sexta-feira, 31 de março de 2023

 QUARESMA PASSO A PASSO - 2023 

Sábado V – dia 34 –01/04/2023

EVANGELHO Jo 11, 45-56

«Não compreendeis que é melhor para nós morrer um só homem pelo povo do que perecer a nação inteira?»;

«A partir desse dia, decidiram matar Jesus.»

A ressurreição de Lázaro é o pretexto para intensificar a luta contra Jesus e a decisão de lhe dar a morte. O medo do que Jesus pode fazer, das multidões que podem acreditar que ele é o Messias e o receio face aos romanos que dominam a região e lhes podem tirar de vez o que resta do poder que exercem, leva as autoridades a decidir a morte de Jesus. Por sua vez, Jesus, porque ainda não chegou a sua hora, anda em lugares desertos até ao dia em que suba definitivamente a Jerusalém. Nenhuma decisão dos homens impede ou altera o projeto de Jesus para a salvação dos homens.

"Naquele tempo, muitos judeus que tinham vindo visitar Maria, para lhe apresentarem condolências pela morte de Lázaro, ao verem o que Jesus fizera, ressuscitando-o dos mortos, acreditaram n’Ele. Alguns deles, porém, foram ter com os fariseus e contaram-lhes o que Jesus tinha feito. Então os príncipes dos sacerdotes e os fariseus reuniram conselho e disseram: «Que havemos de fazer, uma vez que este homem realiza tantos milagres? Se O deixamos continuar assim, todos acreditarão n’Ele; e virão os romanos destruir-nos o nosso Lugar santo e toda a nação». Então Caifás, que era sumo sacerdote naquele ano, disse-lhes: «Vós não sabeis nada. Não compreendeis que é melhor para nós morrer um só homem pelo povo do que perecer a nação inteira?» Não disse isto por si próprio; mas, porque era sumo sacerdote nesse ano, profetizou que Jesus havia de morrer pela nação; e não só pela nação, mas também para congregar na unidade todos os filhos de Deus que andavam dispersos. A partir desse dia, decidiram matar Jesus. Por isso Jesus já não andava abertamente entre os judeus, mas retirou-Se para uma região próxima do deserto, para uma cidade chamada Efraim, e aí permaneceu com os discípulos. Entretanto, estava próxima a Páscoa dos judeus e muitos subiram da província a Jerusalém, para se purificarem, antes da Páscoa. Procuravam então Jesus e perguntavam uns aos outros no templo: «Que vos parece? Ele não virá à festa?»"

As atitudes e argumentos que rodeiam os últimos dias da vida de Jesus manifestam o que há de mais obscuro no íntimo do ser humano. A figura de Caifás e dos príncipes dos sacerdotes, bem como Herodes, Pilatos e as multidões, são muito interessantes do ponto de vista da análise psicológica. Estas personagens ajudam-nos a refletir sobre a nossa vida, o que se esconde no mais profundo de nós mesmos e de como também nós podemos chegar a agir com tal violência se não estivermos atentos aos impulsos. É fácil transformar as outras pessoas em inimigos, rivais, adversários. Descobrir o outro é muitas vezes descobrir um valor que pode ameaçar a nossa incompetência, pôr de manifesto as nossas incapacidades e revelar a nossa fragilidade. Perante isto decidimos muitas vezes matar o outro. Jesus mostra-nos que essa não é a melhor decisão. 

Ensina-me, Senhor, a vencer em mim estes sentimentos que eliminam o outro da minha vida e faz-me compreender que ter a meu lado um irmão com mais valor, com mais capacidades e dons, não é uma ameaça mas uma riqueza.

Há já algum tempo que os doutores da lei, até os sumos sacerdotes, estavam inquietos porque aconteciam coisas estranhas no país. Primeiro este João, que no final o deixaram estar porque era um profeta, batizava lá e as pessoas procuravam-no, mas não havia outras consequências. Depois veio este Jesus, indicado por João. Começou a fazer sinais, milagres, mas sobretudo a falar ao povo, que o compreendia e o seguia, e nem sempre observava a lei, o que preocupava muito. «Este é um revolucionário, um revolucionário pacífico... Ele atrai as pessoas, as pessoas seguem-no...» (cf. Jo 11, 47-48). E estas ideias levaram-nos a falar uns com os outros: “Mas olha, não gosto disto... daquele...”, e assim entre eles havia este tema de conversa, e também de preocupação. Depois alguns foram ter com Jesus para o porem à prova, mas o Senhor deu uma resposta clara que a eles, aos doutores da lei, não veio à mente. Pensemos naquela mulher que foi casada sete vezes, viúva sete vezes: «Mas no céu, de qual destes maridos será esposa?» (cf. Lc, 20, 33). Ele respondeu claramente e eles retiraram-se um pouco envergonhados pela sabedoria de Jesus e noutros momentos foram-se embora humilhados, como quando quiseram apedrejar aquela adúltera e Jesus,  no final, disse: «Quem de vós estiver sem pecado seja o primeiro a lançar-lhe uma pedra» (cf. Jo 8, 7) e diz o Evangelho que eles foram embora, começando pelos mais velhos, humilhados naquele momento. Isto fez aumentar a preocupação entre eles: “Temos de fazer alguma coisa, isto não está bem...”. Então eles mandaram os soldados buscá-lo e estes voltaram dizendo: “Não conseguimos prendê-lo porque este homem fala como nenhum outro” ... «Também vós vos  deixastes seduzir?» (cf. Jo 7, 45-49): irritados porque nem sequer os soldados o conseguiram prender. E então, depois da ressurreição de Lázaro -  hoje  ouvimos isto - muitos judeus foram visitar as irmãs de Lázaro, mas alguns foram para depois relatar o que viram, e outros foram ter com os fariseus e contaram-lhes o que Jesus tinha feito (cf. Jo 11, 45). Outros acreditavam n'Ele. E aqueles que foram, os bisbilhoteiros de todos os tempos, que vivem levando mexericos... foram-lhes contar. Naquele momento, o grupo que se tinha formado de doutores da lei fez uma reunião formal: “Isto é muito perigoso, temos de tomar uma decisão”. Que faremos? Este homem realiza muitos sinais - reconhecem os milagres - se o deixarmos continuar assim, todos acreditarão nele, há perigo, o povo segui-lo-á, separar-se-á de nós - o povo não os estimava - «virão os romanos e destruir-nos-ão o Templo e a Nação» (cf. Jo 11, 48). Nisto havia um pouco de verdade, mas não total, era uma justificação, porque eles tinham encontrado um equilíbrio com o invasor, mas odiavam o invasor romano, contudo politicamente tinham encontrado um equilíbrio. Assim, falavam entre eles. Um deles, Caifás - o mais radical - um sumo sacerdote, disse: «Não compreendeis que vos interessa que morra um só homem pelo povo e não pereça a Nação inteira»(Jo 11, 50). Ele era o sumo sacerdote e fez a proposta: «Matemo-lo». E João diz: “Esta revelação de que Jesus deveria morrer por todo o povo veio da boca de Caifás, no seu cargo de sumo sacerdote; não foi coisa que tivesse pensado por si próprio, mas uma profecia. Era uma predição de que a morte de Jesus não seria só por Israel... A partir daí, começaram a planear a morte de Jesus” (cf. Jo 11, 51-53). Foi um processo,  que começou com alguma inquietação na época de João Batista e depois terminou nesta sessão dos Doutores da Lei e sacerdotes. Foi um processo que cresceu, um processo que era mais seguro do que a decisão que tinham de tomar, mas ninguém o dissera tão claramente: «Temos que o aniquilar». Esta forma de proceder dos doutores da lei é precisamente uma figura de como a tentação age em nós, porque por trás dela estava obviamente o diabo que queria destruir Jesus e a tentação em nós geralmente age assim: começa com pouco, com um desejo, uma ideia, cresce, contagia outros e no fim é justificada. Estes são os três passos da tentação do diabo em nós e eis estão os três passos que a tentação do diabo deu na pessoa do doutor da lei. Começou com pouco, mas cresceu, cresceu, contagiou outros, fez-se corpo e no final justifica-se: «é melhor que um só homem  morra pelo povo» (cf. Jo 11, 50), a justificação total. E todos foram para casa tranquilos. Disseram: “Esta é a decisão que tínhamos de tomar”. E todos nós, quando somos vencidos pela tentação, ficamos tranquilos, porque encontramos uma justificação para este pecado, para esta atitude pecaminosa, para esta vida não de acordo com a lei de Deus. Deveríamos ter o hábito de ver em nós este processo de tentação. Este processo que nos faz mudar os nossos corações do bem para o mal, que nos conduz ao caminho da descida. Algo que cresce, cresce lentamente, depois contagia outros e acaba por se justificar. Dificilmente as tentações chegam até nós de repente, o diabo é astuto. Ele sabe como percorrer este caminho, o mesmo que percorreu para chegar à condenação de Jesus. Quando nos encontramos num pecado, numa queda, sim, devemos ir e pedir perdão ao Senhor, é o primeiro passo que devemos dar, mas depois devemos dizer: «Como caí nisto? Como começou este processo na minha alma? Como cresceu? Quem contagiei? E, no final, como me justifiquei a mim mesmo por ter caído?». A vida de Jesus é sempre um exemplo para nós e as coisas que lhe aconteceram são aquelas que acontecerão a nós, as tentações, as justificações, as pessoas boas que estão à nossa volta e talvez não as ouvimos e as pessoas más, no momento da tentação, procuramos aproximar-nos delas para fazer crescer a tentação. Mas nunca esqueçamos: sempre, atrás de um pecado, atrás de uma queda, há uma tentação que começou pequena, que cresceu, que contagiou e, no final, encontrou uma justificação para cair. 

Que o Espírito Santo nos ilumine neste conhecimento interior.

Papa Francisco

(Capela de Santa Marta, 4 de abril de 2020)

quinta-feira, 30 de março de 2023

QUARESMA PASSO A PASSO - 2023 

Sexta-feira V – dia 33 –31/03/2023

Evangelho Jo 10, 31-42

«‘Sou Filho de Deus’!»;

«Se não faço as obras de meu Pai, não acrediteis. Mas se as faço, embora não acrediteis em Mim, acreditai nas minhas obras, para reconhecerdes e saberdes que o Pai está em Mim e Eu estou no Pai»; 

«De novo procuraram prendê-l’O, mas Ele escapou-Se das suas mãos.»

O texto começa por nos apresentar Jesus no meio dos Judeus que o querem apedrejar. Acusam-no de blasfémia. Trata-se de uma grave acusação que tem como pena a morte. Jesus faz-se igual a Deus. Os Judeus não entendem. Jesus procura abrir-lhes os olhos com a Escritura, mesmo assim não consegue convencê-los. Apresenta-lhes as obras que realiza, mas eles não querem reconhecer. Tem que escapar das suas mãos. É reconhecendo que em Jesus se realizam as palavras de João que muitos acreditaram nele.

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"Naquele tempo, os judeus agarraram em pedras para apedrejarem Jesus. Então Jesus disse-lhes: «Apresentei-vos muitas boas obras, da parte de meu Pai. Por qual dessas obras Me quereis apedrejar?» Responderam os judeus: «Não é por qualquer boa obra que Te queremos apedrejar: é por blasfémia, porque Tu, sendo homem, Te fazes Deus». Disse-lhes Jesus: «Não está escrito na vossa Lei: ‘Eu disse: vós sois deuses’? Se a Lei chama ‘deuses’ a quem a palavra de Deus se dirigia – e a Escritura não pode abolir-se –, de Mim, que o Pai consagrou e enviou ao mundo, vós dizeis: ‘Estás a blasfemar’, por Eu ter dito: ‘Sou Filho de Deus’!» Se não faço as obras de meu Pai, não acrediteis. Mas se as faço, embora não acrediteis em Mim, acreditai nas minhas obras, para reconhecerdes e saberdes que o Pai está em Mim e Eu estou no Pai». De novo procuraram prendê-l’O, mas Ele escapou-Se das suas mãos. Jesus retirou-Se novamente para além do Jordão, para o local onde anteriormente João tinha estado a batizar e lá permaneceu. Muitos foram ter com Ele e diziam: «É certo que João não fez nenhum milagre, mas tudo o que disse deste homem era verdade». E muitos ali acreditaram em Jesus."

Jesus fez-se homem para me mostrar que há um caminho pelo qual eu posso chegar a ser “Deus”. Pelo batismo iniciou-se a minha divinização. Ali fui tornado filho de Deus, no Filho que é Jesus. Como Ele, também eu sou chamado a realizar no mundo as obras de Deus. Também eu, como filho de Deus, sou chamado a manifestar a presença de Deus em todas as minhas obras. Sinto que sou convidado hoje a ir à “terra onde João tinha estado a batizar”. Quer dizer, tenho que ir ali onde começou em mim o Batismo. Buscar as raízes da minha divinização, o início da minha filiação divina, à palavra que me gerou para uma nova existência em Cristo. Com os olhos no batismo saberei escapar às mãos de quem me empurra para longe de Deus. Com os olhos no batismo acreditarei cada dia mais em Jesus.

Quero fugir, Senhor, àqueles que se reduzem à pequenez da condição de Adão. Quero escutar a Tua voz que me diz “vós sois deuses”. Quero reconhecer o dom maravilhoso do Batismo em que me mergulhaste e do qual me fizeste ressurgir homem novo, renascido pela água e pelo Espírito para ser o que Tu és, filho de Deus. Quero ser, cada dia mais, obra das Tuas mãos para que exista entre nós uma unidade total.

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Pai Nosso que estais nos céus, santificado seja o Vosso Nome, venha a nós o Vosso Reino, seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido e não nos deixeis cair em tentação,mas livrai-nos do mal. Ámen.

quarta-feira, 29 de março de 2023

 QUARESMA PASSO A PASSO - 2023

Quinta-feira V – dia 32 –30/03/2023

Evangelho    Jo 8, 51-59

«Se alguém guardar a minha palavra, nunca verá a morte.»

O diálogo continua difícil e vai chegar ao extremo da intolerância. Jesus continua a ser um desconhecido para todos. “Serás Maior…? Quem pretendes ser?” Continua também o esforço de Jesus por se apresentar como Aquele que vem do Pai, o esperado, aquele que é, “eu sou” antes de Abraão existir. As contas não batem certo para aqueles que não guardam a Palavra e decidem passar à ação: “então agarraram em pedras”.

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"Naquele tempo, disse Jesus aos judeus: «Em verdade, em verdade vos digo: Se alguém guardar a minha palavra, nunca verá a morte». Responderam-Lhe os judeus: «Agora sabemos que tens o demónio. Abraão morreu, os profetas também, mas Tu dizes: ‘Se alguém guardar a minha palavra, nunca sofrerá a morte’. Serás Tu maior do que o nosso pai Abraão, que morreu? E os profetas também morreram. Quem pretendes ser?» Disse-lhes Jesus: «Se Eu Me glorificar a Mim próprio, a minha glória não vale nada. Quem Me glorifica é meu Pai, Aquele de quem dizeis: ‘É o nosso Deus’. Vós não O conheceis, mas Eu conheço-O; e se dissesse que não O conhecia, seria mentiroso como vós. Mas Eu conheço-O e guardo a sua palavra. Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia; ele viu-o e exultou de alegria». Disseram-Lhe então os judeus: «Ainda não tens cinquenta anos e viste Abraão?!» Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Antes de Abraão existir, ‘Eu sou’». Então agarraram em pedras para apedrejarem Jesus, mas Ele ocultou-Se e saiu do templo."

Perante esta palavra entendo como é fácil cair em radicalismos. Quando não escuto o outro, quando não o conheço, quando não estou disposto a aceitar a distância entre a realidade e o que se vê, então acontece em mim a morte. A morte que não é outra coisa senão a impossibilidade de estar com o outro, que é Cristo, quando tenho todas as possibilidades de o fazer. A Palavra de Jesus, Ele que é a Palavra, tem o poder de me mostrar com evidência a verdade da sua pessoa, a sua relação com o Pai e o seu papel na minha salvação. A distância entre o que Jesus é e o que eu vejo n'Ele só se revela na escuta da palavra.

“Serás tu maior…?” É tão difícil conhecer-te, Senhor, mas mais difícil é reconhecer-te naquilo que és. Quero um Deus à minha medida, com os meus critérios e segundo os meus padrões. Tu és maior que tudo o que eu possa imaginar e, por isso, me parece impossível que “sejas” antes de Abraão. É difícil reconhecer que és o Verbo que existe desde o princípio. Não te ocultes, Senhor, por entre as paredes do templo para que possa contemplar-te e na contemplação conhecer-te como Deus, o Deus que me arranca da morte.

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«Nas duas leituras» da liturgia propostas hoje, frisou o Pontífice, «fala-se de tempo, de eternidade, de anos, de futuro e de passado» (Gn 17, 3-9 e Jo 8, 51-59). Aponto que precisamente «o tempo parece ser a realidade mais importante na mensagem litúrgica desta quinta-feira». Mas Francisco preferiu «indicar outra palavra» que, sugeriu, «penso que seja exatamente a mensagem na Igreja hoje». E são as palavras de Jesus citadas pelo evangelista João: «O vosso pai, Abraão, exultou com a ideia de ver o meu dia; viu-o e rejubilou».

Portanto, a mensagem central de hoje é «a alegria da esperança, da confiança na promessa de Deus, a alegria da fecundidade». «Abraão, no tempo do qual fala a primeira leitura tinha noventa e nove anos e o Senhor apareceu-lhe e garantiu a aliança» com estas palavras: «Quanto a mim, a minha aliança é contigo: tornar-te-ás pai».

Abraão, recordou Francisco, «tinha um filho de doze ou treze anos: Ismael». Mas Deus garantiu-lhe que se tornaria «pai de uma multidão de nações». E «deu-lhe o nome». Depois «continuou e pediu-lhe que fosse fiel à aliança», dizendo: «Estabelecerei a minha aliança contigo e com a tua descendência e depois de ti, de geração em geração, como aliança perene». Praticamente, Deus diz a Abraão «dou-te tudo, dou-te o tempo: dou-te tudo, serás pai».

Certamente Abraão, disse o Papa, «estava feliz por isto, rejubilou» ouvindo a promessa do Senhor: «Daqui a um ano terás outro filho». Certamente, com essas palavras «Abraão riu, diz a Bíblia em seguida: mas como, com cem anos um filho?». Sim, «gerou Ismael com oitenta e sete anos, mas com cem anos um filho é demasiado, não se pode compreender!». E «riu». Mas «aquele sorriso, aquele riso foi o início da alegria de Abraão». Portanto, eis o sentido das palavras de Jesus repropostas hoje pelo Papa como mensagem central: «Abraão, vosso pai, exultou na esperança». De facto, «não ousava crer e disse ao Senhor: “Mas se pelo menos Ismael vivesse na tua presença?”». Recebendo esta resposta: «Não, não será Ismael. Será outro».

Por conseguinte, para Abraão «a alegria era plena» afirmou o Papa. Mas «também a sua esposa Sara, depois riu: estava meio escondida atrás das cortinas da entrada, ouvindo o que diziam os homens». E «quando estes enviados de Deus deram a Abraão a notícia do filho, também ela riu». Isto mesmo, afirmou Francisco, «o início da grande alegria de Abraão». Sim «a grande alegria: exultou na esperança de ver este dia; viu-o e rejubilou». E o Papa convidou a olhar para «este bonito ícone: Abraão diante de Deus, que se prostra com a face no chão: ouviu a promessa e abriu o coração à esperança e rejubilou».

Precisamente isto «não entendiam os doutores da lei», frisou Francisco. «Não entendiam a alegria da promessa; a alegria da esperança; a alegria da aliança. Não compreendiam». «Não sabiam alegrar-se porque tinham perdido o sentido da alegria que vem só com a fé». Ao contrário, explicou o Papa, «o nosso pai Abraão foi capaz de se alegrar porque tinha fé: tornou-se justo pela fé». Os doutores da lei «tinham perdido a fé: eram doutores da lei, mas sem fé!». E ainda mais: «tinham perdido a lei! Porque o centro da lei é o amor a Deus e ao próximo». Contudo, eles «possuíam só um sistema de doutrinas exatas que aperfeiçoavam cada dia mais para que ninguém as tocasse».

Eram «homens sem fé, sem lei, apegados a doutrinas que se tornavam também uma atitude casuísta». Depois Francisco citou exemplos concretos: «Pode-se pagar os impostos a César, não? A mulher que se casou sete vezes, quando for para o céu será esposa daqueles sete?». E «esta casuística era: o seu mundo abstrato, sem amor, sem fé, sem esperança, sem confiança, sem Deus». E por isso mesmo «não podiam alegrar-se».

E não se alegravam nem sequer quando faziam festas para se divertir: a ponto que, afirmou o Papa, certamente «abriram algumas garrafas quando Jesus foi condenado». Mas sempre «sem alegria», aliás, «com medo porque um deles, talvez enquanto bebiam», terá lembrado a promessa «de que Jesus teria ressuscitado». E então «imediatamente, com medo, foram ter com o procurador para dizer “por favor, providenciai isto, que não haja um engano”». Tudo isto porque «tinham medo».

Mas «esta é a vida sem fé em Deus, sem confiança em Deus, sem esperança em Deus» afirmou o Papa. «A vida deles — acrescentou — que só depois de entenderam que não tinham razão», pensaram que a única saída era pegar em pedras para lapidar Jesus. O seu coração estava petrificado». Com efeito, «é triste ser crente sem alegria — explicou Francisco — e não há alegria se não houver fé, esperança, lei, mas só prescrições, doutrina fria». Em contraposição, o Papa apresentou de novo a «alegria de Abraão, o lindo gesto do sorriso de Abraão» quando ouviu a promessa de ter «um filho com cem anos». E «também o sorriso de Sara, um sorriso de esperança». Porque «a alegria da fé, do Evangelho é o termo de comparação da fé de uma pessoa: sem alegria essa pessoa não é um crente verdadeiro».

Na conclusão, Francisco convidou a fazer próprias as palavras de Jesus: «O vosso pai, Abraão, exultou com a ideia de ver o meu dia; viu-o e rejubilou». E pediu «ao Senhor a graça de exultar na esperança, a graça de poder ver o dia de Jesus quando nos encontrarmos com Ele e a graça do júbilo».

Papa Francisco

(Santa Marta, 26 de março de 2015)

terça-feira, 28 de março de 2023

 QUARESMA PASSO A PASSO - 2023

Quarta-feira V – dia 31 –29/03/2023

Evangelho Jo 8, 31-42

«Todo aquele que comete o pecado é escravo.»;

«Se Deus fosse o vosso Pai, amar-Me-íeis, porque saí de Deus e d’Ele venho. Eu não vim de Mim próprio; foi Ele que Me enviou».

É interessante esta parte do evangelho de João. Começa por dizer que Jesus fala com os que tinham acreditado nele e depois apresenta um diálogo difícil que vai acabar mal, como veremos nos dias seguintes. O grupo dos que acreditam transforma-se em grupo opositor. Tinham acreditado, mas já não acreditam. Desiludiram-se com alguma coisa que Jesus fez ou talvez porque não fez, com algo que ele disse ou não disse. No diálogo Jesus fala-lhes da liberdade e da escravatura. O pecado escraviza e a verdade liberta. Liberta-se aquele que acolhe a Sua palavra, conhece a verdade e torna-se Seu discípulo. Conhecer a verdade é pertencer a Deus, experimentar a obediência e a fidelidade. Os que não pertencem a Deus querem matar Jesus.

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"Naquele tempo, dizia Jesus aos judeus que tinham acreditado n’Ele: «Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos libertará». Eles responderam-Lhe: «Nós somos descendentes de Abraão e nunca fomos escravos de ninguém. Como é que Tu dizes: ‘Ficareis livres’?» Respondeu Jesus: «Em verdade, em verdade vos digo: Todo aquele que comete o pecado é escravo. Ora o escravo não fica para sempre em casa; o filho é que fica para sempre. Mas se o Filho vos libertar, sereis realmente homens livres. Bem sei que sois descendentes de Abraão; mas procurais matar-Me, porque a minha palavra não entra em vós. Eu digo o que vi junto de meu Pai e vós fazeis o que ouvistes ao vosso pai». Eles disseram: «O nosso pai é Abraão». Respondeu-lhes Jesus: «Se fôsseis filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão. Mas procurais matar-Me, a Mim que vos disse a verdade que ouvi de Deus. Abraão não procedeu assim. Vós fazeis as obras do vosso pai». Disseram-Lhe eles: «Nós não somos filhos ilegítimos; só temos um pai, que é Deus». Respondeu-lhes Jesus: «Se Deus fosse o vosso Pai, amar-Me-íeis, porque saí de Deus e d’Ele venho. Eu não vim de Mim próprio; foi Ele que Me enviou»."

Convencido da minha verdade, tomo a atitude radical de matar aquele que é a verdade e termino na escravatura de mim mesmo, do meu pecado. A proposta de libertação, feita por Jesus, choca com a minha visão, com os meus princípios, as minhas ideias e as minhas tradições. Sou tentado a aceitar a palavra se ela não questionar os meus princípios, as minhas ideias, os meus hábitos e as minhas tradições. Deixar-me libertar implica abrir o coração à palavra para que, permanecendo em mim, me transforme pouco a pouco em discípulo de Cristo.

“Só tenho um Pai que é Deus”. Esta verdade universal é tão perigosa, Senhor. Sinto tantas vezes em mim a confusão destas palavras. Afinal o Deus que é meu Pai pode não ser o Teu Pai, pode não ser o Teu Deus. Quem é Deus? Se não fores Tu, Jesus, a mostrar-me Deus, se não fores Tu a mostrar-me o Pai, como poderei eu conhecê-l'O? Como saberei que não estou enganado? Mostra-me o Pai, Senhor, e isso me basta.

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Na primeira leitura que foi proclamada, os três jovens, perseguidos pelo soberano babilonense, antes preferem morrer queimados pelo fogo que trair a sua consciência e a sua fé. Eles encontraram a força de «louvar, glorificar e bendizer a Deus» na convicção de que o Senhor do universo e da história não os abandonaria à morte e ao nada. De facto, Deus nunca abandona os seus filhos, nunca os esquece. Está acima de nós e é capaz de nos salvar com o seu poder; ao mesmo tempo, está perto do seu povo e, por meio do seu Filho Jesus Cristo, quis habitar entre nós.

«Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos libertará» (Jo 8, 31). No texto do Evangelho que foi proclamado, Jesus revela-Se como o Filho de Deus Pai, o Salvador, o único que pode mostrar a verdade e dar a verdadeira liberdade. Mas o seu ensinamento gera resistência e inquietação entre os seus interlocutores, e Ele acusa-os de procurarem a sua morte, aludindo ao supremo sacrifício da Cruz, já próximo. Ainda assim, exorta-os a acreditar, a permanecer na sua Palavra para conhecerem a verdade que redime e dignifica.

Com efeito, a verdade é um anseio do ser humano, e procurá-la supõe sempre um exercício de liberdade autêntica. Muitos, todavia, preferem os atalhos e procuram evitar essa tarefa. Alguns, como Pôncio Pilatos, ironizam sobre a possibilidade de conhecer a verdade (cf. Jo 18, 38), proclamando a incapacidade do homem de a alcançar ou negando que exista uma verdade para todos. Esta atitude, como no caso do ceticismo e do relativismo, produz uma transformação no coração, tornando as pessoas frias, vacilantes, distantes dos demais e fechadas em si mesmas. São pessoas que lavam as mãos, como o governador romano, e deixam correr o rio da história sem se comprometer.

Entretanto há outros que interpretam mal esta busca da verdade, levando-os à irracionalidade e ao fanatismo, pelo que se fecham na «sua verdade» e tentam impô-la aos outros. São como aqueles legalistas obcecados que, ao verem Jesus ferido e ensanguentado, exclamam enfurecidos: «Crucifica-o!» (cf. Jo 19, 6). Na realidade, quem age irracionalmente não pode chegar a ser discípulo de Jesus. Fé e razão são necessárias e complementares na busca da verdade. Deus criou o homem com uma vocação inata para a verdade e, por isso, dotou-o de razão. Certamente não é a irracionalidade que promove a fé cristã, mas a ânsia da verdade. Todo o ser humano deve perscrutar a verdade e optar por ela quando a encontra, mesmo correndo o risco de enfrentar sacrifícios.

Além disso, a verdade sobre o homem é um pressuposto imprescindível para alcançar a liberdade, porque nela descobrimos os fundamentos duma ética com que todos se podem confrontar, e que contém formulações claras e precisas sobre a vida e a morte, os deveres e direitos, o matrimónio, a família e a sociedade, enfim sobre a dignidade inviolável do ser humano. É este património ético que pode aproximar todas as culturas, povos e religiões, as autoridades e os cidadãos, os cidadãos entre si, os crentes em Cristo com aqueles que não crêem n’Ele.

Ao ressaltar os valores que sustentam a ética, o cristianismo não impõe mas propõe o convite de Cristo para conhecer a verdade que nos torna livres. O fiel é chamado a dirigir este convite aos seus contemporâneos, como fez o Senhor, mesmo perante o sombrio presságio da rejeição e da Cruz. O encontro pessoal com Aquele que é a verdade em pessoa impele-nos a partilhar este tesouro com os outros, especialmente através do testemunho.

Queridos amigos, não hesiteis em seguir Jesus Cristo. N’Ele encontramos a verdade sobre Deus e sobre o homem. Ajuda-nos a superar os nossos egoísmos, a sair das nossas ambições e a vencer o que nos oprime. Aquele que pratica o mal, aquele que comete pecado é escravo do pecado e nunca alcançará a liberdade (cf. Jo 8, 34). Somente renunciando ao ódio e ao nosso coração endurecido e cego é que seremos livres, e uma vida nova germinará em nós.

Com a firme convicção de que a verdadeira medida do homem é Cristo e sabendo que n’Ele se encontra a força necessária para enfrentar toda a provação, desejo anunciar-vos abertamente o Senhor Jesus como Caminho, Verdade e Vida. N’Ele todos encontrarão a liberdade plena, a luz para compreender profundamente a realidade e transformá-la com o poder renovador do amor.

A Igreja vive para partilhar com os outros a única coisa que possui: o próprio Cristo, esperança da glória (cf. Col 1, 27). Para realizar esta tarefa, é essencial que ela possa contar com a liberdade religiosa, que consiste em poder proclamar e celebrar mesmo publicamente a fé, comunicando a mensagem de amor, reconciliação e paz que Jesus trouxe ao mundo. (...) 

Invocando a proteção maternal de Maria Santíssima, peçamos que, participando regularmente na Eucaristia, nos tornemos também testemunhas da caridade que responde ao mal com o bem (cf. Rm 12, 21), oferecendo-nos como hóstia viva a Quem amorosamente Se entregou por nós. Caminhemos na luz de Cristo, que pode dissipar as trevas do erro. Supliquemos-Lhe que, com o valor e o vigor dos santos, cheguemos a dar uma resposta livre, generosa e coerente a Deus, sem medos nem rancores. Ámen.

Papa Bento XVI

(Havana, 28 de março de 2012)

segunda-feira, 27 de março de 2023

QUARESMA PASSO A PASSO - 2023

Terça-feira V – dia 30 –28/03/2023

Evangelho Jo 8, 21-30

«Quem és Tu?»;

«Quando levantardes o Filho do homem, então sabereis que ‘Eu sou’.»;

«Aquele que Me enviou está comigo: não Me deixou só, porque Eu faço sempre o que é do seu agrado»

O diálogo entre Jesus e os fariseus está cada vez mais difícil. Chega-se ao ponto de Jesus afirmar que eles vão morrer nos seus pecados e eles julgarem que Jesus se vai matar. A distância entre Jesus e os fariseus é já inultrapassável como se vê nas palavras de Jesus: “Vós sois cá de baixo, Eu sou lá de cima; vós sois deste mundo, Eu não sou deste mundo”. E Jesus explica em que consiste esta distância: “se não acreditardes que ‘Eu sou’”. Será esta falta de fé em Jesus que os levará a matá-lo, mas na sua morte se manifestará o “eu sou” de Jesus: “Quando levantardes o Filho do homem, então sabereis que ‘Eu sou’”.

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"Naquele tempo, disse Jesus aos fariseus: «Eu vou partir. Haveis de procurar-Me e morrereis no vosso pecado. Vós não podeis ir para onde Eu vou». Diziam então os judeus: «Irá Ele matar-Se? Será por isso que Ele afirma: ‘Vós não podeis ir para onde Eu vou’?» Mas Jesus continuou, dizendo: «Vós sois cá de baixo, Eu sou lá de cima; vós sois deste mundo, Eu não sou deste mundo. Ora Eu disse-vos que morrereis nos vossos pecados, porque, se não acreditardes que ‘Eu sou’, morrereis nos vossos pecados». Então perguntaram-Lhe: «Quem és Tu?» Respondeu-lhes Jesus: «Absolutamente aquilo que vos digo. Tenho muito que dizer e julgar a respeito de vós. Mas Aquele que Me enviou é verdadeiro e Eu comunico ao mundo o que Lhe ouvi». Eles não compreenderam que lhes falava do Pai. Disse-lhes então Jesus: «Quando levantardes o Filho do homem, então sabereis que ‘Eu sou’ e que por Mim nada faço, mas falo como o Pai Me ensinou. Aquele que Me enviou está comigo: não Me deixou só, porque Eu faço sempre o que é do seu agrado». Enquanto Jesus dizia estas palavras, muitos acreditaram n’Ele."

O diálogo de Jesus com os fariseus é difícil, ainda assim, “muitos acreditaram n’Ele”. Fico a pensar nestas palavras. De facto, por muito difícil que seja, eu também posso fazer parte deste grupo que acredita em Jesus. Poderá parecer difícil reconhecer quem é Jesus, aceitar a sua palavra, entender o seu projeto, segui-l'O para onde quer que vá, mas é possível. Se outros acreditaram eu também posso vencer as dificuldades interiores que me impedem de O aceitar na minha vida. Também eu posso estreitar a distância entre o céu e a terra, entre o meu mundo e o mundo de Jesus, entre mim e Ele.

Eu Te procuro, Senhor. Quero encontrar-Te. Posso não saber quem és nem para onde vais, mas procuro por Ti. No meio da minha noite, por entre as realidades deste meu mundo, aqui em baixo tantas vezes só, eu procuro por Ti. Quero encontrar-Te. Ensina-me a ver-Te presente no mistério da cruz e a reconhecer que a Tua Cruz é a ponte por onde se passa do meu mundo para o Teu mundo, da terra para o céu, da vida em mim para a vida conTigo.

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(...)

Esta palavra na liturgia da penúltima semana da Quaresma torna-se particularmente intensa e, diria, particularmente dramática. Põem-no em evidência, de modo especial, as leituras tiradas do Evangelho de São João.

Cristo, conversando com os Fariseus, cada vez mais claramente diz Quem é, Quem O mandou — e as Suas palavras não encontram acolhimento. E cada vez mais, mediante a crescente tensão das perguntas e das respostas, se delineia também o termo deste processo: a morte do Profeta de Nazaré.

"Tu quem és?" (Jo 8, 25), perguntam-Lhe como uma vez perguntaram a João Baptista. Esta interrogação traz consigo aquela eterna inquietação messiânica, na qual Israel participava havia gerações e gerações, e que, na geração daquele tempo, parecia ainda aumentada em intensidade.

domingo, 26 de março de 2023

QUARESMA PASSO A PASSO - 2023  

Segunda-feira V – dia 29 –27/03/2023

Evangelho Jo 8, 1-11

«Quem de entre vós estiver sem pecado atire a primeira pedra»;

«Também Eu não te condeno. Vai e não tornes a pecar».

Jesus vive uma situação instável. Não pode andar abertamente entre o povo. Ele aparece e desaparece. Foi para o Monte das Oliveiras, mas de manhã apareceu de novo no Templo. Estava a ensinar. O seu ensinamento nem sempre coincide com as ideias dos fariseus e dos chefes do povo. Por isso é confrontado com situações reais às quais há que aplicar a lei. Hoje é uma mulher apanhada em adultério que serve de pretexto para interrogar Jesus. A Lei deve ser aplicada? É a questão. Como entende Jesus? Como vê ele a situação da mulher perante a Lei? “Tu que dizes?” A resposta de Jesus é decisiva “Quem de entre vós estiver sem pecado atire a primeira pedra”. Mas esta resposta fere o coração, a alma e o orgulho dos acusadores. Perderam, mas não ficaram vencidos e Jesus sabe disso. Vai ter que se confrontar com eles noutro momento, quando o condenarem a Ele por não ter condenado a mulher adúltera.

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"Naquele tempo, Jesus foi para o Monte das Oliveiras. Mas de manhã cedo, apareceu outra vez no templo e todo o povo se aproximou d’Ele. Então sentou-Se e começou a ensinar. Os escribas e os fariseus apresentaram a Jesus uma mulher surpreendida em adultério, colocaram-na no meio dos presentes e disseram a Jesus: «Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Na Lei, Moisés mandou-nos apedrejar tais mulheres. Tu que dizes?». Falavam assim para Lhe armarem uma cilada e terem pretexto para O acusar. Mas Jesus inclinou-Se e começou a escrever com o dedo no chão. Como persistiam em interrogá-l’O, Ele ergueu-Se e disse-lhes: «Quem de entre vós estiver sem pecado atire a primeira pedra». Inclinou-Se novamente e continuou a escrever no chão. Eles, porém, quando ouviram tais palavras, foram saindo um após outro, a começar pelos mais velhos, e ficou só Jesus e a mulher, que estava no meio. Jesus ergueu-Se e disse-lhe: «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?». Ela respondeu: «Ninguém, Senhor». Jesus acrescentou: «Também Eu não te condeno. Vai e não tornes a pecar»."

Diante do mundo é fácil ficar do lado dos mais fortes, dos que falam mais alto e levantam os braços com mais força. Mas defender os humildes e os humilhados deste mundo é atitude reservada a homens especiais de elevada estatura. Jesus é o verdadeiro homem. Ele não fica do lado da força pela força, mas do lado da verdade pelo amor. Percebo, hoje, de modo especial que a sua condenação devia ter sido a minha condenação, a sua morte devia ter sido a minha morte. Ele entregou-se em meu lugar, para que vencesse o amor e não a lei.

Ninguém me condenou, Senhor. Muitos olharam para mim de lado, alguns levantaram o dedo, outros quiseram erguer a voz, mas ninguém teve força para me condenar porque me amaste e perdoaste antes mesmo de eu ter pecado. Antes que todos vissem o meu pecado tu me amaste até ao extremo de dares a vida em meu lugar. O teu amor venceu em mim e em todos. O teu amor venceu no mundo e eu estou agradecido por isso.

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«Deus não perdoa com um decreto mas com uma carícia». E com a misericórdia «Jesus vai também além da lei e perdoa acariciando as feridas dos nossos pecados». «As leituras de hoje — explicou o Pontífice — falam-nos do adultério», que juntamente com a blasfémia e a idolatria era considerado «um pecado gravíssimo na lei de Moisés», punido «com a pena de morte» por lapidação. Com efeito, o adultério «vai contra a imagem de Deus, a fidelidade de Deus», porque «o matrimónio é o símbolo, e também uma realidade humana, da relação fiel de Deus com o seu povo». Assim, «quando se arruína o matrimónio com um adultério, esta relação entre Deus e o seu povo é manchada». Naquela época era considerado «um pecado grave» porque «se manchava precisamente o símbolo da relação entre Deus e o povo, da fidelidade de Deus».

No trecho evangélico proposto na liturgia (Jo 8, 1-11), que narra a história da mulher adúltera, «encontramos Jesus sentado ali, entre tanta gente, e catequizava, ensinava». Depois, «aproximaram-se os escribas e os fariseus com uma mulher que traziam à sua frente, talvez com as mãos amarradas, podemos imaginar». E assim «colocaram-na no meio e acusaram-na: esta é uma adúltera!». É uma «acusação pública». E narra o Evangelho, fizeram a pergunta a Jesus: «Que devemos fazer com esta mulher?». O único objetivo deles era «precisamente pôr à prova e armar uma cilada» a Jesus. Aliás, «talvez alguns deles até fossem adúlteros».

Por seu lado, não obstante estivesse ali tanta gente, «Jesus queria permanecer sozinho com a mulher, desejava falar ao seu coração: é o mais importante para Jesus». E «o povo tinha ido embora lentamente» depois de ter ouvido as suas palavras: “Se algum de vós estiver sem pecado, lance a primeira pedra”. A mulher não se proclama vítima de «uma acusação falsa», não se defende afirmando: «Eu não cometi adultério». Não, «ela reconhece o seu pecado» e responde a Jesus: «Ninguém, Senhor, me condenou». Por sua vez, Jesus diz-lhe: «Nem Eu te condeno...».

Assim «Jesus para usar misericórdia» vai além «da lei que prescrevia a lapidação». A ponto que diz à mulher que vá em paz. «A misericórdia — explicou o Papa — é algo que dificilmente se compreende: não anula os pecados», porque quem o faz «é o perdão de Deus». Mas «a misericórdia é o modo como Deus perdoa». Porque «Jesus podia dizer: mas Eu perdoo-te, vai! Como disse àquele paralítico: os teus pecados estão perdoados!». Nesta situação «Jesus vai além» e aconselha a mulher a «não voltar a pecar». E «aqui vê-se a atitude misericordiosa de Jesus: defende o pecador dos inimigos, defende o pecador de uma condenação justa». Isto, acrescentou Francisco, «é válido também para nós». Com este estilo, concluiu o Papa, «Jesus é confessor». Não humilha a mulher adúltera, «não lhe pergunta: que fizeste, quando o fizeste, como o fizeste e com quem o fizeste?». Ao contrário, diz-lhe que «vá embora e que não volte e pecar: é grande a misericórdia de Deus, é grande a misericórdia de Jesus: perdoar-nos, acariciando-nos».

Papa Francisco

(Capela de Santa Marta, 7 de abril de 2014)

sábado, 25 de março de 2023

 QUARESMA PASSO A PASSO - 2023  

Semana V da Quaresma

Domingo V – 26/03/2023

EVANGELHO – Forma longa  –  Jo 11, 1-45  

«Eu sou a ressurreição e a vida.»;

«Quem acredita em Mim, ainda que tenha morrido, viverá»; 

«Todo aquele que vive e acredita em Mim, nunca morrerá.»;

 Acreditas nisto?»; 

Disse-Lhe Marta: «Acredito, Senhor, que Tu és o Messias, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo». 

Hoje, quinto Domingo da Quaresma, as leituras desafiam-nos a perscrutar até onde vai a nossa fé: Acredito mesmo que Jesus é a ressurreição e a vida? Acredito na ressurreição dos mortos? Acredito que a fé faz viver? Acredito que Jesus me pode ressuscitar a mim? É o próprio Jesus que nos interroga, como o fez com as irmãs de Lázaro, Marta e Maria. Deixemos que o Espírito Santo nos preencha por inteiro, a fim de também cada um de nós, ao seu jeito, dar a sua resposta a Jesus.

Na 1ª leitura, (Ez 37, 12-14) o profeta Ezequiel projeta-nos para a ressurreição, que vence a morte e nos dá a vida. Também nós, nos tempos que vivemos, pela ação do Espírito Santo, havemos de reconhecer o Senhor, que infunde em nós o Seu Espírito de Vida. Ele está connosco, sempre presente nas nossas vidas, esta é a certeza que a fé nos dá. 

“Assim fala o Senhor Deus: «Vou abrir os vossos túmulos e deles vos farei ressuscitar, ó meu povo, para vos reconduzir à terra de Israel. Haveis de reconhecer que Eu sou o Senhor, quando abrir os vossos túmulos e deles vos fizer ressuscitar, ó meu povo. Infundirei em vós o meu espírito e revivereis. Hei de fixar-vos na vossa terra e reconhecereis que Eu, o Senhor, digo e faço».

 

Na 2ª leitura (Rom 8, 8-11) S.Paulo desafia-nos a deixarmo-nos habitar pelo Espírito Santo, a deixarmo-nos repassar pelo Amor sem fim, a deixarmo-nos amar por Deus, a entregarmo-nos de corpo e alma a Jesus Cristo ressuscitado. 

“Irmãos: Os que vivem segundo a carne não podem agradar a Deus. Vós não estais sob o domínio da carne, mas do Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós. Mas, se alguém não tem o Espírito de Cristo, não Lhe pertence. Se Cristo está em vós, embora o vosso corpo seja mortal por causa do pecado, o espírito permanece vivo por causa da justiça. E se o Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos habita em vós, Ele, que ressuscitou Cristo Jesus de entre os mortos, também dará vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em vós.”

 

O Evangelho (Jo 11, 1-45) é uma revelação profunda de Jesus homem e simultaneamente Deus. Não conseguimos separar estas duas naturezas de Jesus. É impossível! Mas, contemplando o homem, como o sentimos perto de nós, nestes dias. Ele tem amigos, emociona-se, chora porque sente como seu, o sofrimento deles. Mas, continuando a nossa contemplação, Jesus eleva-nos até Deus, levanta os olhos ao Céu e reza ao Pai. Dessa comunhão íntima vemos Deus a agir, a dar a vida e a libertar.  Jesus, eu creio que és o Filho de Deus, que estás vivo e ressuscitado e que continuas a dar-nos a Vida e a libertar-nos da morte. 

“Naquele tempo, estava doente certo homem, Lázaro de Betânia, aldeia de Marta e de Maria, sua irmã. Maria era aquela que tinha ungido o Senhor com perfume e Lhe tinha enxugado os pés com os cabelos. Era seu irmão Lázaro que estava doente. As irmãs mandaram então dizer a Jesus: «Senhor, o teu amigo está doente». Ouvindo isto, Jesus disse: «Essa doença não é mortal, mas é para a glória de Deus, para que por ela seja glorificado o Filho do homem». Jesus era amigo de Marta, de sua irmã e de Lázaro. Entretanto, depois de ouvir dizer que ele estava doente, ficou ainda dois dias no local onde Se encontrava. Depois disse aos discípulos: «Vamos de novo para a Judeia». Os discípulos disseram-Lhe: «Mestre, ainda há pouco os judeus procuravam apedrejar-Te e voltas para lá?». Jesus respondeu: «Não são doze as horas do dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo. Mas, se andar de noite, tropeça, porque não tem luz consigo». Dito isto, acrescentou: «O nosso amigo Lázaro dorme, mas Eu vou despertá-lo». Disseram então os discípulos: «Senhor, se dorme, estará salvo». Jesus referia-se à morte de Lázaro, mas eles entenderam que falava do sono natural. Disse-lhes então Jesus abertamente: «Lázaro morreu; por vossa causa, alegro-Me de não ter estado lá, para que acrediteis. Mas, vamos ter com ele». Tomé, chamado Dídimo, disse aos companheiros: «Vamos nós também, para morrermos com Ele». Ao chegar, Jesus encontrou o amigo sepultado havia quatro dias. Betânia distava de Jerusalém cerca de três quilómetros. Muitos judeus tinham ido visitar Marta e Maria, para lhes apresentar condolências pela morte do irmão. Quando ouviu dizer que Jesus estava a chegar, Marta saiu ao seu encontro, enquanto Maria ficou sentada em casa. Marta disse a Jesus: «Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Mas sei que, mesmo agora, tudo o que pedires a Deus, Deus To concederá». Disse-lhe Jesus: «Teu irmão ressuscitará». Marta respondeu: «Eu sei que há de ressuscitar na ressurreição do último dia». Disse-lhe Jesus: «Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em Mim, ainda que tenha morrido, viverá; e todo aquele que vive e acredita em Mim, nunca morrerá. Acreditas nisto?». Disse-Lhe Marta: «Acredito, Senhor, que Tu és o Messias, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo». Dito isto, retirou-se e foi chamar Maria, a quem disse em segredo: «O Mestre está ali e manda-te chamar». Logo que ouviu isto, Maria levantou-se e foi ter com Jesus. Jesus ainda não tinha chegado à aldeia, mas estava no lugar em que Marta viera ao seu encontro. Então os judeus que estavam com Maria em casa para lhe apresentar condolências, ao verem-na levantar-se e sair rapidamente, seguiram-na, pensando que se dirigia ao túmulo para chorar. Quando chegou aonde estava Jesus, Maria, logo que O viu, caiu-Lhe aos pés e disse-Lhe: «Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido». Jesus, ao vê-la chorar, e vendo chorar também os judeus que vinham com ela, comoveu-Se profundamente e perturbou-Se. Depois perguntou: «Onde o pusestes?». Responderam-Lhe: «Vem ver, Senhor». E Jesus chorou. Diziam então os judeus: «Vede como era seu amigo». Mas alguns deles observaram: «Então Ele, que abriu os olhos ao cego, não podia também ter feito que este homem não morresse?». Entretanto, Jesus, intimamente comovido, chegou ao túmulo. Era uma gruta, com uma pedra posta à entrada. Disse Jesus: «Tirai a pedra». Respondeu Marta, irmã do morto: «Já cheira mal, Senhor, pois morreu há quatro dias». Disse Jesus: «Eu não te disse que, se acreditasses, verias a glória de Deus?». Tiraram então a pedra. Jesus, levantando os olhos ao Céu, disse: «Pai, dou-Te graças por Me teres ouvido. Eu bem sei que sempre Me ouves, mas falei assim por causa da multidão que nos cerca, para acreditarem que Tu Me enviaste». Dito isto, bradou com voz forte: «Lázaro, sai para fora». O morto saiu, de mãos e pés enfaixados com ligaduras e o rosto envolvido num sudário. Disse-lhes Jesus: «Desligai-o e deixai-o ir». Então muitos judeus, que tinham ido visitar Maria, ao verem o que Jesus fizera, acreditaram n’Ele.”

Jesus, fonte da Vida, dá-nos a Vida, liberta-nos de todo o mal.

O Evangelho deste quinto Domingo da Quaresma é o  da Ressurreição de Lázaro (cf. Jo 11, 1-45). Lázaro era irmão de Marta e de Maria; eram muito amigos de Jesus. Quando Ele chegou a Betânia, Lázaro já estava morto há quatro dias; Marta correu ao encontro do Mestre e disse-lhe: «Se Tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido!» (v. 21). Jesus respondeu-lhe: «Teu irmão há de ressuscitar» (v. 23); e acrescenta: «Eu sou a Ressurreição e a Vida; aquele que crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá» (v. 25). Jesus mostra-se como o Senhor da vida, Aquele que é capaz de dar vida até mesmo aos mortos. Depois chega Maria e outras pessoas, todas em lágrimas, e então Jesus - diz o Evangelho - «comoveu-Se profundamente [...] e chorou» (vv. 33-35). Com esta perturbação no coração, foi ao túmulo, agradece ao Pai que sempre o escuta, manda abrir o túmulo bradou em voz alta: «Lázaro, sai para fora» (v. 43). E Lázaro saiu tendo «os pés e as mãos ligados com faixas e o rosto envolto num sudário» (v. 44).

Aqui constatamos diretamente que Deus é vida e dá vida, mas Ele assume o drama da morte. Jesus poderia ter evitado a morte do seu amigo Lázaro, mas ele quis fazer sua a nossa dor pela morte de entes queridos, e acima de tudo ele quis mostrar o domínio de Deus sobre a morte. Neste trecho do Evangelho, vemos que a fé do homem e a omnipotência de Deus, do amor de Deus procuram-se e, por fim, encontram-se. É como um caminho duplo: a fé do homem e a omnipotência do amor de Deus que se procuram,  no final encontram-se. Vemo-lo no grito de Marta e de Maria e de todos nós com elas: «Se Tu estivesses aqui!...». E a resposta de Deus não é um discurso, não, a resposta de Deus ao problema da morte é Jesus: «Eu sou a Ressurreição e a Vida... Tende fé! No meio do choro continuai a ter fé, mesmo que a morte pareça ter vencido. Tirai a pedra do vosso coração! Que a Palavra de Deus restitua a vida onde há a morte».

Ainda hoje Jesus nos repete: «Tirai a pedra». Deus não nos criou para o túmulo, Ele criou-nos para a vida, bela, boa, alegre. Mas «a morte entrou no mundo por inveja do diabo» (Sb 2, 24), diz o Livro da Sabedoria, e Jesus Cristo veio para nos libertar dos seus laços.

Por isso, somos chamados a remover as pedras de tudo o que cheira a morte: por exemplo, a hipocrisia com que se vive a fé é morte; a crítica destrutiva dos outros é morte; a ofensa, a calúnia, é  morte; a marginalização dos pobres é morte. O Senhor pede-nos para remover estas pedras do coração, e a vida então florescerá novamente ao nosso redor. Cristo vive, e aquele que o acolhe e adere a ele entra em contacto com a vida. Sem Cristo, ou fora de Cristo, não só a vida não está presente, mas cai-se de novo na morte.

A ressurreição de Lázaro é também um sinal da regeneração que se dá no crente através do Batismo, com plena inserção no Mistério Pascal de Cristo. Pela ação e poder do Espírito Santo, o cristão é uma pessoa que caminha na vida como uma nova criatura: uma criatura para a vida e que vai em direção à vida.

Que a Virgem Maria nos ajude a ser tão compassivos quanto o seu Filho Jesus, que fez sua a nossa dor. Que cada um de nós esteja próximo daqueles que estão na prova, tornando-se para eles um reflexo do amor e ternura de Deus, que liberta da morte e faz vencer a vida.

Papa Francisco

(Angelus, 29 de março de 2020)