«Rezar não é fácil»: Francisco aponta espinhos e
sugere estratégias para perseverar na oração
Seguindo o modelo do Catecismo, nesta
catequese referir-nos-emos à experiência vivida da oração, procurando
mostrar-lhe algumas das dificuldades muito comuns, que devem ser identificadas
e superadas. Rezar não é fácil: há muitas dificuldades que ocorrem na oração. É
preciso conhecê-las, especificá-las e superá-las.
O primeiro problema que se apresenta a
quem reza é a distração. Começas a rezar e depois a mente gira, gira por todo o
mundo; o teu coração está lá, a mente está lá... a distração da oração. A
oração convive muitas vezes com a distração. Com efeito, a mente humana tem
dificuldade em deter-se longamente sobre um só pensamento. Todos experimentamos
este contínuo turbilhão de imagens e de ilusões em perene movimento, que nos
acompanha até durante o sono. E todos sabemos que não é bom dar seguimento a
esta inclinação desordenada. A luta para conquistar e manter a concentração não
diz respeito apenas à oração. Se não se alcança um grau suficiente de concentração
não se pode estudar com aproveitamento nem se pode trabalhar bem. Os atletas
sabem que as competições não se vencem só com o treinamento físico, mas também
com a disciplina mental: sobretudo com a capacidade de estar concentrados e
manter desperta a atenção.
As distrações não são culpáveis, mas devem
ser combatidas. No património da nossa fé há uma virtude que com frequência é
esquecida, mas que está muito presente do Evangelho. Chama-se “vigilância”. E
Jesus di-lo muito: «Vigiai. Orai». O Catecismo cita-a explicitamente na sua
instrução sobre a oração (cf. n. 2730). Jesus, assiduamente, chama os
discípulos para o dever de uma vida sóbria, orientada pelo pensamento que mais
cedo ou mais tarde Ele regressará, como um esposo das bodas ou um proprietário de
uma viagem.
Não conhecendo, todavia, o dia e a hora do
seu regresso, todos os minutos da nossa vida são preciosos e não devem ser
dispersos em distrações. No instante que não conhecemos ressoará a voz do nosso
Senhor: nesse dia, felizes aqueles servos que Ele encontrar laboriosos, ainda
concentrados naquilo que verdadeiramente conta. Não se dispersaram seguindo
cada atração que se apresentava às suas mentes, mas procuraram caminhar no
caminho certo, fazendo o bem e fazendo a sua tarefa. Esta é a distração: que a
imaginação gira, gira, gira... Santa Teresa chamava a esta imaginação que gira,
gira na oração, «a louca da casa»: é como uma louca que te faz girar, girar...
Temos de a fechar e enjaular, com a atenção.
Um discurso
merece o tempo da aridez. O Catecismo descreve-o desta maneira: «O coração é
insensível, sem gosto pelos pensamentos, as recordações e os sentimentos
inclusive espirituais. É o momento da fé pura, que permanece com Jesus na
agonia e no túmulo» (n. 2731). A aridez faz-nos pensar na Sexta-feira Santa, na
noite e no Sábado Santo, todo o dia: Jesus não está, está no túmulo; Jesus está
morto: estamos sós. E este é o pensamento-mãe da aridez. Muitas vezes não
sabemos quais são as razões da aridez: pode depender de nós mesmos, mas também
de Deus, que permite certas situações da vida exterior ou interior. Ou, por
vezes, pode ser uma dor de cabeça ou uma indisposição no fígado que te impede
de entrar na oração. Muitas vezes não sabemos bem a razão. Os mestres
espirituais descrevem a experiência da fé como uma alternância contínua de
tempos de consolação e de desolação; momentos em que tudo é fácil, enquanto
outros são marcados por um grande peso. Muitas vezes, quando encontramos um
amigo, dizemos «como estás?»; «hoje estou em baixo». Muitas vezes estamos
"em baixo", isto é, não temos sentimentos, não temos consolações, não
conseguimos. São aqueles dias cinzentos... e há-os, muitos, na vida. Mas o
perigo é ter o coração cinzento: quando este "estar em baixo" chega
ao coração e o adoece... e há pessoas que vivem com o coração cinzento. Isto é
terrível: não se pode rezar, não se pode sentir a consolação com o coração
cinzento. Ou não se pode levar por diante uma aridez espiritual com o coração
cinzento. O coração deve ser aberto e luminoso, para que entre a luz do Senhor.
E se não entra, é preciso esperá-la com esperança. Mas não fechá-la no
cinzentismo.
Diferente, ainda, é a acídia, que é uma
verdadeira tentação contra a oração e, mais em geral, contra a vida cristã. A
acídia é «uma forma de depressão devida ao relaxamento da ascese, a um
desvanecimento da vigilância, à falta de cuidado pelo coração» (n. 2733). É um
dos sete “vícios capitais” porque, alimentado pela presunção, pode conduzir à
morte da alma. Como fazer, então, neste suceder-se de entusiasmos e desânimos?
Deve aprender-se a caminhar sempre. O verdadeiro progresso da vida espiritual
não consiste em multiplicar os êxtases, mas em ser-se capaz de perseverar nos
tempos difíceis.
Recordemos a parábola de S. Francisco
sobre a perfeita alegria: não é nas riquezas infinitas que chovem do Céu que se
mede a bravura de um frade, mas no caminhar com constância, mesmo quando não se
é reconhecido, mesmo quando se é maltratado, mesmo quanto tudo perdeu o gosto
dos inícios.
Todos os santos passaram por este “vale
escuro”, e não nos escandalizamos se, ao ler os seus diários, escutamos a
narração de noites de oração indolentes, vivida sem gosto. É preciso aprender a
dizer: «Mesmo se Tu, meu Deus, pareces fazer de tudo para que eu deixe de
acreditar em ti, eu, porém, continuo a rezar-te».
Os crentes nunca extingam a oração! Ela,
por vezes, pode assemelhar-se à de Job, que não aceita que Deus o trate
injustamente, protesta e chama-o a juízo. Mas, muitas vezes, também protestar
diante de Deus é uma maneira de rezar, ou, como dizia aquela velhinha,
«zangar-se com Deus é uma maneira de rezar, também», porque muitas vezes o
filho zanga-se com o pai: é uma maneira de relação com o pai; zanga-se porque o
reconhece "pai", zanga-se.
E também nós, que somos muito menos santos
e pacientes que Job, sabemos que no fim, no termo deste tempo de desolação, em
que elevámos ao Céu gritos mudos e muitos “porquê?”, Deus responder-nos-á. Não
esquecer a oração do "porquê?": é a oração que fazem as crianças
quando começam a não compreender as coisas, e os psicólogos chamam-na "a
idade dos porquês", porque a criança pergunta ao pai: «Pai, porque é
que...? Pai, porque é que...? Pai, porque é que...?». Estejamos atentos: a
criança não escuta a resposta do pai. O pai começa a responder e a criança vem
com um outro «porquê». Quer apenas atrair para si o olhar do pai; e quando nós
nos zangamos um pouco com Deus e começamos a dizer «porquê», estamos a atrair o
coração do nosso Pai para a nossa miséria, para a nossa dificuldade, para a
nossa vida. Mas sim, tende a coragem de dizer a Deus: «Mas porquê...?». Porque
às vezes zangar-se um pouco faz bem, porque nos faz despertar esta relação de
filho para com o Pai, de filha para com o Pai, que devemos ter com Deus. E
mesmo as nossas expressões mais duras e mais amargas, Ele as recolherá com o
amor de um pai, e as considerará como um ato de fé, como uma oração.
Papa Francisco
Audiência geral, 19.5.2021, Vaticano
Fonte: Sala de Imprensa da Santa Sé
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: Tinnakorn/Bigstock.com
Publicado em 19.05.2021