domingo, 2 de abril de 2023

 QUARESMA PASSO A PASSO - 2023

SEMANA SANTA

Segunda-feira da Semana Santa – dia 35 – 03/04/2023

Evangelho Jo 12, 1-11

«Deixa-a em paz: ela tinha guardado o perfume para o dia da minha sepultura. Pobres, sempre os tereis convosco; mas a Mim, nem sempre Me tereis»

O texto de João está cheio de elementos para a nossa reflexão. Podemos começar por verificar que a cena narrada se situa perto da Páscoa, portanto, antecede imediatamente a morte de Jesus. Passa-se tudo na casa dos irmãos Marta, Maria e Lázaro. Lázaro é reconhecido como aquele que Jesus ressuscitou. Estando à mesa com Jesus, não disse nem uma palavra. Ao contrário do que podíamos esperar, por ele ter sido ressuscitado, o centro das atenções não é ele, mas Jesus. Em vez de ter conseguido a admiração dos chefes, Lázaro, com a ressurreição, conseguiu que pretendessem também matá-lo e ele. Além de Lázaro está Marta que apenas serve à mesa e Maria que enche a casa com o perfume que deita nos pés de Jesus. Finalmente temos Judas. Não podia aceitar aquele exagero de Maria porque aparentemente está preocupado com os pobres. Jesus censura-o e mostra-lhe quanto está errado na sua avaliação.

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"Seis dias antes da Páscoa, Jesus foi a Betânia, onde vivia Lázaro, que Ele tinha ressuscitado dos mortos. Ofereceram-Lhe lá um jantar: Marta andava a servir e Lázaro era um dos que estavam à mesa com Jesus. Então Maria tomou uma libra de perfume de nardo puro, de alto preço, ungiu os pés de Jesus e enxugou-Lhos com os cabelos; e a casa encheu-se com o perfume do bálsamo. Disse então Judas Iscariotes, um dos discípulos, aquele que havia de entregar Jesus: «Porque não se vendeu este perfume por trezentos denários, para dar aos pobres?» Disse isto, não porque se importava com os pobres, mas porque era ladrão e, tendo a bolsa comum, tirava o que nela se lançava. Jesus respondeu-lhe: «Deixa-a em paz: ela tinha guardado o perfume para o dia da minha sepultura. Pobres, sempre os tereis convosco; mas a Mim, nem sempre Me tereis». Soube então grande número de judeus que Jesus Se encontrava ali e vieram, não só por causa de Jesus, mas também para verem Lázaro, que Ele tinha ressuscitado dos mortos. Entretanto, os príncipes dos sacerdotes resolveram matar também Lázaro, porque muitos judeus, por causa dele, se afastavam e acreditavam em Jesus."

Nesta passagem do evangelho, percebo a sorte daqueles a quem Jesus dá a vida como fez com Lázaro. Julgo muitas vezes que Cristo me vem salvar das situações difíceis mais imediatas, mas não. Ele, ao dar-me a vida, mostra-me que o caminho da verdadeira vida passa necessariamente pela morte e morte de cruz. Ninguém que queira seguir Jesus estará livre da morte que os seus inimigos lhe querem infligir. Aconteceu assim também com Lázaro. E receberão a incompreensão pelos seus gestos de amor para com Jesus, como aconteceu com Maria.

Que eu seja capaz de encher toda a casa com o Teu perfume, como Maria, Senhor. Que eu provoque a curiosidade e o interesse por Ti como Lázaro, Senhor. Que eu seja capaz de entender o Teu caminho que sendo vida, passa pela morte de cruz. Que eu seja lugar para que todos vejam a vida a renascer como manifestação do Teu amor.

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O Evangelho termina com uma observação: «Então os príncipes dos sacerdotes tinham deliberado  matar  também a Lázaro, porque muitos judeus, por causa dele, afastavam-se e acreditavam em Jesus» (Jo 12, 10-11). Há dias vimos os excertos da tentação: a sedução inicial, a ilusão, depois cresce - segundo excerto - e o terceiro, cresce e contagia e justifica-se. Mas há outro passo: vai em frente, não pára. Para estes não bastava matar Jesus, mas agora também a Lázaro, porque ele era uma testemunha de vida.

Mas hoje gostaria de refletir sobre uma palavra de Jesus. Seis dias antes da Páscoa - estamos mesmo à porta da Paixão - Maria faz este gesto de contemplação: Marta servia - como no outro excerto - e Maria abre a porta à contemplação. E Judas pensa no dinheiro e nos pobres, mas «não pelo cuidado que tivesse dos pobres, mas porque era ladrão e, como tinha a bolsa, tirava o que nela se metia» (Jo 12, 6). Esta história do administrador infiel é sempre atual, sempre os há, até a um nível elevado: pensemos nalgumas organizações caritativas ou humanitárias que têm tantos empregados, tantos, que têm uma estrutura muito rica de pessoas e que no final chegam aos pobres quarenta por cento, porque sessenta é para pagar o salário de tantas pessoas. É uma forma de tirar dinheiro aos pobres. Mas a resposta é Jesus. E aqui quero parar: «Pobres, sempre os tereis convosco» (Jo 12, 8). Esta é uma verdade: «Pobres, sempre os tereis convosco». Os pobres estão aqui. Há muitos: há os pobres que vemos, mas esta é a mínima parte; o grande número de pobres são aqueles que não vemos: os pobres escondidos. E não os vemos porque entramos na cultura da indiferença que é negacionista e negamos: “Não, não, não são muitos, não se veem; sim, aquele caso...”, diminuindo sempre a realidade dos pobres. Mas há muitos, muitos.

Ou então, se não entrarmos nesta cultura da indiferença, há o hábito de ver os pobres como ornamentos de uma cidade: sim, estão ali, como estátuas; sim, existem, veem-se; sim, aquela velhinha a pedir esmola, aquela outra... Mas como se fosse uma coisa normal. Os pobres fazem parte da ornamentação da cidade. Mas a grande maioria são pobres vítimas das políticas económicas, das políticas financeiras. Algumas estatísticas recentes resumem isto desta forma: há muito dinheiro nas mãos de poucos e muita pobreza em muitos, em tantos. E esta é a pobreza de tantas pessoas que são vítimas da injustiça estrutural da economia mundial. E há pobres que se envergonham de mostrar que não chegam ao fim do mês; tantos pobres da classe média, que secretamente vão à Caritas, pedem e sentem vergonha. Os pobres são muito mais numerosos do que os ricos; muito, muito... E o que Jesus diz é verdade: “Pobres, sempre os tereis convosco”. Mas eu vejo-os? Estou  consciente desta realidade? Especialmente da realidade oculta, aqueles que se envergonham de dizer que não conseguem chegar ao fim do mês.

Recordo que em Buenos Aires me disseram que o edifício de uma fábrica abandonada, vazio há anos, era habitado por cerca de quinze famílias que tinham chegado nos últimos meses. Fui lá. Eram famílias com filhos e cada um tinha usado uma parte da fábrica abandonada para viver. E, olhando para eles, vi que cada família tinha mobília boa, móveis da classe média, televisão, mas foram para lá porque não podiam pagar a renda. Os novos pobres que têm de abandonar a casa porque não podem pagar, foram para lá. É essa injustiça da organização económica ou financeira que os leva a isso. E são tantos, tantos,  encontra-los-emos no juízo. A primeira pergunta que Jesus nos fará será: “Como te comportaste com os pobres? Deste-lhes de comer? Quando estavam na prisão, visitaste-os? No hospital, viste-os? Ajudaste a viúva, os órfãos? Porque  eu estava neles”. E sobre isso seremos julgados. Não seremos julgados pelo luxo ou pelas viagens que fazemos nem pela importância social que temos. Seremos julgados pela nossa relação com os pobres. Mas se eu hoje ignorar os pobres, os puser de lado, considerando que eles não existem, o Senhor irá ignorar-me no Dia do Juízo. Quando Jesus disser: “Pobres, sempre os tereis convosco” significa “Eu estarei sempre convosco nos pobres. Neles estarei presente”. E isto não é ser comunista, isto é o centro do Evangelho: seremos julgados por isto.

Papa Francisco

(Santa Marta, 6 de abril de 2020)

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