QUARESMA PASSO A PASSO - 2025
Terça-feira IV da Quaresma – dia 24 – 01/04/2025
Evangelho
Jo 5, 1-3a.5-16
«Disse-lhe Jesus: "Levanta-te, toma a tua enxerga e anda"»;
«No mesmo instante o homem ficou são, tomou a sua enxerga e começou a caminhar.»
Estamos
perante uma situação nova. Normalmente Jesus atua em favor de alguém porque
outros lho pedem, Maria em Caná, o funcionário real que escutámos ontem, pede
pelo filho, os discípulos ou o próprio que precisa de ser curado. No texto de
hoje é o próprio Jesus que vai ao encontro do homem e lhe pergunta: “queres ser
curado?”. É interessante que Jesus atravesse os cinco pórticos e passe pelo
meio de todos os doentes que ali se amontoavam e vá dirigir-se precisamente a
este homem. Este homem estava ali há trinta e oito anos. Quer dizer, o tempo
para além do qual ou começa a vida ou surge a morte. Era o limite. Para este
homem surgiu Jesus, que é a vida. Para ele era já mais tempo de morte do que de
vida, por isso, nem pede ajuda. Perante a pergunta de Jesus o homem nem
consegue dar a resposta certa. Bastava dizer “Quero”, mas ao fim de tantos anos
a sua esperança está fechada na possibilidade de entrar na água. Para ele a
possibilidade de ficar curado não pode vir senão da água.
"Naquele tempo, por ocasião de uma festa dos judeus, Jesus subiu a
Jerusalém. Existe em Jerusalém, junto à porta das ovelhas, uma piscina,
chamada, em hebraico, Betsatá, que tem cinco pórticos. Ali jazia um grande
número de enfermos, cegos, coxos e paralíticos. Estava ali também um homem,
enfermo havia trinta e oito anos. Ao vê-lo deitado e sabendo que estava assim
há muito tempo, Jesus perguntou-lhe: «Queres ser curado?» O enfermo
respondeu-Lhe: «Senhor, não tenho ninguém que me introduza na piscina, quando a
água é agitada; enquanto eu vou, outro desce antes de mim». Disse-lhe Jesus:
«Levanta-te, toma a tua enxerga e anda». No mesmo instante o homem ficou são,
tomou a sua enxerga e começou a caminhar. Ora aquele dia era Sábado. Diziam os
judeus àquele que tinha sido curado: «Hoje é Sábado: não podes levar a tua
enxerga». Mas ele respondeu-lhes: «Aquele que me curou disse-me: ‘Toma a tua
enxerga e anda’». Perguntaram-lhe então: «Quem é que te disse: ‘Toma a tua
enxerga e anda’». Mas o homem que tinha sido curado não sabia quem era, porque
Jesus tinha-Se afastado da multidão que estava naquele local. Mais tarde, Jesus
encontrou-o no templo e disse-lhe: «Agora estás são. Não voltes a pecar, para
que não te suceda coisa pior». O homem foi então dizer aos judeus que era Jesus
quem o tinha curado. Desde então os judeus começaram a perseguir Jesus, por
fazer isto num dia de Sábado."
A liturgia de hoje faz-nos
refletir sobre a água, a água como símbolo de salvação, porque é um meio de
salvação, mas a água é também um instrumento de destruição: pensemos no
dilúvio... Mas nestas leituras, a água é para a salvação.
Na primeira leitura fala-se da
água que traz a vida, que saneia as águas do mar, uma água nova que cura. E no
Evangelho fala-se da piscina, daquela piscina repleta de água à qual os doentes
iam para ser curados, porque se dizia que de vez em quando as águas se moviam,
como se fosse um rio, porque um anjo descia do céu e as movia, e o primeiro, ou
os primeiros, que se lançavam na água ficavam curados. E ali havia muitos
doentes: “Um grande número de enfermos, cegos, coxos, paralíticos” ficavam ali,
à espera da cura, do movimento da água.
Encontrava-se também um homem
que estava doente há 38 anos. Há 38 anos ali, à espera da cura! Isto faz
pensar, não é verdade? É demasiado... porque quem quer ser curado organiza-se
para ter alguém que o ajude, faz algo, é um pouco ágil, inclusive um pouco
astuto... mas ele, há 38 anos ali, a ponto que não se sabe se está doente ou
morto... Vendo-o deitado, e conhecendo a realidade, que há muito tempo estava
ali, Jesus diz-lhe: “Queres ficar curado?”. E a resposta é interessante: não
diz que sim, lamenta-se. Da doença? Não. O doente responde: “Senhor, não tenho
ninguém que me leve à piscina, quando a água é agitada. Quando estou para
chegar – estou prestes a tomar a decisão de ir – outro desce antes de mim”. Um
homem que chega sempre atrasado. Jesus diz-lhe: “Levanta-te, toma o teu leito e
anda”. No mesmo instante, aquele homem ficou curado.
A atitude deste homem leva-nos
a pensar. Estava doente? Sim, talvez, tinha alguma paralisia, mas parece que
podia caminhar um pouco. Mas estava doente no coração, na alma, estava doente
de pessimismo, de tristeza, de preguiça. Eis a doença daquele homem: “Sim,
quero viver, mas...”, estava ali. A sua resposta não é: “Sim, quero ser
curado!”. Não, é lamentar-se: “São os outros que chegam primeiro, sempre os
outros”. A resposta à oferta de cura de Jesus é uma lamentação contra os
outros. E assim, 38 anos a lamentar-se dos outros. E sem nada fazer para ser
curado.
Era sábado: ouvimos o que os
doutores da Lei fizeram. Mas a chave é o encontro com Jesus, mais tarde.
Encontrou-o no templo e disse-lhe: “Eis que estás curado. Não voltes a pecar,
para que não te aconteça algo pior”. Aquele homem vivia no pecado, mas não
porque tinha feito algo grave, não. O pecado de sobreviver e de se lamentar da
vida dos outros: o pecado da tristeza, que é a semente do diabo, da
incapacidade de tomar uma decisão sobre a própria vida, mas de olhar para a
vida dos outros a fim de se lamentar. Não para os criticar: para se queixar.
“Eles chegam antes, eu sou a vítima desta vida”: queixas, estas pessoas
respiram lamentações.
Se fizermos uma comparação com
o cego de nascença, que ouvimos domingo passado: com quanta alegria, com quanta
decisão reagiu à sua cura, e também com quanta determinação foi discutir com os
doutores da Lei! Este [paralítico] somente foi ali e informou: “Sim, é ele”,
Ponto. Sem compromisso com a vida... Faz-me pensar em muitos de nós, em muitos
cristãos que vivem esta condição de preguiça, de incapacidade de fazer algo,
lamentando-se de tudo. E a preguiça é um veneno, uma neblina que circunda a
alma e não a deixa viver. E é também uma droga, porque se a experimentares com
frequência, gostarás dela. E assim acabas por te tornares “dependente da
tristeza”, “dependente da preguiça”... É como o ar. E este é um pecado bastante
comum entre nós: a tristeza, a preguiça, não digo a melancolia, mas
assemelha-se.
E far-nos-á bem reler o
capítulo 5 de João, para ver como é a doença em que podemos cair. A água é para
nos salvar. “Mas não posso salvar-me” – “Por que motivo?” – “Porque a culpa é
dos outros”. E permaneço 38 anos ali... Jesus curou-me: não se vê a reação dos
outros que são curados, que tomam o leito e dançam, cantam, agradecem e contam
a todos. Não, ele vai em diante assim. Os outros dizem-lhe que não se deve
fazer isto, mas ele diz: “Aquele que me curou disse-me que sim”, e vai adiante.
E depois, em vez de ir ao encontro de Jesus e de lhe agradecer, informa: “Foi
Ele”. Uma vida cinzenta, cinzenta com aquele mau espírito que é a preguiça, a
tristeza, a melancolia.
Pensemos na água, a água que é
símbolo da nossa força, da nossa vida, a água que Jesus usou para nos
regenerar, o Batismo. E pensemos também em nós, se alguém de nós corre o perigo
de escorregar nesta preguiça, neste pecado “neutral”: o pecado do neutro é
este, nem branco nem preto, não se sabe o que é. E este é um pecado que o diabo
pode usar para aniquilar a nossa vida espiritual e também a nossa vida como
pessoas. Que o Senhor nos ajude a entender quão terrível e mau é este pecado.
Quero, Senhor! Tu sabes que quero ficar curado. Tu sabes que há já muitos anos que a minha vida é como uma paralisia que não me deixa avançar ao teu encontro. Tu sabes que tudo me serve de desculpa para não me levantar da minha miséria e estender para ti as mãos suplicantes. Quero, Senhor, não passes sem pronunciar a tua palavra libertadora.