sábado, 16 de dezembro de 2023

Ano B - 2023

Advento passo a passo -3  


15º dia - Domingo - 17/12/2022

Jo 1, 6-8.19-28 

«Eu sou a voz do que clama no deserto: ‘Endireitai o caminho do Senhor’»

A liturgia deste domingo é, toda ela, um convite a exultarmos na alegria, o que exteriormente até é visível na mudança, neste dia, ainda de advento, da cor dos paramentos, que passa de roxa para rosa. Tudo se encaminha, canta e alegra, numa preparação mais cuidada, profunda e alargada, para uma das nossas festas principais. Jesus, que já está connosco, também se associa, no coração de cada um de nós, a esta alegria expectante e paciente de poder celebrar, muito em breve, a maravilha das maravilhas do Amor de Deus, por cada ser vivente. Deixemo-nos cativar por este Amor sem fim, que é o nosso Deus.

Na 1ªleitura (Is 61, 1-2a.10-11) Isaías anuncia a chegada daquele que, animado pelo Espírito do Senhor, pode libertar o seu povo de todas as opressões. Este anúncio realiza-se em Jesus que assumiu na sinagoga de Nazaré este programa como missão para toda a sua vida. A chegada do Messias é razão de alegria para todos, também para nós hoje.

“O espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu e me enviou a anunciar a boa nova aos pobres, a curar os corações atribulados, a proclamar a redenção aos cativos e a liberdade aos prisioneiros, a promulgar o ano da graça do Senhor. Exulto de alegria no Senhor, a minha alma rejubila no meu Deus, que me revestiu com as vestes da salvação e me envolveu num manto de justiça, como noivo que cinge a fronte com o diadema e a noiva que se adorna com as suas jóias. Como a terra faz brotar os germes e o jardim germinar as sementes, assim o Senhor Deus fará brotar a justiça e o louvor diante de todas as nações.”

Na 2ª leitura (1 Tes 5, 16-24) S.Paulo propõe aos tessalonicenses  e também a cada um de nós,hoje, que procuremos fazer a vontade de Deus, vivendo centrados em Cristo, na alegria, na oração e na ação de graças, acolhendo os dons do Espírito e as suas manifestações na comunidade cristã.

“Irmãos: Vivei sempre alegres, orai sem cessar, dai graças em todas as circunstâncias, pois é esta a vontade de Deus a vosso respeito em Cristo Jesus. Não apagueis o Espírito, não desprezeis os dons proféticos; mas avaliai tudo, conservando o que for bom. Afastai-vos de toda a espécie de mal. O Deus da paz vos santifique totalmente, para que todo o vosso ser – espírito, alma e corpo – se conserve irrepreensível para a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo. É fiel Aquele que vos chama e cumprirá as suas promessas.”

O evangelho (Jo 1, 6-8.19-28) apresenta um diálogo entre João Batista e os enviados dos judeus para esclarecer, relativamente a João, tudo o que diz respeito à luz. Ele não é a luz, a luz é outro. Ele apenas dá testemunho da luz. João é simplesmente a voz d'Aquele que ainda não conhecem. Esse sim, é a luz. Não pode confundir-se a luz com aquele que dá testemunho da luz, porque a luz é anterior, é maior, está acima, relativamente àquele que dela dá testemunho.

“Apareceu um homem enviado por Deus, chamado João. Veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz. Foi este o testemunho de João, quando os judeus lhe enviaram, de Jerusalém, sacerdotes e levitas, para lhe perguntarem: «Quem és tu?». Ele confessou a verdade e não negou; ele confessou: «Eu não sou o Messias». Eles perguntaram-lhe: «Então, quem és tu? És Elias?». «Não sou», respondeu ele. «És o Profeta?». Ele respondeu: «Não». Disseram-lhe então: «Quem és tu? Para podermos dar uma resposta àqueles que nos enviaram, que dizes de ti mesmo?». Ele declarou: «Eu sou a voz do que clama no deserto: ‘Endireitai o caminho do Senhor’, como disse o profeta Isaías». Entre os enviados havia fariseus que lhe perguntaram: «Então, porque batizas, se não és o Messias, nem Elias, nem o Profeta?». João respondeu-lhes: «Eu batizo na água, mas no meio de vós está Alguém que não conheceis: Aquele que vem depois de mim, a quem eu não sou digno de desatar a correia das sandálias». Tudo isto se passou em Betânia, além do Jordão, onde João estava a batizar.

Bendito e louvado sejas hoje e sempre, pelos séculos sem fim, meu Senhor e meu Deus.

À escuta do Evangelho: Um Deus próximo e desconhecido

João Batista fala aos sacerdotes e aos levitas de Alguém que eles não conhecem. E acrescenta, com muita humildade, que ele próprio não é digno de desatar as correias das sandálias deste misterioso desconhecido… Sim, Deus está misteriosamente presente no meio dos homens. «No meio de vós está quem vós não conheceis». O Senhor está muito próximo, mas continua muito desconheci­do. Mais tarde, o próprio João Batista será surpreendido pelo Filho de Deus. Enviar-Lhe-á discípulos para Lhe perguntarem: «És tu Aquele que há de vir ou devemos esperar outro?» (Mt 11,3)

Infelizmente, a melhor forma de não reconhecer a presença de Deus e de não O deixar agir nas nossas vidas é reduzi-l’O aos nossos pobres esquemas mentais, ao nosso limitado saber. Como é que Ele se pode dar a conhecer mais? Ele sempre se nos escapa: é sempre mais amável, mais belo, mais mise­ricordioso do que podemos imaginar. Estaremos preparados para nos deixarmos surpreender pela superabundância do dom de Deus? Infelizmente, não aconteceu com aqueles homens que foram ter com João Batista a Betânia, na outra margem do Jordão. Chegaram lá e fizeram-lhe muitas pergun­tas sobre a sua missão de enviado por Deus, mas não perderam tempo a escutar as respostas. Passaram ao lado desta novidade e desta esperança que poderia ter nascido nos seus corações e mudado as suas vidas. Afinal, o percursor anunciou-lhes a vinda tão esperada d’Aquele que vem «anunciar a Boa Nova aos pobres». (Mt 11,2-11)

Estamos preparados para imprimir na nossa vida uma mudança inesperada e radiosa?

Na relação com Jesus, há sempre uma surpresa à nossa espera.

No início do Evangelho de São João – onde se relata este diálogo entre João Batista e os enviados dos fariseus – somos convidados à confiança e ao deslumbramento. Ponhamos, pois, a nossa confiança nos textos bíblicos, no que nos dizem de Deus e de nós próprios. Tenhamos confiança n’Aquele que não veio julgar a humanidade, mas salvá-la (Jo 3,17). Tudo o que o homem possa conceber sobre o amor de Deus ficará sempre aquém da realidade. Sempre. Daí o deslumbramento que, mais tarde ou mais cedo, sur­preende e se expande na alma, dilatando o nosso horizonte espiritual.

Na escola de Teresa dos Andes:

«Jesus Cristo, este Louco de amor, enlouqueceu-me»

Santa Teresa dos Andes foi, por sua vez, surpreendida pela volta que deu a sua vida! Ela sabia que «Deus é amor» (1Jo 4,16), tal como a Bíblia O revela, e experimentava cada vez mais esse amor. Ao seu irmão Lucho, que suavemente a censurava por não parar de falar de Deus, ao ponto de pensar que ela chegava a ser pouco razoável, ela respondeu com seriedade: «Que queres que eu faça, se Jesus Cristo, este louco de amor, me fez enlouquecer?» (CT 107). Sim, quanto mais uma pessoa experi­menta o amor de Deus, mais se extasia com a grandeza desse amor que não julga, mas perdoa tudo. Continua Santa Teresa: «penso que é impossível não nos tornarmos loucos de amor por Jesus (…) Que pouco é o amor que eu Lhe tenho, em comparação com o Amor que Ele tem por mim! Como não enlouquecer de amor por Ele?» (Diário §40)

Mas a sua maior surpresa terá sido descobrir uma verdade que é muito pouco evocada: Deus é alegria. Aproximando-se o fim da sua vida na terra, Santa Teresa dos Andes afirma que «Deus é alegria infinita» (Carta 101). Não se limita a escrever simplesmente que «há alegria em Deus», ou então que «Deus dá alegria», mas vai mais longe, afirmando: «Deus é alegria infinita». É uma afirmação que não se encontra na Bíblia, embora aí possamos encontrar numerosas passagens sobre a alegria de Deus pelo Seu povo. Por exemplo, em Isaías 62,5: «Assim como um jovem se casa com uma jovem, também te desposa Aquele que te reconstrói. Assim como a esposa é a alegria do seu marido, assim tu serás a alegria do teu Deus». Também encontramos passagens a respeito da alegria que Jesus dá aos seus discípulos: «Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria e a vossa alegria seja completa» (Jo 15,11). Um cristão vive na alegria de ser amado e de estar mer­gulhado no amor de Deus porque, onde há amor, há alegria. A criança não experimenta alegria diante do amor dos seus pais? Não experimenta a alegria de ser amada por eles? Sim, mas temos de ir ainda mais longe…

«Deus é alegria infinita», não no sentido em que a alegria seja um atributo divino entre outros, mas no sentido em que o amor divino traz intrinsecamente o gozo de amar. «O amor triunfa, o amor rejubila, o amor (…) alegra-se», cantavam alegremente os serafins que tinham vindo acompanhar Santa Margarida Maria Alacoque, uma santa de quem Teresa dos Andes tinha lido a biografia e nela tinha encontrado uma confirmação da sua própria vivência espiritual. O amor trinitário rejubila numa grande alegria de amar e ser amado no seio das Pessoas Divinas. O amor entre um homem e uma mulher é disso uma bela imagem. Criados à imagem de Deus, quando homem e mulher se apai­xonam um pelo outro, o amor faz surgir ao mesmo tempo uma alegria de amar e de ser amado. «O amor rejubila, o amor (…) alegra-se» porque há felicidade, há uma alegria feliz em estarmos anima­dos pelo amor. Deus, por sua vez, é amor infinito, e, sendo o amor intrinsecamente jubiloso, Deus é alegria infinita.

A alegria é a satisfação gozosa do amor. Recorrendo à linguagem do enamoramento, santa Teresa afirma: «experimento que Ele é o único Bem que nos pode satisfazer, o único ideal que nos pode apaixonar totalmente. N’Ele encontro tudo. Alegro-me até ao íntimo do meu ser de O ver tão belo, de me sentir sempre unida a Ele. (…) Ele nunca cessa de nos amparar e de nos alimentar e, para não se separar de nós na eternidade, deu-nos o Seu Filho único» (CT 121). Esta loucura de amor divino é a mesma que faz rejubilar o coração do cristão.

Este amor divino, alegre, gozoso, afasta-nos completamente e de forma feliz, de um Deus demasiadas vezes percebido como aborrecido, apático, desinteressante… Como dizia São João Paulo II: Santa Teresa dos Andes «dá-nos o testemunho límpido de uma existência que proclama aos homens e mul­heres de hoje que é no amor, na adoração e no serviço de Deus que residem a grandeza e a alegria» (Homília da canonização, 21 março 1993).

Três resoluções concretas

Para favorecer o advento do amor e da sua alegria, Juanita fez algumas resoluções muito práticas. Aqui estão três que podemos adotar.

1) Trabalhar pela felicidade dos outros

Esquecer-se de si, pôr os outros em primeiro lugar, requer uma verdadeira mortificação, mas que traz uma alegria autêntica. «Esforçar-me-ei por trabalhar pela felicidade dos outros» (Diário § 20). É a decisão que Teresa toma no ano de 1917. Como ela mesma indica, é um “esforço” e um “trabalho” a cumprir, pois, não é algo tão natural nem tão espontâneo. Propõe-se reconhecer a dignidade do próximo, recordando-nos constantemente que ele foi feito à imagem de Deus. «Prometi a Deus que O veria nas Suas criaturas» (Diário, janeiro 1919). Esta promessa é um sinal de boa saúde espiritual. Neste sentido, Teresa mostrava-se «muito hábil em deixar para os outros o primeiro lugar e os elo­gios» (como testemunha Elena Sals Gonzalez), mesmo que nem sempre lhe tenha sido fácil.

Rezar por alguém e, em especial, rezar discretamente pela própria família, é também muito bom para todos. Quando o seu pai sofria de solidão, chegando mesmo a ter ideias suicidas, Teresa deseja tornar-se o anjo titular da família, por quem tem grande carinho. Juana sofre pelo separação pro­gressivo dos pais, dada a vida desordenada do pai e a perda da fé de Lucho. Escreve ela ao seu pai marcado pela solidão: «Sim, quereria ser o anjo titular da família» (CT 73). Mas para realizar essa missão, Cristo terá posto uma condição a Teresa: «Abriu-me o Seu coração e mostrou-me que tinha lá escrito, por causa das minhas orações, o nome do papá. Disse-me que me resignasse a não ver o fruto dessas orações, mas que eu obteria tudo o que pedisse» (Diário § 37). Estamos preparados para aceitar, também nós, uma tal renúncia? Não terá sido coisa fácil para a pequena santa chilena, pois ver os frutos das nossas orações é sempre reconfortante. Quanto ao seu irmão Lucho, por exem­plo, este acabará por se converter bastantes anos depois da morte de Teresa dos Andes. Ele reconhe­cerá então que se convertera graças às orações da sua irmãzinha, e ela ter-se-á alegrado ainda mais no Céu.

2) Esforçar-se por se mostrar alegre

Há alegrias humanas sãs. Juanita sabia parar para se maravilhar diante da beleza do mar e das montanhas. Experimentava alegria em praticar desporto: ténis, natação, equitação... Uma simples refeição em família era, para ela, uma ocasião de se alegrar por ter uma família – embora estivesse longe de ser a família ideal! «O que me agradava mais nela era a sua alegria tranquila. Junto dela não sentíamos tristeza», testemunhou uma amiga no processo de beatificação.

Mas a alegria é também objeto de combate. Os problemas de saúde, a doença, podem quebrá-la. «Hoje precisei muitas vezes de toda a minha força de vontade para não me deixar levar pela tris­teza – Juanita sofria então de dores de cabeça constantes e de uma dor nas costas. E ontem, da minha meditação, tirei esta resolução: mostrar-me alegre todo o dia. E cumpri a minha promessa.» (Diário §32).

3) Alegria na determinação de seguir a Cristo

Há uma santa alegria, discreta, tranquila, em nos determinarmos em seguir a Cristo. Juanita toma consciência disto ao ler os escritos de Santa Isabel da Trindade. Para imitar a santa de Dijon, «quero viver com Jesus no íntimo da minha alma. Quero defendê-Lo dos Seus inimigos. Quero viver uma vida de Céu, como diz Isabel, permanecendo num louvor de glória, vivendo da vida divina. Amando Deus com um amor puro. Entregando-me a Ele sem reservas». (Diário §28). Abandonar-se sem re­servas ao amor de Deus traz uma alegria desconhecida deste mundo, que muitas vezes não conhece a Deus (1Jo). Tomando a firme decisão de se abandonar sem reservas a Cristo, que também se entregou sem reservas pela salvação da humanidade, a alma dilata-se e descobre a profunda harmonia com a natureza humana, criada à imagem de Deus e, por isso, realizando-se plenamente em Deus.

A determinação, assim compreendida, pode ajudar-nos a levar a cruz, à imagem da determinação de Jesus, que partiu resolutamente para Jerusalém, sabendo que lá sofreria e morreria pela salvação dos homens. A determinação pode dar sentido à dor. Juanita, frequentemente doente, aceitava atra­vessar essas provas da falta de saúde «sofrendo porque Cristo sofrera toda a vida e fora um louvor de glória de Seu Pai. Sofrerei com alegria pelos meus pecados e pelos pecadores» (Diário §28). Com efeito, o sofrimento pode ser oferecido em comunhão com o divino Crucificado. Nesse caso, o cristão pode tornar-se um Cireneu, aliviando Jesus na sua Via Sacra: um Cireneu requisitado pelos homens, contra a sua vontade, como nos apresenta o Evangelho (cf. Mt 27,32), ou então um Cireneu voluntário, para reconfortar o coração martirizado de Cristo.

Frei Cyril ROBERT, ocd (convento de Paris) 

Retiro do Advento 2023 com Santa Teresa dos Andes (1900-1920) - Enraizados da Alegria Divina   ©Ordem dos Carmelitas Descalços 

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