Tempo Comum - 2023
As leituras de hoje levam-nos a refletir sobre o
chamamento que Deus faz a cada cristão, independentemente do seu estado civil,
ou social. Todos somos chamados a ser testemunhas do Amor infinito de Deus por
cada homem, sejamos solteiros, casados, sacerdotes, consagrados, fiéis leigos,
adultos, velhinhos ou crianças. Abramos sinceramente o nosso coração a Deus e
escutemos o que tem para nos dizer.
Na 1ªleitura (Ex
19, 2-6a) Deus envia Moisés com uma missão muito especial: anunciar ao povo
eleito, o povo de Israel, que Ele, Deus, continua a Sua relação de Amor com
eles, pelo que lhes propõe que, ao longo do caminho, sejam fiéis, que guardem a
Sua Aliança e que se deixem amar por Ele. É exatamente isso o que o Senhor nos
pede hoje a nós, seres viventes deste séc.XXI, que também queiramos ser amados
por Ele, “O Amor” sem fim, entregando-nos de coração, por inteiro, a Ele e só a
Ele.
“Naqueles dias, os filhos de Israel
partiram de Refidim e chegaram ao deserto do Sinai, onde acamparam, em frente
da montanha. Moisés subiu à presença de Deus. O Senhor chamou-o da montanha e
disse-lhe: «Assim falarás à casa de Jacob, isto dirás aos filhos de Israel:
‘Vistes o que Eu fiz ao Egipto, como vos transportei sobre asas de águia e vos
trouxe até Mim. Agora, se ouvirdes a minha voz, se guardardes a minha aliança,
sereis minha propriedade especial entre todos os povos. Porque toda a terra Me
pertence; mas vós sereis para Mim um reino de sacerdotes, uma nação santa’».”
Na 2ªleitura (Rom
5, 6-11) S.Paulo
desperta-nos para a dimensão do amor de Deus por cada um de nós. Traz-nos Jesus
como Aquele que se dá todo por nós, fracos e pecadores. É assim, tal qual
somos, imperfeitos, que Jesus nos ama gratuita e infinitamente, para que n’Ele
nos tornemos perfeitos, para que vivamos no Amor. Deixemos que Jesus nos
estreite nos seus braços e entreguemo-nos de coração, deixando cair tudo o que
d’Ele nos afasta. Se assim fizermos, também nós seremos reconciliados com Deus,
e n’Ele amaremos o nosso próximo.
“Irmãos: Quando ainda éramos fracos,
Cristo morreu pelos ímpios no tempo determinado. Dificilmente alguém morre por
um justo; por um homem bom, talvez alguém tivesse a coragem de morrer. Mas Deus
prova assim o seu amor para connosco: Cristo morreu por nós, quando éramos
ainda pecadores. E agora, que fomos justificados pelo seu sangue, com muito
mais razão seremos por Ele salvos da ira divina. Se, na verdade, quando éramos
inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, com muito mais
razão, depois de reconciliados, seremos salvos pela sua vida. Mais ainda:
também nos gloriamos em Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo, por quem
alcançámos agora a reconciliação.”
No evangelho (Mt
9, 36 – 10, 8) somos desafiados a fazer como os apóstolos, como Santo António e
tantos outros santos e santas de Deus: responder sim ao chamamento que Jesus
nos faz para anunciarmos com a nossa vida, em tudo o que somos e na forma como
vivemos, o Amor infinito de Deus por cada ser criado.
“Naquele tempo, Jesus, ao ver as
multidões, encheu-Se de compaixão, porque andavam fatigadas e abatidas, como
ovelhas sem pastor. Jesus disse então aos seus discípulos: «A seara é grande,
mas os trabalhadores são poucos. Pedi ao Senhor da seara que mande
trabalhadores para a sua seara». Depois chamou a Si os seus doze discípulos e
deu-lhes poder de expulsar os espíritos impuros e de curar todas as doenças e
enfermidades. São estes os nomes dos doze apóstolos: primeiro, Simão, chamado
Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão; Filipe e
Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; Simão,
o Cananeu, e Judas Iscariotes, que foi quem O entregou. Jesus enviou estes Doze,
dando-lhes as seguintes instruções: «Não sigais o caminho dos gentios, nem
entreis em cidade de samaritanos. Ide primeiramente às ovelhas perdidas da casa
de Israel. Pelo caminho, proclamai que está perto o reino dos Céus. Curai os
enfermos, ressuscitai os mortos, sarai os leprosos, expulsai os demónios.
Recebestes de graça, dai de graça».”
Senhor, a messe é grande e os operários
são poucos. Enviai Senhor operários para a vossa messe.
Continuemos as nossas catequeses; o tema que escolhemos é: “A paixão de
evangelizar, o zelo apostólico. Pois evangelizar não é dizer: “Olha,
blá-blá-blá” e nada mais; há uma paixão que engloba tudo: a mente, o coração,
as mãos, ir... tudo, a pessoa inteira está envolvida na proclamação do
Evangelho, e por isso falamos de paixão de evangelizar. Depois de
termos visto em Jesus o modelo e o mestre do anúncio, hoje passemos aos
primeiros discípulos, àquilo que os primeiros discípulos fizeram. O Evangelho
diz que Jesus «designou doze dentre eles - a quem chamou apóstolos - para
andarem com Ele e para os enviar a pregar» (Mc 3, 14), duas coisas:
para que andassem com Ele e para os enviar a pregar. Há um aspeto que parece
contraditório: chama-os para que andem com Ele e para os enviar a pregar.
Dir-se-ia: ou um ou outro, ou andar ou enviar. Mas não: para Jesus, não há
estar sem ir e não há ir sem estar. Não é fácil entender isto, mas é assim.
Procuremos compreender um pouco em que sentido Jesus diz estas coisas.
Em primeiro lugar, não há ir sem estar: antes de enviar os
discípulos em missão, Cristo - diz o Evangelho – “reúne-os” (cf. Mt 10,
1). O anúncio nasce do encontro com o Senhor; toda a atividade cristã,
especialmente a missão, começa a partir dali. Não se aprende numa academia:
não! Começa pelo encontro com o Senhor. Com efeito, testemunhá-lo significa
irradiá-lo; mas, se não recebermos a sua luz, extinguir-nos-emos; se não o
frequentarmos, anunciar-nos-emos a nós próprios e não a Ele – anuncio-me a mim
mesmo, não a Ele - e tudo será vão. Portanto, só a pessoa que andar com Ele
poderá anunciar o Evangelho de Jesus. Quem não andar com Ele não pode anunciar
o Evangelho. Anunciará ideias, mas não o Evangelho. Mas de igual modo não
há estar sem ir. Na realidade, seguir Cristo não é algo intimista: sem
anúncio, sem serviço, sem missão, a relação com Jesus não cresce. Observemos
que no Evangelho o Senhor envia os discípulos antes de ter completado a sua
preparação: pouco depois de os ter chamado, já os envia! Isto significa que a
experiência da missão faz parte da formação cristã. Então, recordemos estes
dois momentos constitutivos para cada discípulo: estar com Jesus e ir,
envidados por Jesus.
Tendo chamado os discípulos a si, e antes de os enviar, Cristo dirige-lhes
um discurso, conhecido como o “sermão missionário”, assim se chama no
Evangelho. Encontra-se no capítulo 10 do Evangelho de Mateus e é como que a
“constituição” do anúncio. Daquele discurso, cuja leitura vos recomendo
hoje – é apenas uma página do Evangelho - friso três aspetos: porquê anunciar, o
que anunciar e como anunciar.
Porquê anunciar. A motivação está em cinco palavras de Jesus, que nos fará
bem recordar: «Recebestes de graça, dai de graça!» (v. 8). São cinco palavras.
Mas porquê anunciar? Porque recebi de graça e devo dar de graça. O anúncio não
começa por nós, mas pela beleza do que recebemos de graça, sem mérito:
encontrar Jesus, conhecê-lo, descobrir que somos amados e salvos. É um dom tão
grande que não podemos guardá-lo para nós, sentimos a necessidade de o
irradiar; mas com o mesmo estilo, ou seja, na gratuidade. Em síntese: temos um
dom, por isso somos chamados a fazer-nos dom; recebemos um dom e a nossa
vocação consiste em tornar-nos dom para os outros; em nós há a
alegria de ser filhos de Deus, e ela deve ser partilhada com os irmãos e irmãs
que ainda não O conhecem! Esta é a razão do anúncio. Ir e anunciar a alegria
daquilo que recebemos.
Segundo, o que anunciar? Jesus diz: «Pregai, anunciando
que o reino dos céus está próximo» (v. 7). Eis o que se deve dizer, antes de
tudo e em tudo: Deus está próximo. Mas, nunca esqueçamos isto: Deus esteve
sempre próximo do povo, Ele próprio o recordou ao povo, Disse assim: “Vede, que
Deus está tão próximo das nações como Eu estou próximo de vós?”. A proximidade
é uma das coisas mais importantes de Deus. Há três aspetos importantes:
proximidade, misericórdia e ternura. Não vos esqueçais disto. Quem é Deus? O
Próximo, o Terno, o Misericordioso. Esta é a realidade de Deus! Pregando,
frequentemente convidamos as pessoas a fazer algo, e isto é bom; mas não
esqueçamos que a mensagem principal é que Ele está próximo: proximidade,
misericórdia e ternura. Aceitar o amor de Deus é mais difícil, porque queremos
estar sempre no centro, desejamos ser protagonistas, estamos mais propensos a
deixar-nos plasmar, mais a falar do que a ouvir. Mas, se em primeiro lugar
estiver o que fazemos, continuaremos a ser os protagonistas. Ao contrário, o
anúncio deve dar a primazia a Deus: dar a primazia a Deus, o primeiro lugar a
Deus e oferecer aos outros a oportunidade de O acolher, de sentir que Ele está
próximo. E eu, atrás!
Terceiro ponto: como anunciar. É o aspeto sobre o qual
Jesus mais insiste: como anunciar, qual é o método, qual deve ser a linguagem
para anunciar; é significativo: diz-nos que o modo, o estilo, é essencial no
testemunho. O testemunho não envolve apenas a mente, dizer algo, conceitos:
não! Engloba tudo, mente, coração, mãos, tudo, as três linguagens da pessoa: a
linguagem do pensamento, a linguagem do afeto e a linguagem da obra. As três
linguagens. Não se pode evangelizar apenas com a mente ou só com o coração ou
unicamente com as mãos. Envolve tudo. E, neste estilo, o importante é o
testemunho, como Jesus quer que façamos. Ele diz assim: «Envio-vos como ovelhas
no meio de lobos» (v. 16). Não nos pede para saber enfrentar os lobos, isto é,
para saber argumentar, reagir e defender-se: não! Pensaríamos assim:
tornemo-nos relevantes, numerosos, prestigiosos, e o mundo ouvir-nos-á,
respeitar-nos-á e derrotaremos os lobos: não, não é assim! Não, envio-vos como
ovelhas, como cordeiros. Isto é importante. Se não quiseres ser ovelha, o
Senhor não te defenderá dos lobos. Arranja-te como puderes. Mas se fores
ovelha, tem a certeza de que o Senhor te defenderá dos lobos. Ser humilde! Ele
pede-nos que sejamos assim, mansos e desejosos de ser inocentes, dispostos ao
sacrifício; com efeito, é o que o cordeiro representa: mansidão, inocência,
dedicação, ternura. E Ele, o Pastor, reconhecerá os seus cordeiros e protegê-los-á
dos lobos. Ao contrário, os cordeiros disfarçados de lobos são desmascarados e
dilacerados.
Um Padre da Igreja escrevia: «Enquanto formos cordeiros, venceremos; e mesmo que sejamos circundados por numerosos lobos, conseguiremos vencê-los. Mas se formos lobos, seremos derrotados, pois seremos privados da ajuda do pastor. Ele não apascenta lobos, mas cordeiros» (São João Crisóstomo, Homilia 33 sobre o Evangelho de Mateus). Se eu quiser ser do Senhor, devo deixar que Ele seja o meu pastor, e Ele não é pastor de lobos, é pastor de cordeiros mansos, humildes, bons para com o Senhor.
Ainda sobre o modo como anunciar, é impressionante que
Jesus, em vez de prescrever o que levar em missão, diga o que não levar.
Às vezes, vê-se algum apóstolo, alguma pessoa que se muda, algum cristão que se
diz apóstolo e deu a vida pelo Senhor, e carrega muitas bagagens: mas isto não
é do Senhor, o Senhor torna suave o nosso fardo e diz o que não devemos levar:
«Não leveis nem ouro, nem prata, nem dinheiro nos vossos cintos, nem alforge
para a viagem, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado» (vv. 9-10). Não
levar nada. Diz para não nos apoiarmos em certezas materiais, para ir ao mundo
sem mundanidade. É o que se deve dizer: vou ao mundo não com o estilo do mundo,
não com os valores do mundo, não com a mundanidade - e para a Igreja, cair na
mundanidade é o pior que pode acontecer. Vou com simplicidade! Eis como se
anuncia: mostrando Jesus, mais do que falando de Jesus. E como mostramos Jesus?
Com o nosso testemunho. Em síntese, caminhando juntos, em
comunidade: o Senhor envia todos os discípulos, mas ninguém vai sozinho. A
Igreja apostólica é toda missionária e na missão encontra a sua unidade.
Portanto: ir mansos e bons como cordeiros, sem mundanidade, e ir juntos. Eis a
chave do anúncio, eis a chave do bom êxito da evangelização! Aceitemos estes
convites de Jesus: as suas palavras sejam o nosso ponto de referência!
Papa Francisco
(Audiência Geral, 15 de fevereiro de 2023)