sexta-feira, 31 de março de 2023

 QUARESMA PASSO A PASSO - 2023 

Sábado V – dia 34 –01/04/2023

EVANGELHO Jo 11, 45-56

«Não compreendeis que é melhor para nós morrer um só homem pelo povo do que perecer a nação inteira?»;

«A partir desse dia, decidiram matar Jesus.»

A ressurreição de Lázaro é o pretexto para intensificar a luta contra Jesus e a decisão de lhe dar a morte. O medo do que Jesus pode fazer, das multidões que podem acreditar que ele é o Messias e o receio face aos romanos que dominam a região e lhes podem tirar de vez o que resta do poder que exercem, leva as autoridades a decidir a morte de Jesus. Por sua vez, Jesus, porque ainda não chegou a sua hora, anda em lugares desertos até ao dia em que suba definitivamente a Jerusalém. Nenhuma decisão dos homens impede ou altera o projeto de Jesus para a salvação dos homens.

"Naquele tempo, muitos judeus que tinham vindo visitar Maria, para lhe apresentarem condolências pela morte de Lázaro, ao verem o que Jesus fizera, ressuscitando-o dos mortos, acreditaram n’Ele. Alguns deles, porém, foram ter com os fariseus e contaram-lhes o que Jesus tinha feito. Então os príncipes dos sacerdotes e os fariseus reuniram conselho e disseram: «Que havemos de fazer, uma vez que este homem realiza tantos milagres? Se O deixamos continuar assim, todos acreditarão n’Ele; e virão os romanos destruir-nos o nosso Lugar santo e toda a nação». Então Caifás, que era sumo sacerdote naquele ano, disse-lhes: «Vós não sabeis nada. Não compreendeis que é melhor para nós morrer um só homem pelo povo do que perecer a nação inteira?» Não disse isto por si próprio; mas, porque era sumo sacerdote nesse ano, profetizou que Jesus havia de morrer pela nação; e não só pela nação, mas também para congregar na unidade todos os filhos de Deus que andavam dispersos. A partir desse dia, decidiram matar Jesus. Por isso Jesus já não andava abertamente entre os judeus, mas retirou-Se para uma região próxima do deserto, para uma cidade chamada Efraim, e aí permaneceu com os discípulos. Entretanto, estava próxima a Páscoa dos judeus e muitos subiram da província a Jerusalém, para se purificarem, antes da Páscoa. Procuravam então Jesus e perguntavam uns aos outros no templo: «Que vos parece? Ele não virá à festa?»"

As atitudes e argumentos que rodeiam os últimos dias da vida de Jesus manifestam o que há de mais obscuro no íntimo do ser humano. A figura de Caifás e dos príncipes dos sacerdotes, bem como Herodes, Pilatos e as multidões, são muito interessantes do ponto de vista da análise psicológica. Estas personagens ajudam-nos a refletir sobre a nossa vida, o que se esconde no mais profundo de nós mesmos e de como também nós podemos chegar a agir com tal violência se não estivermos atentos aos impulsos. É fácil transformar as outras pessoas em inimigos, rivais, adversários. Descobrir o outro é muitas vezes descobrir um valor que pode ameaçar a nossa incompetência, pôr de manifesto as nossas incapacidades e revelar a nossa fragilidade. Perante isto decidimos muitas vezes matar o outro. Jesus mostra-nos que essa não é a melhor decisão. 

Ensina-me, Senhor, a vencer em mim estes sentimentos que eliminam o outro da minha vida e faz-me compreender que ter a meu lado um irmão com mais valor, com mais capacidades e dons, não é uma ameaça mas uma riqueza.

Há já algum tempo que os doutores da lei, até os sumos sacerdotes, estavam inquietos porque aconteciam coisas estranhas no país. Primeiro este João, que no final o deixaram estar porque era um profeta, batizava lá e as pessoas procuravam-no, mas não havia outras consequências. Depois veio este Jesus, indicado por João. Começou a fazer sinais, milagres, mas sobretudo a falar ao povo, que o compreendia e o seguia, e nem sempre observava a lei, o que preocupava muito. «Este é um revolucionário, um revolucionário pacífico... Ele atrai as pessoas, as pessoas seguem-no...» (cf. Jo 11, 47-48). E estas ideias levaram-nos a falar uns com os outros: “Mas olha, não gosto disto... daquele...”, e assim entre eles havia este tema de conversa, e também de preocupação. Depois alguns foram ter com Jesus para o porem à prova, mas o Senhor deu uma resposta clara que a eles, aos doutores da lei, não veio à mente. Pensemos naquela mulher que foi casada sete vezes, viúva sete vezes: «Mas no céu, de qual destes maridos será esposa?» (cf. Lc, 20, 33). Ele respondeu claramente e eles retiraram-se um pouco envergonhados pela sabedoria de Jesus e noutros momentos foram-se embora humilhados, como quando quiseram apedrejar aquela adúltera e Jesus,  no final, disse: «Quem de vós estiver sem pecado seja o primeiro a lançar-lhe uma pedra» (cf. Jo 8, 7) e diz o Evangelho que eles foram embora, começando pelos mais velhos, humilhados naquele momento. Isto fez aumentar a preocupação entre eles: “Temos de fazer alguma coisa, isto não está bem...”. Então eles mandaram os soldados buscá-lo e estes voltaram dizendo: “Não conseguimos prendê-lo porque este homem fala como nenhum outro” ... «Também vós vos  deixastes seduzir?» (cf. Jo 7, 45-49): irritados porque nem sequer os soldados o conseguiram prender. E então, depois da ressurreição de Lázaro -  hoje  ouvimos isto - muitos judeus foram visitar as irmãs de Lázaro, mas alguns foram para depois relatar o que viram, e outros foram ter com os fariseus e contaram-lhes o que Jesus tinha feito (cf. Jo 11, 45). Outros acreditavam n'Ele. E aqueles que foram, os bisbilhoteiros de todos os tempos, que vivem levando mexericos... foram-lhes contar. Naquele momento, o grupo que se tinha formado de doutores da lei fez uma reunião formal: “Isto é muito perigoso, temos de tomar uma decisão”. Que faremos? Este homem realiza muitos sinais - reconhecem os milagres - se o deixarmos continuar assim, todos acreditarão nele, há perigo, o povo segui-lo-á, separar-se-á de nós - o povo não os estimava - «virão os romanos e destruir-nos-ão o Templo e a Nação» (cf. Jo 11, 48). Nisto havia um pouco de verdade, mas não total, era uma justificação, porque eles tinham encontrado um equilíbrio com o invasor, mas odiavam o invasor romano, contudo politicamente tinham encontrado um equilíbrio. Assim, falavam entre eles. Um deles, Caifás - o mais radical - um sumo sacerdote, disse: «Não compreendeis que vos interessa que morra um só homem pelo povo e não pereça a Nação inteira»(Jo 11, 50). Ele era o sumo sacerdote e fez a proposta: «Matemo-lo». E João diz: “Esta revelação de que Jesus deveria morrer por todo o povo veio da boca de Caifás, no seu cargo de sumo sacerdote; não foi coisa que tivesse pensado por si próprio, mas uma profecia. Era uma predição de que a morte de Jesus não seria só por Israel... A partir daí, começaram a planear a morte de Jesus” (cf. Jo 11, 51-53). Foi um processo,  que começou com alguma inquietação na época de João Batista e depois terminou nesta sessão dos Doutores da Lei e sacerdotes. Foi um processo que cresceu, um processo que era mais seguro do que a decisão que tinham de tomar, mas ninguém o dissera tão claramente: «Temos que o aniquilar». Esta forma de proceder dos doutores da lei é precisamente uma figura de como a tentação age em nós, porque por trás dela estava obviamente o diabo que queria destruir Jesus e a tentação em nós geralmente age assim: começa com pouco, com um desejo, uma ideia, cresce, contagia outros e no fim é justificada. Estes são os três passos da tentação do diabo em nós e eis estão os três passos que a tentação do diabo deu na pessoa do doutor da lei. Começou com pouco, mas cresceu, cresceu, contagiou outros, fez-se corpo e no final justifica-se: «é melhor que um só homem  morra pelo povo» (cf. Jo 11, 50), a justificação total. E todos foram para casa tranquilos. Disseram: “Esta é a decisão que tínhamos de tomar”. E todos nós, quando somos vencidos pela tentação, ficamos tranquilos, porque encontramos uma justificação para este pecado, para esta atitude pecaminosa, para esta vida não de acordo com a lei de Deus. Deveríamos ter o hábito de ver em nós este processo de tentação. Este processo que nos faz mudar os nossos corações do bem para o mal, que nos conduz ao caminho da descida. Algo que cresce, cresce lentamente, depois contagia outros e acaba por se justificar. Dificilmente as tentações chegam até nós de repente, o diabo é astuto. Ele sabe como percorrer este caminho, o mesmo que percorreu para chegar à condenação de Jesus. Quando nos encontramos num pecado, numa queda, sim, devemos ir e pedir perdão ao Senhor, é o primeiro passo que devemos dar, mas depois devemos dizer: «Como caí nisto? Como começou este processo na minha alma? Como cresceu? Quem contagiei? E, no final, como me justifiquei a mim mesmo por ter caído?». A vida de Jesus é sempre um exemplo para nós e as coisas que lhe aconteceram são aquelas que acontecerão a nós, as tentações, as justificações, as pessoas boas que estão à nossa volta e talvez não as ouvimos e as pessoas más, no momento da tentação, procuramos aproximar-nos delas para fazer crescer a tentação. Mas nunca esqueçamos: sempre, atrás de um pecado, atrás de uma queda, há uma tentação que começou pequena, que cresceu, que contagiou e, no final, encontrou uma justificação para cair. 

Que o Espírito Santo nos ilumine neste conhecimento interior.

Papa Francisco

(Capela de Santa Marta, 4 de abril de 2020)

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