QUARESMA PASSO A PASSO
2024 - Ano B
22º Dia – sábado
III – 9/03/2024
«Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador»;
«Porque todo aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado»
Evangelho Lc 18, 9-14
Jesus vê-se obrigado a iluminar o coração de alguns que se julgavam justos e com isso têm-se como superiores aos outros. Para isso conta a parábola que põe em confronto o fariseu justo e o publicano pecador, diante de Deus. Os dois sobem ao templo, os dois vão rezar, os dois rezam, mas a oração deles é diferente. O fariseu apresenta-se como justo e cumpridor de todos os preceitos. O publicano apresenta-se como pecador. O fariseu toma uma postura de superioridade, vai até ao altar e fala com Deus, arrogante, como quem tem direitos por ter cumprido as suas obrigações. O publicano fica à entrada de rosto por terra e pede misericórdia.
“Naquele tempo, Jesus disse a
seguinte parábola para alguns que se consideravam justos e desprezavam os
outros: «Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro
publicano. O fariseu, de pé, orava assim: ‘Meu Deus, dou-Vos graças por não ser
como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem como este
publicano. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo quanto possuo’.
O publicano ficou a distância e nem sequer se atrevia a erguer os olhos ao Céu;
mas batia no peito e dizia: ‘Meu Deus, tende compaixão
de mim, que sou pecador’. Eu vos digo que este desceu justificado para sua
casa e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado e quem se
humilha será exaltado».”
Durante muito
tempo fomos levados a julgar que, por sermos cristãos, éramos melhores que os
outros e mesmo entre os cristãos julgávamos que os praticantes tinham direitos
que os outros não tinham. Durante muito tempo julgámos os outros pela aparência
esquecendo o mistério do coração do homem, lugar onde Deus se esconde e vê no
segredo. Somos convidados e dar asas ao coração e a crescer na relação com os
outros reconhecendo-nos a todos como pecadores e simultaneamente como filhos
muito amados do Pai. O lugar de todos diante de Deus é prostrados de rosto por
terra a suplicar misericórdia. Nenhum de nós é superior aos outros por nenhuma
razão porque todos somos salvos pelo amor.
Avé-Maria cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre Jesus. Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora da nossa morte. Ámen.
Os dois
protagonistas da parábola de hoje vão ao
templo para orar, mas agem de modos muitos diferentes, obtendo êxitos opostos.
O fariseu reza «de pé» (v. 11) e usa muitas palavras. A sua é uma prece de ação
de graças a Deus, mas na realidade é uma manifestação dos próprios méritos, com
sentido de superioridade em relação aos «outros homens», qualificados como
«ladrões, injustos, adúlteros», como por exemplo — e indica aquele outro que
estava ali — «o publicano» (v. 11). Mas este é o problema: o fariseu reza a
Deus, mas na verdade olha para si mesmo. Ora por si mesmo! Em vez de ter diante
dos olhos o Senhor, tem um espelho. Não obstante esteja no templo, não sente a
necessidade de se prostrar diante da majestade de Deus; está de pé, sente-se
seguro, como se fosse o dono do templo! E enumera as boas obras realizadas: é
irrepreensível, observa a Lei mais do que lhe é devido, jejua «duas vezes por
semana» e paga o «dízimo» de tudo o que possui. Em síntese, mais do que rezar,
o fariseu deleita-se com a sua observância dos preceitos. E no entanto, a sua
atitude e as suas palavras estão longe do modo de agir e de falar de Deus, que
ama todos os homens, sem desprezar os pecadores. Ao contrário, o fariseu
despreza os pecadores, inclusive quando indica o outro ali presente. Em suma, o
fariseu que se sente justo descuida o mandamento mais importante: o amor a Deus
e ao próximo.
Portanto, não
é suficiente perguntarmo-nos quanto oramos, mas devemos
interrogar-nos também como rezamos, melhor, como é o
nosso coração: é importante examiná-lo para avaliar os pensamentos, os
sentimentos, e extirpar a arrogância e a hipocrisia. Mas eu pergunto: é
possível rezar com arrogância? Não! Com hipocrisia? Não! Só devemos orar
pondo-nos diante de Deus tal qual somos. Não como o fariseu, que rezava com
arrogância e hipocrisia. Vivemos todos arrebatados pelo delírio do ritmo
diário, muitas vezes à mercê de sensações, atordoados, confusos. É preciso
aprender a encontrar o caminho do nosso coração, recuperar o valor da
intimidade e do silêncio, pois é ali que Deus nos encontra e nos fala. Só a
partir dali podemos, por nossa vez, encontrar os outros e falar com eles. O
fariseu vai ao templo, sente-se seguro de si mesmo, mas não se dá conta de ter
perdido o caminho do seu coração.
Ao contrário,
o publicano — o outro — vai ao templo com espírito humilde e arrependido:
«Mantendo-se à distância, não ousava sequer levantar os olhos ao céu, mas batia
no peito» (v. 13). A sua prece é muito breve, não longa como a do fariseu: «Ó
Deus, tende piedade de mim, que sou pecador!». Nada mais. Uma linda oração! Com
efeito, os cobradores de impostos — chamados precisamente «publicanos» — eram
considerados pessoas impuras, submetidas aos dominadores estrangeiros, eram
desprezados pelo povo e em geral associados aos «pecadores». A parábola ensina
que a pessoa é justa ou pecadora não pela sua pertença social, mas pelo seu
modo de se relacionar com Deus, pelo seu modo de se comportar com os irmãos. Os
gestos de penitência e as poucas e simples palavras do publicano atestam a
consciência acerca da sua condição miserável. A sua prece é essencial. Age com
humildade, só está seguro de ser um pecador necessitado de piedade. Se o
fariseu nada pedia porque já possuía tudo, o publicano só pode implorar a misericórdia
de Deus. E isto é bonito: suplicar a misericórdia de Deus! Apresentando-se «de
mãos vazias», com o coração despojado e reconhecendo-se pecador, o publicano
mostra-nos a todos a condição necessária para receber o perdão do Senhor. No
final é precisamente ele, tão desprezado, que se torna um ícone do autêntico
crente.
Jesus conclui
a parábola com uma sentença: «Digo-vos: ele — ou seja, o publicano — ao
contrário do outro, voltou para casa justificado. Pois todo o que se exaltar
será humilhado, e quem se humilhar será exaltado» (v. 14). Qual deles é o
corrupto? O fariseu. Ele é precisamente o ícone do corrupto que faz de conta
que reza, mas só consegue pavonear-se diante de um espelho. É um corrupto e
finge que reza. Assim, na vida quem se considera justo e julga o próximo
desprezando-o é um corrupto, um hipócrita. A soberba compromete todas as boas
ações, esvazia a oração, afasta de Deus e do próximo. Se Deus prefere a
humildade não é para nos aviltar: a humildade é sobretudo uma condição
necessária para sermos elevados por Ele, de modo a experimentarmos a
misericórdia que preenche os nossos vazios. Se a prece do soberbo não alcança o
Coração de Deus, a humildade do miserável abre-o de par em par. Deus tem uma
fragilidade: a debilidade pelos humildes. Diante de um coração humilde, Deus
abre totalmente o seu Coração. É esta humildade que a Virgem Maria exprime no
cântico do Magnificat: «Olhou para a humildade da sua serva
[...] A sua misericórdia estende-se, de geração em geração, sobre os que o
temem» (Lc 1, 48.50). Que Ela, nossa Mãe, nos ajude a rezar com um
coração humilde. E nós repitamos três vezes esta linda prece: «Ó Deus, tende
piedade de mim, que sou pecador!».
Papa Francisco
Audiência Geral de 4ªfeira, 1 de junho de 2016
Sem comentários:
Enviar um comentário