sexta-feira, 15 de março de 2024

 QUARESMA PASSO A PASSO

2024 - Ano B 

28º Dia – Sábado IV – 16/03/2024

«Poderá o Messias vir da Galileia?»;

«Também vos deixastes seduzir? Porventura acreditou n’Ele algum dos chefes ou dos fariseus? Mas essa gente, que não conhece a Lei, está maldita».

Evangelho Jo 7, 40-53

Esta pequena passagem do evangelho de João coloca diante de nós uma multidão de gente que vive diante de Jesus sentimentos e interrogações que levam a conclusões diversas. No meio da multidão alguns reconhecem que ele é um profeta, outros acreditam que é o Messias e muitos outros duvidam porque de Nazaré não pode vir coisa boa. Os guardas foram para prender Jesus, mas não se sentiram com capacidade para prender um homem que fala como ele. Os fariseus não podem admitir que Jesus seja o Messias e por isso querem prendê-lo. Todos os que se manifestam a favor de Jesus estão contra os fariseus. Quem se deixa seduzir por Jesus?

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Naquele tempo, alguns que tinham ouvido as palavras de Jesus diziam no meio da multidão: «Ele é realmente o Profeta». Outros afirmavam: «É o Messias». Outros, porém, diziam: «Poderá o Messias vir da Galileia? Não diz a Escritura que o Messias será da linhagem de David e virá de Belém, a cidade de David?» Houve assim desacordo entre a multidão a respeito de Jesus. Alguns deles queriam prendê-l’O, mas ninguém Lhe deitou as mãos. Então os guardas do templo foram ter com os príncipes dos sacerdotes e com os fariseus e estes perguntaram-lhes: «Porque não O trouxestes?». Os guardas responderam: «Nunca ninguém falou como esse homem». Os fariseus replicaram: «Também vos deixastes seduzir? Porventura acreditou n’Ele algum dos chefes ou dos fariseus? Mas essa gente, que não conhece a Lei, está maldita». Disse-lhes Nicodemos, aquele que anteriormente tinha ido ter com Jesus e era um deles: «Acaso a nossa Lei julga um homem sem antes o ter ouvido e saber o que ele faz?» Responderam-lhe: «Também tu és galileu? Investiga e verás que da Galileia nunca saiu nenhum profeta». E cada um voltou para sua casa.”

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Se nos pomos a escutar as pessoas a falar sobre Jesus, vamos encontrar tantas opiniões e contradições inimagináveis. Por um lado, Jesus seduz com a sua palavra e com as suas atitudes coerentes com a palavra. Por outro lado, os legalistas não podem admitir que quem não cumpra estritamente a lei e esteja do lado dos mais fracos e dos pecadores, em oposição com os sábios, possa ser o Messias ou mesmo um profeta. De facto, Jesus só tem lugar na vida daqueles que se deixam seduzir. A Jesus não se aceita com argumentos, mas com a relação. Ninguém pode ficar indiferente diante de Jesus, mas reconhecê-lo como Messias exige deixar-se seduzir pela proximidade, pela abertura do coração, pela relação de amor. Também tu é dos dele?

Avé-Maria cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre Jesus. Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora da nossa morte. Ámen.

«E cada um voltou para a sua casa» (Jo 7, 53): após a discussão e tudo o mais, cada um voltou às suas convicções. Há uma rutura no povo: as pessoas que seguem Jesus escutam-no - não se dão conta do muito tempo que passam ouvindo-o, porque a Palavra de Jesus entra no coração - e o grupo de Doutores da Lei que a priori rejeitam Jesus porque não age de acordo com a lei, de acordo com eles.

São dois grupos de pessoas. O povo que ama Jesus, que o segue, e o grupo dos intelectuais da Lei, os chefes de Israel, os líderes do povo. Isto é claro «quando os guardas foram ter com os chefes dos sacerdotes, os quais lhes disseram: «Por que não o trouxestes aqui?»; os guardas responderam: «Também vós vos deixastes enganar? Por acaso algum dos chefes ou dos fariseus acreditou neleMas esta gente que não conhece a Leié maldita!» (Jo 7, 45-49). Este grupo de doutores da Lei, a elite, sente desprezo por Jesus. Mas também desprezam o povo, “aquelas pessoas”, que são ignorantes, que não sabem nada. O povo santo e fiel de Deus acredita em Jesus, segue-o, e o pequeno grupo de elite, os Doutores da Lei, afasta-se do povo e não recebe Jesus. Mas como é possível, se eles eram ilustres, inteligentes, tinham estudado? Contudo eles tinham um grande defeito: tinham perdido a memória da própria pertença a um povo.

O povo de Deus segue Jesus... eles não conseguem explicar porquê, mas seguem-no e chegam ao coração, e não se cansam. Pensemos no dia da multiplicação dos pães: passaram o dia inteiro com Jesus, a ponto que os apóstolos lhe disseram: «Manda embora o povo para que possa comprar algo para comer (cf. Mc 6, 36). Também os Apóstolos se distanciaram, não consideraram, não desprezaram, mas não consideraram o povo de Deus. «Deixa-os ir  comer». A resposta de Jesus: «Dai-lhes vós de comer» (cf. Mc 6, 37). Ele insere-os de novo no povo.

Este afastamento entre a elite dos líderes religiosos e o povo é um drama que vem de longe. Pensemos também, no Antigo Testamento, na atitude dos filhos de Eli no templo: eles usavam o povo de Deus; e se alguns deles, que eram um pouco ateus, viessem para cumprir a Lei, diziam: «Eles são supersticiosos». Desprezo pelo povo. O desprezo pelo povo «que não é educado como nós que estudamos, que sabemos...». Em vez disso, o povo de Deus tem uma grande graça: o seu instinto. A intuição de saber onde está o Espírito. É pecador, como nós: é  pecador. Mas possui a intuição de conhecer os caminhos da salvação.

O problema das elites, de clérigos de elite como estes, é que tinham perdido a memória da sua pertença ao Povo de Deus; tornaram-se sofisticados, passaram para outra classe social, sentem-se dirigentes. (…)

Muitas vezes penso: são pessoas boas - sacerdotes, religiosas - que não têm coragem de ir e servir os pobres. Falta alguma coisa. O que faltava aos doutores da Lei. Perderam a memória, perderam o que Jesus sentia no coração: que faziam parte do próprio povo. Eles perderam a memória do que Deus disse a David: «Eu escolhi-te do rebanho». Perderam a memória da própria pertença ao rebanho.

E eles, cada um, cada um voltou para casa (cf. Jo 7, 53). Um afastamento. Nicodemos, que via  - era um homem inquieto, talvez não tão corajoso, muito diplomático, mas inquieto - foi então ter com Jesus, mas era fiel com o que podia; procurou mediar e citou a Lei: «Julga porventura a nossa Lei um homem antes de o ter ouvido e de saber o que ele faz?» (Jo 7, 51). Responderam-lhe; mas não responderam à pergunta sobre a Lei: «Dar-se-á o caso de que também tu és da Galileia? Examina, e verás que da Galileia não se levanta profeta» (Jo 7, 52). E assim concluíram a história.

Pensemos também hoje em tantos homens e mulheres qualificados no serviço de Deus que são bons e vão  servir o povo; tantos sacerdotes que não se afastam do povo. Anteontem recebi uma fotografia de um padre, um pároco de montanha, de muitas aldeias pequenas, num lugar onde neva, e na neve levava o ostensório pelas aldeias  a fim de conceder a bênção. Ele não se importava com a neve, não se importava com a  dor que o frio lhe fazia sentir nas mãos em contacto com o metal do ostensório: ele só se importava com  levar Jesus ao povo.

Pensemos, cada um de nós, de que lado estamos, se estamos no meio, um pouco indecisos, se estamos com o sentimento do povo de Deus, o povo fiel de Deus que não pode falhar: eles têm essa infallibilitas in credendo. E pensemos na elite que se separa do povo de Deus, no clericalismo. E talvez o conselho que Paulo dá ao seu discípulo, o jovem bispo Timóteo, nos faça bem a todos: «Lembra-te da tua mãe e da tua avó» (cf. 2 Tm 1, 5). Lembra-te da tua mãe e da tua avó. Se Paulo aconselhava isto, era porque conhecia bem o perigo a que conduzia este sentido de elitismo na nossa liderança.

Papa Francisco

(Homilia na Casa de Santa Marta, 28 de março de 2020)

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