TEMPO PASCAL - 2023
Evangelho Jo 3, 1-8
«Em verdade, em verdade te digo: Quem não nascer de novo não pode ver o reino de Deus»;
«Em verdade, em verdade te digo: Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus.»
O diálogo com Nicodemos está centrado sobre o mistério do batismo. Esta temática é muito própria do tempo Pascal porque é o tempo em que os recém-batizados tomam consciência do mistério realizado por Deus na Vigília Pascal, com a celebração dos sacramentos da iniciação cristã. Nicodemos é um fariseu e, como tal, pertencia ao grupo dos que entendiam que João não tinha poder para batizar. Ao dirigir-se a Jesus é confrontado com a necessidade de nascer de novo para entrar no reino. Nicodemos parece não entender, mas Jesus deixa bem claro que está a falar do Batismo que ele rejeita e deixa ainda claro que este não depende da consideração de cada um. Trata-se de uma ação do Espírito Santo que não se deixa aprisionar.
Havia um fariseu chamado Nicodemos, que era um dos principais entre os judeus. Foi ter com Jesus de noite e disse-Lhe: «Rabi, nós sabemos que vens da parte de Deus como mestre, pois ninguém pode realizar os milagres que Tu fazes se Deus não está com ele». Jesus respondeu-lhe: «Em verdade, em verdade te digo: Quem não nascer de novo não pode ver o reino de Deus». Disse-Lhe Nicodemos: «Como pode um homem nascer, sendo já velho? Pode entrar segunda vez no seio materno e voltar a nascer?» Jesus respondeu: «Em verdade, em verdade te digo: Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus. O que nasceu da carne é carne e o que nasceu do Espírito é espírito. Não te admires por Eu te haver dito que todos devem nascer de novo. O vento sopra onde quer: ouves a sua voz, mas não sabes donde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito».
Quero tantas vezes entender as coisas de Deus à minha maneira e reduzi-las aos meus conceitos. Por isso me perco na pobreza de ideias vazias de conteúdo que acabam por não dizer nada. Jesus propõe-me uma vida interior, uma vida no Espírito. Para esta vida é necessário nascer de novo pela água e pelo Espírito. Acolher o Espírito Santo e deixar-me conduzir por Ele é o segredo para uma vida nova.
“Não te admires”. Tudo o que Tu fazes e o que Tu dizes é admirável e queres que eu não me admire, Senhor. Meus olhos veem e o meu coração sente essa força extraordinária do Teu Espírito em mim. Não posso senão ficar admirado, maravilhado com a vida nova que me ofereces nos teus sacramentos.
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Entre as figuras idosas mais relevantes dos Evangelhos está Nicodemos – um
dos chefes dos judeus – o qual querendo conhecer Jesus, foi secretamente
ter com ele de noite (cf. Jo 3, 1-21). Na conversa de Jesus
com Nicodemos, emerge o coração da revelação de Jesus e da sua missão
redentora, quando diz: «Porque Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu
Filho único, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida
eterna» (v. 16).
Jesus diz a Nicodemos que para “ver o reino de Deus” é preciso “nascer do
alto” (cf. v. 3). Não se trata de nascer de novo, de repetir a nossa vinda ao
mundo, esperando que uma nova reencarnação reabra a nossa possibilidade de uma
vida melhor. Esta repetição não tem qualquer significado. Aliás, esvaziaria a
vida que vivemos de todo o significado, apagando-a como se fosse uma
experiência falhada, um valor caducado, um descarte. Não, não é isto, este
nascer de novo do qual fala Jesus: é outra coisa. Esta vida é preciosa aos
olhos de Deus: ela identifica-nos como criaturas ternamente amadas por Ele. O
“nascimento do alto”, que nos permite “entrar” no reino de Deus, é uma geração
no Espírito, uma passagem através das águas para a terra prometida de uma
criação reconciliada com o amor de Deus. É um renascimento do alto, com a graça
de Deus. Não é um renascer fisicamente outra vez.
Nicodemos interpreta mal este nascimento, e questiona a velhice como
evidência da sua impossibilidade: o ser humano envelhece inevitavelmente, o
sonho da eterna juventude afasta-se definitivamente, o desgaste é o porto de
chegada de qualquer nascimento no tempo. Como se pode imaginar um destino que
tem a forma de nascimento? Nicodemos pensa assim e não encontra o modo de
compreender as palavras de Jesus. O que é este renascimento?
A objeção de Nicodemos é muito instrutiva para nós. Com efeito, podemos
inverter, à luz da palavra de Jesus, a descoberta de uma missão própria da
velhice. De facto, ser idoso não só não é obstáculo ao nascimento do alto do
qual Jesus fala, mas torna-se o momento oportuno para o iluminar, libertando-o
do equívoco de uma esperança perdida. A nossa época e a nossa cultura, que
mostram uma tendência preocupante para considerar o nascimento de um filho como
uma simples questão de produção e reprodução biológica do ser humano, cultivam
então o mito da juventude eterna como a obsessão - desesperada – de uma carne
incorruptível. Por que é a velhice - de muitos modos - desprezada? Porque traz
a prova irrefutável do abandono deste mito, que nos faria regressar ao ventre
da mãe, para sermos eternamente jovens no corpo.
A técnica deixa-se atrair por este mito de todos os modos: à espera de
derrotar a morte, podemos manter o corpo vivo com medicamentos e cosméticos,
que abrandam, escondem, removem a velhice. É claro que o bem-estar é uma coisa,
a alimentação do mito é outra. Não se pode negar, contudo, que a confusão entre
os dois aspetos nos está a causar confusão mental. Confundir o bem-estar com a
alimentação do mito da juventude eterna. Faz-se tanto para recuperar esta
juventude: muitas maquiagens, tantas cirurgias para parecer jovem. Vêm-me à
mente as palavras de uma sábia atriz italiana, Anna Magnani, quando lhe
disseram que deveriam tirar-lhe as rugas, e ela respondeu: “Não, não as
toqueis! Foram necessários tantos anos para as ter: não as toqueis”. É isto: as
rugas são um símbolo da experiência, um símbolo da vida, um símbolo da
maturidade, um símbolo de ter percorrido um caminho. Não as toqueis para vos
tornardes jovens, mas jovens de rosto: o que importa é toda a personalidade, o
que interessa é o coração, e o coração permanece com aquela juventude do vinho
bom, que quanto mais envelhece, melhor é.
A vida em carne mortal é uma lindíssima obra “incompleta”: como certas
obras de arte que precisamente na sua incompletude têm um encanto único. Porque
a vida aqui em baixo é “iniciação”, não conclusão: viemos ao mundo assim mesmo,
como pessoas reais, como pessoas que progridem na idade, mas são reais para
sempre. Mas a vida na carne mortal é um espaço e um tempo demasiado pequeno para
se manter intacta e levar à conclusão a parte mais preciosa da nossa existência
no tempo do mundo. A fé, que acolhe o anúncio evangélico do Reino de Deus ao
qual estamos destinados, tem um extraordinário primeiro efeito, diz Jesus.
Permite-nos “ver” o reino de Deus. Tornamo-nos verdadeiramente capazes de ver
os muitos sinais de aproximação da nossa esperança de cumprimento por aquilo
que, na nossa vida, traz a marca do destino para a eternidade de Deus.
Os sinais são os do amor evangélico, em muitos aspetos iluminados por
Jesus. E se pudermos “vê-los”, podemos também “entrar” no reino, com a passagem
do Espírito através da água que regenera.
A velhice é a condição, concedida a muitos de nós, na qual o milagre deste nascimento do alto pode ser intimamente assimilado e tornado credível para a comunidade humana: não comunica nostalgia do nascimento no tempo, mas amor pelo destino final. Nesta perspetiva, a velhice tem uma beleza única: caminhamos rumo ao Eterno. Ninguém pode voltar a entrar no ventre da mãe, nem sequer no seu substituto tecnológico e consumista. Isto não dá sabedoria, não dá caminho percorrido, isto é artificial. Seria triste, mesmo que fosse possível. O velho caminha para a frente, o idoso caminha em direção ao destino, rumo ao céu de Deus, o idoso caminha com a sua sabedoria vivida durante a existência. A velhice, por conseguinte, é um tempo especial para dissolver o futuro da ilusão tecnocrática de uma sobrevivência biológica e robótica, mas sobretudo porque se abre à ternura do útero criador e gerador de Deus. Aqui, gostaria de sublinhar esta palavra: a ternura dos idosos. Observai como um avô ou avó olha para os netos, como acaricia os netos: aquela ternura, livre de todas as provas humanas, que superou as provações humanas e capaz de oferecer gratuitamente o amor, a proximidade amorosa de uns aos outros. Esta ternura abre a porta para compreender a ternura de Deus. Não nos esqueçamos que o Espírito de Deus é proximidade, compaixão e ternura. Deus é assim, sabe acariciar. E a velhice ajuda-nos a compreender esta dimensão de Deus que é ternura. A velhice é o tempo especial para dissolver o futuro da ilusão tecnocrática, é o tempo da ternura de Deus que cria, cria um caminho para todos nós. Que o Espírito nos conceda a reabertura desta missão espiritual - e cultural - da velhice, que nos reconcilia com o nascimento do alto. Quando pensamos na velhice desta maneira, dizemos depois: por que então a cultura do descarte decide pôr de lado os idosos, considerando-os não úteis? Os idosos são mensageiros do futuro, os velhinhos são mensageiros da ternura, são mensageiros da sabedoria de uma existência vivida. Vamos em frente e olhemos para os idosos.
Papa Francisco
(Audiência Geral, 8 de junho de 2022)
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