QUARESMA PASSO A PASSO - 2023
Quarta-feira V – dia 31 –29/03/2023
Evangelho Jo 8, 31-42
«Todo aquele que comete o pecado é escravo.»;
«Se Deus fosse o vosso Pai, amar-Me-íeis, porque saí de Deus e d’Ele venho. Eu não vim de Mim próprio; foi Ele que Me enviou».
É interessante esta parte do evangelho de
João. Começa por dizer que Jesus fala com os que tinham acreditado nele e
depois apresenta um diálogo difícil que vai acabar mal, como veremos nos dias
seguintes. O grupo dos que acreditam transforma-se em grupo opositor. Tinham
acreditado, mas já não acreditam. Desiludiram-se com alguma coisa que Jesus fez
ou talvez porque não fez, com algo que ele disse ou não disse. No diálogo Jesus
fala-lhes da liberdade e da escravatura. O pecado escraviza e a verdade
liberta. Liberta-se aquele que acolhe a Sua palavra, conhece a verdade e
torna-se Seu discípulo. Conhecer a verdade é pertencer a Deus, experimentar a
obediência e a fidelidade. Os que não pertencem a Deus querem matar Jesus.
"Naquele tempo, dizia Jesus aos judeus que tinham acreditado n’Ele: «Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos libertará». Eles responderam-Lhe: «Nós somos descendentes de Abraão e nunca fomos escravos de ninguém. Como é que Tu dizes: ‘Ficareis livres’?» Respondeu Jesus: «Em verdade, em verdade vos digo: Todo aquele que comete o pecado é escravo. Ora o escravo não fica para sempre em casa; o filho é que fica para sempre. Mas se o Filho vos libertar, sereis realmente homens livres. Bem sei que sois descendentes de Abraão; mas procurais matar-Me, porque a minha palavra não entra em vós. Eu digo o que vi junto de meu Pai e vós fazeis o que ouvistes ao vosso pai». Eles disseram: «O nosso pai é Abraão». Respondeu-lhes Jesus: «Se fôsseis filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão. Mas procurais matar-Me, a Mim que vos disse a verdade que ouvi de Deus. Abraão não procedeu assim. Vós fazeis as obras do vosso pai». Disseram-Lhe eles: «Nós não somos filhos ilegítimos; só temos um pai, que é Deus». Respondeu-lhes Jesus: «Se Deus fosse o vosso Pai, amar-Me-íeis, porque saí de Deus e d’Ele venho. Eu não vim de Mim próprio; foi Ele que Me enviou»."
“Só tenho um Pai que é Deus”. Esta verdade universal é tão perigosa, Senhor.
Sinto tantas vezes em mim a confusão destas palavras. Afinal o Deus que é meu
Pai pode não ser o Teu Pai, pode não ser o Teu Deus. Quem é Deus? Se não fores Tu, Jesus, a mostrar-me Deus, se não fores Tu a mostrar-me o Pai, como poderei
eu conhecê-l'O? Como saberei que não estou enganado? Mostra-me o Pai, Senhor, e
isso me basta.
Na primeira leitura que foi
proclamada, os três jovens, perseguidos pelo soberano babilonense, antes
preferem morrer queimados pelo fogo que trair a sua consciência e a sua fé.
Eles encontraram a força de «louvar, glorificar e bendizer a Deus» na convicção
de que o Senhor do universo e da história não os abandonaria à morte e ao nada.
De facto, Deus nunca abandona os seus filhos, nunca os esquece. Está acima de
nós e é capaz de nos salvar com o seu poder; ao mesmo tempo, está perto do seu
povo e, por meio do seu Filho Jesus Cristo, quis habitar entre nós.
«Se permanecerdes
na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade
e a verdade vos libertará» (Jo 8, 31). No texto do Evangelho que
foi proclamado, Jesus revela-Se como o Filho de Deus Pai, o Salvador, o único
que pode mostrar a verdade e dar a verdadeira liberdade. Mas o seu ensinamento
gera resistência e inquietação entre os seus interlocutores, e Ele acusa-os de
procurarem a sua morte, aludindo ao supremo sacrifício da Cruz, já próximo.
Ainda assim, exorta-os a acreditar, a permanecer na sua Palavra para conhecerem
a verdade que redime e dignifica.
Com efeito, a
verdade é um anseio do ser humano, e procurá-la supõe sempre um exercício de
liberdade autêntica. Muitos, todavia, preferem os atalhos e procuram evitar
essa tarefa. Alguns, como Pôncio Pilatos, ironizam sobre a possibilidade de
conhecer a verdade (cf. Jo 18, 38), proclamando a incapacidade
do homem de a alcançar ou negando que exista uma verdade para todos. Esta
atitude, como no caso do ceticismo e do relativismo, produz uma transformação
no coração, tornando as pessoas frias, vacilantes, distantes dos demais e
fechadas em si mesmas. São pessoas que lavam as mãos, como o governador romano,
e deixam correr o rio da história sem se comprometer.
Entretanto há
outros que interpretam mal esta busca da verdade, levando-os à irracionalidade
e ao fanatismo, pelo que se fecham na «sua verdade» e tentam impô-la aos
outros. São como aqueles legalistas obcecados que, ao verem Jesus ferido e
ensanguentado, exclamam enfurecidos: «Crucifica-o!» (cf. Jo 19,
6). Na realidade, quem age irracionalmente não pode chegar a ser discípulo de
Jesus. Fé e razão são necessárias e complementares na busca da verdade. Deus
criou o homem com uma vocação inata para a verdade e, por isso, dotou-o de
razão. Certamente não é a irracionalidade que promove a fé cristã, mas a ânsia
da verdade. Todo o ser humano deve perscrutar a verdade e optar por ela quando
a encontra, mesmo correndo o risco de enfrentar sacrifícios.
Além disso, a verdade
sobre o homem é um pressuposto imprescindível para alcançar a liberdade, porque
nela descobrimos os fundamentos duma ética com que todos se podem confrontar, e
que contém formulações claras e precisas sobre a vida e a morte, os deveres e
direitos, o matrimónio, a família e a sociedade, enfim sobre a dignidade
inviolável do ser humano. É este património ético que pode aproximar todas as
culturas, povos e religiões, as autoridades e os cidadãos, os cidadãos entre
si, os crentes em Cristo com aqueles que não crêem n’Ele.
Ao ressaltar os
valores que sustentam a ética, o cristianismo não impõe mas propõe o convite de
Cristo para conhecer a verdade que nos torna livres. O fiel é chamado a dirigir
este convite aos seus contemporâneos, como fez o Senhor, mesmo perante o
sombrio presságio da rejeição e da Cruz. O encontro pessoal com Aquele que é a
verdade em pessoa impele-nos a partilhar este tesouro com os outros,
especialmente através do testemunho.
Queridos amigos,
não hesiteis
Com a firme
convicção de que a verdadeira medida do homem é Cristo e sabendo que n’Ele se
encontra a força necessária para enfrentar toda a provação, desejo anunciar-vos
abertamente o Senhor Jesus como Caminho, Verdade e Vida. N’Ele todos
encontrarão a liberdade plena, a luz para compreender profundamente a realidade
e transformá-la com o poder renovador do amor.
A Igreja vive para partilhar com os outros a única coisa que possui: o próprio Cristo, esperança da glória (cf. Col 1, 27). Para realizar esta tarefa, é essencial que ela possa contar com a liberdade religiosa, que consiste em poder proclamar e celebrar mesmo publicamente a fé, comunicando a mensagem de amor, reconciliação e paz que Jesus trouxe ao mundo. (...)
Invocando a
proteção maternal de Maria Santíssima, peçamos que, participando regularmente
na Eucaristia, nos tornemos também testemunhas da caridade que responde ao mal
com o bem (cf. Rm 12, 21), oferecendo-nos como hóstia viva a
Quem amorosamente Se entregou por nós. Caminhemos na luz de Cristo, que pode
dissipar as trevas do erro. Supliquemos-Lhe que, com o valor e o vigor dos
santos, cheguemos a dar uma resposta livre, generosa e coerente a Deus, sem
medos nem rancores. Ámen.
Papa Bento XVI
(Havana, 28 de março de 2012)
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