terça-feira, 28 de junho de 2022

  SOLENIDADE DE S.PEDRO E S.PAULO - 2022

Simão, filho de Jonas e irmão de André, foi o primeiro entre os discípulos a confessar que Jesus era Cristo, Filho de Deus vivo, por quem foi chamado Pedro. Paulo, o Apóstolo dos gentios, pregou Cristo crucificado aos judeus e aos gregos. Ambos, na fé e no amor de Jesus Cristo, anunciaram o Evangelho na cidade de Roma e morreram mártires no tempo do imperador Nero: Pedro, segundo a tradição, foi crucificado de cabeça para baixo e sepultado no Vaticano, junto à Via Triunfal; Paulo morreu ao fio da espada e foi sepultado junto à Via Ostiense. O triunfo dos dois Apóstolos é celebrado neste dia, com igual honra e veneração, em todo o orbe da terra.

Porto de Mós, que tem como Padroeiro S. Pedro, neste dia em especial celebra S.Pedro.

Na 1ªleitura (Atos 12, 1-11) S.Lucas conta-nos um episódio da vida de S.Pedro que nos mostra como a Igreja nascente, logo de início foi sujeita a perseguições variadas. Por outro lado, percebe-se, neste texto,   a força da unidade dos primeiros cristãos e ainda a importância e a força da oração em Igreja: “Enquanto Pedro era guardado na prisão, a Igreja orava instantemente a Deus por ele.” Por fim, é claro o testemunho de fé que Pedro nos transmite. Que este grande santo seja para nós ajuda no caminhar e inspiração em todos os momentos. S.Pedro, rogai por nós!

Naqueles dias, o rei Herodes começou a perseguir alguns membros da Igreja. Mandou matar à espada Tiago, irmão de João, e, vendo que tal procedimento agradava aos judeus, mandou prender também Pedro. Era nos dias dos Ázimos. Mandou-o prender e meter na cadeia, entregando-o à guarda de quatro piquetes de quatro soldados cada um, com a intenção de o fazer comparecer perante o povo, depois das festas da Páscoa. Enquanto Pedro era guardado na prisão, a Igreja orava instantemente a Deus por ele. Na noite anterior ao dia em que Herodes pensava fazê-lo comparecer, Pedro dormia entre dois soldados, preso a duas correntes, enquanto as sentinelas, à porta, guardavam a prisão. De repente, apareceu o Anjo do Senhor e uma luz iluminou a cela da cadeia. O Anjo acordou Pedro, tocando-lhe no ombro, e disse-lhe: «Levanta-te depressa». E as correntes caíram-lhe das mãos. Então o Anjo disse-lhe: «Põe o cinto e calça as sandálias». Ele assim fez. Depois acrescentou: «Envolve-te no teu manto e segue-me». Pedro saiu e foi-o seguindo, sem perceber a realidade do que estava a acontecer por meio do Anjo; julgava que era uma visão. Depois de atravessarem o primeiro e o segundo posto da guarda, chegaram à porta de ferro, que dá para a cidade, e a porta abriu-se por si mesma diante deles. Saíram, avançando por uma rua, e subitamente o Anjo desapareceu. Então Pedro, voltando a si, exclamou: «Agora sei realmente que o Senhor enviou o seu Anjo e me libertou das mãos de Herodes e de toda a expectativa do povo judeu».

Na 2ªleitura (2 Tim 4, 6-8.17-18) é o próprio S.Paulo que nos fala do que foi a sua vida ao serviço de Deus, na transmissão da sua fé em Jesus Ressuscitado. E a forma como o faz é verdadeiramente impressionante, pela clarividência que demonstra e pela força que transmite. Que fé a deste grande santo! Só quem vive verdadeiramente de Deus, no seu dia a dia, pode transpirar amor por Deus, por todos os poros, como faz S.Paulo. Deus seja louvado nos Seus Santos! S.Paulo, rogai por nós.

"Caríssimo:Eu já estou oferecido em libação e o tempo da minha partida iminente. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. E agora já me está preparada a coroa da justiça, que o Senhor, justo juíz, me há de dar naquele dia; e não só a mim, mas a todos aqueles que tiverem esperado com amor a Sua vinda. O Senhor esteve a meu lado e deu-me a força, para que, por meu intermédio, a mensagem do Evangelho fosse plenamente proclamada e todos os pagãos a ouvissem; e eu fui libertado da boca do leão. O Senhor me livrará de todo o mal e me dará a salvação no Seu reino celeste. Glória a Ele pelos séculos dos séculos. Ámen."

No evangelho (Mt 16, 13-19) S.Mateus coloca-nos num dos momentos mais significativos e marcantes da vida de S.Pedro, mas também na vida de todos os que seguiam Jesus mais de perto, ou seja, os discípulos. Ao mesmo tempo, este texto desafia-nos a abrir o coração, a alma, todo o nosso ser, à ação do Espírito Santo e a confiarmos totalmente em Jesus, como fez Pedro. 

“Naquele tempo, Jesus foi para os lados de Cesareia de Filipe e perguntou aos seus discípulos: «Quem dizem os homens que é o Filho do homem?». Eles responderam: «Uns dizem que é João Baptista, outros que é Elias, outros que é Jeremias ou algum dos profetas». Jesus perguntou: «E vós, quem dizeis que Eu sou?». Então, Simão Pedro tomou a palavra e disse: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo». Jesus respondeu-lhe: «Feliz de ti, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne e o sangue que to revelaram, mas sim meu Pai que está nos Céus. Também Eu te digo: Tu és Pedro; sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos Céus».

Neste dia, em especial, recorro a ti, S.Pedro e peço-te que, junto de Jesus, intercedas por todos nós, pela Igreja e por este mundo em que vivemos, para que, inspirados em ti, sejamos verdadeiras testemunhas do amor de Jesus ressuscitado por cada ser vivente, junto daqueles que o Senhor colocou nas nossas vidas.

sábado, 25 de junho de 2022

 TEMPO COMUM - 2022


As leituras deste domingo centram-nos nas condições para seguir Jesus. Mas, mais, dizem-nos também que segui-l’O é optar pelo Amor, é ser livre no Amor.

Na 1ªleitura (1 Reis 19, 16b.19-21) depois de conduzidos, por Elias, ao chamamento e consagração de Eliseu, sentimos  que este aderiu totalmente à escolha e eleição do Senhor, a seu respeito. É verdade que pediu para se despedir primeiro dos seus, o que, em abono da verdade,  parece um pedido perfeitamente natural e humano, mas depois da festa de despedida “levantou-se e seguiu Elias”, ficando completamente disponível e entregue a Deus, na sua nova missão. Senhor, que, no dia a dia da vida, seja também esta a nossa atitude: estarmos totalmente entregues a Ti em tudo o que fazemos e somos!

“Naqueles dias, disse o Senhor a Elias: «Ungirás Eliseu, filho de Safat, de Abel-Meola, como profeta em teu lugar». Elias pôs-se a caminho e encontrou Eliseu, filho de Safat, que andava a lavrar com doze juntas de bois e guiava a décima segunda. Elias passou junto dele e lançou sobre ele a sua capa. Então Eliseu abandonou os bois, correu atrás de Elias e disse-lhe: «Deixa-me ir abraçar meu pai e minha mãe; depois irei contigo». Elias respondeu: «Vai e volta, porque eu já fiz o que devia». Eliseu afastou-se, tomou uma junta de bois e matou-a; com a madeira do arado assou a carne, que deu a comer à sua gente. Depois levantou-se e seguiu Elias, ficando ao seu serviço.”

Na 2ªleitura (Gal 5, 1.13-18) S.Paulo parece um homem dos nossos dias, pela forma como nos fala da liberdade. No entanto, há uma centralidade única, que o distancia imenso dos discursos de hoje, pois S.Paulo radica a verdadeira liberdade no Amor, em Jesus vivo e ressuscitado. E esta é a força das palavras de Paulo, Jesus, o Filho de Deus, o Amor infinito feito homem, que por nós todo se entregou num Amor Único. É n’Ele, e só n’Ele, que somos verdadeiramente livres, se nos deixarmos conduzir pelo Seu Santo Espírito.

Irmãos: Foi para a verdadeira liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permanecei firmes e não torneis a sujeitar-vos ao jugo da escravidão. Vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Contudo, não abuseis da liberdade como pretexto para viverdes segundo a carne; mas, pela caridade, colocai-vos ao serviço uns dos outros, porque toda a Lei se resume nesta palavra: «Amarás o teu próximo como a ti mesmo». Se vós, porém, vos mordeis e devorais mutuamente, tende cuidado, que acabareis por destruir-vos uns aos outros. Por isso vos digo: Deixai-vos conduzir pelo Espírito e não satisfareis os desejos da carne. Na verdade, a carne tem desejos contrários aos do Espírito e o Espírito desejos contrários aos da carne. São dois princípios antagónicos e por isso não fazeis o que quereis. Mas se vos deixais guiar pelo Espírito, não estais sujeitos à Lei de Moisés.”

No evangelho (Lc 9, 51-62) percebemos como Jesus tem uma paciência infinita e uma pedagogia sublime, para nos ensinar o que é essencial: descobrir e viver em Deus Amor, em todos os momentos da vida. O que Jesus fez com Tiago e João é o mesmo que vai fazendo com cada um de nós, ao longo da vida, sim, porque na atitude que eles tiveram, podemos dizer que nos vemos ao espelho, tantas vezes, nas relações que temos com os outros, fundamentalmente quando nos contrariam. Mas, é bom não esquecermos, que Tiago, João e todos os outros discípulos, seguiram o Senhor e se Lhe entregaram de alma e coração, aprendendo d’Ele a serem livres no Amor.  Aprendamos nós também! Quanto aos três chamamentos que Lucas seleciona e, sobretudo, às respostas que cada um dos chamados apresenta a Jesus, aí, fiquemos em alerta vigilante. Também nós, ao longo da vida, perante as diferentes situações em que somos impelidos a tomar decisões, que nos envolvem por inteiro, ou nos transformam todas as rotinas e formas de viver, passamos pelos mesmos sentimentos apresentados e, quem sabe, talvez tenhamos dado respostas semelhantes à dos escolhidos, como exemplo, no evangelho de hoje. Entreguemo-nos ao Senhor, para que nos ilumine e guie sempre na nossa vida, mas, mais ainda, nos momentos decisivos, marcantes e transformadores da nossa existência. 

“Aproximando-se os dias de Jesus ser levado deste mundo, Ele tomou a decisão de Se dirigir a Jerusalém e mandou mensageiros à sua frente. Estes puseram-se a caminho e entraram numa povoação de samaritanos, a fim de Lhe prepararem hospedagem. Mas aquela gente não O quis receber, porque ia a caminho de Jerusalém. Vendo isto, os discípulos Tiago e João disseram a Jesus: «Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu que os destrua?». Mas Jesus voltou-Se e repreendeu-os. E seguiram para outra povoação. Pelo caminho, alguém disse a Jesus: «Seguir-Te-ei para onde quer que fores». Jesus respondeu-lhe: «As raposas têm as suas tocas e as aves do céu os seus ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça». Depois disse a outro: «Segue-Me». Ele respondeu: «Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar meu pai». Disse-lhe Jesus: «Deixa que os mortos sepultem os seus mortos; tu, vai anunciar o reino de Deus». Disse-Lhe ainda outro: «Seguir-Te-ei, Senhor; mas deixa-me ir primeiro despedir-me da minha família». Jesus respondeu-lhe: «Quem tiver lançado as mãos ao arado e olhar para trás não serve para o reino de Deus».” 

O Evangelho deste domingo indica um episódio muito importante na vida de Cristo: o momento em que — como escreve são Lucas — «Jesus resolveu pôr-se a caminho rumo a Jerusalém». Jerusalém é a meta final onde Jesus, na sua Páscoa derradeira, deve morrer e ressuscitar, e assim levar a cumprimento a sua missão de salvação.

A partir daquele momento, depois da sua «decisão firme», Jesus aponta o dedo para a meta, e também às pessoas que Ele encontra e que lhe pedem para o seguir, diz claramente quais são as condições para isto: não dispor de uma morada estável; saber desapegar-se dos afectos humanos; e não ceder à nostalgia do passado.

Mas Jesus diz também aos seus discípulos, encarregados de o preceder no caminho rumo a Jerusalém para anunciar a sua passagem, que nada imponham: se não encontrarem a disponibilidade para o receber, que se vá além, em frente. Jesus nunca impõe, Jesus é humilde, Jesus convida. Se quiseres, vem! A humildade de Jesus é assim: Ele convida sempre, não impõe.

Tudo isto nos faz pensar. Diz-nos, por exemplo, a importância que, também para Jesus, tinha a consciência: ouvir no seu coração a voz do Pai e segui-la. Na sua existência terrena Jesus não era, por assim dizer, «telecomandado»: era o Verbo encarnado, o Filho de Deus que se fez homem, e numa certa altura resolveu subir a Jerusalém pela última vez; uma decisão tomada na sua consciência, mas não só: juntamente com o Pai, em plena união com Ele! Decidiu em obediência ao Pai, em escuta profunda e íntima da sua vontade. E por isso a decisão era firme, porque foi tomada juntamente com o Pai. E no Pai Jesus encontrava a força e a luz para o caminho. E Jesus era livre, naquela decisão Ele era livre. Jesus quer que nós, cristãos, sejamos livres como Ele, com aquela liberdade que vem deste diálogo com o Pai, deste diálogo com Deus. Jesus não quer cristãos egoístas, que seguem o próprio eu, que não falam com Deus; também não quer cristãos tíbios, cristãos sem vontade, cristãos «telecomandados», incapazes de criatividade, que procuram unir-se sempre à vontade de outra pessoa e não são livres. Jesus deseja que sejamos livres, mas onde se realiza esta liberdade? No diálogo com Deus, na própria consciência. Se o cristão não souber falar com Deus, se não souber sentir Deus na sua consciência, não será livre, não é livre.

Por isso, temos que aprender a ouvir mais a nossa consciência. Mas, atenção! Isto não significa seguir o próprio eu, fazer o que me interessa, o que me convém, o que me agrada... Não é assim! A consciência é o espaço interior da escuta da verdade, do bem, da escuta de Deus; é o lugar interior da minha relação com Ele, que fala ao meu coração e me ajuda a discernir, a compreender qual é o caminho a percorrer, e uma vez tomada a decisão, a ir em frente, a permanecer fiel.

Nós tivemos um exemplo maravilhoso do modo como se realiza esta relação com Deus na própria consciência, um recente exemplo maravilhoso. O Papa Bento XVI deu-nos este grande exemplo quando o Senhor lhe fez compreender, na oração, qual era o passo que devia dar. E seguiu, com um profundo sentido de discernimento e coragem, a sua consciência, ou seja, a vontade de Deus que falava ao seu coração. E este exemplo do nosso Pai faz muito bem a todos nós, como um exemplo para seguir.

Nossa Senhora, com grande simplicidade, ouvia e meditava no íntimo de si mesma a Palavra de Deus e o que acontecia com Jesus. Seguiu o seu Filho com convicção íntima e com esperança firme. Que Maria nos ajude a tornar-nos cada vez mais homens e mulheres de consciência, livres na consciência, porque é na consciência que se verifica o diálogo com Deus; homens e mulheres, capazes de ouvir a voz de Deus e de a seguir com determinação, capazes de escutar a voz de Deus e de a seguir com decisão.

Angelus, 30 de junho de 2013

Papa Francisco

quinta-feira, 23 de junho de 2022

 

EVANGELHO Lc 1, 57-66.80

«O seu nome é João»...

«Quem virá a ser este menino?»

A promessa do anjo, feita a Zacarias, cumpriu-se e Isabel deu à luz. As pessoas da família e das redondezas entenderam esta nascimento como um dom de Deus, algo extraordinário e não esperado. No tempo prescrito pela lei o menino tem que ser circuncidado e deve receber o nome. Levanta-se um problema quando a mãe lhe dá um nome que não se espera, porque ninguém na família com direito a dar o nome ao menino, tem esse nome. Mas aquele menino é filho da promessa e Zacarias não pode esquecer o que lhe foi dito pelo anjo. “o seu nome é João” escreve Zacarias. Desta forma todos confirmam que há um plano divino para este menino.

"Naquele tempo, chegou a altura de Isabel ser mãe e deu à luz um filho. Os seus vizinhos e parentes souberam que o Senhor lhe tinha feito tão grande benefício e congratularam-se com ela. Oito dias depois, vieram circuncidar o menino e queriam dar-lhe o nome do pai, Zacarias. Mas a mãe interveio e disse: «Não, Ele vai chamar-se João». Disseram-lhe: «Não há ninguém da tua família que tenha esse nome». Perguntaram então ao pai, por meio de sinais, como queria que o menino se chamasse. O pai pediu uma tábua e escreveu: «O seu nome é João». Todos ficaram admirados. Imediatamente se lhe abriu a boca e se lhe soltou a língua e começou a falar, bendizendo a Deus. Todos os vizinhos se encheram de temor e por toda a região montanhosa da Judeia se divulgaram estes factos. Quantos os ouviam contar guardavam-nos em seu coração e diziam: «Quem virá a ser este menino?». Na verdade, a mão do Senhor estava com ele. O menino ia crescendo e o seu espírito fortalecia-se. E foi habitar no deserto até ao dia em que se manifestou a Israel."

Hoje a liturgia convida-nos a celebrar a festa da Natividade de São João Batista. O seu nascimento é o evento que ilumina a vida dos seus pais, Isabel e Zacarias, e envolve os parentes e os vizinhos na alegria e na admiração. Estes pais idosos tinham sonhado e até preparado aquele dia, mas já não o esperavam: sentiam-se excluídos, humilhados, desiludidos: não tinham filhos. Diante do anúncio do nascimento de um filho (cf. Lc 1, 13), Zacarias ficara incrédulo, porque as leis naturais não o permitiam: eram velhos, idosos; por conseguinte, o Senhor o tornou mudo durante todo o tempo da gestação (cf. v. 20). É um sinal. Mas Deus não depende das nossas lógicas nem das nossas limitadas capacidades humanas. É preciso aprender a confiar e a silenciar diante do mistério de Deus e a contemplar com humildade e silêncio a sua obra, que se revela na história e que muitas vezes supera a nossa imaginação.

E agora que o evento se realiza, agora que Isabel e Zacarias experimentam que «a Deus nada é impossível» (Lc 1, 37), é grande a alegria deles. A página evangélica de hoje (Lc 1, 57-66.80) anuncia o nascimento e depois detém-se no momento da imposição do nome ao menino. Isabel escolhe um nome incomum na tradição familiar e diz: «Chamar-se-á João» (v. 60), dom gratuito e já inesperado, pois João significa «Deus concedeu uma graça». E esta criança será arauta, testemunha da graça de Deus aos pobres que esperam com fé humilde a sua salvação. Inesperadamente Zacarias confirma a escolha daquele nome, escrevendo-o numa pequena tábua — pois era mudo — e «naquele momento abriu-se-lhe a boca, a sua língua soltou-se, e ele começou a falar, louvando a Deus» (v. 64).

Todo o acontecimento do nascimento de João Batista está circundado por um jubiloso sentido de admiração, de surpresa e de gratidão. Admiração, surpresa, gratidão. As pessoas são tomadas por um santo temor de Deus «e por toda a região montanhosa da Judeia se comentavam esses factos» (v. 65). Irmãos e irmãs, o povo fiel intuiu que aconteceu algo grandioso, mesmo se humilde e escondido, e pergunta-se: «O que virá a ser este menino?» (v. 66). O povo fiel de Deus é capaz de viver a fé com alegria, com sentido de admiração, de surpresa e de gratidão. Olhemos para aquela gente que falava bem acerca deste evento maravilhoso, deste milagre do nascimento de João, e fazia-o com alegria, estava feliz, com sentido de admiração, surpresa e gratidão. E pensando nisto perguntemo-nos: como é a minha fé? É uma fé jubilosa, ou é uma fé sempre igual, uma fé “tíbia”? Tenho o sentido da admiração, quando vejo as obras do Senhor, quando ouço falar da evangelização ou da vida de um santo, ou quando vejo tantas pessoas boas: sinto a graça, dentro, ou nada se move no meu coração? Sei sentir as consolações do Espírito ou sou fechado? Questionemo-nos, cada um de nós, num exame de consciência: como é a minha fé? É jubilosa? É aberta às surpresas de Deus? Porque Deus é o Deus das surpresas. “Experimentei” na alma aquele sentido da admiração que a presença de Deus dá, aquele sentido de gratidão? Pensemos nestas palavras, que são estados de ânimo da fé: alegria, sentido de admiração, surpresa e gratidão.

A Virgem Santa nos ajude a compreender que em cada pessoa humana há a marca de Deus, nascente da vida. Ela, Mãe de Deus e nossa Mãe, nos torne cada vez mais conscientes de que na geração de um filho os pais agem como colaboradores de Deus. Uma missão deveras sublime que faz de cada família um santuário da vida e desperta — o nascimento de cada filho — a alegria, a admiração, a gratidão.

Angelus, 24 de junho de 2018

Papa Francisco

sábado, 18 de junho de 2022

 TEMPO COMUM - 2022

Hoje, as leitura levam-nos a questionarmo-nos sobre a nossa relação com Jesus. Afinal, quem é Jesus para mim, para ti? Ao responder sinceramente a  esta pergunta, direta e pessoal, encontraremos, cada um de nós, a qualidade, a profundidade da nossa fé. Deixemos que Jesus fixe em nós o Seu olhar de amor misericordioso e demos-Lhe a nossa resposta.

Na 1ªleitura (Zac 12, 10-11; 13, 1) o profeta anuncia a libertação e renovação de Jerusalém, mas a que preço! O seu Coração aberto tornou-se nascente de amor, a jorrar sobre todos os que para Ele olharmos com fé e confiança, purificando-nos dos nossos pecados. 

“Eis o que diz o Senhor: «Sobre a casa de David e os habitantes de Jerusalém derramarei um espírito de piedade e de súplica. Ao olhar para Mim, a quem trespassaram, lamentar-se-ão como se lamenta um filho único, chorarão como se chora o primogénito. Naquele dia, haverá grande pranto em Jerusalém, como houve em Hadad-Rimon, na planície de Megido. Naquele dia, jorrará uma nascente para a casa de David e para os habitantes de Jerusalém, a fim de lavar o pecado e a impureza».”

Na 2ªleitura (Gal 3, 26-29) é S.Paulo quem nos garante que somos herdeiros de Abraão, nosso  pai na fé e, por isso mesmo, herdeiros das promessas que Deus lhe fez. Mais do que isso, todos nós, pelo batismo, fomos revestidos de Cristo, logo n’Ele tornámo-nos filhos de Deus, objeto do Seu Amor infinito. Entreguemo-nos de coração, deixemo-nos amar por Ele.

“Irmãos: Todos vós sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo, porque todos vós, que fostes batizados em Cristo, fostes revestidos de Cristo. Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; todos vós sois um só em Cristo Jesus. Mas, se pertenceis a Cristo, sois então descendência de Abraão, herdeiros segundo a promessa.”

No evangelho (Lc 9, 18-24) é o próprio Jesus quem nos coloca a questão: - E, vós, quem dizeis que eu sou? À semelhança de Pedro abramo-nos à ação do Espírito Santo e deixemo-nos encontrar por Jesus. Abramos o nosso coração ao Messias, ao Filho de Deus feito homem, que nos habita, por inteiro. É Ele, o Amor, que move montanhas e nos faz elos de transmissão do Amor de Deus, aí, no lugar , no tempo em que nos movemos e existimos, junto de quem connosco partilha a vida. Sejamos instrumentos ao serviço de Deus Amor. 

“Um dia, Jesus orava sozinho, estando com Ele apenas os discípulos. Então perguntou-lhes: «Quem dizem as multidões que Eu sou?». Eles responderam: «Uns, dizem que és João Baptista; outros, que és Elias; e outros, que és um dos antigos profetas que ressuscitou». Disse-lhes Jesus: «E vós, quem dizeis que Eu sou?». Pedro tomou a palavra e respondeu: «És o Messias de Deus». Ele, porém, proibiu-lhes severamente de o dizerem fosse a quem fosse e acrescentou: «O Filho do homem tem de sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas; tem de ser morto e ressuscitar ao terceiro dia». Depois, dirigindo-Se a todos, disse: «Se alguém quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias e siga-Me. Pois quem quiser salvar a sua vida, há de perdê-la; mas quem perder a sua vida por minha causa, salvá-la-á».”

No trecho evangélico de hoje, reapresenta-se a pergunta que atravessa todo o Evangelho(...): quem é Jesus? Mas desta vez é o próprio Jesus que a faz aos discípulos, ajudando-os gradualmente a enfrentar a questão da identidade. Antes de interpelar diretamente os Doze, Jesus quer ouvir deles o que pensam as pessoas sobre Ele — e sabe bem que os discípulos são muito sensíveis à popularidade do Mestre! Portanto, pergunta: «Quem dizem os homens que eu sou?». Sobressai que Jesus é considerado pelo povo um grande profeta. Mas, na realidade, não lhe interessam as sondagens e as bisbilhotices do povo. Ele não aceita sequer que os seus discípulos respondam às suas perguntas com fórmulas já preparadas, citando personagens famosos da Sagrada Escritura, porque uma fé que se reduz às fórmulas é uma fé míope.

O Senhor quer que os seus discípulos de ontem e de hoje estabeleçam com Ele uma relação pessoal, e assim o acolham no centro da sua vida. Por esta razão, incentiva-os a colocar-se em toda a verdade diante de si mesmos, e pergunta: «E vós, quem dizeis que eu sou?». Jesus, hoje, faz este pedido tão direto e confidencial a cada um de nós: “Tu, quem dizes que eu sou? Vós, quem dizeis que eu sou? Quem sou eu para ti?”. Cada um é chamado a responder, no próprio coração, deixando-se iluminar pela luz que o Pai nos dá a fim de conhecer o seu Filho Jesus. E pode acontecer também que nós, assim como Pedro, afirmemos com entusiasmo: «Tu és o Cristo». Contudo, quando Jesus nos comunica claramente o que disse aos discípulos, ou seja, que a sua missão se cumpre não no amplo caminho do sucesso, mas na senda árdua do Servo sofredor, humilhado, rejeitado e crucificado, então pode acontecer também a nós como a Pedro, protestar e rebelar-nos porque isto contrasta com as nossas expectativas, com as expectativas mundanas. (...)

Irmãos e irmãs, a profissão de fé em Jesus Cristo não pode limitar-se às palavras, mas exige ser autenticada com escolhas e gestos concretos, com uma vida caraterizada pelo amor de Deus, com uma vida grande, com uma vida cheia de amor pelo próximo.

Jesus diz-nos que para o seguir, para sermos seus discípulos, é preciso renegar-se a si mesmos, isto é, renegar as pretensões do próprio orgulho egoísta, e carregar a própria cruz. Depois dá a todos uma regra fundamental. E qual é esta regra? «Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á». Muitas vezes na vida, por vários motivos, erramos o caminho, procurando a felicidade só nas coisas ou nas pessoas que tratamos como coisas. Mas a felicidade encontramo-la somente quando o amor, aquele verdadeiro, nos encontra, nos surpreende, nos muda. O amor transforma tudo! E o amor pode mudar-nos também a nós, a cada um de nós. Demonstram-no os testemunhos dos santos.

A Virgem Maria, que viveu a sua fé seguindo fielmente o seu Filho Jesus, nos ajude também a caminhar pela sua estrada, dedicando generosamente a nossa vida a Ele e aos irmãos.

Angelus, 16 de setembro de 2018

Papa Francisco


quarta-feira, 15 de junho de 2022

 SOLENIDADE DO SANTÍSSIMO CORPO E SANGUE DE CRISTO - 2022

Hoje é dia de festa "maior" na Igreja, pois festejamos o Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. A Eucaristia é o milagre do Amor de Deus, em que Jesus se torna verdadeiramente presente no pão e no vinho oferecidos e colocados no altar sagrado, quando sobre eles o sacerdote invoca do Pai o Espírito Santo. É Jesus, o Filho de Deus, que nos diz: sou Eu que estou aqui, vivo, ressuscitado, no meio de vós, neste vinho e neste pão partido que se reparte e chega a todos os que, de coração sincero, me querem receber e assim estarei sempre convosco até ao fim dos tempos. Nunca compreenderemos o mistério de Deus, mas percebemos muito bem que Deus nos ama infinitamente. A Eucaristia é a prova desse Amor inesgotável pela nossa humanidade e poder participar nela é uma graça sem fim.


Na 1ª leitura (Gen 14, 18-20) acompanhamos o sacerdote Melquisedec que sai ao encontro de Abraão e dos seus homens, louvando a Deus e abençoando-os. Oferece-lhes então pão e vinho como alimento. 

"Naqueles dias, Melquisedec, rei de Salém, trouxe pão e vinho. Era sacerdote do Deus Altíssimo e abençoou Abraão, dizendo: «Abençoado seja Abraão pelo Deus Altíssimo, criador do céu e da terra. Bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou nas tuas mãos os teus inimigos». E Abraão deu-lhe a dízima de tudo." 

Na 2ª leitura (1 Cor 11, 23-26) S. Paulo coloca-nos na Última Ceia, na instituição da Eucaristia. Deixemo-nos alimentar por Jesus.

"Irmãos: Eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: o Senhor Jesus, na noite em que ia ser entregue, tomou o pão e, dando graças, partiu-o e disse: «Isto é o meu Corpo, entregue por vós. Fazei isto em memória de Mim». Do mesmo modo, no fim da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova aliança no meu Sangue. Todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de Mim». Na verdade, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha."

 

No evangelho (Lc 9,11b-17)  a multiplicação dos pães aparece-nos como um sinal da Eucaristia, que se parte, e reparte, de modo a fazer chegar o Amor de Deus a todos os homens dos vários tempos e lugares. A Eucaristia é o alimento que Jesus deixou a todos os que O quiserem receber de coração sincero.

Naquele tempo, estava Jesus a falar à multidão sobre o reino de Deus e a curar aqueles que necessitavam. O dia começava a declinar. Então os Doze aproximaram-se e disseram-Lhe: «Manda embora a multidão para ir procurar pousada e alimento às aldeias e casais mais próximos, pois aqui estamos num local deserto». Disse-lhes Jesus: «Dai-lhes vós de comer». Mas eles responderam: «Não temos senão cinco pães e dois peixes... Só se formos nós mesmos comprar comida para todo este povo». Eram de facto uns cinco mil homens. Disse Jesus aos discípulos: «Mandai-os sentar por grupos de cinquenta». Assim fizeram e todos se sentaram. Então Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao Céu e pronunciou sobre eles a bênção. Depois partiu-os e deu-os aos discípulos, para eles os distribuírem pela multidão. Todos comeram e ficaram saciados; e ainda recolheram doze cestos dos pedaços que sobraram.

 SEQUÊNCIA  

Terra, exulta de alegria, 
Louva o teu pastor e guia, 
Com teus hinos, tua voz. 

Quanto possas tanto ouses, 
Em louvá-l’O não repouses: 
Sempre excede o teu louvor. 

Hoje a Igreja te convida: 
O pão vivo que dá vida 
Vem com ela celebrar. 

Este pão – que o mundo creia – 
Por Jesus na santa Ceia 
Foi entregue aos que escolheu. 

Eis o pão que os Anjos comem 
Transformado em pão do homem; 
Só os filhos o consomem: 
Não será lançado aos cães. 

Em sinais prefigurado, 
Por Abraão imolado, 
No cordeiro aos pais foi dado, 
No deserto foi maná. 


Bom pastor, pão da verdade, 
Tende de nós piedade, 
Conservai-nos na unidade, 
Extingui nossa orfandade 
E conduzi-nos ao Pai.

Aos mortais dando comida, 
Dais também o pão da vida:
Que a família assim nutrida
Seja um dia reunida 
Aos convivas lá do Céu.

Hoje, a Palavra de Deus ajuda-nos a descobrir dois verbos simples, dois verbos essenciais para a vida de cada dia: dizer e dar.

Dizer. Na primeira leitura, Melquisedec diz: «Abençoado seja Abrão pelo Deus Altíssimo, e bendito seja o Deus Altíssimo» (Gn 14, 19-20). O dizer de Melquisedec é bendizer. Abençoa Abrão, em quem serão abençoadas todas as famílias da terra (Gn 12, 3; Gal 3, 8). Tudo parte da bênção: as palavras de bem geram uma história de bem. O mesmo acontece no Evangelho: antes de multiplicar os pães, Jesus abençoa-os: «tomou os cinco pães, ergueu os olhos ao Céu, pronunciou sobre eles a bênção, partiu-os e foi-os dando aos discípulos» (Lc 9, 16). De cinco pães, a bênção faz alimento para uma multidão: faz brotar uma cascata de bem.

Por que faz bem abençoar? Porque é transformar a palavra em dom. Quando se abençoa, não se está a fazer uma coisa para si mesmo, mas para os outros. Abençoar não é dizer palavras bonitas, nem usar palavras de circunstância. Não é isso, mas é dizer bem, dizer com amor. Assim fez Melquisedec: espontaneamente diz bem de Abrão, sem que este tenha dito ou feito algo por ele. Assim fez Jesus, mostrando o significado da bênção com a distribuição gratuita dos pães. Quantas vezes fomos abençoados, também nós, na igreja ou nas nossas casas! Quantas vezes recebemos palavras que nos fizeram bem, ou um sinal da cruz na fronte! Fomos abençoados no dia do Batismo e, no final de cada Missa, somos abençoados. A Eucaristia é uma escola de bênção. Deus diz bem de nós, seus filhos amados, encorajando-nos assim a continuar. E nós bendizemos a Deus nas nossas assembleias (cf. Sal 68, 27), reencontrando o gosto do louvor, que liberta e cura o coração. Vimos à Missa com a certeza de ser abençoados pelo Senhor, e saímos para, por nossa vez, abençoarmos, para sermos canais de bem no mundo.

Vale também para nós: é importante que nós, Pastores, nos lembremos de abençoar o povo de Deus. Queridos sacerdotes, não tenhais medo de abençoar! Abençoar o povo de Deus: queridos sacerdotes, continuai a abençoar! O Senhor quer dizer bem do seu povo; fica feliz em fazer-nos sentir o seu carinho por nós. E só depois de abençoados é que podemos abençoar os outros com a mesma unção de amor. Entretanto, é triste ver hoje quão facilmente se faz o contrário: se amaldiçoa, despreza, insulta. Assaltados por demasiado frenesi, não nos contemos, desafogando a raiva sobre tudo e todos. Muitas vezes, infelizmente, é quem grita mais e mais forte, é quem está mais irritado que parece ter razão e obter consensos. Não nos deixemos contagiar pela arrogância, não nos deixemos invadir pela amargura, nós que comemos o Pão que em si contém toda a doçura. O povo de Deus ama o louvor, não vive de lamentações; está feito para a bênção, não para a lamentação. Diante da Eucaristia, de Jesus que Se fez Pão, deste Pão humilde que contém a totalidade da Igreja, aprendamos a bendizer o que temos, a louvar a Deus, a abençoar e não a amaldiçoar o nosso passado, a dar boas palavras aos outros.

O segundo verbo é dar. Ao «dizer», segue-se o «dar», como no caso de Abrão que, abençoado por Melquisedec, «deu-lhe o dízimo de tudo» (Gn 14, 20); como no caso de Jesus que, depois de pronunciar a bênção, dava o pão para ser distribuído, desvendando assim o seu significado mais belo: o pão não é apenas produto de consumo, mas recurso de partilha. De facto, na narração da multiplicação dos pães, surpreendentemente nunca se fala de multiplicar. Na verdade, os verbos usados são «partir, dar, distribuir» (cf. Lc 9, 16). Em suma, não se destaca a multiplicação, mas a partilha. É importante: Jesus não realiza uma magia, não transforma os cinco pães em cinco mil, para depois dizer: «Agora distribuí-os». Não. Jesus reza, abençoa aqueles cinco pães e começa a parti-los, confiando no Pai. E não se esgotam mais aqueles cinco pães… Isto não é magia, mas confiança em Deus e na sua providência.

No mundo, procura-se sempre aumentar os lucros, aumentar o volume de negócios... Sim, mas com que finalidade? É o dar ou o ter? O partilhar ou o acumular? A «economia» do Evangelho multiplica partilhando, alimenta distribuindo; não satisfaz a voracidade de poucos, mas dá vida ao mundo (cf. Jo 6, 33). O verbo de Jesus não é ter, mas dar.

E a solicitação que Ele faz aos discípulos é categórica: «Dai-lhes vós de comer» (Lc 9,13). Tentemos imaginar os raciocínios que terão feito os discípulos: «Não temos pão para nós, e devemos pensar nos outros? Por que devemos dar-lhes de comer, se eles vieram para escutar o nosso Mestre? Se não trouxeram comida, voltem para casa – é um problema deles –, ou então deem-nos dinheiro e nós compraremos». Não é que sejam errados estes raciocínios, mas não são os de Jesus, que não ouve razões: dai-lhes vós mesmos de comer. Aquilo que temos só produz fruto se o dermos (isto é o que nos quer dizer Jesus!); e não importa se é pouco ou muito. O Senhor faz grandes coisas com o nosso pouquinho, como no caso dos cinco pães. Ele não realiza prodígios com ações espetaculares, não tem a varinha mágica, mas atua com coisas humildes. A omnipotência de Deus é humilde, feita apenas de amor; e o amor faz grandes coisas com as coisas pequenas. Assim no-lo ensina a Eucaristia: n’Ela, está Deus encerrado num bocado de pão. Simples, essencial, pão partido e partilhado, a Eucaristia que recebemos transmite-nos a mentalidade de Deus. E leva a darmo-nos, a nós mesmos, aos outros. É antídoto contra afirmações como estas: «lamento, mas não me diz respeito», «não tenho tempo, não posso, não é da minha conta». Antídoto contra o virar a cara para o outro lado.

Na nossa cidade faminta de amor e solicitude, que sofre de degradação e abandono, perante tantos idosos sozinhos, famílias em dificuldade, jovens que dificilmente conseguem ganhar o pão e alimentar os seus sonhos, o Senhor diz-te: «Dá-lhes tu de comer». E tu podes retorquir: «Tenho pouco, não tenho capacidade para estas coisas». Não é verdade! O teu pouco é tanto aos olhos de Jesus, se não o guardares para ti mas o colocares em jogo. E tu, entra também em jogo. E não estás sozinho: tens a Eucaristia, o Pão do caminho, o Pão de Jesus. Também nesta tarde, seremos alimentados pelo seu Corpo entregue. Se o recebermos com o coração, este Pão irradiará em nós a força do amor: sentir-nos-emos abençoados e amados, e teremos vontade de abençoar e amar, a começar daqui, da nossa cidade, das estradas que vamos percorrer nesta tarde. O Senhor passa pelas nossas estradas para dizer-bem, dizer bem de nós e para nos dar coragem, dar-nos coragem a nós. A nós, pede-nos também para sermos bênção e dom.


Domingo, 23 de junho de 2019 - Homilia 

Papa Francisco

segunda-feira, 13 de junho de 2022

A um português italiano, e a um italiano português, celebra hoje Itália e Portugal. Portugal a Santo António de Lisboa, Itália a Santo António de Pádua. De Lisboa, porque lhe deu o nascimento; de Pádua, porque lhe deu a sepultura… Reparai, diz o evangelista, que António foi luz do mundo. Foi luz do mundo? Não tem logo que se queixar Portugal. Se António não nascera para o Sol, tivera a sepultura onde teve o nascimento; mas como Deus o criou para luz do mundo, nascer numa parte e sepultar-se noutra é obrigação do Sol. Profetizando Malaquias o nascimento de Cristo, diz que nasceria como sol de justiça. E que fez Cristo como sol, e como justo? Como sol mudou os horizontes, como justo deu a cada um o seu. Como sol mudou os horizontes, porque nasceu num lugar e morreu noutro: como justo deu a cada um o seu, porque a Belém honrou com o berço, a Jerusalém com o sepulcro. Assim também Santo António. Se Lisboa foi a aurora do seu oriente, seja Pádua a sepultura do seu ocaso”. (Sermões de Roma, ed. Difel, 2009, p. 189-190).

   Padre António Vieira, "Sermões de Roma" 

sábado, 11 de junho de 2022

 

Meus Deus, Uno e Trino, que é o homem para dele te lembrares e, como diz o salmista, no entanto tudo lhe deste, fizeste-o pouco menos do que os anjos, puseste quase tudo debaixo dos seus pés.  Por Teu Filho Único, nos tornaste teus filhos e n'Ele nos revelaste a natureza do teu Amor. Um Amor em contínuo que, pelo Espírito Santo jorra incessantemente sobre cada uma das tuas criaturas. És assim connosco Senhor, o Amor que se dá a cada um de nós, sem limites, nem fronteiras, desde que o nosso coração se abra ao Teu e n'Ele permaneça.

Para mim hoje a Igreja celebra, mais festivamente, a festa do AMOR. Solenemente festeja Deus na sua totalidade e individualidade, Deus todo, que na totalidade da sua Pessoa todo se dá a cada um de nós e ao mundo inteiro.


Na 1ªleitura (Prov 8, 22-31) o autor sagrado convida-nos  a escutar a Sabedoria de Deus, que se delicia em estar com os filhos dos homens. 

“Eis o que diz a Sabedoria de Deus: «O Senhor me criou como primícias da sua atividade, antes das suas obras mais antigas. Desde a eternidade fui formada, desde o princípio, antes das origens da terra. Antes de existirem os abismos e de brotarem as fontes das águas, já eu tinha sido concebida. Antes de se implantarem as montanhas e as colinas, já eu tinha nascido; ainda o Senhor não tinha feito a terra e os campos, nem os primeiros elementos do mundo. Quando Ele consolidava os céus, eu estava presente; quando traçava sobre o abismo a linha do horizonte, quando condensava as nuvens nas alturas, quando fortalecia as fontes dos abismos, quando impunha ao mar os seus limites para que as águas não ultrapassassem o seu termo, quando lançava os fundamentos da terra, eu estava a seu lado como arquiteto, cheia de júbilo, dia após dia, deleitando-me continuamente na sua presença. Deleitava-me sobre a face da terra e as minhas delícias eram estar com os filhos dos homens».”

Na 2ªleitura (Rom 5, 1-5) S.Paulo projeta-nos para a vida em comunidade e para a forma como o amor de Deus, derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo, há de ser, o que dá sentido às nossas vidas, e, ao mesmo tempo, transforma as nossas relações com todos aqueles que o Senhor colocou nos nossos caminhos. 

“Irmãos: Tendo sido justificados pela fé, estamos em paz com Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual temos acesso, na fé, a esta graça em que permanecemos e nos gloriamos, apoiados na esperança da glória de Deus. Mais ainda, gloriamo-nos nas nossas tribulações, porque sabemos que a tribulação produz a constância, a constância a virtude sólida, a virtude sólida a esperança. Ora a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.”

  

No evangelho (Jo 16, 12-15)  Jesus insere-nos na dinâmica trinitária de Deus Amor diz-nos que  se nos deixarmos habitar por Ele e pelo Pai, o Amor virá a nós, habitar-nos-á, e o Espírito Santo guiar-nos-á para a verdade plena. 

“Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Tenho ainda muitas coisas para vos dizer, mas não as podeis compreender agora. Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos guiará para a verdade plena; porque não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará o que está para vir. Ele Me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará. Tudo o que o Pai tem é meu. Por isso vos disse que Ele receberá do que é meu e vo-lo anunciará».” 

Neste momento Senhor entrego-te todos aqueles que te desconhecem assim, Amor infinito, por cada ser criado, mas que te procuram de coração sincero, para que Te encontrem, a Ti, se abram e descansem as suas cabeças no teu peito, no teu coração. Nestes  tempos  de hoje, que são os nossos, as dificuldades são tantas que, sem Ti, a vida parece um beco sem saída. Mas, é também nestes dias, que é bom escutarmos-Te e deixarmo-nos repassar, na totalidade do nosso ser, até ao mais recôndito de nós mesmos, por Ti, Amor Uno e Trino. Quando os nossos corações se abrirem, na totalidade, a este Amor assim, então seremos nestes dias, em que vivemos, verdadeiras testemunhas do Amor, porque é Ele que se dá e comunica através de todo aquele que n'Ele acredita realmente.

Hoje, domingo depois de Pentecostes, celebramos a festa da Santíssima Trindade. Uma festa para contemplar e louvar o mistério do Deus de Jesus Cristo, que é Uno na comunhão de três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo, a fim de celebrar com admiração sempre renovada Deus-Amor, que nos oferece gratuitamente a sua vida e nos pede para a difundir no mundo.

As leituras bíblicas de hoje fazem-nos compreender que o que Deus quer não é tanto revelar-nos que Ele existe, mas, ao contrário, que é o “Deus connosco”, próximo de nós, que nos ama, que caminha connosco, se interessa pela nossa história pessoal e cuida de cada um de nós, a partir dos mais pequeninos e necessitados. Ele «é Deus em cima no céu» mas também «embaixo na terra». Portanto, não acreditemos numa entidade distante, não! Numa entidade indiferente, não! Mas, ao contrário, no Amor que criou o universo e gerou um povo, se fez carne, morreu e ressuscitou por nós, e como Espírito Santo tudo transforma e leva à plenitude.

São Paulo, que experimentou pessoalmente esta transformação realizada por Deus-Amor, comunica-nos o seu desejo de ser chamado Pai, aliás “Pai” — Deus é “nosso Pai” —, com a total confiança de uma criança que se abandona nos braços de quem lhe deu a vida. O Espírito Santo — recorda ainda o Apóstolo — agindo em nós faz com que Jesus Cristo não se reduza a um personagem do passado, não, mas que o sintamos próximo, nosso contemporâneo, e experimentemos a alegria de sermos filhos amados por Deus. Por fim, no Evangelho, o Senhor ressuscitado promete ficar connosco para sempre. E precisamente graças a esta sua presença e à força do seu Espírito podemos realizar com serenidade a missão que Ele nos confia. Qual é a missão? Anunciar e testemunhar a todos o seu Evangelho e deste modo dilatar a comunhão com Ele e a alegria que dela deriva. Deus, caminhando connosco, enche-nos de alegria e a alegria é um pouco a primeira linguagem do cristão.

Por conseguinte, a festa da Santíssima Trindade faz-nos contemplar o mistério de Deus que incessantemente cria, redime e santifica, sempre com amor e por amor, e a cada criatura que o acolhe dá a possibilidade de refletir um raio da sua beleza, bondade e verdade. Ele desde sempre escolheu caminhar com a humanidade e formar um povo que seja bênção para todas as nações e para cada pessoa, sem excluir ninguém. O cristão não é uma pessoa isolada, pertence a um povo: este povo que Deus forma. Não se pode ser cristão sem esta pertença e comunhão. Nós somos povo: o povo de Deus. A Virgem Maria nos ajude a cumprir com alegria a missão de testemunhar ao mundo, sedento de amor, que o sentido da vida é precisamente o amor infinito, o amor concreto do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Angelus, 27 de maio de 2018

Papa Francisco