A peregrinação dos símbolos da JMJ 2023 chegou hoje à paróquia de Porto de Mós (S.João e S.Pedro), iniciando assim o percurso pela nossa vigariaria . Com eles (símbolos) foi efetuada a subida ao castelo, onde se realizou a vigília de Pentecostes.
sábado, 27 de maio de 2023
SOLENIDADE DO DOMINGO DE PENTECOSTES - 2023
EVANGELHO Jo 20, 19-23
«A paz esteja convosco»;
«Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor.»;
«Recebei o Espírito Santo»
Com a
celebração de Pentecostes terminamos o tempo Pascal. O grande dia de Páscoa
chegou ao fim e começa o tempo comum, que é o tempo, por excelência, da missão
da Igreja - anunciar a todos os homens a Boa Nova do Reino: Jesus Ressuscitou,
vive em cada batizado, quer viver em quem se disponha a recebê-lo e O deseje de
coração sincero. Enraizados no Espírito de Deus que nos habita, desde o nosso
batismo, testemunhemos, em todos os momentos da nossa vida quotidiana, seja
qual for a situação em que nos encontremos, através de tudo o que fazemos e
somos, o amor infinito de Deus por cada ser por Ele criado.
Na 1ªleitura (Atos 2, 1-11) S.Lucas, que coloca este dia a
acontecer 50 dias após a ressurreição de Jesus, dá-nos conta da transformação
dos apóstolos sob a ação do Espírito Santo e de como, os que os ouviam, os
entendiam, apesar de serem oriundos de países com idiomas diferentes. É caso
para dizer, para o Espírito Santo não há barreiras de qualquer espécie, nem
sequer de idioma. Abramos também nós o coração à ação do Espírito Santo a fim
de que os nossos medos e angústias deem lugar às maravilhas do Senhor, junto
dos que nos são próximos.
“Quando chegou o dia de Pentecostes, os
Apóstolos estavam todos reunidos no mesmo lugar. Subitamente, fez-se ouvir,
vindo do Céu, um rumor semelhante a forte rajada de vento, que encheu toda a
casa onde se encontravam. Viram então aparecer uma espécie de línguas de fogo,
que se iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do
Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes
concedia que se exprimissem. Residiam em Jerusalém judeus piedosos, procedentes
de todas as nações que há debaixo do céu. Ao ouvir aquele ruído, a multidão
reuniu-se e ficou muito admirada, pois cada qual os ouvia falar na sua própria
língua. Atónitos e maravilhados, diziam: «Não são todos galileus os que estão a
falar? Então, como é que os ouve cada um de nós falar na sua própria língua?
Partos, medos, elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia,
do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egipto e das regiões da Líbia,
vizinha de Cirene, colonos de Roma, tanto judeus como prosélitos, cretenses e
árabes, ouvimo-los proclamar nas nossas línguas as maravilhas de Deus».”
Na 2ªleitura (1 Cor 12, 3b-7.12-13) S.Paulo leva-nos a reviver o nosso
batismo e a reencontrar aí, no Espírito Santo que então recebemos, o fundamento
do nosso ser comunidade. Só, pela ação do Espírito Santo em nós, seremos
capazes de ver no outro a imagem de Deus
e de o amar como só Deus ama e assim n’Ele partilharemos, em comunidade, os
dons que o Senhor nos dá.
“Irmãos: Ninguém pode dizer «Jesus é
o Senhor» a não ser pela ação do Espírito Santo. De facto, há diversidade de
dons espirituais, mas o Espírito é o mesmo. Há diversidade de ministérios, mas
o Senhor é o mesmo. Há diversas operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em
todos. Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum. Assim
como o corpo é um só e tem muitos membros e todos os membros, apesar de
numerosos, constituem um só corpo, assim também sucede com Cristo. Na verdade,
todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só
Espírito, para constituirmos um só Corpo. E a todos nos foi dado a beber um
único Espírito.”
No evangelho (Jo
20, 19-23) S.João, que coloca todos os acontecimentos pascais a terem lugar num
mesmo dia,o primeiro da semana, desafia-nos a deixarmo-nos conduzir pelo
Espírito Santo, vivendo numa mesma confiança em Jesus ressuscitado. É pela ação
do Espírito Santo que recebemos a Paz de Jesus e seremos anunciadores do Amor
de Deus por todos os homens em geral e por cada um em particular. Assim nos
deixemos repassar e inundar pelo Espírito Santo.
“Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor. Jesus disse-lhes de novo: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos».”
Enviai Senhor o Vosso Espírito e renovai os nossos corações.
«Há diversidade de dons espirituais, mas o Espírito é o mesmo»: assim
escreve Paulo aos Coríntios. E continua: «Há diversidade de serviços, mas o
Senhor é o mesmo; e há diversos modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza
tudo em todos» (1 Cor 12, 4-6). Diversidade e o
mesmo, diversos e um só: o Apóstolo insiste em juntar duas
palavras que parecem opostas. Quer-nos dizer que este um só que
junta os diversos é o Espírito Santo. E a Igreja nasceu assim:
diversos, unidos pelo Espírito Santo.
Recuemos até aos inícios da Igreja, no dia de Pentecostes, e fixemos os
Apóstolos: entre eles, temos pessoas simples, habituadas a viver do trabalho
das suas mãos, como os pescadores, e está Mateus, certamente dotado de
instrução pois fora cobrador de impostos. Existem origens e contextos sociais
diversos, nomes hebraicos e nomes gregos, temperamentos pacatos e outros
ardorosos, ideias e sensibilidades diferentes. Eram todos diferentes. Jesus não
os mudara, nem os uniformizara, tornando-os modelos em série. Não. Deixara as
suas diversidades; e agora une-os, ungindo-os com o Espírito Santo. A união –
a união deles que eram diversos – vem com a unção. No Pentecostes,
os Apóstolos compreendem a força unificadora do Espírito. Veem-na com os
próprios olhos, ao constatar que todos, apesar de falar línguas diversas, formam
um só povo: o povo de Deus, plasmado pelo Espírito, que tece a unidade com as
nossas diferenças, que dá harmonia porque, no Espírito, há harmonia. Ele é a
harmonia.
Mas voltemos à Igreja de hoje. Podemos interrogar-nos: «O que é que nos
une, em que se baseia a nossa unidade?» Também entre nós existem diversidades,
por exemplo de opinião, preferência, sensibilidade. A tentação, porém, é
defender sempre de espada desembainhada as nossas ideias, considerando-as boas
para todos e pactuando apenas com quem pensa como nós. E esta é uma tentação
ruim, que divide. Mas, esta é uma fé à nossa imagem, não é aquilo que deseja o
Espírito. Nesse caso, poder-se-ia pensar que aquilo que nos une fossem as
próprias coisas em que acreditamos e os próprios comportamentos que adotamos.
Mas não! Há muito mais: o nosso princípio de unidade é o Espírito Santo. E a
primeira coisa que Ele nos lembra é que somos filhos amados de Deus;
nisto, todos iguais e, todavia, somos todos diferentes. O Espírito vem a nós,
com todas as nossas diversidades e misérias, para nos dizer que temos um só e
mesmo Senhor, Jesus, um só e mesmo Pai; por isso, somos irmãos e irmãs.
Partamos daqui! Olhemos a Igreja como faz o Espírito, não como faz o mundo. O
mundo vê-nos de direita e de esquerda, com esta ideologia, com aquela; o
Espírito vê-nos do Pai e de Jesus. O mundo vê conservadores e progressistas; o
Espírito vê filhos de Deus. O olhar do mundo vê estruturas, que se devem tornar
mais eficientes; o olhar espiritual vê irmãos e irmãs implorando misericórdia.
O Espírito ama-nos e conhece o lugar de cada um no todo: para Ele não somos
papelinhos coloridos levados pelo vento, mas ladrilhos insubstituíveis do seu
mosaico.
Tornamos ao dia de Pentecostes e descobrimos a primeira obra da
Igreja: o anúncio. Vemos, porém, que os Apóstolos não preparam uma
estratégia; quando estavam fechados lá, no Cenáculo, não montavam a estratégia,
não; não preparavam um plano pastoral. Teriam podido dividir as pessoas por
grupos segundo os vários povos, falar primeiro aos de perto e depois aos que
eram de longe, tudo bem ordenado... Teriam podido também temporizar um pouco no
anúncio e, entretanto, aprofundar os ensinamentos de Jesus, para evitar
riscos... Mas não! O Espírito não quer que a recordação do Mestre seja cultivada
em grupos fechados, em cenáculos onde tendemos a «fazer o ninho». E esta é uma
doença má que pode vir à Igreja: uma Igreja não comunidade, nem família, nem
mãe, mas ninho. O Espírito abre, relança, impele para além do que já foi dito e
feito, Ele impele para além dos recintos duma fé tímida e cautelosa. No mundo,
sem uma estrutura compacta e uma estratégia calculada é um fracasso. Na Igreja,
ao contrário, o Espírito assegura ao arauto a unidade. E os Apóstolos partem:
sem preparação, lançam-se, saem. Anima-os um único desejo: dar o que
receberam. Como é belo aquele princípio da Primeira Carta de João: aquilo
que nós recebemos e vimos, damo-lo a vós (cf. 1, 3)!
Finalmente chegamos a compreender qual é o segredo da unidade, o segredo do
Espírito. O segredo da unidade da Igreja, o segredo do Espírito é o dom.
Porque Ele é dom, vive doando-Se e, assim, nos mantém unidos, fazendo-nos
participantes do mesmo dom. É importante acreditar que Deus é dom, que não se
comporta tomando, mas dando. E por que é importante? Porque o nosso modo de ser
crentes depende de como entendermos Deus. Se tivermos em mente um Deus que
toma, que Se impõe, desejaremos também nós tomar e impor-nos: ocupar espaços,
reivindicar importância, procurar poder. Mas, se tivermos no coração que Deus é
dom, muda tudo. Se nos dermos conta de que aquilo que somos é dom d’Ele, dom
gratuito e imerecido, então também nós quereremos fazer da própria vida um dom.
E amando humildemente, servindo gratuitamente e com alegria, ofereceremos ao
mundo a verdadeira imagem de Deus. O Espírito, memória viva da Igreja,
lembra-nos que nascemos de um dom e crescemos doando-nos; não poupando-nos, mas
dando-nos.
Queridos irmãos e irmãs, olhemos no íntimo de nós mesmos e perguntemo-nos o
que é que impede de nos darmos. Há – por assim dizer – três inimigos do dom; os
principais são três, sempre deitados à porta do coração: o narcisismo, a
vitimização e o pessimismo. O narcisismo leva a idolatrar-me a
mim mesmo, a comprazer-me apenas com o lucro próprio. O narcisista pensa: «A vida
é boa, se eu ganho com ela». E assim chega a dizer: «Por que deveria eu
doar-me aos outros?» Nesta pandemia, faz um mal imenso o narcisismo, o
debruçar-se apenas sobre as próprias carências, insensível às dos outros, o não
admitir as próprias fragilidades e erros. Mas o segundo inimigo, a vitimização,
também é perigoso. A vítima lamenta-se todos os dias do seu próximo: «Ninguém
me compreende, ninguém me ajuda, ninguém me quer bem, estão todos contra mim!»
Quantas vezes ouvimos estas lamentações! E o seu coração fecha-se, enquanto se
interroga: «Por que não se doam a mim os outros?» No drama que vivemos,
como é má a vitimização! Como é mau pensar que ninguém nos compreende e sente
aquilo que sentimos nós! Isto é o fazer a vítima. Por fim, temos o
pessimismo. Neste caso, a ladainha diária é: «Nada vai bem, a sociedade, a
política, a Igreja...» O pessimista insurge-se contra o mundo, mas fica inerte
e pensa: «Assim para que serve doar-se? É inútil». Agora, no grande
esforço de recomeçar, como é prejudicial o pessimismo, ver tudo negro, repetir
que nada voltará a ser como antes! Pensando assim, aquilo que seguramente não
volta é a esperança. Nestes três – o ídolo narcisista do espelho, o
deus-espelho; o deus-lamentação: «sinto-me alguém nas lamentações»; e o deus-negatividade:
«é tudo negro, é tudo escuro» – encontramo-nos na carestia da esperança e
precisamos de apreciar o dom da vida, o dom que é cada um de nós. Por isso,
necessitamos do Espírito Santo, dom de Deus que nos cura do narcisismo, da
vitimização e do pessimismo; cura do espelho, das lamentações e da escuridão.
Irmãos e irmãs, peçamo-lo: Espírito Santo, memória de Deus, reavivai em nós
a lembrança do dom recebido. Libertai-nos das paralisias do egoísmo e acendei
em nós o desejo de servir, de fazer bem. Porque pior do que esta crise, só o
drama de a desperdiçar fechando-nos em nós mesmos. Vinde, Espírito Santo! Vós
que sois harmonia, tornai-nos construtores de unidade; Vós que sempre Vos
doais, dai-nos a coragem de sair de nós mesmos, de nos amar e ajudar, para nos
tornarmos uma única família. Ámen.
Papa Francisco
(Homilia de Doingo de Pentecostes, 31 de maio de 2020)
sexta-feira, 26 de maio de 2023
TEMPO PASCAL - 2023
EVANGELHO Jo 21, 20-25
«É este o discípulo que dá testemunho destes factos.»
Pedro percebe que João tem um lugar importante na relação dos apóstolos com Jesus. Na última ceia, Pedro pede a João para conseguir saber quem é que vai entregar o Mestre, porque sabe que João está mais próximo de Jesus do que ele. João é o “discípulo amado”. Jesus tinha acabado de dar a Pedro o primeiro lugar entre os doze e Pedro não perde tempo para perguntar a Jesus como fica João. Afinal, Jesus diz a Pedro de que modo ele vai morrer e que será de João? João parece ter um privilégio que não diz respeito a Pedro. A missão de Pedro passa por outros assuntos que não a vida e morte de João. Jesus não disse que João não morreria, mas o boato espalhou-se. Jesus pretendia apenas dizer a Pedro para não ir além do que lhe é pedido na missão de apascentar. João e Pedro andam sempre juntos no evangelho de João. Este final do Evangelho mostra precisamente que estando sempre juntos, João é sempre quem em primeiro lugar percebe o coração do mestre. O discípulo que escreve dá testemunho e o seu testemunho é verdadeiro.
Naquele tempo, Pedro, ao voltar-se, viu que o seguia o discípulo predileto de Jesus, aquele que, na Ceia, se tinha reclinado sobre o seu peito e Lhe tinha perguntado: «Senhor, quem é que Te vai entregar?» Ao vê-lo, Pedro disse a Jesus: «Senhor, que será deste?». Jesus respondeu-lhe: «Se Eu quiser que ele fique até que Eu venha, que te importa? Tu, segue-Me». Divulgou-se então entre os irmãos o boato de que aquele discípulo não morreria. Jesus, porém, não disse a Pedro que ele não morreria, mas sim: «Se Eu quiser que ele fique até que Eu venha, que te importa?» É este o discípulo que dá testemunho destes factos e foi quem os escreveu; e nós sabemos que o seu testemunho é verdadeiro. Jesus realizou muitas outras coisas. Se elas fossem escritas uma a uma, penso que nem caberiam no mundo inteiro os livros que era preciso escrever.
Neste final do Evangelho de João percebemos a humanidade dos discípulos junto de Jesus. Jesus chama Pedro ao amor e à missão. Tinha acabado de perguntar “Tu amas-me?” e Pedro tinha acabado de responder “Tu sabes tudo, sabes que te amo”. E já Pedro deixa o humano subir à boca para perguntar “e este?” que tem ocupado sempre um lugar à minha frente? Este também vai morrer? Que lugar reservas para ele? Pedro não quer apenas saber do final de João, mas de como gerir o poder entre os doze. Não morrer, antes de Jesus voltar, seria um privilégio que daria a João, uma importância superior a Pedro. Parece que Pedro não entendeu quando Jesus diz “dar a vida é melhor do que guardá-la, servir é melhor que ser servido”. No final, o autor do evangelho de João explica tudo. Ele, o discípulo amado, sendo o primeiro a perceber o coração de Jesus, não ocupou o lugar de ninguém e Pedro, sendo o primeiro entre os doze, não foi ameaçado no seu poder. O testemunho é o mais importante na vida dos discípulos. Na relação com Jesus ninguém nos passa à frente, ninguém ameaça o nosso lugar, ninguém pode impedir-nos de entrar.
Ensina-me, Senhor, o meu lugar na missão que me confias na tua Igreja e no
mundo. Faz-me compreender que junto de ti não há distâncias, ninguém fica à frente
e ninguém fica atrás, ninguém é preterido nem esquecido, todos são igualmente
importantes e necessários. Coloca-me no caminho do verdadeiro testemunho para
que seja evangelho vivo para todos.
Estimados
irmãos e irmãs, bem-vindos e bom dia!
No nosso percurso de catequeses
sobre a velhice, hoje meditemos sobre o diálogo entre Jesus ressuscitado e
Pedro, na conclusão do Evangelho de João (21, 15-23). É um diálogo comovedor,
do qual transparecem todo o amor de Jesus pelos seus discípulos e também a
sublime humanidade da sua relação com eles, em particular com Pedro: uma
relação terna, mas não insípida, direta, forte, livre, aberta. Uma relação de
homens na verdade. Assim o Evangelho de João, tão espiritual, tão
excelso, fecha-se com um pungente pedido e oferta de amor entre Jesus e Pedro,
que se entrelaça de modo totalmente natural com um debate entre eles. O
Evangelista adverte-nos: ele dá testemunho da verdade dos acontecimentos
(cf. Jo 21, 24). E é neles que se deve procurar a verdade.
Podemos perguntar-nos: somos
capazes de preservar o teor desta relação de Jesus com os discípulos, de acordo
com aquele seu estilo tão aberto, tão franco, tão direto, tão humanamente real?
Como é a nossa relação com Jesus? É como aquela dos apóstolos com Ele? Não
somos, ao contrário, muitas vezes tentados a encerrar o testemunho do Evangelho
no casulo de uma revelação “adocicada”, à qual acrescentar a nossa veneração de
circunstância? Esta atitude, que parece respeito, afasta-nos realmente do
verdadeiro Jesus e torna-se até ocasião para um caminho de fé muito abstrato,
muito autorreferencial, muito mundano, que não é o caminho de Jesus. Jesus é o
Verbo de Deus que se fez homem, e Ele comporta-se como homem, fala como homem,
Deus-homem. Com ternura, amizade, proximidade. Jesus não é como aquela imagem
adocicada dos santinhos, não: Jesus está à mão, está próximo de nós.
Durante o debate de Jesus com
Pedro, encontramos duas passagens que tratam precisamente da velhice e
da duração do tempo: o tempo do testemunho, o tempo da vida. A
primeira passagem é a admoestação de Jesus a Pedro: quando eras jovem, eras
autossuficiente, quando fores velho já não serás tão senhor de ti mesmo e da
tua vida. Dizei-o a mim que devo estar na cadeira de rodas! Mas é assim, a vida
é assim: com a velhice vêm-te todas estas doenças e devemos aceitá-las como
são, não é verdade? Não temos a força dos jovens! E até o teu
testemunho – diz Jesus – será acompanhado por esta
debilidade. Deves ser testemunha de Jesus até na debilidade, na doença e na
morte. Há um texto bonito de Santo Inácio de Loyola que reza: “Assim como na
vida, também na morte devemos dar testemunho como discípulos de Jesus”. O fim
da vida deve ser um fim de vida como discípulos: discípulos de Jesus, pois o
Senhor nos fala sempre segundo a idade que temos. O Evangelista acrescenta o
seu comentário, explicando que Jesus aludia ao testemunho extremo, do martírio
e da morte. Mas podemos compreender de modo mais genérico o sentido desta
admoestação: o teu seguimento deverá aprender a deixar-se
instruir e plasmar pela tua fragilidade, pela tua impotência, pela
tua dependência de outros, até para te vestires, para caminhar. Mas tu, «segue-me» (v.
19). O seguimento de Jesus continua com boa saúde, sem boa saúde, com
autossuficiência, sem autossuficiência física, mas o seguimento de Jesus é
importante: seguir Jesus sempre, a pé, de corrida, lentamente, de cadeira de
rodas, mas segui-lo sempre. A sabedoria do seguimento deve encontrar o caminho
para permanecer na sua profissão de fé – assim responde Pedro: «Senhor, Tu
sabes que te amo» (vv. 15.16.17) – até nas condições limitadas da fraqueza e da
velhice. Gosto de falar com os idosos, fitando os seus olhos: têm olhos
brilhantes, que te falam mais do que palavras, o testemunho de uma vida. E isto
é bonito, devemos conservá-lo até ao fim. Seguir Jesus deste modo, cheios de
vida!
Esta conversa entre Jesus e
Pedro contém um ensinamento precioso para todos os discípulos, para todos nós,
crentes. E também para todos os idosos. Aprender da nossa fragilidade a
expressar a coerência do nosso testemunho de vida nas condições de uma
existência amplamente confiada a outros, em grande parte dependente da iniciativa
de outros. Com a doença, com a velhice, a dependência aumenta e já não somos
autossuficientes como antes; aumenta a dependência dos outros e também ali
amadurece a fé, também ali Jesus está connosco. Também ali brota aquela riqueza
da fé bem vivida durante o percurso da vida.
Mas devemos interrogar-nos mais
uma vez: será que dispomos de uma espiritualidade realmente
capaz de interpretar a fase – já longa e generalizada - deste tempo da nossa
fraqueza confiada a outros, mais do que ao poder da nossa autonomia? Como
permanecer fiéis ao seguimento vivido, ao amor prometido, à justiça procurada
no tempo da nossa capacidade de iniciativa, no tempo da fragilidade, no tempo
da dependência, da despedida, no tempo de se afastar do protagonismo da nossa
vida? Não é fácil afastar-se do ser protagonista, não é fácil!
Sem dúvida, esta nova época é também um tempo de provação. Começando pela tentação - muito humana, indubitavelmente, mas também muito insidiosa - de preservar o nosso protagonismo. E às vezes o protagonista deve diminuir, deve abaixar-se, aceitar que a velhice te abaixe como protagonista. Mas terás outro modo de te exprimires, outra maneira de participar na família, na sociedade, no grupo de amigos. E é a curiosidade que Pedro sente: “E ele?”, diz Pedro, vendo o discípulo amado que os seguia (cf. vv. 20-21). Meter o nariz na vida dos outros. E não: Jesus diz: “Cala-te”. Deve realmente estar no “meu” seguimento? Deve porventura ocupar o “meu” espaço? Será o “meu” sucessor? São perguntas que não são úteis, que não ajudam. Deverá durar mais do que eu e ocupar o meu lugar? E a resposta de Jesus é franca e até rude: «Que te importa? Segue-me!» (v. 22). Como se dissesse: ocupa-te da tua vida, da tua situação atual e não metas o nariz na vida dos outros. Tu, segue-me. Isto sim, é importante: o seguimento de Jesus, seguir Jesus na vida e na morte, na saúde e na doença, na vida quando é próspera com tantos sucessos e também na vida difícil, com muitos momentos negativos de queda. E quando queremos intrometer-nos na vida dos outros, Jesus responde: “Que te importa? Segue-me”. Muito bem! Nós, idosos, não deveríamos ter inveja dos jovens que percorrem o seu caminho, que ocupam o nosso lugar, que duram mais do que nós. A honra da nossa fidelidade ao amor jurado, a fidelidade ao seguimento da fé que acreditamos, até nas condições que nos aproximam mais da despedida da vida, são o nosso título de admiração pelas gerações vindouras e de reconhecimento grato da parte do Senhor. Aprender a despedir-se: esta é a sabedoria dos idosos. Mas despedir-se bem, com o sorriso; aprender a despedir-se na sociedade, a despedir-se com os outros. A vida do ancião é uma despedida lenta, lenta, mas uma despedida jubilosa: vivi a vida, conservei a minha fé. Isto é bonito, quando um idoso pode dizer assim: “Vivi a vida, esta é a minha família; vivi a vida, fui pecador, mas também pratiquei o bem”. E a paz que nasce é a despedida do idoso.
Até o seguimento forçosamente inativo, feito de contemplação emocionada e de escuta arrebatada da palavra do Senhor - como a de Maria, irmã de Lázaro – será a melhor parte da sua vida, da nossa vida de idosos. Que esta parte nunca nos seja tirada, nunca (cf. Lc 10, 42). Olhemos para os idosos, olhemos para eles e ajudemo-los a fim de que possam viver e exprimir a sua sabedoria de vida, que possam dar-nos o que têm de mais bonito e bom. Olhemos para eles, escutemo-los. E nós, idosos, olhemos para os jovens sempre com um sorriso: eles seguirão o caminho, levarão em diante o que semeamos, inclusive o que não semeamos, porque não tivemos a coragem nem a oportunidade: eles levá-lo-ão em frente. Mas sempre esta relação de reciprocidade: um idoso não pode ser feliz sem olhar para os jovens e os jovens não podem ir em frente na vida sem olhar para os idosos. Obrigado!
Papa Francisco
(Audiência Geral, 22 de junho de 2022)
quinta-feira, 25 de maio de 2023
TEMPO PASCAL - 2023
Sexta-feira da semana VII do Tempo Pascal - dia 48 - 26/05/2023
Evangelho Jo 21, 15-19
«Simão, filho de João, tu amas-Me?»;
«Ele respondeu-Lhe: «Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo»;
«Segue-Me».
Quase no final do Evangelho, Jesus interroga Pedro sobre o seu amor. Três vezes lhe pergunta “Tu amas-me…?” e três vezes Pedro tem que responder. Desta forma Pedro restabelece em si mesmo e na relação com Jesus a paz quebrada pela tríplice negação. Do mesmo modo o leitor pode perceber que não há nenhum impedimento em Pedro para que ele conduza a Igreja de Jesus. A negação na noite da paixão foi vencida pela confissão, no encontro com o ressuscitado, na manhã da pesca milagrosa. A resposta à pergunta “tu amas-me” transforma-se em afirmação perante a missão “apascenta as minhas ovelhas”. O sinal do amor é a continuidade na missão de pescar homens e apascentar ovelhas. Aquele que foi chamado para pescador, agora, é também pastor. Do mesmo modo, a resposta de amor para com Jesus, significa aceitar o mesmo caminho de cruz “estenderás as tuas mãos e outro te cingirá e te levará para onde não queres”.
Quando Jesus Se manifestou aos seus discípulos junto ao mar de Tiberíades, depois de comerem, perguntou a Simão Pedro: «Simão, filho de João, amas-Me tu mais do que estes?». Ele respondeu-Lhe: «Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo». Disse-lhe Jesus: «Apascenta os meus cordeiros». Voltou a perguntar-lhe segunda vez: «Simão, filho de João, tu amas-Me?». Ele respondeu-Lhe: «Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo». Disse-lhe Jesus: «Apascenta as minhas ovelhas». Perguntou-lhe pela terceira vez: «Simão, filho de João, tu amas-Me?». Pedro entristeceu-se por Jesus lhe ter perguntado pela terceira vez se O amava e respondeu-Lhe: «Senhor, Tu sabes tudo, bem sabes que Te amo». Disse-lhe Jesus: «Apascenta as minhas ovelhas. Em verdade, em verdade te digo: Quando eras mais novo, tu mesmo te cingias e andavas por onde querias; mas quando fores mais velho, estenderás a mão e outro te cingirá e te levará para onde não queres». Jesus disse isto para indicar o género de morte com que Pedro havia de dar glória a Deus. Dito isto, acrescentou: «Segue-Me».
É perigoso aceitar Jesus na vida e deixar-se cativar pelo seu amor. Responder a
Jesus amando-o, torna-se numa vida nova que implica anunciá-lo como quem pesca
e acolher como quem apascenta, aqueles a quem Jesus nos envia com a sua missão.
Amar Jesus é perder livremente a liberdade sem nunca deixar de ser livre para
realizar tudo e só o que Ele pede. É estender as mãos e deixar-se cingir e não
ter medo de seguir ao sabor do vento do Espírito que empurra no seguimento de
Jesus.
As minhas mãos atadas a ti e a minha cintura apertada pelo teu amor, tornam-me livre atrás de ti. Seguir-te é lançar as mãos às redes e contigo puxá-las cheias de grandes peixes e de cajado na mão estar atento, vigilante para que nenhuma das tuas ovelhas se perca. Um só coração contigo, um único olhar, um mesmo caminho, de mão no cajado que apascenta a Igreja pela qual deste a vida. Ensina-me, Senhor a pôr os pés nas pegadas que deixas ao passar pela minha vida.
«Como olha Jesus para mim hoje?». A
pergunta sugerida por Francisco alcança e interpela diretamente cada cristão
com a mesma força dos «três olhares que o Senhor dirigiu a Pedro». Olhares que
contam «o entusiasmo da vocação, o arrependimento e a missão», explicou o Papa.
O trecho que narra o diálogo entre
Jesus e Pedro, observou o Pontífice, «está quase no fim do Evangelho de João»
(21, 15-19). «Recordamos sempre — prosseguiu — a história daquela noite de pesca»,
quando «os discípulos não pescaram peixe algum, nada». E por isso estavam um
pouco «zangados». Mas «quando se aproximaram das margens» e um homem lhes
perguntou se tinham «de comer», eles, «zangados», responderam: «Não!». Porque
de facto «nada tinham pescado». Mas este homem ordenou-lhes que lançassem as
redes do outro lado: os discípulos fizeram-no «e a rede encheu-se de peixes».
É «João, o amigo mais próximo, quem
reconhece o Senhor». Por seu lado «Pedro, entusiasmado, lança-se ao mar para
chegar mais depressa junto do Senhor». Esta é deveras «uma pesca milagrosa»,
observou Francisco, mas «quando chegaram — começa aqui o trecho do Evangelho de
hoje — veem que Jesus tinha preparado o pequeno almoço: na grelha estava o
peixe». Assim comem juntos. Depois «de terem comido, começa o diálogo entre
Jesus e Pedro».
«Hoje na oração — confidenciou o Papa
— vinha ao meu coração, via como era o olhar de Jesus sobre Pedro». E no
Evangelho, acrescentou, «vi três olhares diferentes de Jesus sobre Pedro».
«O primeiro olhar», frisou Francisco,
encontra-se «no início do Evangelho de João, quando André vai ter com seu irmão
Pedro e lhe diz: “Vimos o Messias”». E «conduzindo-o a Jesus», o qual «fixa
nele o olhar e lhe diz: “Tu és Simão, filho de Jonas. Serás chamado Pedro”». É
«o primeiro olhar, o olhar da missão que, mais adiante em Cesareia de Filipe,
explica a missão: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”:
será esta a tua missão».
«Entretanto — afirmou o Pontífice —
Pedro tinha-se entusiasmado com Jesus: seguia Jesus. Recordemos aquele trecho
do sexto capítulo do Evangelho de João, quando Jesus fala de comer o seu corpo
e muitos discípulos naquele momento diziam: “Mas isto é duro, é uma palavra
difícil”». A ponto que «começaram a retirar-se». Então «Jesus olha para os
discípulos e diz: “Também vós vos quereis retirar?». É «o entusiasmo de Pedro
que responde: “Não! Para onde iremos? Só tu tens palavras de vida eterna!”».
Por conseguinte, explicou Francisco, «há o primeiro olhar: a vocação e um
primeiro anúncio da missão». E «como é a alma de Pedro naquele primeiro olhar?
Entusiasta». É «o primeiro tempo de andar com o Senhor».
Depois, acrescentou o Papa, «pensei no
segundo olhar». Encontramo-lo «na noite funda da Quinta-Feira Santa, quando
Pedro quer seguir Jesus e se aproxima de onde ele está, na casa do sacerdote,
na prisão, mas é reconhecido: “Não, eu não o conheço!”». Renega-o «três vezes».
Depois «ouve o canto do galo e recorda-se: renegou o Senhor. Perdeu tudo.
Perdeu o seu amor». Precisamente «naquele momento Jesus é conduzido para outro
ambiente, através de um pátio, e olha para Pedro». O Evangelho de Lucas diz que
«Pedro chorou amargamente». Assim «aquele entusiasmo de seguir Jesus tornou-se
choro, porque ele pecou, renegou Jesus». Mas «aquele olhar muda o coração de
Pedro, mais que antes». Por conseguinte «a primeira mudança é trocar o nome e
também a vocação». Ao contrário «é este segundo olhar que muda o coração e
trata-se de uma mudança de conversão ao amor».
«Não sabemos qual foi o olhar naquele
encontro, sozinhos, depois da ressurreição» afirmou Francisco. «Sabemos que
Jesus se encontrou com Pedro, diz o Evangelho, mas não sabemos o que disseram».
E assim aquela narração na liturgia de hoje «é um terceiro olhar: a confirmação
da missão; mas também o olhar no qual Jesus pede a confirmação do amor de
Pedro». Com efeito «por três vezes — três vezes! — Pedro tinha renegado»; e
agora o Senhor «por três vezes pede a manifestação do seu amor». E «quando
Pedro diz que sim, que o ama, ele confia-lhe a missão: “Apascenta os meus
cordeiros, apascenta as minhas ovelhas”». Mais, à terceira pergunta — «Simão,
filho de João, tu amas-me?» — Pedro «entristeceu-se, quase chorou». Está triste
porque «pela terceira vez» o Senhor «lhe pergunta “Tu amas-me?”». E
responde-lhe: «Senhor, tu sabes tudo, tu bem sabes que te amo». E Jesus:
«Apascenta as minhas ovelhas». Eis «o terceiro olhar: o olhar da missão».
Em seguida, Francisco repropôs a
essência dos «três olhares» do Senhor sobre Pedro: «O primeiro, o olhar da
escolha, com o entusiasmo de seguir Jesus; o segundo, o olhar do arrependimento
no momento daquele pecado tão grave de ter renegado Jesus; o terceiro é o olhar
da missão: “Apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas”». Mas
«não termina ali. Jesus vai mais adiante: tu fazes tudo isto por amor e depois?
Serás coroado rei? Não». Aliás, o Senhor afirma claramente: «Digo-te: quando
eras mais jovem, vestias-te sozinho e ias onde querias. Mas quando fores velho,
estenderás as tuas mãos e outro te vestirá e te levará onde tu não queres».
Como se dissesse: «Também tu, como eu, estarás naquele pátio no qual eu fixei
em ti o olhar: perto da cruz».
Precisamente sobre isto o Papa propôs
um exame de consciência. «Também nós podemos pensar: qual é hoje o olhar de
Jesus sobre mim? Como olha para mim Jesus? Com uma chamada? Com um perdão? Com
uma missão?». Tenhamos a certeza de que «no caminho que ele percorreu, todos
estamos sob o olhar de Jesus: ele olha para nós sempre com amor, pede-nos algo,
perdoa-nos algo e confia-nos uma missão».
Antes de prosseguir a celebração — «agora Jesus vem sobre o altar» recordou — Francisco convidou a rezar: «Senhor, tu estás aqui entre nós. Fixa o teu olhar sobre mim e diz-me o que devo fazer; como devo chorar os meus erros, os meus pecados; qual é a coragem com que devo ir em frente pelo caminho que percorreste primeiro». E «durante este sacrifício eucarístico», é oportuno «que haja este nosso diálogo com Jesus». Depois, concluiu, «far-nos-á bem pensar durante todo o dia no olhar de Jesus sobre nós».
Papa Francisco
(Santa Marta, 22 de maio de 2015)
quarta-feira, 24 de maio de 2023
TEMPO PASCAL - 2023
Quinta-feira da semana VII do Tempo Pascal - dia 47 - 25/05/2023
Evangelho
Jo 17, 20-26
«Pai santo, não peço somente por eles, mas também por aqueles que vão acreditar em Mim por meio da sua palavra,»;
«Para que eles sejam todos um, como Tu, Pai, o és em Mim e Eu em Ti,»;
«Para que também eles sejam um em Nós e o mundo acredite que Tu Me enviaste.»
«Para que o amor com que Me amaste esteja neles e Eu esteja neles».
Esta oração de Jesus está entrelaçada sobre as coordenadas do futuro. Jesus pede ao Pai pelo futuro dos discípulos. “Peço… para que eles sejam um… para que eles sejam um em nós… para que o mundo creia”; “Dei-lhes a minha glória… para que sejam um… para que sejam consumados na unidade… para que o mundo reconheça”. Jesus reclama do Pai, para os discípulos, a mesma unidade que existe entre eles. Experimentou o mundo e sabe que a vitória sobre o mundo depende desta unidade. Mais, esta unidade é o único meio para que o mundo “reconheça”. O pedido de Jesus é que, no futuro, os discípulos vivam a unidade para vencer o mundo e ao final, o próprio mundo, reconheça que Jesus é o enviado do Pai.
Naquele tempo, Jesus ergueu os olhos ao Céu e disse: «Pai santo, não peço somente por eles, mas também por aqueles que vão acreditar em Mim por meio da sua palavra, para que eles sejam todos um, como Tu, Pai, o és em Mim e Eu em Ti, para que também eles sejam um em Nós e o mundo acredite que Tu Me enviaste. Eu dei-lhes a glória que Tu Me deste, para que sejam um, como Nós somos um: Eu neles e Tu em Mim, para que sejam consumados na unidade e o mundo reconheça que Tu Me enviaste e que os amaste como a Mim. Pai, quero que onde Eu estou, também estejam comigo os que Me deste, para que vejam a minha glória, a glória que Me deste, por Me teres amado antes da criação do mundo. Pai justo, o mundo não Te conheceu, mas Eu conheci-Te e estes reconheceram que Tu Me enviaste. Dei-lhes a conhecer o teu nome e dá-lo-ei a conhecer, para que o amor com que Me amaste esteja neles e Eu esteja neles».
Estabelecer a unidade que existe entre o Pai e o Filho na minha própria vida e nas minhas relações com os irmãos é uma exigência do Batismo. Nele, participei na morte e ressurreição de Cristo. Ali, fui tornado outro Cristo e ressurgi das águas como nova criatura, filho de Deus. A unidade de Deus é a fonte de onde recebi a vida nova do batismo. Sem esta unidade a vida de Deus em mim desvanece-se e dá lugar à inimizade do mundo. O amor é a fonte desta unidade divina. Só no amor alcançarei a mesma unidade e só no amor ela será sinal do mistério da salvação que Deus realizou em mim. Só desta maneira o mundo acreditará e será eficaz o meu testemunho.
Peço-te ó Pai, pela unidade da Igreja, pela unidade de cada cristão, pela
unidade dos homens na mesma fé. Peço-te, para que eu seja mistério de unidade
no mais íntimo de mim mesmo. Que em mim não haja divisão que me impeça de ser
um contigo. Que em mim não haja divisão que me impeça de fazer unidade com os
outros. Que esta unidade me torne testemunho vivo da tua ressurreição, para que
o mundo creia que és o enviado do Pai.
A unidade na Igreja foi o tema
da reflexão do Papa. Relendo o trecho evangélico (Jo 17, 20-26)
proposto pela liturgia, Francisco frisou que «consola ouvir esta palavra: “Pai,
não rezo só por estes, mas também por aqueles que crerem em mim mediante a sua
palavra”», como disse Jesus ao despedir-se dos apóstolos. Jesus rezou pelos
discípulos mas «também por nós» e «continua a fazê-lo hoje», como se lê no
Evangelho: «Pai, rezo também por quantos vierem depois». Um detalhe não
irrelevante, que merece maior atenção: «Jesus orou por mim» e isto «é fonte de
confiança». Podemos imaginar «Jesus diante do Pai no céu», que reza por nós. E
«o que vê o Pai? As chagas», foi este o preço que Jesus «pagou por nós».
Com esta imagem, o Papa entrou
no cerne da reflexão, perguntando: «Que pede Jesus ao Pai nesta prece?». Diz
talvez: «Oro por eles para que a sua vida seja boa, tenham dinheiro, sejam
felizes, nada lhes falte?». Não, «ora para que todos sejam um só: “Como Tu
estás em mim e eu Eu em ti”». Reza «pela nossa unidade, pela unidade do seu
povo, da sua Igreja». Sabe bem que «o espírito do mundo, o espírito do pai da
divisão, é um espírito de guerra, inveja, ciúmes», presente «até nas famílias,
nas ordens religiosas, nas dioceses, na Igreja: é a grande tentação». Assim, «a
profunda prece de Jesus» é de nos «assemelharmos» ao Pai: «Como Tu, ó Pai,
estás em mim e Eu em ti», na «sua unidade com o Pai».
Alguém poderia perguntar:
«Padre, com esta prece de Jesus, se quisermos ser fiéis, não podemos falar mal
uns dos outros?» Ou então: «Não podemos etiquetar as pessoas... esta é assim,
essa é assim, aquela é revolucionária?». A resposta do Papa foi clara: «Não»,
porque «devemos ser um só, como Jesus e o Pai são um só». É este «o desafio dos
cristãos: não deixar lugar à divisão entre si, não dar espaço ao espírito da
divisão, ao pai da mentira». Devemos «procurar sempre a unidade». Naturalmente,
cada um «é como é», mas deve procurar viver na unidade. O Senhor reza por isto:
«A Igreja tem muita necessidade desta prece da unidade, não só de Jesus, mas
também nós devemos unir-nos nesta oração». De resto, desde os primórdios a
Igreja manifestou esta necessidade: «Se começarmos a ler os Atos dos Apóstolos
— disse — encontraremos brigas e até trapaças. Uns querem enganar os outros,
pensai em Ananias e Safira...». Já nos primeiros anos havia divisões,
interesses pessoais, egoísmos. Fazer a unidade foi e é uma verdadeira «luta».
Mas é preciso entender que
«sozinhos não podemos» alcançar a unidade, dado que ela «é uma graça». Assim
«Jesus reza pela Igreja, por mim, para que eu vá em frente por este caminho». A
unidade é tão importante que se repete «quatro vezes em seis versículos». Ela
«não se faz com a cola», pois não existe uma «Igreja feita com a cola»: a
Igreja torna-se uma só mediante o Espírito. Então, «devemos dar espaço ao
Espírito para que nos transforme, como o Pai no Filho, num só». Para alcançar
esta meta, o próprio Jesus dá um conselho: «Permanecei em mim», e na sua oração
pede: «Pai, quero que quantos me deste permaneçam comigo onde Eu estou» para
«contemplar a minha glória». Desta meditação deriva um conselho: reler Jo 17,
20-26 e pensar: «Jesus rezou e ainda reza por mim. Roga ao Pai com as suas
chagas». E fá-lo «para sermos todos um só». Isto «deve levar-nos a não julgar»,
a não «agir contra a unidade», a seguir o conselho de Jesus «de permanecer nele
nesta vida para podermos estar com Ele na eternidade».
Estes ensinamentos encontram-se
no discurso de Jesus na última ceia. Na missa «revivemos» a ceia e Ele
repete-nos as mesmas palavras. Por isso, na Eucaristia «permitamos que as suas
palavras entrem no nosso coração, sejamos testemunhas de unidade na Igreja e de
alegria na esperança da contemplação da glória de Jesus».
Papa Francisco
(Capela de Santa Marta, 21 de maio de 2015)
terça-feira, 23 de maio de 2023
TEMPO PASCAL - 2023
Quarta-feira da semana VII do Tempo Pascal - dia 46 - 24/05/2023
Evangelho Jo 17, 11b-19
«Mas agora vou para Ti»;
«E digo isto no mundo, para que eles tenham em si mesmos a plenitude da minha alegria.»
«Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal.»;
«Consagra-os na verdade.»;
«A tua palavra é a verdade.»
A primeira ideia do texto é a pertença ao Pai. O Pai cuida de Jesus e Jesus cuida dos discípulos. Agora que Jesus parte, o Pai cuidará dos discípulos porque pertencem a Jesus e porque receberam a Palavra e ainda porque, embora estejam no mundo, não são do mundo. Esta pertença a Deus vive-se no mundo, com a Palavra da verdade que consagra os discípulos na verdade. Há um movimento de amor do Pai para o Filho e do Filho para os discípulos, assim como há um movimento na missão e na palavra que vem do Pai, passa pelo Filho e atinge os discípulos.
Naquele tempo, Jesus ergueu os olhos ao Céu e orou deste modo: «Pai santo, guarda-os em teu nome, o nome que Me deste, para que sejam um, como Nós. Quando Eu estava com eles, guardava-os em teu nome, o nome que Me deste. Guardei-os e nenhum deles se perdeu, a não ser o filho da perdição; e assim se cumpriu a Escritura. Mas agora vou para Ti; e digo isto no mundo, para que eles tenham em si mesmos a plenitude da minha alegria. Dei-lhes a tua palavra e o mundo odiou-os, por não serem do mundo, como Eu não sou do mundo. Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal. Eles não são do mundo, como Eu não sou do mundo. Consagra-os na verdade. A tua palavra é a verdade. Assim como Tu Me enviaste ao mundo, também Eu os enviei ao mundo. Eu consagro-Me por eles, para que também eles sejam consagrados na verdade».
“Não peço que os tires do mundo”. Tudo seria bem mais fácil se os discípulos de Jesus perdessem a sua condição humana e adquirissem características distintas, que os retirassem do mundo. Jesus não quer que eu saia do mundo, mas que esteja no mundo consagrado na verdade que me é dada na Palavra. Jesus quer que eu viva a minha condição de pertença ao Pai e a sua consequente missão, aqui, nas circunstâncias limitadas do mundo que não aceita o testemunho cristão.
Consagra-me na verdade. Consagra-me na tua palavra da verdade para que viva em
plenitude a minha condição de discípulo no meio do mundo, mesmo contra a
vontade do mundo. Consagra-me e guarda-me no teu nome, Senhor.
(...)
Em primeiro lugar, guardar a fé. Devemos guardar a fé para não sucumbir à tribulação nem cair na resignação de quem já não vê uma via de saída. Com efeito, antes das palavras, o Evangelho faz-nos contemplar uma atitude de Jesus: rezava (diz o evangelista) «levantando os olhos ao céu» (Jo 17, 1). (...)
A oração abre-nos à confiança
em Deus mesmo nos momentos difíceis, ajuda-nos a esperar não obstante todas as
evidências em contrário, sustenta-nos na batalha diária. Não é uma fuga, um
modo para escapar dos problemas. Pelo contrário, é a única arma que temos para
guardar o amor e a esperança no meio de tantas armas que semeiam morte. Não é
fácil levantar o olhar quando estamos na tribulação, mas a fé ajuda-nos a
vencer a tentação de nos fecharmos em nós mesmos. Talvez nos venha vontade de
protestar, gritar o nosso sofrimento também a Deus: não devemos ter medo de o
fazer; também isso é oração. Uma senhora idosa dizia aos seus netos: «Zangar-se
com Deus também pode ser uma oração». É a sabedoria dos justos e dos simples,
que sabem levantar o olhar [para Deus] nos momentos difíceis... Em certos
momentos, é uma oração que Deus atende mais depressa que outras, porque nasce
dum coração ferido, e o Senhor sempre escuta o clamor do seu povo e enxuga as
suas lágrimas. Queridos irmãos e irmãs, não deixeis de olhar para o alto.
Guardai a fé!
Um segundo aspeto do
guardar: guardar a unidade. Jesus reza ao Pai para que guarde os
seus na unidade. Para que «sejam um só» (Jo 17, 21), uma única
família onde reinem o amor e a fraternidade. Jesus conhecia o coração dos seus
discípulos; às vezes vira-os discutir sobre quem deveria ser o maior, quem
deveria mandar. Esta é uma doença mortal: a divisão. Experimentamo-la no nosso
coração, porque muitas vezes nos sentimos divididos também dentro de nós
mesmos; experimentamo-la nas famílias, nas comunidades, entre os povos, até
mesmo na Igreja. São muitos os pecados contra a unidade: as invejas, os ciúmes,
a procura de interesses pessoais em vez do bem de todos, os juízos contra os
outros. E estes pequenos conflitos que existem entre nós refletem-se depois nos
grandes conflitos, como o que tem vivido nestes dias o vosso país. Quando se
sobrepõem os interesses partidários, a sede de lucro e poder, sempre se
desencadeiam confrontos e divisões. (...)
Somos chamados a guardar a
unidade, a tomar a sério esta premente súplica de Jesus ao Pai: ser um só,
formar uma família, ter a coragem de viver laços de amizade, de amor, de
fraternidade. Quanta necessidade há de fraternidade, sobretudo hoje! Sei que
algumas situações políticas e sociais são maiores do que vós, mas o empenho
pela paz e a fraternidade nasce sempre de baixo: cada qual, na medida das suas
possibilidades, deve fazer a própria parte. Cada um há de empenhar-se, na
medida das suas possibilidades, por ser um construtor de fraternidade, um
semeador de fraternidade, há de trabalhar por reconstruir o que se rompeu em
vez de alimentar a violência. Somos chamados a fazê-lo, também como Igreja:
promovamos o diálogo, o respeito pelo outro, a custódia do irmão, a comunhão! E
não deixemos entrar na Igreja a lógica dos partidos, a lógica que divide, a
lógica de quem se coloca ao centro descartando os outros. Isto destrói: destrói
a família, destrói a Igreja, destrói a sociedade, destrói-nos a nós próprios.
Por fim, terceira coisa, guardar
a verdade. Jesus pede ao Pai para consagrar na verdade os seus discípulos,
que são enviados por todo o mundo a fim de continuar a sua missão. Guardar a
verdade não significa defender ideias, tornar-se guardiões dum sistema de
doutrinas e dogmas, mas permanecer ligados a Cristo e consagrados ao seu
Evangelho. A verdade – no dizer do apóstolo João – é o próprio Cristo,
revelação do amor do Pai. Jesus reza para que os discípulos, vivendo no mundo,
não sigam os critérios deste mundo. Que não se deixem fascinar pelos ídolos,
mas guardem a amizade com Ele; que não dobrem o Evangelho às lógicas humanas e
mundanas, mas guardem íntegra a sua mensagem. Guardar a verdade significa ser
profeta em todas as situações da vida, isto é, consagrar-se ao Evangelho e
tornar-se sua testemunha mesmo quando o preço a pagar seja o de ir contra
corrente. Às vezes nós, cristãos, procuramos transigir, mas o Evangelho
pede-nos que estejamos na verdade e sejamos pela verdade, dando a vida pelos
outros. E ser fiéis ao Evangelho e artesãos de paz onde há guerra, violência,
ódio significa comprometer-se, mesmo através das opções sociais e políticas,
arriscando a vida. Só assim podem mudar as coisas. O Senhor não precisa de
gente tíbia: quer-nos consagrados na verdade e na beleza do Evangelho, para
podermos testemunhar a alegria do Reino de Deus mesmo na noite escura da
tribulação e quando o mal parece mais forte.
Queridos irmãos e irmãs, hoje quero depor sobre o altar do Senhor os sofrimentos do vosso povo e rezar convosco para que Deus converta os corações de todos à paz. Que a oração de Jesus nos ajude a guardar a fé mesmo nos momentos difíceis, ser construtores de unidade, arriscar a vida pela verdade do Evangelho. Por favor, não percais a esperança! Jesus ainda hoje reza ao Pai: na sua oração, faz ver ao Pai as chagas com que pagou a nossa salvação. Com esta oração, Jesus reza e intercede por todos nós, para que nos guarde do maligno e nos livre do poder do mal.
Papa Francisco
(Roma, 16 de maio de 2021)