quinta-feira, 14 de março de 2024

  QUARESMA PASSO A PASSO

2024 - Ano B

27º Dia – Sexta-feira IV – 15/03/2024

«Vós Me conheceis e sabeis de onde Eu sou! No entanto, Eu não vim por minha própria vontade e é verdadeiro Aquele que Me enviou e que vós não conheceis. Mas Eu conheço-O, porque d’Ele venho e foi Ele que Me enviou».

Evangelho Jo 7, 1-2.10.25-30

Saltámos o capítulo 6 de S. João. Agora Jesus vê-se num terreno de instabilidade. Já não está seguro em lado nenhum. Na Galileia também O recusaram e os discípulos reduziram-se ao grupo dos doze. O ambiente respira morte. Querem dar-Lhe a morte, procuram prendê-l’O, mas ainda não chegou a sua hora. No meio desta instabilidade Jesus continua a afirmar a sua origem divina e a missão recebida do Pai. Continua a confundir os ouvintes que julgam conhecê-l’O, mas desconhecem o essencial. Enquanto todos preparam o desfecho, a paixão, Jesus vai escapando das suas mãos com habilidade.

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“Naquele tempo, Jesus percorria a Galileia, evitando andar pela Judeia, porque os judeus procuravam dar-Lhe a morte. Estava próxima a festa dos Tabernáculos. Quando os seus parentes subiram a Jerusalém, para irem à festa, Ele subiu também, não às claras, mas em segredo. Diziam então algumas pessoas de Jerusalém: «Não é este homem que procuram matar? Vede como fala abertamente e não Lhe dizem nada. Teriam os chefes reconhecido que Ele é o Messias? Mas nós sabemos de onde é este homem, e, quando o Messias vier, ninguém sabe de onde Ele é». Então, em alta voz, Jesus ensinava no templo, dizendo: «Vós Me conheceis e sabeis de onde Eu sou! No entanto, Eu não vim por minha própria vontade e é verdadeiro Aquele que Me enviou e que vós não conheceis. Mas Eu conheço-O, porque d’Ele venho e foi Ele que Me enviou». Procuravam então prender Jesus, mas ninguém Lhe deitou a mão, porque ainda não chegara a sua hora.”

O texto de hoje deixou-me preso a algumas expressões: “Jesus percorria a Galileia”. Senti desejo de ser essa Galileia por onde passam os pés de Jesus e onde se firmam os seus passos como um caminho a seguir. Ele sabe por onde passar e à sua passagem, em mim, tudo se revela. “Em segredo”. Esta passagem de Jesus acontece no segredo, no íntimo, sem ruído, mas com verdade e de modo eficaz. Desejei estar atento para O perceber a chegar em segredo. “Vós Me conheceis e sabeis de onde Eu sou”; “Mas Eu conheço-O”. Creio que Jesus me está a dizer para não ficar apenas no seu conhecimento como alguém que pertence a um lugar, mas para chegar a conhecê-l'O como aquele que pertence a Alguém, ao Pai e desejar entrar na mesma intimidade. “Não chegara a sua hora”, também eu preciso de aguardar a hora em que conhecerei como sou conhecido.

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Pai-Nosso, que estais nos céus, santificado seja o Vosso Nome, venha a nós o Vosso reino, seja feita a Vossa vontade assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Ámen.

A primeira leitura é quase uma crónica  (uma previsão) do que acontecerá com Jesus. É uma crónica antecipada, é uma profecia. Parece uma descrição histórica do que aconteceu depois. O que dizem os ímpios? Armemos ciladas ao justo, pois nos estorva: ele se opõe ao nosso modo de agir, repreende em nós as transgressões da Lei e difama-nos por pecarmos contra a nossa tradição. Tornou-se uma censura para os nossos pensamentos e simplesmente vê-lo já é insuportável. A sua vida é muito diferente da dos outros. Se, de facto, é «filho de Deus», Deus o defenderá e livrará das mãos dos seus inimigos» (Sb 2, 12). Pensemos no que  diziam a Jesus na cruz: «Se és o Filho de Deus, desce; que Ele te venha salvar» (cf. Mt 27, 40). E depois, o plano de ação: pondo-o à prova «com violências e tormentos para conhecer a sua mansidão e testar o seu espírito de resistência, e condenemo-lo a uma morte vergonhosa porque, segundo as suas palavras, será socorrido» (cf. Sb 2, 19). Trata-se de uma profecia, precisamente, do que aconteceu. E os judeus estavam a procurar matá-lo, diz o Evangelho. Então, eles também estavam procurando prendê-lo -  diz-nos o Evangelho – mas «a sua hora ainda não tinha chegad(Jo 7, 30).

Esta profecia é muito detalhada; o plano de ação destas pessoas malvadas é precisamente detalhe sobre detalhe, não poupemos nada, pomo-lo à prova com violências e tormentos, e testemos o espírito de resistência... prendamo-lo com armadilhas [para ver] se cai... Isto não é um simples ódio, não há um plano de ação maléfico - certamente - de uma parte contra outra: isto é outra coisa. Isto chama-se obstinação: quando o diabo que está por trás, sempre, em cada obstinação, procura destruir e não poupa os meios. Pensemos no início do Livro de Job, que é profético a este respeito: Deus está satisfeito com o modo de vida de Job, e o diabo diz-lhe: «Sim, porque ele tem tudo, não tem provações! Põe-no à prova!» (Cf. Job 1, 1-12; 2, 4-6). E no primeiro dia o diabo tira-lhe os bens, depois tira-lhe a saúde, e Job nunca, nunca se afastou de Deus. Mas que faz o diabo: obstinação. Sempre. Por trás de cada obstinação está o diabo, para destruir a obra de Deus. Por detrás de uma discussão ou inimizade, pode ser o diabo, mas de longe, com as tentações normais. Mas quando há obstinação, não duvidemos: há a presença do diabo. E a obstinação é subtil. Pensemos em como o diabo foi feroz não só contra Jesus, mas também nas perseguições contra os cristãos; como procurou os meios mais sofisticados para os levar à apostasia, para os distanciar de Deus. Como dizemos normalmente, isto é diabólico: sim; inteligência diabólica.

Alguns bispos de um dos países que sofreram a ditadura de um regime ateu disseram-me que chegaram a detalhes como este: na segunda-feira depois da Páscoa os professores tiveram que perguntar às crianças: «O que comestes ontem", e as crianças diziam o que almoçaram. E alguns respondiam: «Ovos», e aqueles que diziam «ovos» eram então perseguidos para verificar se eram cristãos, porque naquele país comiam ovos no Domingo de Páscoa. Até a este ponto, para ver, para espiar, onde há um cristão para o matar. Isto é perseguição obstinada e isto é o diabo.

E o que se faz no momento da perseguição? Só duas coisas podem ser feitas: não é possível  discutir com essas pessoas porque elas têm as suas próprias ideias, ideias fixas, ideias que o diabo semeou no [seu] coração. Já ouvimos qual é o plano de ação delas. O que pode ser feito? O que fez Jesus: ficar em silêncio. A nós impressiona-nos, quando lemos no Evangelho que diante de todas estas acusações, antes de todas estas coisas, Jesus ficou em silêncio. Diante do espírito de obstinação, só silêncio, nunca justificação. Nunca. Jesus falou, explicou. Quando entendeu que não havia palavras, silêncio. E em silêncio Jesus viveu a sua Paixão. É o silêncio do justo diante da obstinação. E isto também é válido para - chamemos-lhes assim - as pequenas obstinações diárias, quando um de nós ouve uma tagarelice, contra si, e dizem-se coisas que no final não são verdadeiras... calemo-nos. Silêncio. Suportar e tolerar a dureza da tagarelice. A tagarelice também é um assédio, um assédio social: na sociedade, no bairro, no local de trabalho, mas sempre contra alguém. É uma obstinação. Não tão forte como esta, mas é uma obstinação, destruir o outro porque se vê que perturba, incomoda.

Peçamos ao Senhor a graça de lutar contra o espírito malvado, de discutir quando devemos de discutir; mas diante do espírito de obstinação, tenhamos a coragem de permanecer em silêncio e deixemos que outros falem. O mesmo diante desta pequena obstinação diária que é a tagarelice: deixemos que falem. Em silêncio, diante de Deus.

Papa Francisco

(Homilia  na Casa de Santa Marta, 27 de março de 2020)

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