QUARESMA PASSO A PASSO - 2025
Sexta-feira II da Quaresma –21/03/2025
Evangelho Mt 21, 33-43.45-46
«A pedra rejeitada pelos construtores tornou-se a pedra angular»;
«Ser-vos-á tirado o reino de Deus e dado a um povo que produza os seus frutos».
No contexto desta parábola Jesus defronta-se com duas instituições do povo de Israel: o templo e as autoridades judaicas, responsáveis por esse templo. A parábola é clara, pois o que conta diante de Deus não são as aparências, nem as boas intenções ou mesmo as palavras, mas é a prática. Deus olha para o que fazemos.
Esta parábola traz todas as características de uma alegoria, pois cada um dos seus elementos tem um determinado significado: Deus é o proprietário, a vinha é Israel, os servos são os profetas, os administradores são os judeus infiéis, os outros vinhateiros são os pagãos, os pecadores, e o filho é Jesus.
in site Ignatiana - Jesuítas Brasil
"Naquele tempo, disse Jesus aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo: «Ouvi outra parábola: Havia um proprietário que plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar e levantou uma torre; depois arrendou-a a uns vinhateiros e partiu para longe. Quando chegou a época das colheitas, mandou os seus servos aos vinhateiros para receber os frutos. Os vinhateiros, porém, lançando mão dos servos, espancaram um, mataram outro e a outro apedrejaram-no. Tornou ele a mandar outros servos, em maior número que os primeiros, e eles trataram-nos do mesmo modo. Por fim mandou-lhes o seu próprio filho, pensando: ‘Irão respeitar o meu filho’. Mas os vinhateiros, ao verem o filho, disseram entre si: ‘Este é o herdeiro; vamos matá-lo e ficaremos com a sua herança’. Agarraram-no, levaram-no para fora da vinha e mataram-no. Quando vier o dono da vinha, que fará àqueles vinhateiros?» Os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo responderam-Lhe: «Mandará matar sem piedade esses malvados e arrendará a vinha a outros vinhateiros que lhe entreguem os frutos a seu tempo». Disse-lhes Jesus: «Nunca lestes na Escritura: ‘A pedra rejeitada pelos construtores tornou-se a pedra angular; tudo isto veio do Senhor e é admirável aos nossos olhos’? Por isso vos digo: Ser-vos-á tirado o reino de Deus e dado a um povo que produza os seus frutos». Ao ouvirem as parábolas de Jesus, os príncipes dos sacerdotes e os fariseus compreenderam que falava deles e queriam prendê-l’O; mas tiveram medo do povo, que O considerava profeta."
Muito forte esta parábola com a atualização que Jesus faz perante o auditório constituído pela multidão e os discípulos, de um lado, e os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo, de outro. A parábola fala da vinha que é a casa de Israel, os chefes do povo bem o sabiam. Esta vinha foi arrendada aos vinhateiros que são as autoridades. Os que governam não são donos, mas arrendatários com a obrigação de entregar os frutos a seu tempo. Estes querem viver como se fossem donos e espancam e matam os servos que o Senhor lhes envia. Por fim matam o filho, o herdeiro, com a convicção de que poderão tornar-se donos. A conclusão de Jesus, porém, é outra e os sacerdotes bem o entenderam.
Perceber que não sou dono, nem do mundo nem da vida, deve levar-me a viver com sentido de responsabilidade. Primeiramente, sei que não sou dono de mim mesmo, pertenço ao Senhor e, portanto, hei de procurar harmonizar a minha vida com a sua vontade. Depois, percebo que não sou dono dos outros e devo respeitá-los na sua vida inviolável e nos seus bens. Não sou dono do mundo e o sentido de responsabilidade deve levar-me a respeitar e cuidar da natureza e a gerir bem todo o património que foi posto à minha disposição, para que todos possam usufruir dele. Finalmente, não sou dono de Deus e devo colocar-me humildemente ao seu serviço, dando-lhe os frutos que Ele espera.
Pai Nosso que estais nos céus, santificado seja o Vosso Nome, venha a nós o Vosso Reino, seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Ámen.
Ambas as leituras são uma profecia da Paixão do Senhor. José vendido como escravo por 20 moedas de prata, entregue aos pagãos. E a parábola de Jesus, que fala clara e simbolicamente do assassinato do Filho. Esta história de “um homem que possuía um terreno, plantou nele uma vinha – o cuidado com o qual a fizera – cercou-a com uma sebe, abriu nela um lugar para a prensa e construiu uma torre – tinha feito isto muito bem. Depois, arrendou-a a vinhateiros e partiu para longe”. Este é o povo de Deus. O Senhor escolheu aquele povo, há a eleição daquele povo. É o povo da eleição. Também há uma promessa: “Ide avante. Vós sois o meu povo”, uma promessa feita a Abraão. E também há uma aliança feita com o povo no Sinai. O povo deve guardar sempre a eleição na memória, que é um povo eleito, a promessa para olhar em frente com esperança e a aliança para viver a fidelidade cada dia.
Mas nesta parábola, acontece que quando chegou o tempo para colher o fruto, esse povo esqueceu-se de que ele não era o proprietário: “Os lavradores pegaram nos servos, bateram num deles, mataram outro, lapidaram o outro. Depois o senhor mandou outros servos, mais numerosos, mas trataram-nos do mesmo modo”. Certamente, Jesus mostra – falando aos doutores da lei – como os doutores da lei trataram os profetas. “Por último, mandou-lhes o próprio filho”, pensando que o respeitariam. “Mas os lavradores, vendo o filho, disseram entre si: ‘Este é o herdeiro. Vamos, matemo-lo e apoderemo-nos da sua herança!”. Roubaram a herança, que era outra. Uma história de infidelidade, de infidelidade à eleição, de infidelidade à promessa, de infidelidade à aliança, que é um dom. A eleição, a promessa e a aliança são um dom de Deus. Infidelidade ao dom de Deus. Não entender que era um dom e tomá-lo como propriedade. Esse povo apropriou-se do dom, tirou esse dom para o transformar em “minha“ propriedade. E o dom, que é riqueza, abertura, bênção, foi encerrado, aprisionado numa doutrina de muitas leis. Foi ideologizado. E assim o dom perdeu a sua natureza de dom, acabou numa ideologia. Sobretudo numa ideologia moralista, repleta de preceitos, inclusive ridícula porque passa para a casuística em tudo. Apropriaram-se do dom.
Este é o grande pecado. É o pecado de esquecer que Deus se fez Ele mesmo dom para nós, que Deus nos ofereceu isto como dom e, esquecendo isto, tornar-nos proprietários. E a promessa já não é promessa, a eleição já não é eleição: “A aliança deve ser interpretada segundo o meu parecer, ideologizado”.
Aí, nessa atitude, talvez eu veja no Evangelho o início do clericalismo, que é uma perversão, que renega sempre a eleição gratuita de Deus, a aliança gratuita de Deus, a promessa de Deus. Esquece a gratuidade da revelação, esquece que Deus se manifestou como dom, se fez dom para nós e nós devemos dá-lo, mostrá-lo aos outros como dom, não como nossa posse. O clericalismo não é uma coisa somente destes dias, a rigidez não é uma coisa destes dias, já havia no tempo de Jesus. E depois Jesus seguirá adiante na explicação das parábolas – esse é o capítulo 21 – seguirá adiante até chegar ao capítulo 23 com a condenação, onde se vê a ira de Deus contra aqueles que tomam o dom para si como propriedade e reduzem a sua riqueza aos caprichos ideológicos da própria mente.
Peçamos ao Senhor a graça de receber o dom como dom e transmiti-lo como dom, não como propriedade, não de modo sectário, rígido, “clericalista”.
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