TEMPO PASCAL - 2023
EVANGELHO Jo 6, 22-29
«Trabalhai, não tanto pela comida que se perde, mas pelo alimento que dura até à vida eterna e que o Filho do homem vos dará. A Ele é que o Pai, o próprio Deus, marcou com o seu selo»;
«A obra de Deus consiste em acreditar n’Aquele que Ele enviou»
O texto começa por nos mostrar a situação
em que se vai estabelecer o diálogo entre Jesus e o povo. Todos partiram depois
da multiplicação dos pães menos Jesus, mas apesar disso, Ele não está ali.
Procuram-no, mas Jesus depressa lhes faz perceber que não o fazem pela
verdadeira razão: “vós procurais-Me, não porque vistes milagres, mas porque
comestes dos pães e ficastes saciados”. Temos duas realidades, Jesus e o povo,
o alimento que perece e o alimento da vida eterna. É necessário trabalho para
passar de uma realidade para outra: “trabalhai”, diz Jesus. O povo, então,
pergunta «Que devemos nós fazer para praticar as obras de Deus?». Entenderam
que estavam a trabalhar no lado errado e pela razão errada. E, então, Jesus
mostra-lhes que é necessário acreditar n'Ele.
Depois de Jesus ter saciado os cinco mil homens, os seus discípulos viram-n’O a caminhar sobre as águas. No dia seguinte, a multidão que permanecera no outro lado do mar notou que ali só estivera um barco e que Jesus não tinha embarcado com os discípulos; estes tinham partido sozinhos. Entretanto, chegaram outros barcos de Tiberíades, perto do lugar onde eles tinham comido o pão, depois de o Senhor ter dado graças. Quando a multidão viu que nem Jesus nem os seus discípulos estavam ali, subiram todos para os barcos e foram para Cafarnaum, à procura de Jesus. Ao encontrá-l’O no outro lado do mar, disseram-Lhe: «Mestre, quando chegaste aqui?» Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: vós procurais-Me, não porque vistes milagres, mas porque comestes dos pães e ficastes saciados. Trabalhai, não tanto pela comida que se perde, mas pelo alimento que dura até à vida eterna e que o Filho do homem vos dará. A Ele é que o Pai, o próprio Deus, marcou com o seu selo». Disseram-Lhe então: «Que devemos nós fazer para praticar as obras de Deus?» Respondeu-lhes Jesus: «A obra de Deus consiste em acreditar n’Aquele que Ele enviou».
Fico a olhar para o barco vazio à espera de Jesus até me dar conta de que Ele não está ali. Corro à sua procura na busca das soluções terrenas quando Ele me fala de realidades celestes. Procuro uma resposta imediata, mas perecível e Jesus oferece-me uma resposta que exige trabalho, mas dura para sempre. Preciso avaliar melhor a minha forma de procurar Jesus e de estar com Ele. Preciso avaliar melhor as razões da minha esperança.
Que devo fazer, Senhor? Ensina-me a trabalhar pelo alimento que permanece até à
vida eterna. Mostra-me o verdadeiro valor da Tua presença em mim, das Tuas
palavras e dos Teus gestos, para que não me perca em fantasias que passam e não
deixam nada, mas seja capaz de me fixar em Ti, porque és o verdadeiro Pão que
desceu dos céus.
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
A cena inicial do Evangelho na
Liturgia de hoje (cf. Jo 6, 24-35) mostra-nos algumas barcas que se
dirigem para Cafarnaum: a multidão vai à procura de Jesus. Poderíamos pensar
que isto é uma coisa muito boa, mas o Evangelho ensina-nos que não basta
procurar Deus, devemos também perguntar porque O procuramos. De facto, Jesus
diz: «buscais-me, não porque vistes os milagres, mas porque comestes dos pães e
ficastes saciados» (v. 26). Com efeito, as pessoas tinham testemunhado o milagre da
multiplicação dos pães, mas não compreenderam o significado do gesto: pararam
no milagre exterior e no pão material: unicamente, sem ir mais longe, ao
significado disso.
Eis então uma primeira pergunta que
todos podemos fazer a nós mesmos: por que procuramos o Senhor? Por que procuro
o Senhor? Quais são as motivações da minha fé, da nossa fé? Precisamos de
discernir isto, porque entre as muitas tentações que temos na vida, há uma que
poderíamos definir tentação idólatra. É o que nos leva a procurar
Deus para o nosso próprio uso, para resolver problemas, para obter d’Ele o que
não podemos obter por nós mesmos, por interesse. Mas desta forma a fé permanece
superficial e até – se me é permitido dizê-lo – a fé permanece milagreira:
procuramos Deus para nos alimentarmos e depois esquecemo-nos d'Ele quando
estamos satisfeitos. No centro desta fé imatura não há Deus, há as nossas
necessidades. Penso nos nossos interesses, em tantas coisas... É correto
apresentar as nossas necessidades ao coração de Deus, mas o Senhor, que age
muito para além das nossas expetativas, deseja viver connosco, antes de mais,
numa relação de amor. E o verdadeiro amor é abnegado, é gratuito: não amamos
para depois receber um favor em troca! Isto é interesse, e muitas vezes na vida
somos interesseiros.
Uma segunda pergunta pode ajudar-nos,
aquela que a multidão faz a Jesus: «Que devemos fazer para executar as obras de
Deus?» (v. 28).
É como se o povo, provocado por Jesus, dissesse: “Como podemos purificar a
nossa busca de Deus? Como passamos de uma fé mágica, que pensa apenas nas
próprias necessidades, para uma fé que agrade a Deus?”. E Jesus indica o
caminho: responde que a obra de Deus é acolher Aquele que o Pai enviou, ou
seja, acolher a Ele, Jesus. Não significa acrescentar práticas religiosas nem
observar preceitos especiais; mas acolher Jesus, acolhê-lo na vida, viver
uma história de amor com Jesus. Ele purificará a nossa fé.
Sozinhos, não somos capazes. Mas o Senhor deseja uma relação de amor connosco:
antes das coisas que recebemos e fazemos, existe Ele para ser amado. Há uma
relação com Ele que vai para além das lógicas do interesse e do cálculo.
Isto é válido em relação a Deus, mas
também nas nossas relações humanas e sociais: quando procuramos sobretudo a
satisfação das nossas necessidades, corremos o risco de usar pessoas e de
instrumentalizar as situações para as nossas finalidades. Quantas vezes já
ouvimos de uma pessoa: “Mas esta usa as pessoas e depois esquece-as”. Usar as
pessoas para o próprio benefício: é vergonhoso. E uma sociedade que se concentra
nos interesses e não nas pessoas é uma sociedade que não gera vida. O convite
do Evangelho é este: em vez de nos preocuparmos apenas com o pão material que
nos alimenta, aceitemos Jesus como o pão da vida e, a partir da nossa amizade
com ele, aprendamos a amar-nos uns aos outros. Com gratuidade e sem cálculos.
Amor gratuito e sem cálculos, sem usar pessoas, com abnegação, generosidade e
magnanimidade.
Peçamos agora à Santíssima Virgem, Ela
que viveu a mais bela história de amor com Deus, que nos conceda a graça de nos
abrirmos ao encontro com o seu Filho.
Papa Francisco
(Angelus, 1 de agosto de 2021)
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