SOLENIDADE DO DOMINGO DE PENTECOSTES - 2023
EVANGELHO Jo 20, 19-23
«A paz esteja convosco»;
«Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor.»;
«Recebei o Espírito Santo»
Com a
celebração de Pentecostes terminamos o tempo Pascal. O grande dia de Páscoa
chegou ao fim e começa o tempo comum, que é o tempo, por excelência, da missão
da Igreja - anunciar a todos os homens a Boa Nova do Reino: Jesus Ressuscitou,
vive em cada batizado, quer viver em quem se disponha a recebê-lo e O deseje de
coração sincero. Enraizados no Espírito de Deus que nos habita, desde o nosso
batismo, testemunhemos, em todos os momentos da nossa vida quotidiana, seja
qual for a situação em que nos encontremos, através de tudo o que fazemos e
somos, o amor infinito de Deus por cada ser por Ele criado.
Na 1ªleitura (Atos 2, 1-11) S.Lucas, que coloca este dia a
acontecer 50 dias após a ressurreição de Jesus, dá-nos conta da transformação
dos apóstolos sob a ação do Espírito Santo e de como, os que os ouviam, os
entendiam, apesar de serem oriundos de países com idiomas diferentes. É caso
para dizer, para o Espírito Santo não há barreiras de qualquer espécie, nem
sequer de idioma. Abramos também nós o coração à ação do Espírito Santo a fim
de que os nossos medos e angústias deem lugar às maravilhas do Senhor, junto
dos que nos são próximos.
“Quando chegou o dia de Pentecostes, os
Apóstolos estavam todos reunidos no mesmo lugar. Subitamente, fez-se ouvir,
vindo do Céu, um rumor semelhante a forte rajada de vento, que encheu toda a
casa onde se encontravam. Viram então aparecer uma espécie de línguas de fogo,
que se iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do
Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes
concedia que se exprimissem. Residiam em Jerusalém judeus piedosos, procedentes
de todas as nações que há debaixo do céu. Ao ouvir aquele ruído, a multidão
reuniu-se e ficou muito admirada, pois cada qual os ouvia falar na sua própria
língua. Atónitos e maravilhados, diziam: «Não são todos galileus os que estão a
falar? Então, como é que os ouve cada um de nós falar na sua própria língua?
Partos, medos, elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia,
do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egipto e das regiões da Líbia,
vizinha de Cirene, colonos de Roma, tanto judeus como prosélitos, cretenses e
árabes, ouvimo-los proclamar nas nossas línguas as maravilhas de Deus».”
Na 2ªleitura (1 Cor 12, 3b-7.12-13) S.Paulo leva-nos a reviver o nosso
batismo e a reencontrar aí, no Espírito Santo que então recebemos, o fundamento
do nosso ser comunidade. Só, pela ação do Espírito Santo em nós, seremos
capazes de ver no outro a imagem de Deus
e de o amar como só Deus ama e assim n’Ele partilharemos, em comunidade, os
dons que o Senhor nos dá.
“Irmãos: Ninguém pode dizer «Jesus é
o Senhor» a não ser pela ação do Espírito Santo. De facto, há diversidade de
dons espirituais, mas o Espírito é o mesmo. Há diversidade de ministérios, mas
o Senhor é o mesmo. Há diversas operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em
todos. Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum. Assim
como o corpo é um só e tem muitos membros e todos os membros, apesar de
numerosos, constituem um só corpo, assim também sucede com Cristo. Na verdade,
todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só
Espírito, para constituirmos um só Corpo. E a todos nos foi dado a beber um
único Espírito.”
No evangelho (Jo
20, 19-23) S.João, que coloca todos os acontecimentos pascais a terem lugar num
mesmo dia,o primeiro da semana, desafia-nos a deixarmo-nos conduzir pelo
Espírito Santo, vivendo numa mesma confiança em Jesus ressuscitado. É pela ação
do Espírito Santo que recebemos a Paz de Jesus e seremos anunciadores do Amor
de Deus por todos os homens em geral e por cada um em particular. Assim nos
deixemos repassar e inundar pelo Espírito Santo.
“Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor. Jesus disse-lhes de novo: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos».”
Enviai Senhor o Vosso Espírito e renovai os nossos corações.
«Há diversidade de dons espirituais, mas o Espírito é o mesmo»: assim
escreve Paulo aos Coríntios. E continua: «Há diversidade de serviços, mas o
Senhor é o mesmo; e há diversos modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza
tudo em todos» (1 Cor 12, 4-6). Diversidade e o
mesmo, diversos e um só: o Apóstolo insiste em juntar duas
palavras que parecem opostas. Quer-nos dizer que este um só que
junta os diversos é o Espírito Santo. E a Igreja nasceu assim:
diversos, unidos pelo Espírito Santo.
Recuemos até aos inícios da Igreja, no dia de Pentecostes, e fixemos os
Apóstolos: entre eles, temos pessoas simples, habituadas a viver do trabalho
das suas mãos, como os pescadores, e está Mateus, certamente dotado de
instrução pois fora cobrador de impostos. Existem origens e contextos sociais
diversos, nomes hebraicos e nomes gregos, temperamentos pacatos e outros
ardorosos, ideias e sensibilidades diferentes. Eram todos diferentes. Jesus não
os mudara, nem os uniformizara, tornando-os modelos em série. Não. Deixara as
suas diversidades; e agora une-os, ungindo-os com o Espírito Santo. A união –
a união deles que eram diversos – vem com a unção. No Pentecostes,
os Apóstolos compreendem a força unificadora do Espírito. Veem-na com os
próprios olhos, ao constatar que todos, apesar de falar línguas diversas, formam
um só povo: o povo de Deus, plasmado pelo Espírito, que tece a unidade com as
nossas diferenças, que dá harmonia porque, no Espírito, há harmonia. Ele é a
harmonia.
Mas voltemos à Igreja de hoje. Podemos interrogar-nos: «O que é que nos
une, em que se baseia a nossa unidade?» Também entre nós existem diversidades,
por exemplo de opinião, preferência, sensibilidade. A tentação, porém, é
defender sempre de espada desembainhada as nossas ideias, considerando-as boas
para todos e pactuando apenas com quem pensa como nós. E esta é uma tentação
ruim, que divide. Mas, esta é uma fé à nossa imagem, não é aquilo que deseja o
Espírito. Nesse caso, poder-se-ia pensar que aquilo que nos une fossem as
próprias coisas em que acreditamos e os próprios comportamentos que adotamos.
Mas não! Há muito mais: o nosso princípio de unidade é o Espírito Santo. E a
primeira coisa que Ele nos lembra é que somos filhos amados de Deus;
nisto, todos iguais e, todavia, somos todos diferentes. O Espírito vem a nós,
com todas as nossas diversidades e misérias, para nos dizer que temos um só e
mesmo Senhor, Jesus, um só e mesmo Pai; por isso, somos irmãos e irmãs.
Partamos daqui! Olhemos a Igreja como faz o Espírito, não como faz o mundo. O
mundo vê-nos de direita e de esquerda, com esta ideologia, com aquela; o
Espírito vê-nos do Pai e de Jesus. O mundo vê conservadores e progressistas; o
Espírito vê filhos de Deus. O olhar do mundo vê estruturas, que se devem tornar
mais eficientes; o olhar espiritual vê irmãos e irmãs implorando misericórdia.
O Espírito ama-nos e conhece o lugar de cada um no todo: para Ele não somos
papelinhos coloridos levados pelo vento, mas ladrilhos insubstituíveis do seu
mosaico.
Tornamos ao dia de Pentecostes e descobrimos a primeira obra da
Igreja: o anúncio. Vemos, porém, que os Apóstolos não preparam uma
estratégia; quando estavam fechados lá, no Cenáculo, não montavam a estratégia,
não; não preparavam um plano pastoral. Teriam podido dividir as pessoas por
grupos segundo os vários povos, falar primeiro aos de perto e depois aos que
eram de longe, tudo bem ordenado... Teriam podido também temporizar um pouco no
anúncio e, entretanto, aprofundar os ensinamentos de Jesus, para evitar
riscos... Mas não! O Espírito não quer que a recordação do Mestre seja cultivada
em grupos fechados, em cenáculos onde tendemos a «fazer o ninho». E esta é uma
doença má que pode vir à Igreja: uma Igreja não comunidade, nem família, nem
mãe, mas ninho. O Espírito abre, relança, impele para além do que já foi dito e
feito, Ele impele para além dos recintos duma fé tímida e cautelosa. No mundo,
sem uma estrutura compacta e uma estratégia calculada é um fracasso. Na Igreja,
ao contrário, o Espírito assegura ao arauto a unidade. E os Apóstolos partem:
sem preparação, lançam-se, saem. Anima-os um único desejo: dar o que
receberam. Como é belo aquele princípio da Primeira Carta de João: aquilo
que nós recebemos e vimos, damo-lo a vós (cf. 1, 3)!
Finalmente chegamos a compreender qual é o segredo da unidade, o segredo do
Espírito. O segredo da unidade da Igreja, o segredo do Espírito é o dom.
Porque Ele é dom, vive doando-Se e, assim, nos mantém unidos, fazendo-nos
participantes do mesmo dom. É importante acreditar que Deus é dom, que não se
comporta tomando, mas dando. E por que é importante? Porque o nosso modo de ser
crentes depende de como entendermos Deus. Se tivermos em mente um Deus que
toma, que Se impõe, desejaremos também nós tomar e impor-nos: ocupar espaços,
reivindicar importância, procurar poder. Mas, se tivermos no coração que Deus é
dom, muda tudo. Se nos dermos conta de que aquilo que somos é dom d’Ele, dom
gratuito e imerecido, então também nós quereremos fazer da própria vida um dom.
E amando humildemente, servindo gratuitamente e com alegria, ofereceremos ao
mundo a verdadeira imagem de Deus. O Espírito, memória viva da Igreja,
lembra-nos que nascemos de um dom e crescemos doando-nos; não poupando-nos, mas
dando-nos.
Queridos irmãos e irmãs, olhemos no íntimo de nós mesmos e perguntemo-nos o
que é que impede de nos darmos. Há – por assim dizer – três inimigos do dom; os
principais são três, sempre deitados à porta do coração: o narcisismo, a
vitimização e o pessimismo. O narcisismo leva a idolatrar-me a
mim mesmo, a comprazer-me apenas com o lucro próprio. O narcisista pensa: «A vida
é boa, se eu ganho com ela». E assim chega a dizer: «Por que deveria eu
doar-me aos outros?» Nesta pandemia, faz um mal imenso o narcisismo, o
debruçar-se apenas sobre as próprias carências, insensível às dos outros, o não
admitir as próprias fragilidades e erros. Mas o segundo inimigo, a vitimização,
também é perigoso. A vítima lamenta-se todos os dias do seu próximo: «Ninguém
me compreende, ninguém me ajuda, ninguém me quer bem, estão todos contra mim!»
Quantas vezes ouvimos estas lamentações! E o seu coração fecha-se, enquanto se
interroga: «Por que não se doam a mim os outros?» No drama que vivemos,
como é má a vitimização! Como é mau pensar que ninguém nos compreende e sente
aquilo que sentimos nós! Isto é o fazer a vítima. Por fim, temos o
pessimismo. Neste caso, a ladainha diária é: «Nada vai bem, a sociedade, a
política, a Igreja...» O pessimista insurge-se contra o mundo, mas fica inerte
e pensa: «Assim para que serve doar-se? É inútil». Agora, no grande
esforço de recomeçar, como é prejudicial o pessimismo, ver tudo negro, repetir
que nada voltará a ser como antes! Pensando assim, aquilo que seguramente não
volta é a esperança. Nestes três – o ídolo narcisista do espelho, o
deus-espelho; o deus-lamentação: «sinto-me alguém nas lamentações»; e o deus-negatividade:
«é tudo negro, é tudo escuro» – encontramo-nos na carestia da esperança e
precisamos de apreciar o dom da vida, o dom que é cada um de nós. Por isso,
necessitamos do Espírito Santo, dom de Deus que nos cura do narcisismo, da
vitimização e do pessimismo; cura do espelho, das lamentações e da escuridão.
Irmãos e irmãs, peçamo-lo: Espírito Santo, memória de Deus, reavivai em nós
a lembrança do dom recebido. Libertai-nos das paralisias do egoísmo e acendei
em nós o desejo de servir, de fazer bem. Porque pior do que esta crise, só o
drama de a desperdiçar fechando-nos em nós mesmos. Vinde, Espírito Santo! Vós
que sois harmonia, tornai-nos construtores de unidade; Vós que sempre Vos
doais, dai-nos a coragem de sair de nós mesmos, de nos amar e ajudar, para nos
tornarmos uma única família. Ámen.
Papa Francisco
(Homilia de Doingo de Pentecostes, 31 de maio de 2020)
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