sábado, 8 de março de 2025

  QUARESMA PASSO A PASSO - 2025       Semana I 

Ano C 

Domingo I - 09/03/2025 

Evangelho Lc 4, 1-13  

«Naquele tempo, Jesus, cheio do Espírito Santo, retirou-Se das margens do Jordão.»;

«Durante quarenta dias, esteve no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado pelo Diabo.»;

«Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem’»;

«Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Ao Senhor teu Deus adorarás, só a Ele prestarás culto’»;

«Jesus respondeu-lhe: «Está mandado: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’».

Estamos no início do percurso quaresmal, em sintonia com toda a Igreja que celebra o Jubileu ordinário, inspirado no tema: “Peregrinos de esperança”.

Na verdade, os caminhos estão dentro de nós. Sem caminhos sentimo-nos perdidos, confusos, sem rumo, sem bússola e sem estrelas para orientar as noites de nossa existência. Mas, é preciso perguntar aos caminhos o porquê das distâncias, porque às vezes estes são tortuosos, cansam e são difíceis de serem percorridos. Eles guardam os segredos dos pés dos caminhantes: o peso da sua tristeza, a leveza da sua alegria ao encontrar a pessoa amada, as descobertas surpreendentes, o encontro com o diferente...

Mais do que ser-de-caminho, o ser humano é ser-caminho: caminho da vida, caminho da verdade, caminho da justiça, caminho do coração, caminho do amor, caminho da ciência, caminho da ética, caminho da solidariedade... Cada pessoa tem a responsabilidade de ser caminho para os outros.

Caminho escancarado à passagem da humanidade peregrina. Caminho acolhedor; caminho aberto e solidário; caminho ecuménico; caminho plural; caminho sedutor.

Esta é a grande esperança que dignifica toda a humanidade.

Tornar-nos “peregrinos” é a experiência de uma grande liberdade pela via do desprendimento (coisas, apegos, poder, riquezas, ideias fixas, posturas fechadas, conservadorismo...) e aí abre-se a possibilidade de um encontro com o Transcendente, com o Deus Peregrino.

Assim, a contemplação da vida de Jesus move-nos em direção à liberdade e manifesta-se como um chamamento a uma vida mais simples, partilhada, apaixonada, natural, livre, transcendente, intensa, comprometida...

Este é o sentido do relato lucano das “tentações de Jesus no deserto”.

Para o povo que peregrina no deserto, é essencial conhecer direções e entender ventos. E para o coração que peregrina no deserto da vida, é essencial conhecer os caminhos do Espírito e os ventos da Graça.

Com a sua austeridade e simplicidade, o deserto não é lugar de experiências fúteis e superficiais.

A profundidade da identidade de uma pessoa é testada e experimentada no deserto.

Quem anda no deserto sente profundamente o que é o “nada”; deserto grita o nosso “nada”, coloca-nos entre a areia e o céu, o nada e o Tudo, o eu e Deus.

A prática do “deserto” é um fator sempre presente em toda a procura séria de Deus.

De Deus viemos. N’Ele somos. N’Ele vivemos. Para Ele caminhamos. Peregrinos espertos em discernir rumos e encruzilhadas. Somos caravana que avança em êxodo contínuo. Vida nómada, provisória.

Peregrinar sem morada permanente. Tenda ambulante, não casa sólida de pedra. Somos pessoas de muitas tendas, de muitos acampamentos. Nada definitivo. O estado de itinerância evangélica é traço característico de Jesus e de todo(a) seu(sua) seguidor(a). O mundo, é a nossa casa sem paredes.

Caminhar em direção a Quem é sempre maior, rumo ao destino prometido.

A tríplice tentação de Jesus no deserto condensa os “impulsos ou dinamismos” mais importantes que o ser humano experimenta e que, quando alimentados, podem afastá-lo do melhor de si: o ter, poder e o prestígio (fama). Nesse sentido, Jesus não vive para os seus interesses, mas em docilidade à Vontade de Deus; Jesus não é um Messias que se impõe pelo poder nem pelo êxito; a única força que o move é a fidelidade ao Pai e à missão.

Para muitos, sempre será tentador utilizar o espaço religioso para alimentar a vaidade, buscar reputação, poder e prestígio. Poucas coisas são mais ridículas no seguimento de Jesus que a ostentação e a busca de honras. Causam danos à comunidade cristã e esvaziam-na da sua verdade.

As tentações que são descritas em Lucas não são propriamente de ordem moral. O relato  está a advertir-nos de que podemos arruinar a nossa vida se nos desviarmos do caminho que Jesus trilhou.

Jesus, nas suas tentações, não cita a Escritura para justificar os seus interesses.

Na primeira tentação, Jesus renuncia a utilizar o nome de Deus para “transformar” as pedras em pães e, assim, saciar a sua fome. Ele não segue esse caminho; não vive na busca do seu próprio interesse; não utiliza o Pai de maneira egoísta. Alimenta-se da Palavra viva de Deus e só “multiplicará” os pães para saciar a fome da multidão.

Na segunda tentação, Jesus renuncia à conquista do “poder e glória”, e não se submete, como todos os poderosos, aos abusos, mentiras e injustiças nas quais se apoia o poder diabólico. Jesus rejeita a tentação do poder porque, para Ele, não há outro meio de salvação e libertação a não ser a solidariedade até a extrema radicalidade.  O Reino de Deus não se impõe, mas oferece-se com amor. Por isso, Jesus só adora o Deus dos pobres, dos fracos e indefesos.

Na terceira tentação, Jesus renuncia cumprir a sua missão recorrendo ao êxito fácil e à ostentação. Não será um Messias triunfalista. Nunca manipula Deus a serviço de sua vanglória. Está entre os seus como aquele que serve.

A contemplação de Jesus no deserto desmascara as atitudes que afogam em nós a possibilidade de viver o seguimento d’Ele com mais intensidade; tal exercício desmascara o nosso modo de viver o cristianismo, acomodado aos critérios do mundo, ou seja: insensibilidade do coração, deixar-nos prender pelas garras do consumismo, concretizado nos “afetos desordenados” ou apegos aos bens, poder, autoimagem, lugares, pessoas, títulos..., que acabam por esvaziar a nossa vida e por nos desviar do essencial. É uma espécie de "embriaguez existencial" na qual a alteridade desaparece, a abertura a Deus se atrofia e a gratidão frente aos bens se esvazia.

Diante das carências existenciais, surge a tentação de buscar compensações, que exigem investimento afetivo, nos tiram do foco e nos fazem cair em estado de letargia e acomodação. Mas, todas essas compensações têm algo em comum: fazem-nos adormecer e, desse modo, abortam a novidade que poderia brotar em nós e atrofiam a esperança, pois prendem-nos ao mais imediato (fixação afetiva).

O caminho da transformação implica reconhecer a importância da vida simples e sóbria. É sábio tomar consciência de que vivemos uma super valorização do desejo de posse. É preciso fazer a experiência de que podemos prescindir da maioria das coisas que nos são oferecidas. O papa Francisco recorda-nos que “a espiritualidade cristã propõe um modo alternativo de entender a qualidade de vida, encorajando um estilo de vida profético e contemplativo, capaz de gerar profunda alegria, sem estar obcecado pelo consumo. É importante adotar um antigo ensinamento, presente em diferentes tradições religiosas e também na Bíblia. Trata-se da convicção de que ‘quanto menos, tanto mais’” (Laudato si’ n. 222).

“Fazer estrada com Jesus” não nega as nossas necessidades e desejos naturais, mas reordena as nossas prioridades e recorda-nos, constantemente, que Ele está a chamar-nos e a atrair-nos para um modo alternativo de viver, mais humano e mais leve.

in Ignatiana, Pe. Adroaldo Palaoro SJ

Na 1ª leitura (Deut 26, 4-10) é-nos feito, por Moisés, o desafio de colocarmos tudo na mãos de Deus, a começar pelos primeiros frutos.  Ao reconhecermos como o Senhor tem estado sempre connosco, ao refletirmos sobre a forma como Ele tem conduzido a história da nossa vida, só podemos prostrarmo-nos e adorá-l’O como o Verdadeiro, o Único Senhor, O que nos ama infinitamente. Louvado sejas Senhor, hoje, sempre e por toda a eternidade. 

Moisés falou ao povo, dizendo: «O sacerdote receberá da tua mão as primícias dos frutos da terra e colocá-las-á diante do altar do Senhor teu Deus. E diante do Senhor teu Deus, dirás as seguintes palavras: ‘Meu pai era um arameu errante, que desceu ao Egipto com poucas pessoas, e aí viveu como estrangeiro até se tornar uma nação grande, forte e numerosa. Mas os egípcios maltrataram-nos, oprimiram-nos e sujeitaram-nos a dura escravidão. Então invocámos o Senhor Deus dos nossos pais e o Senhor ouviu a nossa voz, viu a nossa miséria, o nosso sofrimento e a opressão que nos dominava. O Senhor fez-nos sair do Egipto com mão poderosa e braço estendido, espalhando um grande terror e realizando sinais e prodígios. Conduziu-nos a este lugar e deu-nos esta terra, uma terra onde corre leite e mel. E agora venho trazer-Vos as primícias dos frutos da terra que me destes, Senhor’. Então colocarás diante do Senhor teu Deus as primícias dos frutos da terra e te prostrarás diante do Senhor teu Deus».”

 

Na 2ªleitura (Rom 10, 8-13)  S. Paulo ajuda-nos a iniciar este caminho quaresmal ao centrar-nos no essencial da nossa fé: crer em Jesus Cristo, o filho de Deus humanado, que ressuscitou dos mortos. Deixemos que Jesus nos conduza durante este tempo favorável de graça, de conversão e arrependimento, até à noite das noites, em que celebraremos a vitória de Jesus sobre a morte, a Sua ressurreição. 

“Irmãos: Que diz a Escritura? «A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração». Esta é a palavra da fé que nós pregamos. Se confessares com a tua boca que Jesus é o Senhor e se acreditares no teu coração que Deus O ressuscitou dos mortos, serás salvo. Pois com o coração se acredita para obter a justiça e com a boca se professa a fé para alcançar a salvação. Na verdade, a Escritura diz: «Todo aquele que acreditar no Senhor não será confundido». Não há diferença entre judeu e grego: todos têm o mesmo Senhor, rico para com todos os que O invocam. Portanto, todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.”

No Evangelho (Lc 4, 1-13) damo-nos conta de que Jesus, sendo Deus, mas simultaneamente também homem, se retirou para o deserto, para  orar e aí Se encontrar e permanecer em maior intimidade com o Pai. É neste contexto que escutamos a forma como Jesus é tentado pelo Diabo e lhe resiste. 

“Naquele tempo, Jesus, cheio do Espírito Santo, retirou-Se das margens do Jordão. Durante quarenta dias, esteve no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado pelo Diabo. Nesses dias não comeu nada e, passado esse tempo, sentiu fome. O Diabo disse-lhe: «Se és Filho de Deus, manda a esta pedra que se transforme em pão». Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem’». O Diabo levou-O a um lugar alto e mostrou-Lhe num instante todos os reinos da terra e disse-Lhe: «Eu Te darei todo este poder e a glória destes reinos, porque me foram confiados e os dou a quem eu quiser. Se Te prostrares diante de mim, tudo será teu». Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Ao Senhor teu Deus adorarás, só a Ele prestarás culto’». Então o Diabo levou-O a Jerusalém, colocou-O sobre o pináculo do templo e disse-Lhe: «Se és Filho de Deus, atira-Te daqui abaixo, porque está escrito: ‘Ele dará ordens aos seus Anjos a teu respeito, para que Te guardem’; e ainda: ‘Na palma das mãos te levarão, para que não tropeces em alguma pedra’». Jesus respondeu-lhe: «Está mandado: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’». Então o Diabo, tendo terminado toda a espécie de tentação, retirou-se da presença de Jesus, até certo tempo.” 

Jesus, filho de David, tem compaixão de mim que sou pecadora.

Amados irmãos e irmãs, bom dia!

Quarta-feira passada, com o rito penitencial das cinzas, começámos o percurso da Quaresma. Hoje, primeiro domingo deste tempo litúrgico, a Palavra de Deus indica-nos o caminho para viver frutuosamente os quarenta dias que precedem a celebração anual da Páscoa. É o caminho percorrido por Jesus, que o Evangelho, no estilo essencial de Marcos, resume dizendo que antes de começar a sua pregação, ele se retirou durante quarenta dias no deserto, onde foi tentado por Satanás (cf. 1, 12-15). O Evangelista enfatiza que «o Espírito impeliu Jesus para o deserto» (v. 12). O Espírito Santo desceu sobre ele imediatamente após o batismo recebido de João no rio Jordão, o mesmo Espírito impele-o agora a ir para o deserto, para enfrentar o Tentador, para lutar contra o diabo. Toda a existência de Jesus é colocada sob o signo do Espírito de Deus, que o anima, inspira e guia.

Mas pensemos no deserto. Reflitamos um momento sobre este ambiente, natural e simbólico, tão importante na Bíblia. O deserto é o lugar onde Deus fala ao coração do homem, e onde brota a resposta da oração, ou seja, o deserto da solidão, o coração desapegado de outras coisas e sozinho, nesta solidão, abre-se à Palavra de Deus. Mas é também o lugar da provação e da tentação, onde o Tentador, aproveitando a fragilidade e as necessidades humanas, insinua a sua voz mentirosa, alternativa à de Deus, uma voz alternativa que mostra outro caminho, um caminho de engano. O Tentador seduz. Na verdade, durante os quarenta dias vividos por Jesus no deserto, começa o “duelo” entre Jesus e o diabo, que terminará com a Paixão e a Cruz. Todo o ministério de Cristo é uma luta contra o Maligno nas suas numerosas manifestações: curas de doenças, exorcismos sobre os possuídos, perdão dos pecados. Após a primeira fase em que Jesus demonstra que fala e age com o poder de Deus, parece que o diabo tem a vantagem, quando o Filho de Deus é rejeitado, abandonado e por fim capturado e condenado à morte. Parece que o diabo é o vitorioso. Na realidade, foi precisamente a morte o último “deserto” a atravessar para derrotar definitivamente Satanás e libertar-nos a todos do seu poder. E assim Jesus venceu no deserto da morte para vencer na Ressurreição.

Todos os anos, no início da Quaresma, este Evangelho das tentações de Jesus no deserto recorda-nos que a vida do cristão, nas pegadas do Senhor, é uma batalha contra o espírito do mal. Mostra-nos que Jesus enfrentou voluntariamente o Tentador e o venceu; e ao mesmo tempo recorda-nos que ao diabo é concedida a possibilidade de agir também sobre as tentações. Devemos estar conscientes da presença deste inimigo astuto, interessado na nossa condenação eterna, no nosso fracasso, e preparar-nos para nos defendermos dele e combatê-lo. A graça de Deus assegura-nos, através da fé, oração e penitência, a vitória sobre o inimigo. Mas gostaria de salientar uma coisa: nas tentações Jesus nunca dialoga com o diabo, nunca. Na sua vida, Jesus nunca teve um diálogo com o diabo, nunca. Ou o afasta dos possuídos ou o condena ou mostra a sua malícia, mas nunca dialoga com ele. E no deserto parece haver um diálogo porque o diabo lhe faz três propostas e Jesus responde. Mas Jesus não responde com as suas palavras; responde com a Palavra de Deus, com três passagens da Escritura. E é isto que também todos nós devemos fazer. Quando o sedutor se aproxima, começa a seduzir-nos: “Mas pensa isto, faz aquilo...” A tentação é entrar em diálogo com ele, como fez Eva; e se entrarmos em diálogo com o diabo, seremos derrotados. Colocai isto na cabeça e no coração: nunca dialogar com o diabo, não há diálogo possível. Apenas a Palavra de Deus.

No tempo da Quaresma, o Espírito Santo também nos exorta, como Jesus, a entrar no deserto. Não se trata - como já vimos - de um lugar físico, mas de uma dimensão existencial na qual permanecer em silêncio, escutar a palavra de Deus, «para que a verdadeira conversão se realize em nós» (Oração da coleta do 1º Domingo da Quaresma B). Não tenhamos medo do deserto, procuremos mais momentos de oração, de silêncio, para entrarmos em nós mesmos. Não receemos. Somos chamados a caminhar pelas veredas de Deus, renovando as promessas do nosso batismo: renunciar a Satanás, a todas as suas obras e a todas as suas seduções. O inimigo está ali à espreita; estai atentos. Nunca dialogueis com ele. Confiamo-nos à intercessão materna da Virgem Maria.

Papa Francisco 
(Angelus, 21 de fevereiro de 2021)

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