TEMPO PASCAL - 2023
Quarta-feira da semana V do Tempo Pascal - dia 32 - 10/05/2023
Evangelho Jo 15, 1-8
«Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós.»;
«Eu sou a videira, vós sois os ramos.»;
«Se alguém permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto, porque sem Mim nada podeis fazer.»
João prende a nossa atenção com a força dos verbos que utiliza nesta passagem. Se repararmos nos verbos utilizados e na repetição de alguns, podemos compreender a força e a vida que ele quer emprestar a este discurso de Jesus. Tudo se passa entre Jesus, o Pai e nós. Jesus é a videira, nós somos os ramos e o Pai é o agricultor. O verbo ser tem aqui um papel importante. A fé tornou-se uma forma de existência. Todos os personagens estão unidos por uma forma de existência muito intensa definida com o verbo permanecer. Fora desta relação não é possível a vida, como fica expresso pelo verbo “cortar”, “apanhar”, “lançar” e “arder” e pela afirmação “sem mim nada podeis fazer”. A vida que brota da relação com o Pai e com Jesus é o fruto desejado e faz de nós discípulos.
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Eu sou a verdadeira vide e meu Pai é o agricultor. Ele corta todo o ramo que está em Mim e não dá fruto e limpa todo aquele que dá fruto, para que dê ainda mais fruto. Vós já estais limpos, por causa da palavra que vos anunciei. Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em Mim. Eu sou a videira, vós sois os ramos. Se alguém permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto, porque sem Mim nada podeis fazer. Se alguém não permanece em Mim, será lançado fora, como o ramo, e secará. Esses ramos, apanham-nos, lançam-nos ao fogo e eles ardem. Se permanecerdes em Mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes e ser-vos-á concedido. A glória de meu Pai é que deis muito fruto. Então vos tornareis meus discípulos».
Viver nesta existência profunda que é relação com o Pai e com Jesus é tudo quanto posso desejar e tudo quanto Jesus põe à minha disposição. É Ele quem me proporciona o acesso à intimidade de Deus e a possibilidade de aí permanecer. A imagem da videira é muito feliz e ajuda-me a compreender a força da ligação necessária com Deus. Mostra-me também a fragilidade dessa relação. Quando olho os ramos novos a dar os primeiros frutos deste ano, percebo como qualquer vento os separa da videira e os faz perder a vida. Assim sou eu na minha relação com Deus. Ele é forte como a videira, mas eu sou frágil como os rebentos novos. Tenho que cuidar para não ser lançado fora.
“Então, vos tornareis meus discípulos”. Quero ser unidade contigo, Senhor, para receber de ti a verdadeira vida. Sinto que é frágil a minha existência e débil a minha opção por ti. Sei que os perigos são muitos e insistem em fazer valer o seu poder sobre mim. Sei também que sem ti nada posso fazer. Faz-me permanecer, Senhor, na união contigo e com o Pai para ser de verdade teu discípulo.
O Senhor volta para “permanecer nele”, e diz-nos: “A vida cristã é
permanecer em mim”. Permanecer. E aqui usa a imagem da videira,
como os ramos permanecem na videira (cf. Jo 15, 1-8). E este
permanecer não é passivo, um adormecer no Senhor: seria talvez um “sono
beatífico”; mas não é assim. Este permanecer é ativo e também
recíproco. Porquê? Porque Ele diz: «Permanecei em mim e Eu em vós» (v. 4). Ele
também permanece em nós, não só nós nele. Trata-se de um permanecer recíproco.
E noutro trecho diz: «Eu e o Pai viremos a ele e habitaremos nele» (Jo 14,
23). É um mistério, mas um mistério de vida, um mistério muito bonito.
Este permanecer recíproco. E também com o exemplo dos ramos: é
verdade, sem a videira os ramos nada podem fazer, pois não recebem a seiva, e
precisam da seiva para crescer e dar fruto. Mas também a árvore, a videira,
precisa dos ramos, porque os frutos não estão ligados à árvore, à videira. É
uma necessidade recíproca, é um permanecer mútuo para dar fruto.
E esta é a vida cristã: é verdade, a vida cristã consiste em cumprir os
mandamentos (cf. Êx 20, 1-11), é isto que se deve fazer. A
vida cristã consiste em percorrer o caminho das bem-aventuranças (cf. Mt 5,
1-13): é assim que se deve fazer. A vida cristã consiste em fazer obras
de misericórdia, como o Senhor nos ensina no Evangelho (cf. Mt 25,
35-36): é assim que se deve fazer. Mas ainda mais: é este permanecer
recíproco. Sem Jesus nada podemos fazer, como os ramos sem a videira. E Ele
- que o Senhor me permita dizê-lo - sem nós parece que nada pode fazer, pois o
fruto é dado pelo ramo, não pela árvore, pela videira. Nesta comunidade, nesta
intimidade de “permanecer” que é fecunda, o Pai e Jesus permanecem em mim e eu
neles.
E qual é – vem-me à mente - a “necessidade” que a videira tem dos ramos? É
dar frutos. Qual é a “necessidade” - digamos assim, com um pouco de audácia -
qual é a “necessidade” que Jesus tem de nós? O testemunho. Quando
no Evangelho diz que somos luz, afirma: «Sede luz, para que os homens “vejam as
vossas boas obras e deem glória ao vosso Pai” (Mt 5, 16)», ou seja,
o testemunho é a necessidade que Jesus tem de nós. Dar testemunho do seu nome,
pois a fé, o Evangelho, cresce pelo testemunho.
Este é um modo misterioso: Jesus glorificado no céu, depois de ter passado
pela Paixão, precisa do nosso testemunho para fazer crescer, para anunciar,
para que a Igreja cresça. E este é o mistério recíproco do “permanecer”. Ele, o
Pai e o Espírito permanecem em nós, e nós permanecemos em Jesus.
Far-nos-á bem pensar e refletir sobre isto: permanecer em Jesus; e Jesus
permanece em nós. Permanecer em Jesus para ter a seiva, a força, a
justificação, a gratuidade, a fecundidade. E Ele permanece em nós para nos dar
a força de [dar] fruto (cf. Jo 5, 15), para nos dar a força do
testemunho com o qual a Igreja cresce.
E interrogo-me: qual é a relação entre Jesus que permanece em mim e eu que
permaneço nele? É uma relação de intimidade, uma relação mística, uma relação
sem palavras. “Mas padre, isto é para os místicos!”. Não, isto é para todos
nós. Com pequenos pensamentos: “Senhor, sei que Tu estás aqui [em mim]: dá-me
força e farei o que Tu me disseres!”. Este diálogo de intimidade com o Senhor.
O Senhor está presente, o Senhor está presente em nós, o Pai está
presente em nós, o Espírito está presente em nós; permanecem em nós. Mas devo
permanecer neles...
Que o Senhor nos ajude a compreender, a sentir esta mística do permanecer,
sobre a qual Jesus insiste tanto, tanto, tanto! Muitas vezes nós, quando
falamos da videira e dos ramos, detemo-nos na figura, na profissão do
agricultor, do Pai: que aquele [o ramo] que dá fruto é cortado, isto é, podado,
e aquele que não o dá é cortado e lançado fora (cf. Jo 15,
1-2). É verdade, faz isto, mas não é tudo, não. Há algo mais. Esta é a ajuda:
as provações, as dificuldades da vida, até as correções que o Senhor nos faz.
Mas não paremos aqui. Entre a videira e os ramos existe este permanecer íntimo.
Os ramos, nós, precisamos da seiva, a videira tem necessidade dos frutos, do
testemunho.
Papa Francisco
(Santa Marta, 13 de maio de 2020)
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