A EUCARISTIA, ENCONTRO E COMUNHÃO COM CRISTO E OS IRMÃOS
Caríssimos
diocesanos,
Irmãs
e irmãos no Senhor Jesus
“O Senhor esteja convosco!” Saúdo-vos com estas
palavras que ouvis em cada Eucaristia, fazendo votos de que possais
experimentar, em cada celebração e na vida, que Ele se torna verdadeiramente
presente em nós e no meio de nós, quando O acolhemos na fé e no amor.
O
biénio pastoral dedicado aos “Jovens, fé e vocação” foi uma caminhada vivida
com entusiasmo nos encontros de diálogo, oração, reflexão e convívio. Os jovens
das nossas comunidades puderam, ali, partilhar connosco as suas necessidades,
problemas, interrogações e feridas.
Também
foi possível abrir espaços e percursos para o seu amadurecimento na fé,
discernimento da vocação, participação na vida da comunidade cristã, serviço
voluntário aos mais necessitados e de experiências fortes que levam a um encontro
com Cristo vivo.
Regozijamo-nos
com este crescimento, que requer ser continuado pelo empenho de todos. Os
jovens precisam do nosso amor, acolhimento e acompanhamento. “Eles não são o
amanhã, mas o hoje de Deus”, como afirma o Papa Francisco. A próxima Jornada
Mundial da Juventude (JMJ) pode e deve ser motivo impulsionador para continuar
com entusiasmo este percurso pastoral.
A EUCARISTIA NO CONTEXTO ATUAL
1. Porquê este tema?
Nos
encontros vicariais com os jovens apareciam sempre as perguntas: para ser
católico é preciso ir à Missa? O que é mais importante: ir à Missa ou amar os
irmãos?
Também
no Conselho Pastoral Diocesano, ao debruçar-se sobre a problemática da
juventude, voltavam as questões: porque é que a maioria dos jovens não
frequenta a celebração da Eucaristia dominical? Como motivá-los? Estas
interrogações fizeram vir ao de cima algo que trazia dentro de mim e que já
aflorara, anos antes, numa semana de formação permanente do clero, como sendo
necessário dedicar particular atenção pastoral à Eucaristia como centro e fonte
da vida cristã. O Papa Bento XVI oferece outra motivação pertinente: “Toda a grande reforma da Igreja está, de
algum modo, ligada à redescoberta da fé na presença eucarística do Senhor no
meio do seu povo” (SCa 6).
De
facto, o tema da Eucaristia, na sua amplitude, aponta para o essencial da fé
cristã: Jesus Cristo que, no Sacramento do Altar, é o coração da Igreja e
alimento de vida espiritual para os fiéis. Além disso, à maneira de abóbada,
permite encerrar o ciclo dos temas pastorais anteriores. Eis, pois, as razões
da escolha deste tema para o próximo biénio pastoral. Mal eu imaginava que a
pandemia da Covid-19 vinha colocar este tema de forma tão premente na ordem do
dia da vida e pastoral da Igreja.
2. Criatividade e novas oportunidades
pastorais no tempo de pandemia
Cada
projeto pastoral tem o seu contexto existencial, cultural e eclesial próprio.
Este começou a ser pensado antes do flagelo global da pandemia. Mas não poderia
deixar de ter presente o seu impacto, as suas consequências e interpelações,
conforme o discernimento que fizemos nos vários conselhos diocesanos. Estamos
conscientes de que a epidemia continua em evolução, sem sabermos como e até
quando.
O
longo período do confinamento abalou profundamente as nossas comunidades. Nunca
tínhamos imaginado ver as igrejas vazias, suspensas as celebrações
comunitárias, a catequese e tantas atividades. A impossibilidade de aceder aos
sacramentos, de receber a comunhão sacramental, de se encontrar com os irmãos e
irmãs em comunidade, de celebrar um funeral religioso digno aos entes queridos
falecidos, de viver confinados a Quaresma, a Páscoa e todo o tempo pascal, tudo
isto constituiu uma dura provação.
Todavia,
o confinamento não nos deixou imobilizados. Levou-nos a dar provas de
criatividade pastoral para alimentar a fé e manter vivo o sentido de comunidade
nos fiéis, nesta situação excecional.
A
crise não significa só perigo, é também oportunidade. Neste caso, fez-nos
descobrir outras coisas belas da experiência cristã. Talvez a mais
significativa tenha sido, a meu ver, a de viver, como nunca, a experiência da fé em família e como
família, qual pequena Igreja doméstica. Foi impressionante ver famílias que
(re)começaram a rezar e a partilhar a própria fé nas suas casas. Eis uma
dimensão a cuidar melhor na ação pastoral.
O
confinamento evidenciou a necessidade da personalização
da fé (não mais de tradição ou rotina), de revigoramento da espiritualidade, para dar sentido à
vida, mesmo nos momentos de crise, e de acolhimento e acompanhamento face à
solidão e às feridas existenciais. Mostrou-nos quanto são essenciais o
encontro, o afeto, a ajuda, a comunidade, a comunhão com Deus e entre nós. Daí
o desafio a uma pastoral de proximidade
da Igreja em saída, próxima das pessoas, sobretudo das que mais sofrem.
Foi
consolador constatar os numerosos e belos gestos de generosidade e
solidariedade dos profissionais de saúde, dos inúmeros voluntários, mesmo
jovens, e dos grupos sociocaritativos das nossas comunidades e a colaboração
entre as paróquias e as autarquias.
Grande
inovação e criatividade foi o uso das novas tecnologias de comunicação,
ferramentas imprescindíveis para a evangelização deste tempo e desta cultura.
Elas possibilitaram manter relações pessoais, familiares e comunitárias, oferta
e partilha da Palavra de Deus, de orações, meditações, textos de apoio,
catequese “on line”, tele-reuniões, etc. Pudemos ver muitos leigos empenhados
nestas atividades, corresponsáveis, a solicitar mais confiança numa Igreja
marcadamente laical.
Neste
tempo, Deus não esteve ausente. Não obstante os momentos de obscuridade,
percebemos a sua proximidade e a sua Páscoa mais forte do que as trevas.
Descobrimos um amplo espaço de oração e alimento espiritual “para além da
Missa”. Por outro lado, fez-nos sentir o valor específico e único da
Eucaristia. Como sucede tantas vezes na vida, só descobrimos os valores
fundamentais (pão, água, saúde, trabalho, amor...) quando nos faltam. Muitos
sentiram a dor de não poderem participar presencialmente na Missa e na comunhão
eucarística. A celebração entrava nas nossas casas por via digital ou
televisão. Permitia estar unidos espiritualmente e fazer a comunhão espiritual.
Penso que o Espírito Santo também agia através destes meios. Mas sentíamos na
pele e no coração que não era a mesma coisa que uma celebração presencial e
comunitária.
Agora,
com prudência, mas com grande alegria, podemos saborear de novo a celebração
comunitária presencial. Mas há que estar atentos e evitar a grande tentação do
comodismo ou da virtualização da Missa, pensando que basta segui-la comodamente
em casa. A celebração da fé é incarnada, presencial, comunitária, relacional,
de encontro, de afeto, de comunhão de irmãos e irmãs. Não o esqueçamos!
Notamos
que bastantes pessoas ainda estão reticentes em participar na celebração
dominical, dominadas pelo medo ou pelo comodismo. Sentimos tristeza e
preocupação, particularmente com a ausência de pais, crianças e jovens. Não
será o sinal de alarme e alerta de que a pandemia veio pôr a descoberto e acentuar
o que já estava a acontecer, isto é, o abandono da celebração dominical por
parte das novas gerações?
3. Situação de emergência eucarística
Estamos
a viver, hoje, na Igreja uma situação de “emergência eucarística”. Não por
heresias doutrinais como no passado, mas sobretudo pela indiferença e
consequente abandono da celebração dominical como se fosse algo meramente
opcional ou mesmo um fardo. Basta ver a debandada após o crisma e, mesmo já,
após a primeira comunhão.
O
Concílio Vaticano II ofereceu-nos ensinamentos e condições para uma melhor
compreensão do mistério da Eucaristia e a sua celebração mais viva e
participada. Devemos, todavia, reconhecer que os frutos esperados desta
renovação não têm correspondido às expectativas e tardam a amadurecer.
Constatamos
a falta de enlevo, encanto, amor, atração e devoção a este sacramento, uma
verdadeira desafeição e até desamor por parte de muitos cristãos que se afastam
da celebração. Para este abandono contribuem fatores de ordem social, cultural,
familiar, próprios do mundo e deste tempo em mudança. Mas as razões mais
profundas são o esmorecimento da fé, a ignorância do verdadeiro significado
deste sacramento para a vida cristã e também a falta de qualidade de certas
celebrações. Não se ama o que não se conhece bem!
Porquê ir à Missa ao
domingo? Para que serve? Entre os chamados católicos “não praticantes”, esta questão é seguida,
normalmente, de uma autojustificação: “para rezar não preciso de ir à igreja;
rezo melhor em casa ou em contacto com a natureza”. Ou então “a Missa é sempre
a mesma coisa”, “não percebo nada do que lá se faz e diz”. A celebração é assim
reduzida a uma coisa, uma mera oração pessoal ou comunitária, um rito
tradicional religioso.
Para
outros, trata-se de um dever ou obrigação a cumprir para estar em ordem com
Deus. Alguns vão à Missa por rotina devocional, para lembrar e rezar pelos
defuntos, ou apenas por hábito social. O próprio vocabulário traduz o que se
pensa: vai-se “assistir à Missa” como quem vê o desenrolar de um rito ou espetáculo
religioso que o padre e seus colaboradores representam! Mesmo quando se fala de
oferecer o santo sacrifício da Missa, alguns entendem que se refere à
penitência do ir à Missa e do tempo que lá se passa.
Também
encontramos pessoas que põem toda a sua atenção exclusivamente na hóstia
consagrada e na comunhão individual, como se fosse uma mera devoção piedosa
privada. E que dizer do programa das festas, quando a Missa figura lá como mais
um número e, por vezes, em horários que não permitem grande participação?
Ouvimos,
com alguma frequência, queixas de que as nossas celebrações não são atraentes e
apetecíveis. Mas se fizéssemos um inquérito sobre o motivo que leva a
participar nelas, talvez grande parte das pessoas não referisse o encontro com
Cristo ressuscitado e a comunhão com Ele e com os irmãos na fé.
Este panorama evidencia
a chamada “situação de emergência eucarística”, que nos coloca perante as
questões de fundo. Porque é tão difícil descobrir o “rosto” de Jesus presente na
Eucaristia? Que fazer para que mais pessoas apreciem e saboreiem esse Cristo
que Se nos entrega para morar em nós e connosco? E tenham interesse em
participar na Santa Missa e serem transformadas pelos seus frutos? Como motivar
pais, crianças, adolescentes e jovens a participar com gosto na celebração
dominical? Que fazer para que, em silêncio, Jesus seja adorado diante do
sacrário? O que é que não funciona em relação à compreensão, celebração e
vivência da Eucaristia nas nossas comunidades?
Não
podemos continuar a apoiar-nos somente na prática tradicional, no hábito social
ou no cumprimento do preceito dominical. Cada comunidade é chamada a fazer um
discernimento pastoral sério a fim de encontrar respostas e avançar propostas
para responder a estas interrogações.
É
fundamental descobrir e aprofundar a riqueza e a beleza do conteúdo e do
significado que estão presentes na celebração eucarística e que dão sentido
pleno à vida de cada cristão e da Igreja. Por isso, vamos tratar o tema numa
perspetiva de evangelização, que leve cada fiel e cada comunidade a crescer na
fé como encontro com Cristo vivo, no amor ao mistério do Corpo e Sangue do
Senhor, na alegria da Sua presença e da comunhão com Ele, na comunhão fraterna
e comunitária, no testemunho cristão no mundo. Eis a razão da escolha do título
abrangente do biénio “Eucaristia, Comunidade Cristã e Missão”, do lema
mobilizador “Felizes os convidados para a ceia do Senhor” e da frase bíblica
inspiradora “Eu sou o pão da vida” (Jo 6,
35).
A EUCARISTIA, MISTÉRIO ADMIRÁVEL DA NOSSA FÉ
4. “Uma história para nos guiar: os
discípulos de Emaús”
Adoto
este título do documento preparatório do Congresso Eucarístico Internacional,
em 2012, na Irlanda. Ele inspira-se na Carta Apostólica do Papa S. João Paulo
II “Fica connosco, Senhor”. A mesma história está também presente no subsídio
para o 52º Congresso Eucarístico Internacional, na Hungria, em 2021.
Segundo
os estudiosos, o episódio dos discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 13-35) é um
testemunho notável da fé eucarística da comunidade apostólica. A experiência
pascal destes discípulos apresenta os traços característicos da celebração
eucarística dominical: os momentos essenciais do encontro de Cristo
Ressuscitado com a comunidade cristã e com cada fiel e as partes principais da
nossa celebração.
A
narrativa é simples, bela e inspiradora. Nunca deixa de nos maravilhar e
comover. Tomo-a eu também como fonte de inspiração para o nosso tema.
5. “Bendito seja Deus que nos reuniu no amor
de Cristo”
“Enquanto conversavam e
discutiam, aproximou-se deles o próprio Jesus e pôs-se com eles a caminho” (Lc
24, 15).
O
primeiro passo consiste em Jesus Ressuscitado tomar a iniciativa de vir ao
encontro, fazer-se próximo e companheiro de viagem dos discípulos, pondo-se a
seu lado, numa atitude de escuta e acolhimento. Este gesto é, por si,
eloquente. Testemunha o amor de Deus que nos precede, que nos ama primeiro:
Deus ama-te, aproxima-se de ti sem pôr condições. É Ele quem te move
interiormente à participação na Eucaristia.
Não
nos reunimos por simples amizade, laços familiares, raízes e interesses comuns
ou motivos culturais, desportivos, políticos ou de solidariedade. É Cristo ressuscitado quem nos convoca e nos
reúne no seu amor que transcende todos os outros laços de união. Nós somos seus
convidados e hóspedes! O Senhor que nos reúne em comunidade torna-se
presente e é Ele quem, na realidade, preside à Eucaristia: “Onde dois ou três
estiverem reunidos em meu nome, eu estou no meio deles” (Mt 18, 20).
No
início da celebração da Missa, fazemos esta experiência de Deus que vem ao
nosso encontro com o seu amor trinitário. Sinais disso são o sinal da cruz, a
saudação inicial, “A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a
comunhão do Espírito Santo estejam convosco”, e a resposta da assembleia
“Bendito seja Deus que nos reuniu no amor de Cristo”.
Estes ritos iniciais
têm a finalidade de nos recolher em interioridade e preparar para o encontro
vivo com Deus por meio de Jesus ressuscitado. Para acolher este chamamento de amor que Deus
nos faz é necessária a preparação interior e exterior, a começar desde logo
pela maneira de entrar e estar na igreja: o modo como se faz, por exemplo, a
genuflexão diante do Santíssimo Sacramento no sacrário, a atitude de recolhimento,
silêncio e oração. Evitemos a todo o custo a banalização dos gestos, das
posturas, dos ruídos desnecessários. Sejam bons exemplos, de modo particular,
os que exercem algum ministério ou função especial na celebração.