QUARESMA PASSO A PASSO
2024 - Ano B
30º Dia – Terça-feira V – 19/03/2024
«José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que nela se gerou é fruto do Espírito Santo. (...) Quando despertou do sono, José fez como lhe ordenara o Anjo do Senhor.»
Evangelho Mt 1, 16.18-21.24a
O
texto de Mateus vem na continuação da genealogia que apresenta Jesus como um
membro do seu povo, mas, simultaneamente, mostra-o como aquele que vem de Deus.
Está connosco porque Deus assim o quis e o realizou pelo seu Espírito e não por
qualquer ação dos homens. O Espírito, que tem já uma ação importante na
criação, está presente na vida de Jesus desde o início, dando início a uma nova
criação. Pode ver-se, ainda, como a intervenção de Deus na história dos homens
afeta a humanidade em geral, mas afeta algumas pessoas em particular. O
nascimento de uma criança, filho de uma mãe solteira, vai interferir com a
norma estabelecida entre os homens, mas interfere particularmente na vida de
Maria e de José. Maria vê alterada a sua atitude diante de Deus e diante dos
homens e José vê posta em causa toda a sua arquitetura existencial. Deus,
porém, não abandona o homem à sua sorte, revela-se, mostrando os seus desígnios
de salvação e revelando de que modo cada um pode colaborar com Ele na salvação
do mundo.
“Jacob gerou
José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, chamado Cristo. O nascimento de
Jesus deu-se do seguinte modo: Maria, sua Mãe, noiva de José, antes de terem
vivido em comum, encontrara-se grávida por virtude do Espírito Santo. Mas José, seu esposo, que
era justo e não queria difamá-la, resolveu repudiá-la em segredo. Tinha ele
assim pensado, quando lhe apareceu num sonho o Anjo do Senhor, que lhe disse:
«José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que nela se
gerou é fruto do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e tu pôr-Lhe-ás o nome
de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados». Quando despertou do
sono, José fez como lhe ordenara o Anjo do Senhor.”
A
história de Deus com os homens é uma história de salvação, que começa na
criação e não termina nunca. Em Cristo, com o seu nascimento, muda radicalmente
a forma de o homem se relacionar com Deus e mudam os critérios pelos quais os
homens são chamados a ler a realidade. Em José podemos ver como, mesmo que seja
difícil, é possível mudar a nossa análise, para ver como Deus vê e de que modo
Ele se serve das pessoas concretas para se tornar presente e realizar a
salvação dos homens. Cada um de nós é chamado a ser José, no silêncio do seu
coração, onde podem ser acolhidos todos os que à primeira vista parecem estar
fora da lei dos homens e da lei de Deus. Amados, todos os homens podem
tornar-se lugar de esperança e de vida como Maria.
Nem sempre é
fácil entender o que Deus quer de nós. Poderíamos dizer que a conversão pode
ser entendida como deixar para trás os nossos planos e querer aceitar os planos
de Deus. Nem sempre é fácil dar esse passo, mas é verdade que assumir a vontade
de Deus ajuda-nos a descobrir que n’Ele está o caminho da felicidade.
José
poderia ter condicionado decisivamente a vida de Maria,
provocando situações de morte, mas, num sonho,
ele entende que o caminho é outro, que Deus opta, escolhe sempre a vida. Hoje, o Papa Francisco convida-nos a sonhar com a
vida que nasce de Deus. Ele tem sempre os Seus caminhos de realizar os planos.
in http://jesuitasbrasil.org.br/
Pai-Nosso, que estais nos céus, santificado seja o Vosso Nome, venha a nós o Vosso reino, seja feita a Vossa vontade assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Ámen.
“3. Pai na
obediência
De
forma análoga a quanto fez Deus com Maria, manifestando-Lhe o seu plano de
salvação, também revelou a José os seus desígnios por meio de sonhos, que na
Bíblia, como em todos os povos antigos, eram considerados um dos meios pelos
quais Deus manifesta a sua vontade.[13]
José
sente uma angústia imensa com a gravidez incompreensível de Maria: mas não quer
«difamá-la»,[14] e
decide «deixá-la secretamente» (Mt 1, 19). No primeiro sonho, o
anjo ajuda-o a resolver o seu grave dilema: «Não temas receber Maria, tua
esposa, pois o que Ela concebeu é obra do Espírito Santo. Ela dará à luz um
filho, ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus
pecados» (Mt 1, 20-21). A sua resposta foi imediata: «Despertando
do sono, José fez como lhe ordenou o anjo» (Mt 1, 24). Com a
obediência, superou o seu drama e salvou Maria.
No
segundo sonho, o anjo dá esta ordem a José: «Levanta-te, toma o menino e sua
mãe, foge para o Egito e fica lá até que eu te avise, pois Herodes procurará o
menino para o matar» (Mt 2, 13). José não hesitou em obedecer, sem
se questionar sobre as dificuldades que encontraria: «E ele levantou-se de
noite, tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egito, permanecendo ali até à
morte de Herodes» (Mt 2, 14-15).
No
Egito, com confiança e paciência, José esperou do anjo o aviso prometido para
voltar ao seu país. Logo que o mensageiro divino, num terceiro sonho – depois
de o informar que tinham morrido aqueles que procuravam matar o menino –, lhe
ordena que se levante, tome consigo o menino e sua mãe e regresse à terra de
Israel (cf. Mt 2, 19-20), de novo obedece sem hesitar:
«Levantando-se, ele tomou o menino e sua mãe e voltou para a terra de Israel» (Mt 2,
21).
Durante
a viagem de regresso, porém, «tendo ouvido dizer que Arquelau reinava na
Judeia, em lugar de Herodes, seu pai, teve medo de ir para lá. Então advertido
em sonhos – e é a quarta vez que acontece – retirou-se para a região da
Galileia e foi morar numa cidade chamada Nazaré» (Mt 2, 22-23).
Por
sua vez, o evangelista Lucas refere que José enfrentou a longa e incómoda
viagem de Nazaré a Belém, devido à lei do imperador César Augusto relativa ao
recenseamento, que impunha a cada um registar-se na própria cidade de origem. E
foi precisamente nesta circunstância que nasceu Jesus (cf. 2, 1-7), sendo
inscrito no registo do Império, como todos os outros meninos.
São
Lucas, de modo particular, tem o cuidado de assinalar que os pais de Jesus
observavam todas as prescrições da Lei: os ritos da circuncisão de Jesus, da
purificação de Maria depois do parto, da oferta do primogénito a Deus (cf. 2,
21-24).[15]
Em
todas as circunstâncias da sua vida, José soube pronunciar o seu «fiat»,
como Maria na Anunciação e Jesus no Getsémani.
Na
sua função de chefe de família, José ensinou Jesus a ser submisso aos pais (cf. Lc 2,
51), segundo o mandamento de Deus (cf. Ex 20, 12). Ao longo da
vida oculta em Nazaré, na escola de José, Ele aprendeu a fazer a vontade do
Pai. Tal vontade torna-se o seu alimento diário (cf. Jo 4,
34). Mesmo no momento mais difícil da sua vida, vivido no Getsémani, preferiu
que se cumprisse a vontade do Pai, e não a sua,[16] fazendo-Se
«obediente até à morte (…) de cruz» (Flp 2, 8). Por isso, o autor
da Carta aos Hebreus conclui que Jesus «aprendeu a obediência por aquilo que
sofreu» (5, 8).
Vê-se,
a partir de todas estas vicissitudes, que «José foi chamado por Deus para
servir diretamente a Pessoa e a missão de Jesus, mediante o exercício da sua
paternidade: desse modo, precisamente, ele coopera no grande mistério da
Redenção, quando chega a plenitude dos tempos, e é verdadeiramente ministro da
salvação».[17]
4. Pai
no acolhimento
José
acolhe Maria, sem colocar condições prévias. Confia nas palavras do anjo. «A
nobreza do seu coração fá-lo subordinar à caridade aquilo que aprendera com a
lei; e hoje, neste mundo onde é patente a violência psicológica, verbal e
física contra a mulher, José apresenta-se como figura de homem respeitoso,
delicado que, mesmo não dispondo de todas as informações, se decide pela honra,
dignidade e vida de Maria. E, na sua dúvida sobre o melhor a fazer, Deus
ajudou-o a escolher iluminando o seu discernimento».[18]
Na
nossa vida, muitas vezes sucedem coisas, cujo significado não entendemos. E a
nossa primeira reação, frequentemente, é de desilusão e revolta. Diversamente,
José deixa de lado os seus raciocínios para dar lugar ao que sucede e, por mais
misterioso que possa aparecer a seus olhos, acolhe-o, assume a sua
responsabilidade e reconcilia-se com a própria história. Se não nos
reconciliarmos com a nossa história, não conseguiremos dar nem mais um passo,
porque ficaremos sempre reféns das nossas expetativas e consequentes
desilusões.
A
vida espiritual que José nos mostra, não é um caminho que explica,
mas um caminho que acolhe. Só a partir deste acolhimento, desta
reconciliação, é possível intuir também uma história mais excelsa, um
significado mais profundo. Parecem ecoar as palavras inflamadas de Job, quando,
desafiado pela esposa a rebelar-se contra todo o mal que lhe está a acontecer,
responde: «Se recebemos os bens da mão de Deus, não aceitaremos também os
males?» (Job 2, 10).
José
não é um homem resignado passivamente. O seu protagonismo é corajoso e forte. O
acolhimento é um modo pelo qual se manifesta, na nossa vida, o dom da fortaleza
que nos vem do Espírito Santo. Só o Senhor nos pode dar força para acolher a
vida como ela é, aceitando até mesmo as suas contradições, imprevistos e
desilusões.
A
vinda de Jesus ao nosso meio é um dom do Pai, para que cada um se reconcilie
com a carne da sua história, mesmo quando não a compreende totalmente.
O
que Deus disse ao nosso Santo – «José, Filho de David, não temas…» (Mt 1,
20) –, parece repeti-lo a nós também: «Não tenhais medo!» É necessário deixar
de lado a ira e a desilusão para – movidos não por qualquer resignação mundana,
mas com uma fortaleza cheia de esperança – dar lugar àquilo que não escolhemos
e, todavia, existe. Acolher a vida desta maneira introduz-nos num significado
oculto. A vida de cada um de nós pode recomeçar miraculosamente, se
encontrarmos a coragem de a viver segundo aquilo que nos indica o Evangelho. E
não importa se tudo parece ter tomado já uma direção errada, e se algumas
coisas já são irreversíveis. Deus pode fazer brotar flores no meio das rochas.
E mesmo que o nosso coração nos censure de qualquer coisa, Ele «é maior que o
nosso coração e conhece tudo» (1 Jo 3, 20).
Reaparece
aqui o realismo cristão, que não deita fora nada do que existe. A realidade, na
sua misteriosa persistência e complexidade, é portadora dum sentido da
existência com as suas luzes e sombras. É isto que leva o apóstolo Paulo a
dizer: «Sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus» (Rm 8,
28). E Santo Agostinho acrescenta: tudo, «incluindo aquilo que é chamado mal».[19] Nesta
perspetiva global, a fé dá significado a todos os acontecimentos, sejam eles
felizes ou tristes.
Assim,
longe de nós pensar que crer signifique encontrar fáceis soluções consoladoras.
Antes, pelo contrário, a fé que Cristo nos ensinou é a que vemos em São José,
que não procura atalhos, mas enfrenta de olhos abertos aquilo que lhe acontece,
assumindo pessoalmente a responsabilidade por isso.
O acolhimento de José convida-nos a receber os outros, sem exclusões, tal como são, reservando uma predileção especial pelos mais frágeis, porque Deus escolhe o que é frágil (cf. 1 Cor 1, 27), é «pai dos órfãos e defensor das viúvas» (Sal 68, 6) e manda amar o forasteiro.[20] Posso imaginar ter sido do procedimento de José que Jesus tirou inspiração para a parábola do filho pródigo e do pai misericordioso (cf. Lc 15, 11-32).”
Papa Francisco
In Carta Apostólica "Patris Corde" – 8 de dezembro de 2020
Sem comentários:
Enviar um comentário