QUARESMA PASSO A PASSO - 2023
SEMANA SANTA
Quarta-feira da Semana Santa – dia 37 – 05/04/2023
Evangelho Mt 26, 14-25
«Aquele que meteu comigo a mão no prato é que vai entregar-Me.»;
«O Filho do homem vai partir, como está escrito acerca d’Ele.»
O texto de Mateus está construído a partir de uma atitude de entrega. Temos em cena aquele que procura todos os meios para entregar Jesus, aqueles a quem ele vai ser entregue e Jesus que se entrega. Judas quer entregar o Mestre, o Mestre quer entregar-se pelos homens e os príncipes dos sacerdotes estão dispostos a pagar para que lhes seja entregue. Há também, na cena, quem recebe Jesus em sua casa para celebrar a Páscoa, os que ficam tristes com as suas palavras, uma sentença antes de se saber quem é o traidor e um traidor que se denuncia.
"Naquele tempo, um dos Doze, chamado Iscariotes, foi ter com os príncipes dos sacerdotes e disse-lhes: «Que estais dispostos a dar-me para vos entregar Jesus?» Eles garantiram-lhe trinta moedas de prata. A partir de então, Judas procurava uma oportunidade para O entregar. No primeiro dia dos Ázimos, os discípulos foram ter com Jesus e perguntaram-Lhe: «Onde queres que façamos os preparativos para comer a Páscoa?» Ele respondeu: «Ide à cidade, a casa de tal pessoa, e dizei-lhe: ‘O Mestre manda dizer: O meu tempo está próximo. É em tua casa que Eu quero celebrar a Páscoa com os meus discípulos’». Os discípulos fizeram como Jesus lhes tinha mandado e prepararam a Páscoa. Ao cair da tarde, sentou-Se à mesa com os Doze. Enquanto comiam, declarou: «Em verdade, em verdade vos digo: Um de vós Me entregará». Profundamente entristecidos, começou cada um a perguntar Lhe: «Serei eu, Senhor?» Jesus respondeu: «Aquele que meteu comigo a mão no prato é que vai entregar-Me. O Filho do homem vai partir, como está escrito acerca d’Ele. Mas ai daquele por quem o Filho do homem vai ser entregue! Melhor seria para esse homem não ter nascido». Judas, que O ia entregar, tomou a palavra e perguntou: «Serei eu, Mestre?» Respondeu Jesus: «Tu o disseste»."
Serei eu? É a pergunta que chega até mim. Serei eu quem está disposto a entregá-l'O? Serei eu quem está disposto a pagar para poder dominá-l'O e calá-l'O para sempre? Serei eu quem deseja abrir as portas de casa para O receber? A resposta a estas perguntas sai da boca de Jesus: “Tu o disseste”. Mas que disse eu? O meu coração fala e diz se eu O entrego, se O quero calar ou se O recebo em minha casa. Olho o meu coração para vigiar sobre ele e não permitir que se corrompa com o poder do mal.
“Melhor seria não ter nascido”. Esta podia ser a Tua sentença sobre mim,
Senhor. Confiado na Tua misericórdia espero ter a possibilidade de Te receber
em minha casa para celebrares comigo a Tua Páscoa. Senta-te comigo à mesa e
mostra-me o Teu coração. Deixa que me ocupe de Ti e que o pão da minha vida se
torne, nas Tuas mãos, o alimento de vida eterna que ofereceste no mistério da
cruz.
A quarta-feira Santa é também chamada “Quarta-feira da traição”, o dia em
que a Igreja enfatiza a traição de Judas. Judas vende o Mestre.
Quando pensamos na venda de pessoas, vem-nos à mente o comércio feito com
os escravos de África para os levar para a América - uma coisa antiga -, depois
o comércio, por exemplo, das jovens yazidis vendidas em Daesh: mas é algo
distante, é uma situação... Ainda hoje as pessoas são vendidas. Todos os dias.
Há Judas que vendem os seus irmãos e irmãs, explorando-os no trabalho, não
pagando o salário justo, não reconhecendo os próprios deveres... Aliás, muitas
vezes eles vendem as coisas mais queridas. Penso que, para se sentir mais
confortável, um homem é capaz de afastar os seus pais e não voltar a vê-los,
colocando-os numa casa de repouso sem os ir visitar... vende. Há um ditado muito
conhecido que, falando de pessoas assim, diz que “este é capaz de vender a
mãe”: e eles vendem-na. Agora estão tranquilos, estão longe: “Ocupai-vos vós
deles...”.
Hoje o comércio humano é como nos primórdios: faz-se. Porquê? Por que:
Jesus disse-o. Ele atribuiu ao dinheiro um senhorio. Jesus disse: «Não podeis
servir a Deus e ao dinheiro» (cf. Lc 16, 13), a dois senhores.
É a única coisa que Jesus coloca no auge e cada um de nós deve escolher: ou
serves a Deus e serás livre na adoração e no serviço; ou serves ao dinheiro e
serás escravo do dinheiro. Esta é a opção; e muitas pessoas querem servir a
Deus e ao dinheiro. E isto não pode ser feito. No final, fingem servir a Deus
para servir o dinheiro. Trata-se de exploradores ocultos que são socialmente
impecáveis, mas debaixo da mesa negociam, até as pessoas: não importa. A
exploração humana consiste na venda do próximo.
Judas foi-se, mas deixou discípulos, que não são seus discípulos, mas do
diabo. Não sabemos como foi a vida de Judas. Um jovem normal, talvez, e até com
inquietações, pois o Senhor o chamou para ser discípulo. Ele nunca conseguiu
ser um discípulo: não tinha boca de discípulo nem coração de discípulo, como
lemos na primeira leitura. Era débil no discipulado, mas Jesus amava-o...
Depois o Evangelho faz-nos compreender que ele gostava de dinheiro: na casa de
Lázaro, quando Maria ungiu os pés de Jesus com aquele perfume caro, ele fez a
reflexão e João sublinhou: «Dizia isso não porque ele se interessasse pelos
pobres, mas porque era ladrão» (cf. Jo 12, 6). O amor ao
dinheiro tinha-o afastado das regras: roubar, e de roubar a trair o passo é breve.
Quem gosta demasiado de dinheiro trai para ter mais, sempre: é uma regra, é um
facto. O jovem Judas, talvez bondoso, com boas intenções, acaba por ser um
traidor ao ponto de ir ao mercado para vender: «Foi ter com os
príncipes dos sacerdotes e disse: “que me quereis dar, eu vo-lo entregarei?”»
(cf. Mt 26, 14). Na minha opinião, este homem estava fora de
si.
Um aspeto que me chama a atenção é que Jesus nunca o chama “traidor”; diz
que será traído, mas não o chama “traidor”. Nunca diz: “Vai-te embora, traidor”.
Nunca! Na verdade chama-lhe “Amigo” e beija-o. O mistério de Judas: … como é o
mistério de Judas? Não sei... o sacerdote Primo Mazzolari explicou-o melhor do
que eu... Sim, conforta-me contemplar aquele capitel de Vézelay: que fim levou
Judas? Não sei. Jesus ameaça vigorosamente, aqui; ele ameaça com veemência: «ai
daquele homem por quem o Filho do homem é traído! Bom seria para esse homem se
não houvera nascido!» (Cf. Mt. 26, 24). Mas isto significa que
Judas está no Inferno? Não sei. Eu olho para o capitel. E ouço a palavra de
Jesus: “Amigo”.
Mas isto faz-nos pensar noutra coisa, que é mais real, mais do que hoje: o
diabo entrou em Judas, foi o diabo que o levou até este ponto. E como terminou
a história? O diabo é um mau pagador, não é um pagador de confiança. Ele
promete tudo, mostra tudo e no final deixa-te sozinho no teu desespero de
enforcado.
O coração de Judas, inquieto, atormentado pela ganância e angustiado pelo
amor a Jesus, - um amor que não conseguiu tornar-se amor, - mortificado com este
nevoeiro, procura os sacerdotes para lhes pedir perdão e salvação. «Que nos
importa? Isso é contigo» (cf. Mt 27, 4): o diabo fala assim e
deixa-nos no desespero.
Pensemos nos muitos Judas institucionalizados neste mundo, que exploram as
pessoas. E pensemos também no pequeno Judas que cada um de nós
tem dentro de si na hora de escolher: entre lealdade ou interesse. Cada um de
nós tem a capacidade de trair, de vender, de escolher pelo próprio interesse.
Cada um de nós tem a possibilidade de se deixar atrair pelo amor ao dinheiro,
aos bens ou pelo bem-estar futuro. “Judas, onde estás?” Mas faço esta
pergunta a cada um de nós: “Tu, Judas, o pequeno Judas dentro
de mim: onde estás?”.
Papa Francisco
(Santa Marta, 8 de abril de 2020)
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