QUARESMA PASSO A PASSO - 2023
Terça-feira V – dia 30 –28/03/2023
Evangelho Jo 8, 21-30
«Quem és Tu?»;
«Quando levantardes o Filho do homem, então sabereis que ‘Eu sou’.»;
«Aquele que Me enviou está comigo: não Me deixou só, porque Eu faço sempre o que é do seu agrado»
O diálogo entre Jesus e os fariseus está cada vez mais difícil. Chega-se ao ponto de Jesus afirmar que eles vão morrer nos seus pecados e eles julgarem que Jesus se vai matar. A distância entre Jesus e os fariseus é já inultrapassável como se vê nas palavras de Jesus: “Vós sois cá de baixo, Eu sou lá de cima; vós sois deste mundo, Eu não sou deste mundo”. E Jesus explica em que consiste esta distância: “se não acreditardes que ‘Eu sou’”. Será esta falta de fé em Jesus que os levará a matá-lo, mas na sua morte se manifestará o “eu sou” de Jesus: “Quando levantardes o Filho do homem, então sabereis que ‘Eu sou’”.
"Naquele tempo, disse Jesus aos fariseus:
«Eu vou partir. Haveis de procurar-Me e morrereis no vosso pecado. Vós não
podeis ir para onde Eu vou». Diziam então os judeus: «Irá Ele matar-Se? Será
por isso que Ele afirma: ‘Vós não podeis ir para onde Eu vou’?» Mas Jesus
continuou, dizendo: «Vós sois cá de baixo, Eu sou lá de cima; vós sois deste mundo,
Eu não sou deste mundo. Ora Eu disse-vos que morrereis nos vossos pecados,
porque, se não acreditardes que ‘Eu sou’, morrereis nos vossos pecados». Então
perguntaram-Lhe: «Quem és Tu?» Respondeu-lhes Jesus: «Absolutamente aquilo que
vos digo. Tenho muito que dizer e julgar a respeito de vós. Mas Aquele que Me
enviou é verdadeiro e Eu comunico ao mundo o que Lhe ouvi». Eles não
compreenderam que lhes falava do Pai. Disse-lhes então Jesus: «Quando
levantardes o Filho do homem, então sabereis que ‘Eu sou’ e que por Mim nada
faço, mas falo como o Pai Me ensinou. Aquele que Me enviou está comigo: não Me
deixou só, porque Eu faço sempre o que é do seu agrado». Enquanto Jesus dizia
estas palavras, muitos acreditaram n’Ele."
O diálogo de Jesus com os fariseus é difícil, ainda assim, “muitos acreditaram n’Ele”. Fico a pensar nestas palavras. De facto, por muito difícil que seja, eu também posso fazer parte deste grupo que acredita em Jesus. Poderá parecer difícil reconhecer quem é Jesus, aceitar a sua palavra, entender o seu projeto, segui-l'O para onde quer que vá, mas é possível. Se outros acreditaram eu também posso vencer as dificuldades interiores que me impedem de O aceitar na minha vida. Também eu posso estreitar a distância entre o céu e a terra, entre o meu mundo e o mundo de Jesus, entre mim e Ele.
Eu Te procuro, Senhor. Quero encontrar-Te. Posso não saber quem és nem para
onde vais, mas procuro por Ti. No meio da minha noite, por entre as realidades
deste meu mundo, aqui em baixo tantas vezes só, eu procuro por Ti. Quero
encontrar-Te. Ensina-me a ver-Te presente no mistério da cruz e a reconhecer que
a Tua Cruz é a ponte por onde se passa do meu mundo para o Teu mundo, da terra
para o céu, da vida em mim para a vida conTigo.
(...)
Esta palavra na
liturgia da penúltima semana da Quaresma torna-se particularmente intensa
e, diria, particularmente dramática. Põem-no em evidência, de modo
especial, as leituras tiradas do Evangelho de São João.
Cristo,
conversando com os Fariseus, cada vez mais claramente diz Quem é, Quem O mandou
— e as Suas palavras não encontram acolhimento. E cada vez mais, mediante a
crescente tensão das perguntas e das respostas, se delineia também o termo
deste processo: a morte do Profeta de Nazaré.
"Tu quem
és?" (Jo 8, 25), perguntam-Lhe como uma vez perguntaram a
João Baptista. Esta interrogação traz consigo aquela eterna inquietação
messiânica, na qual Israel participava havia gerações e gerações, e que, na
geração daquele tempo, parecia ainda aumentada em intensidade.
— Tu quem és?
— "Quando
elevardes o Filho do Homem, então sabereis..." (Jo 8,
28).
(...)
Cristo diz:
"Quando elevardes o Filho do Homem, então sabereis..": conhecereis,
encontrareis a resposta a esta pergunta que Me fazeis a Mim agora, não
vos fiando das palavras que vos digo.
"O
levantar" por meio da Cruz forma, em certo
sentido, a chave para conhecer toda a verdade, que era proclamada por
Cristo. A Cruz é a soleira, através da qual será concedido ao homem
aproximar-se desta realidade revelada por Cristo. Revelar quer dizer
"tornar conhecido", "tornar presente". Cristo revela o Pai.
Mediante Ele o Pai torna-se presente no mundo humano.
"Quando
elevardes o Filho do Homem, então sabereis quem sou e que por Mim nada faço,
mas conforme o Pai Me ensinou é que falo" (Jo 8, 28).
Cristo apela para
o Pai como última fonte da verdade que anuncia: "Aquele
que Me enviou é verídico e Eu, o que Lhe ouvi, ao mundo o comunico" (Jo 8,
26).
E por fim:
"Aquele que
Me enviou está Comigo; não Me deixou só, porque Eu sempre faço o
que é do Seu agrado" (Jo 8, 29).
Nestas palavras
desvela-se diante de nós aquela ilimitada solidão, que tem Cristo de
experimentar na Cruz, na Sua "elevação".(...)
Agora, porém,
tendo-se antecipado aquelas horas de tremenda solidão, Cristo diz: "Aquele
que Me enviou está Comigo; não Me deixou só..." (Jo 8,
29). Como se quisesse dizer, em primeiro lugar: mesmo neste supremo abandono
não estarei só! cumprirei então o que "Lhe é agradável", o que é a
Vontade do Pai! e não estarei só! — E, além disso: o Pai não Me deixará no
poder da morte, porque na Cruz está o princípio da ressurreição.
Precisamente por isto, "a crucifixão" tornar-se-á afinal a
"elevação": "Então sabereis que eu sou" (Êx 6,
7). Então, também, conhecereis que "Eu, o que Lhe ouvi, ao mundo o
comunico" (Jo 8, 26).
A crucifixão
torna-se verdadeiramente a elevação de Cristo. Na Cruz está o início da
ressurreição.
Por isso a Cruz
torna-se o critério definitivo de todas as coisas, que estão entre Deus e o
homem. Cristo avalia-as precisamente com este padrão.
Na Cruz e na
Ressurreição a dimensão do mundo encontra-se com aquela de Deus
No Evangelho de
hoje oiçamos o que diz:
"Vós sois cá
de baixo, Eu sou lá de cima, vós sois deste mundo. Eu não sou deste mundo"
(Jo 8, 23).
A dimensão
do mundo é, em certo sentido, contraposta à dimensão de Deus.
No diálogo com Pilatos Cristo dirá também: "O meu reino não é deste
mundo" (Jo 18, 36).
A dimensão do
mundo encontra-se com a dimensão de Deus precisamente na Cruz:
na Cruz e na ressurreição.
Por isso a cruz
torna-se aquele último padrão, que usa Cristo para medir. Torna-se o ponto
central de referência. A dimensão do mundo vem nela referida
definitivamente à dimensão do Deus Vivo. E o Deus Vivo encontra-se com o mundo
na Cruz. Encontra-se mediante a morte de Cristo. Este encontro é
totalmente para o homem.
Por que motivo —
perguntamo-nos por vezes — aquele encontro do Deus Vivo com o homem se realizou
na Cruz?... por que motivo se devia realizar assim?
Cristo, no
presente colóquio, dá a resposta: "Se não acreditardes que Eu sou, morrereis
no vosso pecado" (Jo 8, 24).
Sobre a dimensão
do mundo coloca-se a dimensão do pecado... Precisamente por isto o
encontro de Deus com o mundo completa-se na cruz.
Há necessidade da
Cruz e da morte, para que o homem "não morra nos próprios pecados".
Há necessidade da
Cruz e da ressurreição, para o homem crer em Cristo, para aceitar
este "mundo" que Ele revela por meio de Si.
Em Cristo é
revelado ao homem o Deus Vivo. Deus Pai.
Não só isso: em
Cristo é revelado ao homem — é revelado até ao fundo — o mistério do
próprio homem.
É necessário
aprender a avaliar os problemas do mundo, e sobretudo os problemas do homem,
com o critério da Cruz e da Ressurreição de Cristo.
Ser cristão quer
dizer viver na luz do mistério pascal de Cristo. E encontrar nele
um ponto fixo de referência para aquilo que está no homem, para aquilo que está
entre os homens, aquilo que constitui a história da humanidade e do mundo.
O homem, olhando
para si mesmo, descobre também — como diz Cristo no diálogo com os Fariseus — o
que é "cá de baixo" e o que é "lá de cima". O homem
descobre dentro de si (é esta uma experiência perene) o homem "lá de
cima" e o homem "cá de baixo": não dois homens, mas quase duas
dimensões do mesmo homem; do homem, que é cada um de nós: eu,
tu, ele, ela...
E cada um de nós
— se olha para dentro de si atentamente, de modo autocrítico, se procura ver-se
a si mesmo na verdade — saberá dizer o que nele pertence ao homem "cá de
baixo", e o que pertence ao homem "lá de cima". Saberá chamar-lhe
pelo nome. Saberá confessá-lo.
E por fim: em
cada um de nós há um certo espontâneo tender do homem "cá
de baixo" para o de "lá de cima". É esta uma
aspiração natural. A não ser que a sufoquemos, que a espezinhemos em nós.
É aspiração. Se
com ela cooperarmos, esta aspiração desenvolve-se e torna-se o
motor da nossa vida.
Cristo ensina-nos como cooperar com ela: como
desenvolver e aprofundar o que no homem é "lá de cima", e como
enfraquecer e vencer o que é "cá de baixo".
Cristo no-lo
ensina com o Seu Evangelho e com o Seu pessoal exemplo.
A Cruz torna-se aqui um critério vivo.
Torna-se o ponto de referência, através do qual a vida de milhões de homens
passa daquilo que no homem é "cá de baixo" àquilo que é "lá de
cima".
A Cruz e a
ressurreição: o mistério pascal de Cristo.
O primeiro,
elementar método desta passagem, é a oração.
Quando o homem
reza, em certo sentido dirige-se espontaneamente Àquele que lhe oferece
a dimensão "lá de cima". Com isso mesmo toma as distâncias a
partir daquilo que, em si mesmo, é "cá de baixo". A oração é um
movimento interior. É um movimento que decide do desenvolvimento de toda a
personalidade humana. Da orientação da vida.
Com quanta
clareza dá expressão a este tema o Salmo da hodierna Liturgia:
"Senhor,
ouvi a minha oração, / e chegue até vós o meu clamor. / Não me escondais a
Vossa face / no dia da minha angústia. / Inclinai para mim o vosso ouvido. /
Quando vos invocar, atendei-me prontamente" (Sl 102 [101],
2-3).
O homem vive na
busca da "face de Deus", que está escondida diante dele nas trevas
"do mundo". Todavia, no mesmo "mundo" pode descobrir
os sinais de Deus. É necessário apenas que principie a orar. Que
ore. Que passe do que é "cá de baixo" para aquilo que é "lá de
cima". Que juntamente com a oração descubra em si mesmo o caminho que
vai do homem "cá de baixo" ao de "lá de cima".
Meus diletos! No
nome do Crucificado e do Ressuscitado peço-vos: orai! amai a oração!
Glória a Vós,
Verbo de Deus! O amor da oração torne-se em cada um de nós o fruto da audição
da palavra de Deus.
(...)
Olhemos, caros Irmãos e Irmãs, para "a elevação" de Cristo. Olhemos através do prisma da Cruz e da ressurreição para a nossa humanidade. Aceitemos o convite que está encerrado no mistério pascal de Cristo. Aceitemos a Palavra e a Vida. Ámen.
Papa João Paulo II - S. João Paulo II
(Roma, 30 de março de 1982)
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