QUARESMA PASSO A PASSO - 2023
EVANGELHO Lc 18, 9-14
«Porque todo aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado.»
Jesus vê-se obrigado a iluminar o coração de alguns que se julgavam justos e com isso tinham-se como superiores aos outros. Para isso conta a parábola que põe em confronto o fariseu justo e o publicano pecador, diante de Deus. Os dois sobem ao templo, os dois vão rezar, os dois rezam, mas a oração deles é diferente. O fariseu apresenta-se como justo e cumpridor de todos os preceitos. O publicano apresenta-se como pecador. O fariseu toma uma postura de superioridade, vai até ao altar e fala com Deus, arrogante, como quem tem direitos por ter cumprido as suas obrigações. O publicano fica à entrada, de rosto por terra e pede misericórdia.
"Naquele tempo, Jesus disse a seguinte parábola
para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros: «Dois homens
subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu, de
pé, orava assim: ‘Meu Deus, dou-Vos graças por não ser como os outros homens,
que são ladrões, injustos e adúlteros, nem como este publicano. Jejuo duas
vezes por semana e pago o dízimo de tudo quanto possuo’. O publicano ficou a
distância e nem sequer se atrevia a erguer os olhos ao Céu; mas batia no peito
e dizia: ‘Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador’. Eu vos digo que
este desceu justificado para sua casa e o outro não. Porque todo aquele que se
exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado»."
Durante muito tempo fomos levados a julgar que, por sermos cristãos, éramos melhores que os outros e, mesmo entre os cristãos, julgávamos que os praticantes tinham direitos que os outros não tinham. Durante muito tempo julgámos os outros pela aparência esquecendo o mistério do coração do homem, lugar onde Deus se esconde e vê no segredo. Somos convidados e dar asas ao coração e a crescer na relação com os outros, reconhecendo-nos a todos como pecadores e, simultaneamente, como filhos muito amados do Pai. O lugar de todos, diante de Deus, é prostrados de rosto por terra a suplicar misericórdia. Nenhum de nós é superior aos outros por nenhuma razão, porque todos somos salvos pelo amor.
Senhor, que não se levante altivo o meu coração, nem os meus olhos se voltem
orgulhosos para o irmão. Que não deseje grandezas, nem me julgue superior aos
outros. Sossega o meu coração e pacifica a minha mente, como uma criança ao colo
da mãe.
Hoje, com outra parábola, Jesus quer ensinar-nos qual é a atitude certa
para rezar e invocar a misericórdia do Pai; como devemos rezar; a atitude
correta para orar. É a parábola do fariseu e do publicano (cf. Lc 18,
9-14).
Ambos os protagonistas vão ao templo para orar, mas agem de modos muitos
diferentes, obtendo êxitos opostos. O fariseu reza «de pé» (v. 11) e usa muitas
palavras. A sua é uma prece de ação de graças a Deus, mas na realidade é uma
manifestação dos próprios méritos, com sentido de superioridade em relação aos
«outros homens», qualificados como «ladrões, injustos, adúlteros», como por
exemplo — e indica aquele outro que estava ali — «o publicano» (v. 11). Mas
este é o problema: o fariseu reza a Deus, mas na verdade olha para si mesmo.
Ora por si mesmo! Em vez de ter diante dos olhos o Senhor, tem um espelho. Não
obstante esteja no templo, não sente a necessidade de se prostrar diante da
majestade de Deus; está de pé, sente-se seguro, como se fosse o dono do templo!
E enumera as boas obras realizadas: é irrepreensível, observa a Lei mais do que
lhe é devido, jejua «duas vezes por semana» e paga o «dízimo» de tudo o que
possui. Em síntese, mais do que rezar, o fariseu deleita-se com a sua
observância dos preceitos. E no entanto, a sua atitude e as suas palavras estão
longe do modo de agir e de falar de Deus, que ama todos os homens, sem
desprezar os pecadores. Ao contrário, o fariseu despreza os pecadores, inclusive
quando indica o outro ali presente. Em suma, o fariseu que se sente justo
descuida o mandamento mais importante: o amor a Deus e ao próximo.
Portanto, não é suficiente perguntar-nos quanto oramos,
mas devemos interrogar-nos também como rezamos, melhor, como
é o nosso coração: é importante examiná-lo para avaliar os
pensamentos, os sentimentos, e extirpar a arrogância e a hipocrisia. Mas eu
pergunto: é possível rezar com arrogância? Não! Com hipocrisia? Não! Só devemos
orar pondo-nos diante de Deus tais como somos. Não como o fariseu, que rezava
com arrogância e hipocrisia. Vivemos todos arrebatados pelo delírio do ritmo
diário, muitas vezes à mercê de sensações, atordoados, confusos. É preciso
aprender a encontrar o caminho do nosso coração, recuperar o valor da
intimidade e do silêncio, pois é ali que Deus nos encontra e nos fala. Só a
partir dali podemos por nossa vez encontrar os outros e falar com eles. O
fariseu vai ao templo, sente-se seguro de si mesmo, mas não se dá conta de ter
perdido o caminho do seu coração.
Ao contrário, o publicano — o outro — vai ao templo com espírito humilde e
arrependido: «Mantendo-se à distância, não ousava sequer levantar os olhos ao
céu, mas batia no peito» (v. 13). A sua prece é muito breve, não longa como a
do fariseu: «Ó Deus, tende piedade de mim, que sou pecador!». Nada mais. Uma
linda oração! Com efeito, os cobradores de impostos — chamados precisamente
«publicanos» — eram considerados pessoas impuras, submetidas aos dominadores
estrangeiros, eram desprezados pelo povo e em geral associados aos «pecadores».
A parábola ensina que a pessoa é justa ou pecadora não pela sua pertença
social, mas pelo seu modo de se relacionar com Deus, pelo seu modo de se
comportar com os irmãos. Os gestos de penitência e as poucas e simples palavras
do publicano atestam a consciência acerca da sua condição miserável. A sua
prece é essencial. Age com humildade, só está seguro de ser um pecador
necessitado de piedade. Se o fariseu nada pedia porque já possuía tudo, o
publicano só pode implorar a misericórdia de Deus. E isto é bonito: suplicar a
misericórdia de Deus! Apresentando-se «de mãos vazias», com o coração despojado
e reconhecendo-se pecador, o publicano mostra a todos nós a condição necessária
para receber o perdão do Senhor. No final é precisamente ele, tão desprezado,
que se torna um ícone do autêntico crente.
Jesus conclui a parábola com uma sentença: «Digo-vos: ele — ou seja, o
publicano — ao contrário do outro, voltou para casa justificado. Pois todo o
que se exaltar será humilhado, e quem se humilhar será exaltado» (v. 14). Qual
deles é o corrupto? O fariseu. Ele é precisamente o ícone do corrupto que faz
de conta que reza, mas só consegue pavonear-se diante de um espelho. É um
corrupto e finge que reza. Assim, na vida quem se considera justo e julga o
próximo desprezando-o é um corrupto, um hipócrita. A soberba compromete todas
as boas ações, esvazia a oração, afasta de Deus e do próximo. Se Deus prefere a
humildade não é para nos aviltar: a humildade é sobretudo uma condição
necessária para sermos elevados por Ele, de modo a experimentarmos a
misericórdia que preenche os nossos vazios. Se a prece do soberbo não alcança a Coração de Deus, a humildade do miserável abre-o de par em par. Deus tem uma
fragilidade: a debilidade pelos humildes. Diante de um coração humilde, Deus
abre totalmente o Seu Coração. É esta humildade que a Virgem Maria exprime no
cântico do Magnificat: «Olhou para a humildade da sua serva
[...] A sua misericórdia estende-se, de geração em geração, sobre os que o
temem» (Lc 1, 48.50). Que Ela, nossa Mãe, nos ajude a rezar com um
coração humilde. E nós repitamos três vezes esta linda prece: «Ó Deus, tende
piedade de mim, que sou pecador!».
Papa Francisco
(in Audiência Geral , 1 de junho de 2016)
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