Ano B - 2023
Advento passo a passo -3
15º dia - Domingo - 17/12/2022
Jo 1, 6-8.19-28
«Eu sou a voz do que clama no deserto: ‘Endireitai o caminho do Senhor’»
A liturgia deste domingo é, toda ela, um convite a exultarmos na alegria, o que exteriormente até é visível na mudança, neste dia, ainda de advento, da cor dos paramentos, que passa de roxa para rosa. Tudo se encaminha, canta e alegra, numa preparação mais cuidada, profunda e alargada, para uma das nossas festas principais. Jesus, que já está connosco, também se associa, no coração de cada um de nós, a esta alegria expectante e paciente de poder celebrar, muito em breve, a maravilha das maravilhas do Amor de Deus, por cada ser vivente. Deixemo-nos cativar por este Amor sem fim, que é o nosso Deus.
Na 1ªleitura (Is 61, 1-2a.10-11) Isaías anuncia a chegada daquele que, animado pelo
Espírito do Senhor, pode libertar o seu povo de todas as opressões. Este
anúncio realiza-se em Jesus que assumiu na sinagoga de Nazaré este programa
como missão para toda a sua vida. A chegada do Messias é razão de alegria para
todos, também para nós hoje.
“O espírito
do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu e me enviou a anunciar a boa
nova aos pobres, a curar os corações atribulados, a proclamar a redenção aos
cativos e a liberdade aos prisioneiros, a promulgar o ano da graça do Senhor.
Exulto de alegria no Senhor, a minha alma rejubila no meu Deus, que me revestiu
com as vestes da salvação e me envolveu num manto de justiça, como noivo que
cinge a fronte com o diadema e a noiva que se adorna com as suas jóias. Como a
terra faz brotar os germes e o jardim germinar as sementes, assim o Senhor Deus
fará brotar a justiça e o louvor diante de todas as nações.”
Na 2ª leitura (1 Tes 5,
16-24) S.Paulo propõe aos tessalonicenses e também a cada um de nós,hoje, que procuremos
fazer a vontade de Deus, vivendo centrados em Cristo, na alegria, na oração e
na ação de graças, acolhendo os dons do Espírito e as suas manifestações na
comunidade cristã.
“Irmãos:
Vivei sempre alegres, orai sem cessar, dai graças em todas as circunstâncias,
pois é esta a vontade de Deus a vosso respeito em Cristo Jesus. Não apagueis o
Espírito, não desprezeis os dons proféticos; mas avaliai tudo, conservando o
que for bom. Afastai-vos de toda a espécie de mal. O Deus da paz vos santifique
totalmente, para que todo o vosso ser – espírito, alma e corpo – se conserve
irrepreensível para a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo. É fiel Aquele que vos
chama e cumprirá as suas promessas.”
O evangelho (Jo 1,
6-8.19-28)
apresenta um
diálogo entre João Batista e os enviados dos judeus para esclarecer,
relativamente a João, tudo o que diz respeito à luz. Ele não é a luz, a luz é
outro. Ele apenas dá testemunho da luz. João é simplesmente a voz d'Aquele que
ainda não conhecem. Esse sim, é a luz. Não pode confundir-se a luz com aquele
que dá testemunho da luz, porque a luz é anterior, é maior, está acima,
relativamente àquele que dela dá testemunho.
“Apareceu um
homem enviado por Deus, chamado João. Veio como testemunha, para dar testemunho
da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele. Ele não era a luz, mas
veio para dar testemunho da luz. Foi este o testemunho de João, quando os
judeus lhe enviaram, de Jerusalém, sacerdotes e levitas, para lhe perguntarem:
«Quem és tu?». Ele confessou a verdade e não negou; ele confessou: «Eu não sou
o Messias». Eles perguntaram-lhe: «Então, quem és tu? És Elias?». «Não sou»,
respondeu ele. «És o Profeta?». Ele respondeu: «Não». Disseram-lhe então: «Quem
és tu? Para podermos dar uma resposta àqueles que nos enviaram, que dizes de ti
mesmo?». Ele declarou: «Eu sou a voz do que clama no deserto: ‘Endireitai o
caminho do Senhor’, como disse o profeta Isaías». Entre os enviados havia
fariseus que lhe perguntaram: «Então, porque batizas, se não és o Messias, nem
Elias, nem o Profeta?». João respondeu-lhes: «Eu batizo na água, mas no meio de
vós está Alguém que não conheceis: Aquele que vem depois de mim, a quem eu não
sou digno de desatar a correia das sandálias». Tudo isto se passou em Betânia,
além do Jordão, onde João estava a batizar.
Bendito e louvado sejas
hoje e sempre, pelos séculos sem fim, meu Senhor e meu Deus.
À escuta do Evangelho: Um Deus próximo e desconhecido
João
Batista fala aos sacerdotes e aos levitas de Alguém que eles não conhecem. E
acrescenta, com muita humildade, que ele próprio não é digno de desatar as
correias das sandálias deste misterioso desconhecido… Sim, Deus está
misteriosamente presente no meio dos homens. «No meio de vós está quem vós
não conheceis». O Senhor está muito próximo, mas continua muito
desconhecido. Mais tarde, o próprio João Batista será surpreendido pelo
Filho de Deus. Enviar-Lhe-á discípulos para Lhe perguntarem: «És tu Aquele
que há de vir ou devemos esperar outro?» (Mt 11,3)
Infelizmente,
a melhor forma de não reconhecer a presença de Deus e de não O deixar agir nas
nossas vidas é reduzi-l’O aos nossos pobres esquemas mentais, ao nosso limitado
saber. Como é que Ele se pode dar a conhecer mais? Ele sempre se nos escapa: é
sempre mais amável, mais belo, mais misericordioso do que podemos imaginar.
Estaremos preparados para nos deixarmos surpreender pela superabundância do dom
de Deus? Infelizmente, não aconteceu com aqueles homens que foram ter com João
Batista a Betânia, na outra margem do Jordão. Chegaram lá e fizeram-lhe muitas
perguntas sobre a sua missão de enviado por Deus, mas não perderam tempo a
escutar as respostas. Passaram ao lado desta novidade e desta esperança que
poderia ter nascido nos seus corações e mudado as suas vidas. Afinal, o
percursor anunciou-lhes a vinda tão esperada d’Aquele que vem «anunciar a
Boa Nova aos pobres». (Mt 11,2-11)
Estamos preparados para imprimir na nossa vida uma mudança
inesperada e radiosa?
Na
relação com Jesus, há sempre uma surpresa à nossa espera.
No
início do Evangelho de São João – onde se relata este diálogo entre João
Batista e os enviados dos fariseus – somos convidados à confiança e ao
deslumbramento. Ponhamos, pois, a nossa confiança nos textos bíblicos, no que
nos dizem de Deus e de nós próprios. Tenhamos confiança n’Aquele que não veio
julgar a humanidade, mas salvá-la (Jo 3,17). Tudo o que o homem possa conceber
sobre o amor de Deus ficará sempre aquém da realidade. Sempre. Daí o
deslumbramento que, mais tarde ou mais cedo, surpreende e se expande na alma,
dilatando o nosso horizonte espiritual.
Na escola de Teresa
dos Andes:
«Jesus Cristo, este
Louco de amor, enlouqueceu-me»
Santa
Teresa dos Andes foi, por sua vez, surpreendida pela volta que deu a sua vida!
Ela sabia que «Deus é amor» (1Jo 4,16), tal como a Bíblia O revela, e
experimentava cada vez mais esse amor. Ao seu irmão Lucho, que suavemente a
censurava por não parar de falar de Deus, ao ponto de pensar que ela chegava a
ser pouco razoável, ela respondeu com seriedade: «Que queres que eu faça, se
Jesus Cristo, este louco de amor, me fez enlouquecer?» (CT 107). Sim,
quanto mais uma pessoa experimenta o amor de Deus, mais se extasia com a
grandeza desse amor que não julga, mas perdoa tudo. Continua Santa Teresa: «penso
que é impossível não nos tornarmos loucos de amor por Jesus (…) Que pouco é o
amor que eu Lhe tenho, em comparação com o Amor que Ele tem por mim! Como não
enlouquecer de amor por Ele?» (Diário §40)
Mas
a sua maior surpresa terá sido descobrir uma verdade que é muito pouco evocada:
Deus é alegria. Aproximando-se o fim da sua vida na terra, Santa Teresa dos
Andes afirma que «Deus é alegria infinita» (Carta 101). Não se
limita a escrever simplesmente que «há alegria em Deus», ou então que «Deus dá
alegria», mas vai mais longe, afirmando: «Deus é alegria infinita». É
uma afirmação que não se encontra na Bíblia, embora aí possamos encontrar
numerosas passagens sobre a alegria de Deus pelo Seu povo. Por exemplo, em
Isaías 62,5: «Assim como um jovem se casa com uma jovem, também te desposa
Aquele que te reconstrói. Assim como a esposa é a alegria do seu marido, assim
tu serás a alegria do teu Deus». Também encontramos passagens a respeito da
alegria que Jesus dá aos seus discípulos: «Manifestei-vos estas coisas, para
que esteja em vós a minha alegria e a vossa alegria seja completa» (Jo
15,11). Um cristão vive na alegria de ser amado e de estar mergulhado no
amor de Deus porque, onde há amor, há alegria. A criança não experimenta
alegria diante do amor dos seus pais? Não experimenta a alegria de ser amada
por eles? Sim, mas temos de ir ainda mais longe…
«Deus é alegria infinita», não no sentido em que a alegria seja um atributo divino entre
outros, mas no sentido em que o amor divino traz intrinsecamente o gozo de
amar. «O amor triunfa, o amor rejubila, o amor (…) alegra-se», cantavam
alegremente os serafins que tinham vindo acompanhar Santa Margarida Maria
Alacoque, uma santa de quem Teresa dos Andes tinha lido a biografia e nela
tinha encontrado uma confirmação da sua própria vivência espiritual. O amor
trinitário rejubila numa grande alegria de amar e ser amado no seio das Pessoas
Divinas. O amor entre um homem e uma mulher é disso uma bela imagem. Criados à
imagem de Deus, quando homem e mulher se apaixonam um pelo outro, o amor faz
surgir ao mesmo tempo uma alegria de amar e de ser amado. «O amor rejubila,
o amor (…) alegra-se» porque há felicidade, há uma alegria feliz em
estarmos animados pelo amor. Deus, por sua vez, é amor infinito, e, sendo o
amor intrinsecamente jubiloso, Deus é alegria infinita.
A
alegria é a satisfação gozosa do amor. Recorrendo à linguagem do enamoramento,
santa Teresa afirma: «experimento que Ele é o único Bem que nos pode
satisfazer, o único ideal que nos pode apaixonar totalmente. N’Ele encontro
tudo. Alegro-me até ao íntimo do meu ser de O ver tão belo, de me sentir sempre
unida a Ele. (…) Ele nunca cessa de nos amparar e de nos alimentar e, para não
se separar de nós na eternidade, deu-nos o Seu Filho único» (CT 121). Esta
loucura de amor divino é a mesma que faz rejubilar o coração do cristão.
Este
amor divino, alegre, gozoso, afasta-nos completamente e de forma feliz, de um
Deus demasiadas vezes percebido como aborrecido, apático, desinteressante… Como
dizia São João Paulo II: Santa Teresa dos Andes «dá-nos o testemunho límpido
de uma existência que proclama aos homens e mulheres de hoje que é no amor, na
adoração e no serviço de Deus que residem a grandeza e a alegria» (Homília
da canonização, 21 março 1993).
Três resoluções
concretas
Para
favorecer o advento do amor e da sua alegria, Juanita fez algumas resoluções
muito práticas. Aqui estão três que podemos adotar.
1)
Trabalhar pela felicidade dos outros
Esquecer-se
de si, pôr os outros em primeiro lugar, requer uma verdadeira mortificação, mas
que traz uma alegria autêntica. «Esforçar-me-ei por trabalhar pela
felicidade dos outros» (Diário § 20). É a decisão que Teresa toma no ano de
1917. Como ela mesma indica, é um “esforço” e um “trabalho” a cumprir, pois,
não é algo tão natural nem tão espontâneo. Propõe-se reconhecer a dignidade do
próximo, recordando-nos constantemente que ele foi feito à imagem de Deus. «Prometi
a Deus que O veria nas Suas criaturas» (Diário, janeiro 1919). Esta
promessa é um sinal de boa saúde espiritual. Neste sentido, Teresa mostrava-se «muito
hábil em deixar para os outros o primeiro lugar e os elogios» (como
testemunha Elena Sals Gonzalez), mesmo que nem sempre lhe tenha sido fácil.
Rezar
por alguém e, em especial, rezar discretamente pela própria família, é também
muito bom para todos. Quando o seu pai sofria de solidão, chegando mesmo a ter
ideias suicidas, Teresa deseja tornar-se o anjo titular da família, por quem
tem grande carinho. Juana sofre pelo separação progressivo dos pais, dada a
vida desordenada do pai e a perda da fé de Lucho. Escreve ela ao seu pai
marcado pela solidão: «Sim, quereria ser o anjo titular da família» (CT
73). Mas para realizar essa missão, Cristo terá posto uma condição a Teresa: «Abriu-me
o Seu coração e mostrou-me que tinha lá escrito, por causa das minhas orações,
o nome do papá. Disse-me que me resignasse a não ver o fruto dessas orações,
mas que eu obteria tudo o que pedisse» (Diário § 37). Estamos preparados para
aceitar, também nós, uma tal renúncia? Não terá sido coisa fácil para a pequena
santa chilena, pois ver os frutos das nossas orações é sempre reconfortante.
Quanto ao seu irmão Lucho, por exemplo, este acabará por se converter
bastantes anos depois da morte de Teresa dos Andes. Ele reconhecerá então que
se convertera graças às orações da sua irmãzinha, e ela ter-se-á alegrado ainda
mais no Céu.
2)
Esforçar-se por se mostrar alegre
Há
alegrias humanas sãs. Juanita sabia parar para se maravilhar diante da beleza
do mar e das montanhas. Experimentava alegria em praticar desporto: ténis,
natação, equitação... Uma simples refeição em família era, para ela, uma
ocasião de se alegrar por ter uma família – embora estivesse longe de ser a
família ideal! «O que me agradava mais nela era a sua alegria tranquila.
Junto dela não sentíamos tristeza», testemunhou uma amiga no processo de
beatificação.
Mas
a alegria é também objeto de combate. Os problemas de saúde, a doença, podem
quebrá-la. «Hoje precisei muitas vezes de toda a minha força de vontade para
não me deixar levar pela tristeza – Juanita sofria então de dores de cabeça
constantes e de uma dor nas costas. E ontem, da minha meditação, tirei esta
resolução: mostrar-me alegre todo o dia. E cumpri a minha promessa.» (Diário
§32).
3)
Alegria na determinação de seguir a Cristo
Há uma santa alegria, discreta, tranquila, em nos determinarmos em seguir a Cristo. Juanita toma consciência disto ao ler os escritos de Santa Isabel da Trindade. Para imitar a santa de Dijon, «quero viver com Jesus no íntimo da minha alma. Quero defendê-Lo dos Seus inimigos. Quero viver uma vida de Céu, como diz Isabel, permanecendo num louvor de glória, vivendo da vida divina. Amando Deus com um amor puro. Entregando-me a Ele sem reservas». (Diário §28). Abandonar-se sem reservas ao amor de Deus traz uma alegria desconhecida deste mundo, que muitas vezes não conhece a Deus (1Jo). Tomando a firme decisão de se abandonar sem reservas a Cristo, que também se entregou sem reservas pela salvação da humanidade, a alma dilata-se e descobre a profunda harmonia com a natureza humana, criada à imagem de Deus e, por isso, realizando-se plenamente em Deus.
A
determinação, assim compreendida, pode ajudar-nos a levar a cruz, à imagem da
determinação de Jesus, que partiu resolutamente para Jerusalém, sabendo que lá
sofreria e morreria pela salvação dos homens. A determinação pode dar sentido à
dor. Juanita, frequentemente doente, aceitava atravessar essas provas da falta
de saúde «sofrendo porque Cristo sofrera toda a vida e fora um louvor de
glória de Seu Pai. Sofrerei com alegria pelos meus pecados e pelos pecadores» (Diário
§28). Com efeito, o sofrimento pode ser oferecido em comunhão com o divino
Crucificado. Nesse caso, o cristão pode tornar-se um Cireneu, aliviando Jesus
na sua Via Sacra: um Cireneu requisitado pelos homens, contra a sua vontade,
como nos apresenta o Evangelho (cf. Mt 27,32), ou então um Cireneu voluntário,
para reconfortar o coração martirizado de Cristo.
Frei Cyril ROBERT, ocd (convento de Paris)
Retiro do Advento 2023 com Santa Teresa dos Andes (1900-1920) - Enraizados da Alegria Divina ©Ordem dos Carmelitas Descalços
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