Nas paróquias maiores (sobretudo nas áreas urbanas), nas prefeituras (e/ou vicariatos/decanatos) ou onde se decidir organizar o evento em várias paróquias/comunidades.

Seria apropriado começar na sexta-feira à noite com a Santa Missa ou a Liturgia da Palavra. Em seguida, expõe-se o Santíssimo Sacramento e começa a Adoração Eucarística, animada por vários grupos paroquiais ou por várias paróquias.

Os responsáveis determinam tanto o programa de toda a Adoração como a sua duração, assegurando turnos para as confissões dos fiéis.

3. Nasigrejascatedrais,basílicas,santuários,ounasparóquiaselocaisdecultomais significativos para a Igreja local e cuidadosamente escolhidos pelo Ordinário ou pelos responsáveis.

O evento deve ser organizado de forma mais solene, sublinhando a universalidade da Igreja que o celebra simultaneamente em todo o mundo. A Igreja deve também permanecer aberta à noite, com a Adoração Eucarística animada por turnos por vários grupos de oração e por várias comunidades. É desejável que o Ordinário e os Bispos estejam presentes pelo menos no início e no fim do evento, dando também a sua disponibilidade na celebração do Sacramento da Reconciliação. Deve ser assegurada a presença constante de um ou mais sacerdotes disponíveis para ouvir confissões.

Sempre que possível, um grupo de fiéis, especialmente formado e preparado, poderia convidar as pessoas que passam junto da igreja a entrar e participar no evento (sobretudo nas igrejas centrais das cidades, nos centros históricos e turísticos, nos lugares com grande afluência de pessoas, etc). Um simples convite, uma palavra de boas- vindas, uma explicação sobre o evento constituem frequentemente uma oportunidade para iniciar um diálogo muito mais sério, tornando-se um verdadeiro momento de evangelização. Frequentemente, os fiéis leigos, especialmente aqueles que recebem sistematicamente formação em várias comunidades e grupos de oração, podem realizar um ótimo serviço na preparação para a confissão, dialogando com pessoas que não vão à igreja há muito tempo e que podem sentir-se desconfortáveis na presença direta e imediata do sacerdote.

Para adaptar a proposta de Vigília às necessidades particulares de uma comunidade específica (paróquia, capela hospitalar, mosteiro, reitoria, santuário, etc.), podem escolher-se cânticos. Para aprofundar os temas recorrentes nos textos bíblicos propostos, sugere-se que se prepare uma meditação ou se escolham alguns testemunhos, de acordo com as necessidades e possibilidades da própria comunidade.

Início da Vigília Liturgia penitencial

Enquanto o presbítero e os ministros se dirigem para o presbitério, a assembleia canta um hino ou um outro cântico adequado.

SAUDAÇÃO E MONIÇÃO

C: Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

R: Amen.

C: A graça, a misericórdia e a paz de Deus, nosso Pai

e de Jesus Cristo, nosso Salvador, estejam convosco. R: Bendito seja Deus, que nos reuniu no amor de Cristo.

C: “Jesus disse também a seguinte parábola, a respeito de alguns que confiavam muito em si mesmos, tendo-se por justos e desprezando os demais”. Com estas palavras, o Evangelista Lucas convida-nos a uma viagem através da intimidade dos nossos corações. Espontaneamente surgem as questões: Como me relaciono com os outros? O que penso deles? O que penso do próprio Deus? Irmãos e irmãs, as perguntas permitem-nos rever e recompor o tecido da nossa vida quotidiana, das relações constituídas por pensamentos, palavras e ações incompletas – e frequentemente erradas, dolorosas e prejudiciais. Deus não nos condena, mas espera pacientemente até que compreendamos o nosso erro e ergamos o grito: “Tem piedade de mim, que sou pecador”. Esta noite, na intimidade do nosso coração, peçamos a Deus misericórdia para nós e para os nossos irmãos e irmãs, que ainda não encontraram a força para estar aqui connosco e pedir misericórdia ao Pai.

E todos oram em silêncio durante alguns momentos. A seguir, o sacerdote prossegue:

C: Oremos.

Estende as mãos e diz:

C: Ó Deus, vós não fazeis aceção de pessoas e dais-nos a certeza de que a oração do humilde atravessa as nuvens; olhai para nós como para o publicano arrependido, e fazei que nos abramos à confiança na tua misericórdia para sermos perdoados no Vosso nome.

Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus e convosco vive e reina, na unidade do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos.

Todos respondem: Amen.

LITURGIA DA PALAVRA

Primeira Leitura

Leitura do Livro de Ben-Sirá

O Senhor é um juiz que não faz aceção de pessoas. Não favorece ninguém em prejuízo do pobre e atende a prece do oprimido. Não despreza a súplica do órfão, nem os gemidos da viúva. Quem adora a Deus será bem acolhido e a sua prece sobe até às nuvens. A oração do humilde atravessa as nuvens e não descansa enquanto não chega ao seu destino. Não desiste, até que o Altíssimo o atenda, para estabelecer o direito dos justos e fazer justiça.

L: Palavra do Senhor R: Graças a Deus.

Salmo Responsorial

R. O pobre clamou e o Senhor ouviu a sua voz.

A toda a hora bendirei o Senhor, o seu louvor estará sempre na minha boca. A minha alma gloria-se no Senhor: escutem e alegrem-se os humildes.

Sir 35,15b-17.20-22a

Do Sal 33

O Senhor está perto dos que têm o coração atribulado e salva os de ânimo abatido.

O Senhor defende a vida dos seus servos,

não serão castigados os que n’Ele confiam.

Aclamação antes do Evangelho

Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo, Senhor.

Deus estava em Cristo

reconciliando o mundo consigo

e confiou-nos a palavra da reconciliação.

Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo, Senhor.

Evangelho

C: O Senhor esteja convosco.

R: Ele está no meio de nós.

C: Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas R: Glória a vós, Senhor.

Mt 4,23

Naquele tempo, Jesus disse a seguinte parábola para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros: «Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu, de pé, orava assim: ‘Meu Deus, dou-Vos graças por não ser como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de todos os meus rendimentos’. O publicano ficou a distância e nem sequer se atrevia a erguer os olhos ao Céu; mas batia no peito e dizia: ‘Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador’. Eu vos digo que este desceu justificado para sua casa e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado».

C: Palavra da salvação. R: Glória a vós, Senhor.

Segue-se a homilia.

Todos se levantam.

CONFISSÃO GERAL DOS PECADOS

Após uma breve pausa para reflexão, o celebrante diz:

 (18,9-14)

C: Inspirados pela humildade do publicano, peçamos a Deus o perdão dos nossos pecados.

C: Confesso a Deus todo-poderoso

R: e a vós, irmãos, que pequei muitas vezes por pensamentos e palavras, atos e omissões, por minha culpa, minha tão grande culpa. E peço à Virgem Maria, aos Anjos e Santos, e a vós, irmãos, que rogueis por mim a Deus, nosso Senhor

C: Deus Pai todo-poderoso, tenha compaixão de nós, perdoe os nossos pecados e nos conduza à vida eterna.

R. Amen.

ORAÇÃO DO SENHOR

C: Inspirados pela Palavra do Senhor, que nos convida a pedir a Deus a remissão dos nossos pecados, elevemos até Ele a nossa oração unânime:

R: Pai nosso, que estais nos céus, santificado seja o vosso nome; venha a nós o vosso reino; seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje; perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido; e não nos deixeis cair em tentação; mas livrai-nos do mal.

ABRAÇO DA PAZ

Se as normas sanitárias o permitirem, o Celebrante diz:

C: Caríssimos irmãos e irmãs, reconciliados pela graça de Dio, recebida por meio de Jesus Cristo, saudai-vos com um gesto de paz.

Todos se saúdam, segundo os costumes locais, em sinal de mútua paz.

EXPOSIÇÃO DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO

Procede-se com a exposição do Santíssimo Sacramento “more solito” e com a Adoração Eucarística animada, que durará até ao final da iniciativa “24 horas para o Senhor”.

Segue-se o tempo para as confissões e a absolvição individual.

No final da Vigília, dá-se a bênção solene com o Santíssimo Sacramento. Em alguns lugares, sobretudo onde a iniciativa “24 horas para o Senhor” se desenvolve de modo solene, concluindo-se na noite de sábado, poder-se-á celebrar a Santa Missa do IV Domingo de Quaresma, ou Vésperas I.


Desenvolvimento da Vigília

Este texto é uma proposta que deverá ser posteriormente concretizada e adaptada, dependendo das tradições locais.

Tendo em conta a duração da vigília, o número de participantes, as possibilidades de organização e outros factores, a animação da Adoração Eucarística poderá realizar-se por turnos, com uma mudança temática após cada hora.

Durante a celebração da vigília, não deverão faltar momentos de oração silenciosa diante do Santíssimo Sacramento.

PROPOSTA PARA UMA HORA DE ADORAÇÃO

Tendo-se exposto o Santíssimo Sacramento, após um momento de silêncio, canta-se um cântico. Segue-se a leitura da passagem bíblica:

Escutemos as palavras da carta de são Paulo aos Efésios

Irmãos:

Outrora vós éreis trevas,

mas agora sois luz no Senhor.

Vivei como filhos da luz,

porque o fruto da luz é a bondade, a justiça e a verdade. Procurai sempre o que mais agrada ao Senhor.

Não tomeis parte nas obras das trevas, que são inúteis; tratai antes de condená-las abertamente,

porque o que eles fazem em segredo

até é vergonhoso dizê-lo.

Mas, todas as coisas que são condenadas

são postas a descoberto pela luz,

e tudo o que assim se manifesta torna-se luz.

É por isso que se diz:

«Desperta, tu que dormes; levanta-te do meio dos mortos e Cristo brilhará sobre ti».

Permanece-se em silêncio.

TESTEMUNHO/MEDITAÇÃO

(5,8-14)

De seguida, propõe-se um testemunho de conversão. Tal testemunho poderia ser dado por uma pessoa que desejasse partilhar como o Senhor tocou o seu coração com a graça do perdão. Em alternativa, poder-se-ia ler o testemunho de conversão de Giancarlo Rastelli que se encontra neste subsídio. Se não for possível apresentar o testemunho, poderá propor-se um texto meditativo, tal como:

Exposição sobre o Salmo 62, S. Agostinho

Existe um sono da alma e um sono do corpo. Todos nós devemos ter o sono do corpo, porque se não tivermos sono desfalecemos e o corpo se enfraquece. O nosso corpo frágil não suporta por longo tempo o peso do espírito desperto e empenhado na ação; se o espírito se empenhar longamente na ação, o corpo frágil e terreno não aguenta, não suporta esta ação contínua, desfalece e sucumbe. Por isso Deus deu ao corpo o sono, reparador das forças corporais, a fim de que seja capaz de suportar o espírito desperto. No entanto, o que devemos evitar é o sono da alma; o sono desta é um mal. É um bem o sono corporal que restaura a saúde corporal. O sono da alma, porém, consiste em esquecer-se de Deus. E toda a alma que se esquece de Deus dorme. Por isso, o Apóstolo censura a alguns que, esquecidos de Deus, como que em sonho, entregam-se ao delírio do culto idolátrico. Os que adoram os ídolos são como os que sonham; quando acordam, entendem quem os criou e não adoram o que eles mesmos fabricaram. Exorta o Apóstolo a alguns: “Ó tu, que dormes, desperta e levanta-te de entre os mortos, que Cristo te iluminará” (Ef 5,14). Queria por acaso o Apóstolo despertar alguém entregue a um sono corporal? Não, pelo contrário, acordava a alma adormecida, e despertava-a para ser iluminada por Cristo. É de acordo com esta vigília da alma que reza o salmista: “Deus, meu Deus, desde o raiar da aurora, estou de vigília a procurar-te”. Não estarias desperto espiritualmente, se não tivesse raiado tua luz, para te acordar. Pois, Cristo ilumina as almas e as faz vigilantes; se ele retira a sua luz, elas adormecem. Por esta razão, pede- lhe outro salmo: “Ilumina os meus olhos, a fim de que não adormeça em sono mortal” (Sl 12,4). Ainda que certas almas, afastando dele o olhar, adormeçam, a luz está presente para elas da mesma forma; elas é que não podem vê-la, porque dormem. Assim acontece com aquele que dorme durante o dia; o sol já nasceu, o dia vai adiantado, mas para esse é como se fosse noite, porque não está acordado para ver que o dia já raiou. De igual modo, assim acontece espiritualmente com alguns. Cristo já está presente, a verdade já foi anunciada, mas as suas almas dormem ainda. Por isso, vós, se estais despertos, dizei-lhes cada dia: “Ó tu, que dormes, desperta e levanta-te de entre os mortos, que Cristo te iluminará”. A vossa vida, os vossos costumes devem estar despertos para Cristo, a fim de que os outros, os pagãos mergulhados no sono, acordem ao som de vossas vigílias, sacudam o torpor, e comecem convosco a repetir: “Deus, meu Deus, desde o raiar da aurora, estou de vigília a procurar-te”.

Depois do testemunho/meditação, segue-se um cântico e permanece-se em oração silenciosa.

De seguida, pode fazer-se uma oração de intercessão, rezada por toda a assembleia.


 Salve, estrela do mar,

Mãe do Verbo de Deus, Virgem pura entre as virgens, Feliz porta do Céu.

Saudada pelo Arcanjo: «Ave, cheia de graça». Dá-nos a tua paz, Mudando o nome de «Eva».

Quebra ao preso as cadeias, Dá aos cegos a vista, Afugenta a desgraça, Traz-nos todos os bens.

Mãe de Deus, nossa Mãe, Ouça os nossos pedidos Aquele que por nós

Quis chamar-Se teu Filho.

Virgem incomparável, Mãe de misericórdia, Liberta-nos da culpa, Faz-nos mansos e castos.

Dá-nos a vida pura

E o seguro caminho,

Para que, vendo o teu Filho, Sempre nos alegremos.

Glória a Deus, Pai eterno, Glória ao Filho, Senhor, Com o Espírito Santo, Agora e para sempre.

Amen.

ORAÇÃO A NOSSA SENHORA

Segue-se um cântico e permanece-se em oração silenciosa até ao final da Hora de Adoração.

De acordo com a duração da vigília, este esquema pode ser repetido, mudando as passagens bíblicas e os cânticos, e alternando os testemunhos, as meditações e as orações.

Tendo em conta o tempo litúrgico da Quaresma, seria desejável incluir também a Via Crucis. Pode propor-se também a oração do Santo Rosário e/ou o Terço da Divina Misericórdia.

Algumas passagens bíblicas para incluir noutras Horas da vigília: Salmo 51 (salmo de arrependimento); Jo 8,1-11 (a mulher adúltera); Col 1,9-14 (das trevas para a luz de Cristo).

Em alternativa, tanto para um aprofundamento individual como para a celebração comunitária, propõe-se a Lectio divina, para a qual se segue uma proposta, ou a reflexão do Papa Francisco sobre a Oração do Coração, que se encontra sucessivamente à Lectio.


Lectio Divina de Jo 9,1-41 /Domingo IV de Quaresma / (Ir. Ana Felício, asm)

O Espírito Santo,

alma da minha alma,

eu Vos adoro.

Iluminai-me, guiai–me,

fortificai-me, consolai-me,

dizei-me o que devo fazer,

dai-me as Vossas ordens.

Prometo submeter-me

a tudo o que desejardes de mim

e aceitar tudo o que permitirdes que me aconteça. Fazei-me somente conhecer a Vossa vontade. Ámen.

O Espirito Santo, que inspirou a Escritura, que guiou os profetas, que agia em Jesus e o levava a agir sempre conforme à vontade do Pai, é o mesmo Espirito que nos fala hoje através da Palavra, que nos ilumina, que nos guia, nos fortifica e consola.

Pode ajudar-nos aquilo que disse o Papa Francisco, na Audiência Geral de 27 de janeiro de 2021, em que refletiu precisamente sobre a oração com as Sagradas Escrituras. Dizia o Santo Padre: «Aquele versículo da Bíblia foi escrito também para mim, há muitos séculos, para me trazer uma palavra de Deus. Foi escrito para cada um de nós. Esta experiência acontece a todos os crentes: uma passagem da Escritura, ouvida muitas vezes, de repente um dia fala-me e ilumina uma situação que estou a viver... Portanto, lemos as Escrituras para que elas “nos leiam”».

1. Ler com obediência

O Santo Padre, nessa mesma ocasião, convidava a começar por «ler a passagem bíblica com atenção, [...] com “obediência” ao texto, a fim de compreender o que ele significa em si mesmo».

Com esta certeza, abramos a Bíblia, no capitulo 9 do evangelho de S. João.

Naquele tempo, Jesus encontrou no seu caminho um cego de nascença. Os discípulos perguntaram-Lhe: «Mestre, quem é que pecou para ele nascer cego? Ele ou os seus pais?». Jesus respondeu-lhes: «Isso não tem nada que ver com os pecados dele ou dos pais; mas aconteceu assim para se manifestarem nele as obras de Deus. É preciso trabalhar, enquanto é dia, nas obras d’Aquele que Me enviou. Vai chegar a noite, em que ninguém pode trabalhar. Enquanto Eu estou no mundo, sou a luz do mundo». Dito isto, cuspiu em terra, fez com a saliva um pouco de lodo e ungiu os olhos do cego. Depois disse-lhe: «Vai lavar-te à piscina de Siloé» ─ Siloé quer dizer «Enviado» ─. Ele foi, lavou-se e ficou a ver.

Entretanto, perguntavam os vizinhos e os que antes o viam a mendigar: «Não é este o que costumava estar sentado a pedir esmola?». Uns diziam: «É ele». Outros afirmavam: «Não é. É parecido com ele». Mas ele próprio dizia: «Sou eu». Perguntaram-lhe então: «Como foi que se abriram os teus olhos?». Ele respondeu: «Esse homem, que se chama Jesus, fez um pouco de lodo, ungiu-me os olhos e disse-me: ‘Vai lavar-te à piscina de Siloé’. Eu fui, lavei-me e comecei a ver». Perguntaram-lhe ainda: «Onde está Ele?». O homem respondeu: «Não sei».

Levaram aos fariseus o que tinha sido cego. Era sábado esse dia em que Jesus fizera lodo e lhe tinha aberto os olhos. Por isso, os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista. Ele declarou-lhes: «Jesus pôs-me lodo nos olhos; depois fui lavar-me e agora vejo». Diziam alguns dos fariseus: «Esse homem não vem de Deus, porque não guarda o sábado». Outros observavam: «Como pode um pecador fazer tais milagres?». E havia desacordo entre eles. Perguntaram então novamente ao cego: «Tu que dizes d’Aquele que te deu a vista?». O homem respondeu: «É um profeta». Os judeus não quiseram acreditar que ele tinha sido cego e começara a ver. Chamaram então os pais dele e perguntaram-lhes: «É este o vosso filho? É verdade que nasceu cego? Como é que ele agora vê?». Os pais responderam: «Sabemos que este é o nosso filho e que nasceu cego; mas não sabemos como é que ele agora vê, nem sabemos quem lhe abriu os olhos. Ele já tem idade para responder; perguntai-lho vós». Foi por medo que eles deram esta resposta, porque os judeus tinham decidido expulsar da sinagoga quem reconhecesse que Jesus era o Messias. Por isso é que disseram: «Ele já tem idade para responder; perguntai-lho vós».

Os judeus chamaram outra vez o que tinha sido cego e disseram-lhe: «Dá glória a Deus. Nós sabemos que esse homem é pecador». Ele respondeu: «Se é pecador, não sei. O que sei é que eu era cego e agora vejo». Perguntaram-lhe então: «Que te fez Ele? Como te abriu os olhos?». O homem replicou: «Já vos disse e não destes ouvidos. Porque desejais ouvi-lo novamente? Também quereis fazer-vos seus discípulos?». Então insultaram-no e disseram-lhe: «Tu é que és seu discípulo; nós somos discípulos de Moisés. Nós sabemos que Deus falou a Moisés; mas este, nem sabemos de onde é». O homem respondeu-lhes: «Isto é realmente estranho: não sabeis de onde Ele é, mas a verdade é que Ele me deu a vista. Ora, nós sabemos que Deus não escuta os pecadores, mas escuta aqueles que O adoram e fazem a sua vontade. Nunca se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença. Se Ele não viesse de Deus, nada podia fazer». Replicaram-lhe então eles: «Tu nasceste inteiramente em pecado e pretendes ensinar-nos?». E expulsaram-no.

Jesus soube que o tinham expulsado e, encontrando-o, disse-lhe: «Tu acreditas no Filho do homem?». Ele respondeu-Lhe: «Quem é, Senhor, para que eu acredite n’Ele?». Disse-lhe Jesus: «Já O viste: é quem está a falar contigo». O homem prostrou-se diante de Jesus e exclamou: «Eu creio, Senhor». Então Jesus disse: «Eu vim a este mundo para exercer um juízo: os que não veem ficarão a ver; os que veem ficarão cegos». Alguns fariseus que estavam com Ele, ouvindo isto, perguntaram-Lhe: «Nós também somos cegos?». Respondeu-lhes Jesus: «Se fôsseis cegos, não teríeis pecado. Mas como agora dizeis: ‘Nós vemos’, o vosso pecado permanece».

2. Entrar em diálogo

Ouçamos agora as palavras do Papa Francisco: «Em seguida entra-se em diálogo com a Escritura, para que aquelas palavras se tornem um motivo de meditação e oração: permanecendo sempre fiel ao texto, começo a perguntar-me o que ele “diz a mim”».

Santa Teresa d’Avila afirmava que a oração não é outra coisa senão «um tratar de amizade, estando muitas vezes a sós com Aquele que sabemos que nos ama» (Livro da Vida 8,5). Este é o momento para iniciar um diálogo entre amigos.

Começamos imaginando a cena... O texto diz-nos que «Jesus encontrou no seu caminho um cego de nascença». Imaginando a cena, parece que Jesus, um dia, por acaso, encontrou um cego de nascença... Parece que foi por acaso, mas Jesus depois dirá “é preciso”... era preciso! Era preciso que Jesus encontrasse aquele cego, ou melhor, Jesus queria encontrá-lo, queria entrar na sua vida, tal como quer entrar na vida de cada um de nós.

Jesus vê um cego de nascença. Os seus discípulos também o viram, mas não viram a mesma coisa que Jesus. Os discípulos, por detrás do cego, viram a lógica pecado-doença, a lógica da retribuição: se fazes obras boas, és bendito por Deus; se fazes obras más, és amaldiçoado. A questão que os discípulos colocam a Jesus – «Mestre, quem é que pecou para ele nascer cego? Ele ou os seus pais?» – corresponde à mentalidade da época, segundo a qual a doença era consequência dos pecados.

Jesus vem destruir esta lógica, que vê Deus como um justiceiro, que castiga quando erramos. Jesus vem mostrar o rosto do Pai, que é um rosto de luz, porque este Pai que está no Ceu «faz com que o Sol se levante sobre os bons e os maus» (Mt 5,45), faz brilhar a sua luz sobre todos os seus filhos.

Parece que os discípulos se voltam para trás, detendo-se a contemplar o passado, à procura de causas que justifiquem a situação. Mas, agindo assim, voltam as costas ao cego. Jesus é diferente. O seu olhar dirige-se para diante, ele não olha para o passado, olha para aquele que tem diante de si e vê-o. Jesus viu aquele homem. Viu alguém diante de si, uma pessoa que vivia presa “nas trevas e nas sombras da morte” (Lc 1,79) e é isso que o atrai. Enquanto os discípulos parecem procurar culpados, Jesus preocupa-se unicamente em curar e dar a vida. Ele não veio para condenar o mundo, mas para salvar o mundo (cf. Jo 3,17)!

Voltemos à cena... O cego está parado, à espera de alguém que o ajude. Jesus passa e toma a iniciativa. Sem perguntar nada àquele homem, e sem que ele lhe peça nada... Jesus sabe. Ele já sabe. Tal como o Pai celeste, Ele sabe muito bem o que precisamos, muito antes de lhe pedirmos (cf. Mt 6,8). Ele conhece o que se esconde nas trevas, a escuridão em que habitamos não nos esconde dele (cf. Sl 139,11), porque Ele é a luz do mundo.

 Neste momento, Jesus age: faz com a saliva um pouco de barro e unta os olhos do cego. Depois, manda-o ir lavar-se na piscina de Siloé. O cego faz o que Jesus lhe manda e volta curado.

Fazia parte da tradição primitiva as curas realizadas com saliva. Por ser emanada da boca, pensava-se que a saliva transmitia o alento da vida, o sopro vital, e, por isso, tinha propriedades curativas. Quando o evangelista S. João descreve que Jesus fez lama, está a fazer uma alusão ao barro a partir do qual Deus criou o Homem (cf. Gn 2,7). Assim rezava Job na sua dor: «Lembra-te que me formaste com o barro» (Jb 10,9). Deus está atento à voz das nossas súplicas. No grito mudo deste homem cego, Jesus, ao usar este barro/lama, volta a formá-lo. Fá-lo nascer de novo. Há uma nova criação!

Jesus usa dois elementos: um elemento pré-existente, a terra, e um elemento pessoal, a saliva. É sempre assim que Jesus nos cura: usa aquilo que somos, usa a nossa terra, e dá-nos o seu Espirito. Assim nos cura, assim nos transforma, assim nos vivifica. Com esse mesmo Espirito que Ele nos doou na sua Páscoa, o Espírito «que é Senhor e dá a vida». Tal como a Criação do mundo aconteceu através da Palavra e do sopro vital, aqui, a comunicação da Graça de Deus dá-se pela boca do Verbo. Assim, a cura deste homem cego de nascença representa a criação do Homem novo. É uma antecipação da Páscoa: Cristo Ressuscitado ilumina o mundo com o fogo novo.

É de tal forma uma nova criação que os outros, que o rodeiam, já não o conhecem: «”Não é este o que costumava estar sentado a pedir esmola?”. Uns afirmavam: “Não é. É parecido com ele”» ... Há mesmo uma transformação profunda. Quando Jesus nos toca, algo nos muda, e nem sabemos bem explicar o que aconteceu. Também o cego, às perguntas que lhe fazem, só sabe dizer: «Jesus pôs-me lodo nos olhos; depois fui lavar- me e agora vejo»; o resto não sabe dizer. Quando Jesus nos toca, é uma experiencia que não sabemos explicar, só sabemos que vemos as coisas de forma diferente!

Jesus é a luz do mundo e a Luz não se impõe, deixa-nos ver aquilo que existe, não impõe a sua presença. O escuro, pelo contrário, é impositivo. Quando está escuro, só vemos isto mesmo: escuro. Quando há luz, vemos muito mais! Jesus faz isto connosco! Quer fazer-nos ver mais! De facto, ao curar o cego, Jesus faz-nos entender algo do mistério do sofrimento que nos toca. Faz-nos entender que o sofrimento nunca é um castigo de Deus! Esse Deus não é o Abba de Jesus. O mistério do sofrimento é um mistério insondável para o qual não temos resposta. Quando o sofrimento nos toca, no fundo, em nós surge a mesma dúvida dos discípulos, essa dúvida que foi colocada dentro de nós pela serpente antiga: «Será que Deus é mesmo um pai bom, que só quer o nosso bem? Então porque nos acontece isto? Porque sofro assim? Porque sofrem aqueles que amo?».

Diante destas questões, não podemos dar respostas apressadas, como as dos discípulos. Há um certo silencio sagrado que se impõe. Deus não quer o nosso sofrimento, ma ele chega-nos – inevitavelmente – por motivos que tantas vezes não entendemos... E Deus pode usá-lo para que, em nós, se «manifestem as obras de Deus». Como? Se nos momentos de sofrimento soubermos viver «com os mesmos sentimentos» com que Jesus viveu a sua Cruz (cf. Fl 2,5). Vivendo em total abandono ao Pai, repetindo com Jesus: «Pai, não se faça a minha vontade, mas a tua (cf. Lc 22, 42). Não vejo, não sei porque isto me esta a acontecer, mas confio em ti. Sei que me amas e que, em ti, tudo concorre para o bem (cf. Rm 8,28), por vias misteriosas que não conheço nem entendo». Quando temos a coragem e a graça de viver assim, o sofrimento é uma espécie de autoestrada para o Céu. Configura-nos com Cristo, torna-nos mais semelhantes a Ele.

É só neste tornarmo-nos «um só» com Ele que reside a possibilidade de vivermos a vida nova que Jesus nos traz.

3. Contemplar com amor

Continua o Papa Francisco: «Através da oração, a Palavra de Deus vem habitar em nós e nós habitamos nela... Em dias “maus” e confusos, assegura ao coração um núcleo de confiança e amor que o protege dos ataques do maligno... Aqui as palavras e os pensamentos dão lugar ao amor, como entre os noivos que por vezes se olham em silêncio. O texto bíblico permanece, mas como um espelho, como um ícone a ser contemplado».

Temos tanta necessidade deste diálogo que se torna silêncio; olhar Deus e deixar que Ele nos olhe; ver com que amor Ele nos olha...

Imaginemos que Ele passa diante de nós. Tantas vezes não o vemos, cegos com tantas coisas, distraídos e dispersos. Ele passa, vê-nos, mas nós não o vemos. Mas Ele vê-nos e toca-nos. Não passa adiante, não desvia o olhar para outro lado. Olha-nos com atenção, sabe daquilo de que temos necessidade e toca-nos. Não nos deixa iguais. Algo em nós muda quando o Senhor passa e nos toca. Imaginemo-lo. Imaginemo-lo estender o braço e tocar-nos com a mão.

Mas o tato é sempre contacto e o contacto nunca é unilateral, é sempre recíproco. Quando a pele toca alguma coisa, é, por sua vez, tocada por aquilo que toca. A mão de Jesus tocou o olho do cego e este restituiu o toque. A mão de Jesus sente-se, assim, tocada. Se Jesus nos toca, algo em nós também o toca.

Aqui começa a relação. Jesus toma a iniciativa, mas também nós correspondemos nesta relação. Façamos-lhe companhia, deixemos o coração falar, não com orações já escritas, mas com palavras que brotam do nosso coração.

Ansiamos a tua luz

Ilumina-nos

Ensina-nos o caminho para a morada da luz Onde moras

Diz-nos o que vês

Diz-nos como vês

Só o teu rosto se fará caminho

4. A Palavra faz-se carne

Conclui o Papa Francisco: «Através da oração realiza-se uma nova encarnação do Verbo. E nós somos os “tabernáculos” onde as palavras de Deus querem ser recebidas e guardadas, para poder visitar o mundo... A Palavra de Deus, impregnada do Espírito Santo, quando é recebida com um coração aberto, não deixa as situações como antes, nunca, muda alguma coisa... É assim que a Palavra de Deus se faz carne naqueles que a acolhem em oração».

Jesus, no evangelho, interpela o cego: «Tu acreditas no Filho do homem?». Esta é a pergunta à qual cada um de nós deve responder, com a própria vida! Jesus quer curar o nosso olhar interior e reforçar a nossa fé. Aquele homem, cego de nascença, teve de aceitar a luz e decidir-se livremente por ela. Foi necessário a sua adesão, foi preciso que ele fosse lavar-se à piscina, como ordenou Jesus e, deste modo, recuperou a vista imediatamente. Mas a luz da fé é gradual: passa por «não sei», «é um profeta», «vem de Deus», «eu creio, Senhor». Avancemos também nós pouco a pouco neste caminho de fé, na frequência dos sacramentos, na meditação da Palavra, na caridade fraterna.

Aquele homem, considerado um maldito, um castigado por Deus, um pecador, filho de pais pecadores, tornar-se-á um sacrário da gloria de Deus! Um sacrário onde resplende o amor que Deus é, e que cala as falsas respostas ao mistério do sofrimento que tantas vezes encontramos. Quando Jesus nos toca, Ele transforma a nossa vida, marcada pelo drama do sofrimento, numa existência que revela a ação de Deus.

Recordemos o prólogo do evangelho de S. João: «O Verbo era a Luz verdadeira, que, ao vir ao mundo, a todo o homem ilumina. Ele estava no mundo, mas o mundo não o reconheceu. Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a quantos o receberam, aos que nele creem, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus» (Jo 1,9- 12).

O convite que esta palavra nos deixa é que também nós nos tornemos uma luz que Deus acende para iluminar a humanidade nas suas horas sombrias e inquietas, na expressão de São João Paulo II. Este é o convite que nos é dirigido: acolher a Luz que veio ao mundo e já nos toca! É que outrora éramos trevas, mas agora somos luz no Senhor (cf. Ef 5,8)!

Quarta-feira, 9 de junho de 2021 - Oração do coração - Papa Francisco

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

Nesta penúltima catequese sobre a oração falemos da perseverança no orar. É um convite, na verdade um mandamento, que nos é dado pela Sagrada Escritura. O itinerário espiritual do Peregrino russo começa quando se depara com uma frase de São Paulo na Primeira Carta aos Tessalonicenses: «orai sem cessar, e, em todas as circunstâncias, dai graças» (5, 17-18). As palavras do Apóstolo comovem aquele homem que se questiona como é possível rezar sem interrupção, dado que a nossa vida é fragmentada em tantos momentos diferentes, que nem sempre tornam possível a concentração. A partir desta pergunta ele começa a sua busca, que o levará a descobrir aquela que é chamada a oração do coração. Consiste em repetir com fé: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador!”. Uma oração simples, mas muito bonita. É uma oração que, pouco a pouco, se adapta ao ritmo da respiração e se estende ao longo do dia. Com efeito, a respiração nunca para, nem sequer quando dormimos; e a oração é o respiro da vida.

Como é possível, então, manter sempre um estado de oração? O Catecismo oferece- nos belas citações, tiradas da história da espiritualidade, que insistem na necessidade de uma oração contínua, que é o ponto fulcral da existência cristã. Cito algumas.

O monge Evágrio do Ponto afirma: «Não nos foi pedido que trabalhemos, velemos e jejuemos constantemente – não, isto não nos foi pedido – mas temos a lei de orar sem cessar» (n. 2742). O coração em oração. Existe assim um ardor na vida cristã que nunca deve falhar. É um pouco como aquele fogo sagrado que se conservava nos antigos templos, que ardia sem interrupção e que os sacerdotes tinham a tarefa de manter vivo. Eis: também em nós deve haver um fogo sagrado, que arda continuamente e que nada possa extinguir. Não é fácil, mas deve ser assim.

São João Crisóstomo, outro pastor atento à vida concreta, pregava deste modo: «É possível, mesmo no mercado ou durante um passeio solitário, fazer oração frequente e fervorosa; sentados na vossa loja, a tratar de compras e vendas, até mesmo a cozinhar» (n. 2743). Pequenas orações: “Senhor, tem piedade de nós”, “Senhor, ajuda-me”. Pois bem, a oração é uma espécie de pauta musical, onde colocamos a melodia da nossa vida. Não está em contraste com o trabalho diário, não contradiz as muitas pequenas obrigações e compromissos, mas antes é o lugar onde cada ação encontra o seu sentido, o seu porquê, a sua paz.

Certamente, pôr em prática estes princípios não é fácil. Um pai e uma mãe, ocupados em mil afazeres, podem sentir nostalgia por um período da sua vida, quando era fácil encontrar tempos regulares e espaço para a oração. Depois, os filhos, o trabalho, as ocupações da vida familiar, os pais que envelhecem... Tem-se a impressão de nunca conseguir concluir tudo. Por isso é bom pensar que Deus, nosso Pai, o qual tem de cuidar de todo o universo, se lembra sempre de cada um de nós. Por conseguinte, também nós devemos recordá-Lo sempre!

Podemos então recordar que no monaquismo cristão o trabalho foi sempre realizado com grande honra, não só por dever moral de prover a si mesmo e aos outros, mas também por uma espécie de equilíbrio, um equilíbrio interior: é perigoso para o homem cultivar um interesse tão abstrato a ponto de perder o contacto com a realidade. O trabalho ajuda-nos a manter-nos em contacto com a realidade. As mãos juntas do monge contêm os calos daqueles que empunham pás e enxadas. Quando, no Evangelho de Lucas (cf. 10, 38-42), Jesus diz a Santa Marta que a única coisa realmente necessária é ouvir Deus, não significa de modo algum que despreza os muitos serviços que ela estava a realizar com tanto empenho.

Tudo no ser humano é “binário”: o nosso corpo é simétrico, temos dois braços, dois olhos, duas mãos.... Assim, também o trabalho e a oração são complementares. A oração – que é o “respiro” de tudo – continua a ser o pano de fundo vital do trabalho, até em momentos em que não é explícita. É desumano estar tão absorvidos pelo trabalho a ponto de não encontrar tempo para a prece.

Ao mesmo tempo, uma oração que esteja alienada da vida não é saudável. A oração que nos afasta da realidade do viver torna-se espiritualismo, ou, até pior, ritualismo. Recordemos que Jesus, depois de ter mostrado a sua glória aos discípulos no monte Tabor, não quis prolongar aquele momento de êxtase, mas desceu com eles do monte e retomou o caminho diário. Porque aquela experiência devia permanecer nos corações como luz e força da sua fé; também uma luz e força para os dias que estavam próximos: os da Paixão. Assim, os tempos dedicados a estar com Deus reavivam a fé, que nos ajuda na realidade da vida, e a fé, por sua vez, alimenta a oração, sem interrupção. Nesta circularidade entre fé, vida e oração, o fogo do amor cristão que Deus espera de nós mantém-se aceso.

E recitemos a oração simples que é tão bom repetir durante o dia, todos juntos: “Senhor Jesus, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador”.

 “Ó Deus tem piedade de mim, que sou pecador” (Lc 18,13)

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