TEMPO PASCAL - 2023
EVANGELHO Jo 21, 20-25
«É este o discípulo que dá testemunho destes factos.»
Pedro percebe que João tem um lugar importante na relação dos apóstolos com Jesus. Na última ceia, Pedro pede a João para conseguir saber quem é que vai entregar o Mestre, porque sabe que João está mais próximo de Jesus do que ele. João é o “discípulo amado”. Jesus tinha acabado de dar a Pedro o primeiro lugar entre os doze e Pedro não perde tempo para perguntar a Jesus como fica João. Afinal, Jesus diz a Pedro de que modo ele vai morrer e que será de João? João parece ter um privilégio que não diz respeito a Pedro. A missão de Pedro passa por outros assuntos que não a vida e morte de João. Jesus não disse que João não morreria, mas o boato espalhou-se. Jesus pretendia apenas dizer a Pedro para não ir além do que lhe é pedido na missão de apascentar. João e Pedro andam sempre juntos no evangelho de João. Este final do Evangelho mostra precisamente que estando sempre juntos, João é sempre quem em primeiro lugar percebe o coração do mestre. O discípulo que escreve dá testemunho e o seu testemunho é verdadeiro.
Naquele tempo, Pedro, ao voltar-se, viu que o seguia o discípulo predileto de Jesus, aquele que, na Ceia, se tinha reclinado sobre o seu peito e Lhe tinha perguntado: «Senhor, quem é que Te vai entregar?» Ao vê-lo, Pedro disse a Jesus: «Senhor, que será deste?». Jesus respondeu-lhe: «Se Eu quiser que ele fique até que Eu venha, que te importa? Tu, segue-Me». Divulgou-se então entre os irmãos o boato de que aquele discípulo não morreria. Jesus, porém, não disse a Pedro que ele não morreria, mas sim: «Se Eu quiser que ele fique até que Eu venha, que te importa?» É este o discípulo que dá testemunho destes factos e foi quem os escreveu; e nós sabemos que o seu testemunho é verdadeiro. Jesus realizou muitas outras coisas. Se elas fossem escritas uma a uma, penso que nem caberiam no mundo inteiro os livros que era preciso escrever.
Neste final do Evangelho de João percebemos a humanidade dos discípulos junto de Jesus. Jesus chama Pedro ao amor e à missão. Tinha acabado de perguntar “Tu amas-me?” e Pedro tinha acabado de responder “Tu sabes tudo, sabes que te amo”. E já Pedro deixa o humano subir à boca para perguntar “e este?” que tem ocupado sempre um lugar à minha frente? Este também vai morrer? Que lugar reservas para ele? Pedro não quer apenas saber do final de João, mas de como gerir o poder entre os doze. Não morrer, antes de Jesus voltar, seria um privilégio que daria a João, uma importância superior a Pedro. Parece que Pedro não entendeu quando Jesus diz “dar a vida é melhor do que guardá-la, servir é melhor que ser servido”. No final, o autor do evangelho de João explica tudo. Ele, o discípulo amado, sendo o primeiro a perceber o coração de Jesus, não ocupou o lugar de ninguém e Pedro, sendo o primeiro entre os doze, não foi ameaçado no seu poder. O testemunho é o mais importante na vida dos discípulos. Na relação com Jesus ninguém nos passa à frente, ninguém ameaça o nosso lugar, ninguém pode impedir-nos de entrar.
Ensina-me, Senhor, o meu lugar na missão que me confias na tua Igreja e no
mundo. Faz-me compreender que junto de ti não há distâncias, ninguém fica à frente
e ninguém fica atrás, ninguém é preterido nem esquecido, todos são igualmente
importantes e necessários. Coloca-me no caminho do verdadeiro testemunho para
que seja evangelho vivo para todos.
Estimados
irmãos e irmãs, bem-vindos e bom dia!
No nosso percurso de catequeses
sobre a velhice, hoje meditemos sobre o diálogo entre Jesus ressuscitado e
Pedro, na conclusão do Evangelho de João (21, 15-23). É um diálogo comovedor,
do qual transparecem todo o amor de Jesus pelos seus discípulos e também a
sublime humanidade da sua relação com eles, em particular com Pedro: uma
relação terna, mas não insípida, direta, forte, livre, aberta. Uma relação de
homens na verdade. Assim o Evangelho de João, tão espiritual, tão
excelso, fecha-se com um pungente pedido e oferta de amor entre Jesus e Pedro,
que se entrelaça de modo totalmente natural com um debate entre eles. O
Evangelista adverte-nos: ele dá testemunho da verdade dos acontecimentos
(cf. Jo 21, 24). E é neles que se deve procurar a verdade.
Podemos perguntar-nos: somos
capazes de preservar o teor desta relação de Jesus com os discípulos, de acordo
com aquele seu estilo tão aberto, tão franco, tão direto, tão humanamente real?
Como é a nossa relação com Jesus? É como aquela dos apóstolos com Ele? Não
somos, ao contrário, muitas vezes tentados a encerrar o testemunho do Evangelho
no casulo de uma revelação “adocicada”, à qual acrescentar a nossa veneração de
circunstância? Esta atitude, que parece respeito, afasta-nos realmente do
verdadeiro Jesus e torna-se até ocasião para um caminho de fé muito abstrato,
muito autorreferencial, muito mundano, que não é o caminho de Jesus. Jesus é o
Verbo de Deus que se fez homem, e Ele comporta-se como homem, fala como homem,
Deus-homem. Com ternura, amizade, proximidade. Jesus não é como aquela imagem
adocicada dos santinhos, não: Jesus está à mão, está próximo de nós.
Durante o debate de Jesus com
Pedro, encontramos duas passagens que tratam precisamente da velhice e
da duração do tempo: o tempo do testemunho, o tempo da vida. A
primeira passagem é a admoestação de Jesus a Pedro: quando eras jovem, eras
autossuficiente, quando fores velho já não serás tão senhor de ti mesmo e da
tua vida. Dizei-o a mim que devo estar na cadeira de rodas! Mas é assim, a vida
é assim: com a velhice vêm-te todas estas doenças e devemos aceitá-las como
são, não é verdade? Não temos a força dos jovens! E até o teu
testemunho – diz Jesus – será acompanhado por esta
debilidade. Deves ser testemunha de Jesus até na debilidade, na doença e na
morte. Há um texto bonito de Santo Inácio de Loyola que reza: “Assim como na
vida, também na morte devemos dar testemunho como discípulos de Jesus”. O fim
da vida deve ser um fim de vida como discípulos: discípulos de Jesus, pois o
Senhor nos fala sempre segundo a idade que temos. O Evangelista acrescenta o
seu comentário, explicando que Jesus aludia ao testemunho extremo, do martírio
e da morte. Mas podemos compreender de modo mais genérico o sentido desta
admoestação: o teu seguimento deverá aprender a deixar-se
instruir e plasmar pela tua fragilidade, pela tua impotência, pela
tua dependência de outros, até para te vestires, para caminhar. Mas tu, «segue-me» (v.
19). O seguimento de Jesus continua com boa saúde, sem boa saúde, com
autossuficiência, sem autossuficiência física, mas o seguimento de Jesus é
importante: seguir Jesus sempre, a pé, de corrida, lentamente, de cadeira de
rodas, mas segui-lo sempre. A sabedoria do seguimento deve encontrar o caminho
para permanecer na sua profissão de fé – assim responde Pedro: «Senhor, Tu
sabes que te amo» (vv. 15.16.17) – até nas condições limitadas da fraqueza e da
velhice. Gosto de falar com os idosos, fitando os seus olhos: têm olhos
brilhantes, que te falam mais do que palavras, o testemunho de uma vida. E isto
é bonito, devemos conservá-lo até ao fim. Seguir Jesus deste modo, cheios de
vida!
Esta conversa entre Jesus e
Pedro contém um ensinamento precioso para todos os discípulos, para todos nós,
crentes. E também para todos os idosos. Aprender da nossa fragilidade a
expressar a coerência do nosso testemunho de vida nas condições de uma
existência amplamente confiada a outros, em grande parte dependente da iniciativa
de outros. Com a doença, com a velhice, a dependência aumenta e já não somos
autossuficientes como antes; aumenta a dependência dos outros e também ali
amadurece a fé, também ali Jesus está connosco. Também ali brota aquela riqueza
da fé bem vivida durante o percurso da vida.
Mas devemos interrogar-nos mais
uma vez: será que dispomos de uma espiritualidade realmente
capaz de interpretar a fase – já longa e generalizada - deste tempo da nossa
fraqueza confiada a outros, mais do que ao poder da nossa autonomia? Como
permanecer fiéis ao seguimento vivido, ao amor prometido, à justiça procurada
no tempo da nossa capacidade de iniciativa, no tempo da fragilidade, no tempo
da dependência, da despedida, no tempo de se afastar do protagonismo da nossa
vida? Não é fácil afastar-se do ser protagonista, não é fácil!
Sem dúvida, esta nova época é também um tempo de provação. Começando pela tentação - muito humana, indubitavelmente, mas também muito insidiosa - de preservar o nosso protagonismo. E às vezes o protagonista deve diminuir, deve abaixar-se, aceitar que a velhice te abaixe como protagonista. Mas terás outro modo de te exprimires, outra maneira de participar na família, na sociedade, no grupo de amigos. E é a curiosidade que Pedro sente: “E ele?”, diz Pedro, vendo o discípulo amado que os seguia (cf. vv. 20-21). Meter o nariz na vida dos outros. E não: Jesus diz: “Cala-te”. Deve realmente estar no “meu” seguimento? Deve porventura ocupar o “meu” espaço? Será o “meu” sucessor? São perguntas que não são úteis, que não ajudam. Deverá durar mais do que eu e ocupar o meu lugar? E a resposta de Jesus é franca e até rude: «Que te importa? Segue-me!» (v. 22). Como se dissesse: ocupa-te da tua vida, da tua situação atual e não metas o nariz na vida dos outros. Tu, segue-me. Isto sim, é importante: o seguimento de Jesus, seguir Jesus na vida e na morte, na saúde e na doença, na vida quando é próspera com tantos sucessos e também na vida difícil, com muitos momentos negativos de queda. E quando queremos intrometer-nos na vida dos outros, Jesus responde: “Que te importa? Segue-me”. Muito bem! Nós, idosos, não deveríamos ter inveja dos jovens que percorrem o seu caminho, que ocupam o nosso lugar, que duram mais do que nós. A honra da nossa fidelidade ao amor jurado, a fidelidade ao seguimento da fé que acreditamos, até nas condições que nos aproximam mais da despedida da vida, são o nosso título de admiração pelas gerações vindouras e de reconhecimento grato da parte do Senhor. Aprender a despedir-se: esta é a sabedoria dos idosos. Mas despedir-se bem, com o sorriso; aprender a despedir-se na sociedade, a despedir-se com os outros. A vida do ancião é uma despedida lenta, lenta, mas uma despedida jubilosa: vivi a vida, conservei a minha fé. Isto é bonito, quando um idoso pode dizer assim: “Vivi a vida, esta é a minha família; vivi a vida, fui pecador, mas também pratiquei o bem”. E a paz que nasce é a despedida do idoso.
Até o seguimento forçosamente inativo, feito de contemplação emocionada e de escuta arrebatada da palavra do Senhor - como a de Maria, irmã de Lázaro – será a melhor parte da sua vida, da nossa vida de idosos. Que esta parte nunca nos seja tirada, nunca (cf. Lc 10, 42). Olhemos para os idosos, olhemos para eles e ajudemo-los a fim de que possam viver e exprimir a sua sabedoria de vida, que possam dar-nos o que têm de mais bonito e bom. Olhemos para eles, escutemo-los. E nós, idosos, olhemos para os jovens sempre com um sorriso: eles seguirão o caminho, levarão em diante o que semeamos, inclusive o que não semeamos, porque não tivemos a coragem nem a oportunidade: eles levá-lo-ão em frente. Mas sempre esta relação de reciprocidade: um idoso não pode ser feliz sem olhar para os jovens e os jovens não podem ir em frente na vida sem olhar para os idosos. Obrigado!
Papa Francisco
(Audiência Geral, 22 de junho de 2022)
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