QUARESMA PASSO A PASSO
2024 - Ano B
28º Dia – Sábado
IV – 16/03/2024
«Poderá
o Messias vir da Galileia?»;
«Também vos deixastes seduzir? Porventura acreditou n’Ele algum dos chefes ou dos fariseus? Mas essa gente, que não conhece a Lei, está maldita».
Evangelho Jo 7, 40-53
Esta pequena
passagem do evangelho de João coloca diante de nós uma multidão de gente que
vive diante de Jesus sentimentos e interrogações que levam a conclusões
diversas. No meio da multidão alguns reconhecem que ele é um profeta, outros
acreditam que é o Messias e muitos outros duvidam porque de Nazaré não pode vir
coisa boa. Os guardas foram para prender Jesus, mas não se sentiram com
capacidade para prender um homem que fala como ele. Os fariseus não podem
admitir que Jesus seja o Messias e por isso querem prendê-lo. Todos os que se
manifestam a favor de Jesus estão contra os fariseus. Quem se deixa seduzir por
Jesus?
“Naquele tempo, alguns que tinham
ouvido as palavras de Jesus diziam no meio da multidão: «Ele é realmente o
Profeta». Outros afirmavam: «É o Messias». Outros, porém, diziam: «Poderá o
Messias vir da Galileia? Não diz a Escritura que o Messias será da linhagem de
David e virá de Belém, a cidade de David?» Houve assim desacordo entre a
multidão a respeito de Jesus. Alguns deles queriam prendê-l’O, mas ninguém Lhe
deitou as mãos. Então os guardas do templo foram ter com os príncipes dos
sacerdotes e com os fariseus e estes perguntaram-lhes: «Porque não O
trouxestes?». Os guardas responderam: «Nunca ninguém falou como esse homem». Os
fariseus replicaram: «Também vos deixastes seduzir?
Porventura acreditou n’Ele algum dos chefes ou dos fariseus? Mas essa gente,
que não conhece a Lei, está maldita». Disse-lhes Nicodemos, aquele que
anteriormente tinha ido ter com Jesus e era um deles: «Acaso a nossa Lei julga
um homem sem antes o ter ouvido e saber o que ele faz?» Responderam-lhe:
«Também tu és galileu? Investiga e verás que da Galileia nunca saiu nenhum
profeta». E cada um voltou para sua casa.”
Se nos pomos a
escutar as pessoas a falar sobre Jesus, vamos encontrar tantas opiniões e
contradições inimagináveis. Por um lado, Jesus seduz com a sua palavra e com as
suas atitudes coerentes com a palavra. Por outro lado, os legalistas não podem
admitir que quem não cumpra estritamente a lei e esteja do lado dos mais fracos
e dos pecadores, em oposição com os sábios, possa ser o Messias ou mesmo um
profeta. De facto, Jesus só tem lugar na vida daqueles que se deixam seduzir. A
Jesus não se aceita com argumentos, mas com a relação. Ninguém pode ficar
indiferente diante de Jesus, mas reconhecê-lo como Messias exige deixar-se
seduzir pela proximidade, pela abertura do coração, pela relação de amor.
Também tu é dos dele?
Avé-Maria cheia de graça, o Senhor é
convosco, bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso
ventre Jesus. Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora
da nossa morte. Ámen.
«E cada um
voltou para a sua casa» (Jo 7, 53): após a
discussão e tudo o mais, cada um voltou às suas convicções. Há uma rutura no
povo: as pessoas que seguem Jesus escutam-no - não se dão conta do muito tempo
que passam ouvindo-o, porque a Palavra de Jesus entra no coração - e o grupo de
Doutores da Lei que a priori rejeitam Jesus porque não age de
acordo com a lei, de acordo com eles.
São dois
grupos de pessoas. O povo que ama Jesus, que o segue, e o grupo dos
intelectuais da Lei, os chefes de Israel, os líderes do povo. Isto é claro
«quando os guardas foram ter com os chefes dos sacerdotes, os quais lhes
disseram: «Por que não o trouxestes aqui?»; os guardas responderam: «Também
vós vos deixastes enganar? Por acaso algum dos chefes ou
dos fariseus acreditou nele? Mas esta gente
que não conhece a Lei, é maldita!»
(Jo 7,
45-49). Este grupo de doutores da Lei, a elite, sente
desprezo por Jesus. Mas também desprezam o povo, “aquelas pessoas”, que são
ignorantes, que não sabem nada. O povo santo e fiel de Deus acredita em Jesus,
segue-o, e o pequeno grupo de elite, os Doutores da Lei, afasta-se do povo e
não recebe Jesus. Mas como é possível, se eles eram ilustres, inteligentes,
tinham estudado? Contudo eles tinham um grande defeito: tinham perdido a
memória da própria pertença a um povo.
O povo de Deus
segue Jesus... eles não conseguem explicar porquê, mas seguem-no e chegam ao
coração, e não se cansam. Pensemos no dia da multiplicação dos pães: passaram o
dia inteiro com Jesus, a ponto que os apóstolos lhe disseram: «Manda embora o
povo para que possa comprar algo para comer
(cf.
Mc 6, 36). Também os Apóstolos se
distanciaram, não consideraram, não desprezaram, mas não consideraram o povo de
Deus. «Deixa-os ir comer». A resposta de Jesus: «Dai-lhes vós de comer» (cf. Mc 6, 37). Ele insere-os de novo no povo.
Este
afastamento entre a elite dos líderes religiosos e o povo é um drama que vem de
longe. Pensemos também, no Antigo Testamento, na atitude dos filhos de Eli no
templo: eles usavam o povo de Deus; e se alguns deles, que eram um pouco ateus,
viessem para cumprir a Lei, diziam: «Eles são supersticiosos». Desprezo pelo
povo. O desprezo pelo povo «que não é educado como nós que estudamos, que
sabemos...». Em vez disso, o povo de Deus tem uma grande graça: o seu instinto.
A intuição de saber onde está o Espírito. É pecador, como nós: é pecador.
Mas possui a intuição de conhecer os caminhos da salvação.
O problema das
elites, de clérigos de elite como estes, é que tinham perdido a memória da sua
pertença ao Povo de Deus; tornaram-se sofisticados, passaram para outra classe
social, sentem-se dirigentes. (…)
Muitas vezes
penso: são pessoas boas - sacerdotes, religiosas - que não têm coragem de ir e
servir os pobres. Falta alguma coisa. O que faltava aos doutores da Lei.
Perderam a memória, perderam o que Jesus sentia no coração: que faziam parte do
próprio povo. Eles perderam a memória do que Deus disse a David: «Eu escolhi-te
do rebanho». Perderam a memória da própria pertença ao rebanho.
E eles, cada
um, cada um voltou para casa (cf. Jo 7, 53). Um afastamento. Nicodemos, que via - era um
homem inquieto, talvez não tão corajoso, muito diplomático, mas inquieto - foi
então ter com Jesus, mas era fiel com o que podia; procurou mediar e citou a
Lei: «Julga porventura a nossa Lei um homem antes de o ter ouvido e de saber o
que ele faz?» (Jo 7,
51). Responderam-lhe; mas não responderam à pergunta sobre
a Lei: «Dar-se-á o caso de que também tu és da Galileia?
Examina, e verás que da Galileia não se
levanta profeta» (Jo 7, 52). E assim
concluíram a história.
Pensemos
também hoje em tantos homens e mulheres qualificados no serviço de Deus que são
bons e vão servir o povo; tantos sacerdotes que não se afastam do povo.
Anteontem recebi uma fotografia de um padre, um pároco de montanha, de muitas
aldeias pequenas, num lugar onde neva, e na neve levava o ostensório pelas
aldeias a fim de conceder a bênção. Ele não se importava com a neve, não
se importava com a dor que o frio lhe fazia sentir nas mãos em contacto
com o metal do ostensório: ele só se importava com levar Jesus ao povo.
Pensemos, cada
um de nós, de que lado estamos, se estamos no meio, um pouco indecisos, se
estamos com o sentimento do povo de Deus, o povo fiel de Deus que não pode
falhar: eles têm essa infallibilitas in credendo. E pensemos na
elite que se separa do povo de Deus, no clericalismo. E talvez o conselho que
Paulo dá ao seu discípulo, o jovem bispo Timóteo, nos faça bem a todos:
«Lembra-te da tua mãe e da tua avó» (cf. 2 Tm 1, 5). Lembra-te da tua mãe e da tua avó. Se Paulo
aconselhava isto, era porque conhecia bem o perigo a que conduzia este sentido
de elitismo na nossa liderança.
Papa Francisco
(Homilia na Casa de Santa Marta, 28 de março de 2020)
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