terça-feira, 4 de março de 2025

QUARESMA PASSO A PASSO - 2025

Ano C

Quarta-feira de Cinzas - 05/03/2025

Evangelho: Mt 6, 1-6.16-18

«Tende cuidado em não praticar as vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles.»

«... como fazem os hipócritas»

«...e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa»

Na Missa deste dia benzem-se e impõem-se as cinzas, feitas dos ramos de oliveira (ou de outras árvores), benzidos no Domingo de Ramos do ano anterior. A bênção e a imposição das Cinzas são uma prática penitencial muito antiga. Nos primeiros séculos da igreja, os cristãos, que haviam prejudicado a comunidade cristã com escândalos públicos, expiavam-nos, durante a Quaresma. No começo desse tempo litúr­gico, recebiam as cinzas sobre as suas cabeças, em sinal de humildade, e, a seguir eram acompanhados à porta da igreja. Até Quinta-feira Santa, não participavam nas assembleias da comu­nidade, mas permaneciam no átrio, em sinal de penitência. (...)

A Igreja, através da cerimónia simbólica da impo­sição das cinzas, quer que reconheçamos a nossa condição de pecadores e nos disponhamos a aceitar, com humildade, a morte temporal, como consequência do pecado. Quer, igualmente, que nos comprometamos a lutar contra o pecado, durante a Quaresma, confiados na ilimitada misericórdia de Deus, que não «deseja a morte do pecador».

* * *

Com o apelo à conversão, expresso na cerimónia da imposição das cinzas, a Igreja dirige-nos também um convite ao jejum. Renunciando a uma parte importante do seu alimento, o cristão manifesta a sua disponibilidade em seguir o Senhor e em amá-l’O acima de todas as coisas materiais e exprime a sua solidariedade com tantos homens privados de alimento, de meios económicos, de bens culturais e de possibilidades de progresso. Tempo de conversão, a preparação para a Páscoa deve transfor­mar-se em «Quaresma de fraternidade».

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Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Tende cuidado em não praticar as vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles. Aliás, não tereis nenhuma recompensa do vosso Pai que está nos Céus. Assim, quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. Quando deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita, para que a tua esmola fique em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa. Quando rezardes, não sejais como os hipócritas, porque eles gostam de orar de pé, nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando rezares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa. Quando jejuardes, não tomeis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto, para mostrarem aos homens que jejuam. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que os homens não percebam que jejuas, mas apenas o teu Pai, que está presente em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa».

A palavra do Evangelho é particularmente intensa e elucidativa dos pontos essenciais a que precisamos de prestar maior atenção. Jesus começa por dizer “Tende cuidado”. Esta chamada de atenção vai desenvolver-se depois em três tempos, todos com duas palavras incisivas, “não sejais como os hipócritas” e “teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa”. (...)

Sinto-me em zona de perigo. Preciso de ter muito cuidado. O sinal, a palavra de Jesus, está a chamar-me a atenção e preciso de levá-lo a sério. A oração, a esmola e o jejum são elementos onde se expõe toda a minha vida e não momentos pontuais. No fundo, está em causa a sinceridade com que realizo todas as coisas. Mas também devo prestar atenção ao conteúdo destas três ações. Como vivo a oração? Com que intensidade? Durante quanto tempo? Em que ambiente interior e exterior faço diariamente a minha oração? Dou esmola? Com que intenção? Motivado por que sentimentos? Dou o que posso ou o que o outro precisa? Que jejum faço? Apenas o jejum dos alimentos ou também o jejum de tudo o que está a envenenar a minha vida, a minha consciência, o meu coração e a minha inteligência?

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Pai Nosso que estais nos céus, santificado seja o Vosso Nome, venha a nós o Vosso Reino, seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Ámen.

HOMILIA DO PAPA FRANCISCO

Basílica de Santa Sabina
 Quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Quando deres esmola, quando rezares, quando jejuares, procura fazê-lo em segredo: o teu Pai, de facto, vê no segredo (cf. Mt 6, 4). Entra no segredo: este é o convite que Jesus dirige a cada um de nós no início do caminho da Quaresma.

Entrar no segredo significa voltar ao coração, como adverte o profeta Joel (cf. Jl 2, 12). Trata-se dum percurso de fora para dentro, a fim de que todo o nosso viver, incluindo a nossa relação com Deus, não se reduza a exterioridade, a uma moldura sem quadro, a mero revestimento da alma, mas brote de dentro e corresponda aos movimentos do coração, isto é, aos nossos desejos, aos nossos pensamentos, ao nosso sentir, ao núcleo fontal da nossa pessoa.

Deste modo a Quaresma mergulha-nos num banho de purificação e despojamento: ajuda-nos a retirar toda a «maquilhagem», tudo aquilo de que nos revestimos para brilhar, para aparecer melhores do que somos. Voltar ao coração significa tornar ao nosso verdadeiro eu e apresentá-lo nu e sem disfarces, como é diante de Deus. Significa olhar dentro de nós mesmos e tomar consciência daquilo que somos realmente, tirando as máscaras que muitas vezes utilizamos, diminuindo a corrida do nosso frenesim, abraçando a vida e a verdade de nós mesmos. A vida não é um teatro, e a Quaresma convida-nos a descer do palco do fingimento e regressar ao coração, à verdade daquilo que somos. Regressar ao coração, regressar à verdade.

Por isso nesta tarde recebemos, com espírito de oração e humildade, as cinzas na cabeça. Trata-se dum gesto que visa reconduzir-nos à realidade essencial de nós mesmos: somos pó, a nossa vida é como um sopro (cf. Sal 39, 6; 144, 4), mas o Senhor – Ele, e só Ele! Não outros… – não deixa que ela desapareça; recolhe e plasma o pó que somos, para que não acabe disperso pelos ventos impetuosos da vida nem se dissolva no abismo da morte.

As cinzas postas sobre a nossa cabeça convidam-nos a redescobrir o segredo da vida. Dizem-nos: enquanto continuares a usar uma armadura que cobre o coração, enquanto te disfarçares com a máscara das aparências, a exibir uma luz artificial para te mostrares invencível, permanecerás árido e vazio. Pelo contrário, quando tiveres a coragem de inclinar a cabeça para te olhares intimamente, então poderás descobrir a presença dum Deus que te ama, e te ama desde sempre; finalmente despedaçar-se-ão as couraças de que te revestiste e poderás sentir-te amado com amor eterno.

Irmã, irmão, eu, tu, cada um de nós, todos somos amados com amor eterno. Não passamos de cinza sobre a qual Deus insuflou o seu sopro de vida, somos terra que Ele plasmou com as suas mãos (cf. Gn 2, 7; Sal 119, 73), somos pó do qual ressurgiremos para uma vida sem fim, desde sempre preparada para nós (cf. Is 26, 19). E se arder, sob as cinzas que somos, o fogo do amor de Deus, descobriremos que somos empastados deste amor e chamados ao amor: amar os irmãos que nos rodeiam, estar atento aos outros, viver a compaixão, usar de misericórdia, partilhar aquilo que somos e temos com quem passa necessidade. Por isso, a esmola, a oração e o jejum não se podem reduzir a práticas exteriores, mas são caminhos que nos levam de volta ao coração, ao essencial da vida cristã. Fazem-nos descobrir que somos cinza amada por Deus e tornam-nos capazes de difundir o mesmo amor sobre as «cinzas» de tantas situações quotidianas para que nelas renasçam esperança, confiança, alegria.

Santo Anselmo de Aosta deixou-nos a seguinte exortação, que podemos fazer nossa nesta tarde: «Escapa por um pouco das tuas ocupações, deixa por um pouco os teus pensamentos tumultuosos. Neste momento, afasta as preocupações graves e deixa de lado as tuas canseiras. Presta um pouco de atenção a Deus e descansa n’Ele. Entra no íntimo da tua alma, exclui tudo à exceção de Deus e daquilo que te ajuda a procurá-Lo e, fechada a porta, procura-O. Ó meu coração, agora com toda a tua força, diz a Deus: Procuro o vosso rosto. O vosso rosto, Senhor, eu procuro» (Proslógion, 1).

Nesta Quaresma, escutemos a voz do Senhor que não Se cansa de nos repetir: entra no segredo. Entra no segredo, volta ao coração. É um convite salutar, para nós que muitas vezes vivemos à superfície, que nos agitamos para ser notados, que sempre temos necessidade de ser admirados e apreciados. Sem nos dar conta, já não temos um lugar secreto onde parar e nos protegermos, imersos num mundo onde tudo, incluindo as mais íntimas emoções e sentimentos, se deve tornar «social». Mas como pode ser social aquilo que não brota do coração? Mesmo as experiências mais trágicas e dolorosas correm o risco de não ter um lugar secreto que as guarde: tudo deve ser manifestado, ostentado, dado em pasto à coscuvilhice da hora. Por isso nos diz o Senhor: entra no segredo, volta ao centro de ti mesmo. Aí onde se abrigam também tantos medos, sentimentos de culpa e pecados, precisamente aí desceu o Senhor; desceu para te curar e purificar. Entremos no nosso quarto interior: aí habita o Senhor, é acolhida a nossa fragilidade e somos amados sem condições.

Voltemos, irmãos e irmãs! Voltemos para Deus com todo o coração. Nestas semanas de Quaresma, demos espaço à oração feita de adoração silenciosa, na qual permaneçamos na presença do Senhor à escuta como Moisés, Elias, Maria, como Jesus. Já nos demos conta de ter perdido o sentido da adoração? Voltemos à adoração. Inclinemos o ouvido do coração Àquele que, no silêncio, nos quer dizer: «Eu sou o teu Deus, Deus de misericórdia e compaixão, o Deus do perdão e do amor, o Deus da ternura e da solicitude. (…) Não te julgues a ti mesmo. Não te condenes. Não sintas aversão de ti. Deixa que o meu amor toque os recônditos mais profundos e escondidos do teu coração e te revele a tua própria beleza; uma beleza que perdeste de vista, mas que se te vai tornar novamente visível na luz da minha misericórdia». O Senhor chama-nos: «Vem, vem! Permite-Me enxugar as tuas lágrimas, deixa que a minha boca se aproxime mais do teu ouvido e te diga: Eu te amo, te amo, te amo» (H. Nouwen, A caminho da aurora, Brescia 1997, 233). Cremos nós que o Senhor nos ama, que o Senhor me ama?

Irmãos e irmãos, não tenhamos medo de nos despojar dos revestimentos mundanos e voltar ao coração, regressar ao essencial. Pensemos em São Francisco que, uma vez despido, abraçou com todo o seu ser o Pai que está nos céus. Reconheçamo-nos pelo que somos: pó amado por Deus, chamado a ser pó apaixonado por Deus. Graças a Ele, renasceremos das cinzas do pecado para a vida nova em Jesus Cristo e no Espírito Santo.

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