sábado, 26 de abril de 2025

DOMINGO II DA PÁSCOA  

OU DA DIVINA MISERICÓRDIA

Na segunda semana da Páscoa, a liturgia desafia-nos a dar testemunho, na nossa vida, em toda e qualquer situação, de que acreditamos verdadeiramente que Jesus está vivo e ressuscitado no meio de nós

Na 1ªleitura (Atos 5, 12-16) damo-nos conta da forma como cresciam as primeiras comunidades, graças à ação do Espírito Santo, que agia nos apóstolos e, através deles, no coração de quem os escutava de coração sincero. 

“Pelas mãos dos Apóstolos realizavam-se muitos milagres e prodígios entre o povo. Unidos pelos mesmos sentimentos, reuniam-se todos no Pórtico de Salomão; nenhum dos outros se atrevia a juntar-se a eles, mas o povo enaltecia-os. Uma multidão cada vez maior de homens e mulheres aderia ao Senhor pela fé, de tal maneira que traziam os doentes para as ruas e colocavam-nos em enxergas e em catres, para que, à passagem de Pedro, ao menos a sua sombra cobrisse alguns deles. Das cidades vizinhas de Jerusalém, a multidão também acorria, trazendo enfermos e atormentados por espíritos impuros e todos eram curados.” 

Na 2ªleitura (Ap 1, 9-11a.12-13.17-19) S.João  dá-nos força e confiança, apontando-nos como único caminho a seguir Jesus Cristo, que está vivo e ressuscitado no meio de nós. Se Ele e só Ele for a única força em que nos apoiemos, nada, nem ninguém, poderá separar-nos do Amor de Deus. 

“Eu, João, vosso irmão e companheiro nas tribulações, na realeza e na perseverança em Jesus, estava na ilha de Patmos, por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus. No dia do Senhor fui movido pelo Espírito e ouvi atrás de mim uma voz forte, semelhante à da trombeta, que dizia: «Escreve num livro o que vês e envia-o às sete Igrejas». Voltei-me para ver de quem era a voz que me falava; ao voltar-me, vi sete candelabros de ouro e, no meio dos candelabros, alguém semelhante a um filho do homem, vestido com uma longa túnica e cingido no peito com um cinto de ouro. Quando o vi, caí a seus pés como morto. Mas ele poisou a mão direita sobre mim e disse-me: «Não temas. Eu sou o Primeiro e o Último, o que vive. Estive morto, mas eis-Me vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da morte e da morada dos mortos. Escreve, pois, as coisas que viste, tanto as presentes como as que hão de acontecer depois destas».”

Hoje é o oitavo dia depois da Páscoa, e o Evangelho de João (Jo 20, 19-31)documenta-nos as duas aparições de Jesus Ressuscitado aos Apóstolos, reunidos no Cenáculo: na tarde de Páscoa, quando Tomé estava ausente, e oito dias mais tarde, na presença de Tomé. Na primeira vez, o Senhor mostrou aos discípulos as feridas do seu corpo, fez o sinal de soprar sobre eles e disse: «Assim como o Pai me enviou, também Eu vos envio». Transmite-lhes a Sua própria missão, com a força do Espírito Santo.

Mas naquela tarde Tomé não estava presente, e, apesar do que os outros apóstolos contavam, não queria acreditar no testemunho deles. «Se eu não vir nem tocar as suas chagas — disse — não acreditarei». Oito dias depois — ou seja, precisamente num dia como como o de hoje — Jesus volta a apresentar-se no meio dos seus e dirige-se imediatamente a Tomé, convidando-o a tocar as feridas das suas mãos e do seu lado. Ele vai ao encontro da sua incredulidade para que, através dos sinais da paixão, Tomé possa alcançar a plenitude da fé pascal, isto é, a fé na Ressurreição de Jesus.

“Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor. Jesus disse-lhes de novo: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos». Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Disseram-lhe os outros discípulos: «Vimos o Senhor». Mas ele respondeu-lhes: «Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei». Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez em casa e Tomé com eles. Veio Jesus, estando as portas fechadas, apresentou-Se no meio deles e disse: «A paz esteja convosco». Depois disse a Tomé: «Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente». Tomé respondeu-Lhe: «Meu Senhor e meu Deus!». Disse-lhe Jesus: «Porque Me viste acreditaste: felizes os que acreditam sem terem visto». Muitos outros milagres fez Jesus na presença dos seus discípulos, que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome.” 

No Evangelho de Hoje, o verbo ver aparece várias vezes «Os discípulos alegraram-se por verem o Senhor» (Jo 20,20); depois disseram a Tomé: «Vimos o Senhor» (v. 25). Mas o Evangelho não descreve como o viram, não descreve o Ressuscitado, apenas destaca um detalhe: «Mostrou-lhes as mãos e o lado» (v. 20). Parece significar que os discípulos reconheceram Jesus desse modo: através das suas chagas. O mesmo acontece com Tomé: ele também queria ver «a marca dos pregos em suas mãos» (v. 25) e, depois de ter visto, acreditou (cf. v. 27).

Apesar da sua incredulidade, temos de agradecer a Tomé, pois a ele não lhe bastou ouvir dizer dos outros que Jesus estava vivo, e nem sequer com poder vê-Lo em carne e osso, mas quis ver dentro, tocar com a mão nas suas chagas, os sinais do seu amor. O Evangelho chama Tomé de «Dídimo» (v. 24), ou seja, gémeo; e nisso ele é verdadeiramente nosso irmão gémeo. Pois também a nós não nos basta saber que Deus existe: um Deus ressuscitado, mas longínquo, não nos preenche a nossa vida; não nos atrai um Deus distante, por mais que seja justo e santo. Não: Nós também precisamos “ver a Deus”, de “tocar com a mão” que Ele tenha ressuscitado, e ressuscitado por nós.

Como podemos vê-Lo? Como os discípulos: por meio das suas chagas. Olhando por ali, compreenderam que Ele não os amava de brincadeira e que os perdoava, embora entre eles houvesse quem O tivesse negado e O tivesse abandonado. Entrar nas suas chagas significa contemplar o amor sem medidas que brota do Seu coração. Esse é o caminho. Significa entender que o Seu coração bate por mim, por ti, por cada um de nós. Queridos irmãos e irmãs, podemo-nos considerar e chamar-nos cristãos, e falar sobre muitos belos valores da fé, mas, como os discípulos, precisamos de ver Jesus tocando o Seu amor. Só assim podemos ir ao coração da fé e, como os discípulos, encontrar uma paz e uma alegria mais fortes do que qualquer dúvida (cf. vv. 19-20).

Tomé, depois de ter visto as chagas do Senhor, exclamou: «Meu Senhor e meu Deus!» (v. 28). Queria chamar a atenção para esse pronome que Tomé repete: meu. Trata-se de um pronome possessivo e, se refletimos sobre isso, podia parecer fora do lugar referi-lo a Deus: como Deus pode ser meu? Como posso fazer que o Todo-poderoso seja meu? Na realidade, dizendo meu, não profanamos a Deus, mas honramos a Sua misericórdia, pois foi Ele que quis “fazer-se nosso”. E, como numa história de amor, dizemos-Lhe: “Fizestes-vos homem por mim, morrestes e ressuscitastes por mim e agora não sois somente Deus; sois o meu Deus, sois a minha vida. Em vós encontrei o amor que eu procurava e muito mais, como nunca teria imaginado”.

Deus não se ofende de ser “nosso”, pois o amor exige familiaridade, a misericórdia requer confiança. Já no início dos dez mandamentos, Deus dizia: «Eu sou o Senhor, teu Deus» (Ex 20,2) e reiterava: «pois eu sou o Senhor teu Deus, um Deus zeloso» (v.5). Aqui está a proposta de Deus, amante zeloso, que se apresenta como teu Deus; e do coração comovido de Tomé brota a resposta: «Meu Senhor e meu Deus!». Entrando hoje, através das chagas, no mistério de Deus, entendemos que a misericórdia não é mais uma das Suas qualidades entre outras, mas o palpitar do Seu coração. E então, como Tomé, não vivemos mais como discípulos vacilantes; devotos, mas hesitantes; nós também nos tornamos verdadeiros enamorados do Senhor! Não devemos ter medo desta palavra: enamorados do Senhor!

Como saborear este amor, como tocar hoje com a mão a misericórdia de Jesus? O Evangelho também nos sugere isso, quando aponta que na tarde mesma da Páscoa (cf. Jo 20, 19), ou seja, logo depois de ressuscitar, Jesus, em primeiro lugar, dá o Espírito para perdoar os pecados. Para experimentar o amor, é preciso passar por ali: deixar-se perdoar. Deixar-se perdoar: pergunto a mim mesmo e a cada um de vós: “deixo-me perdoar?”. “- Mas, Padre, ir confessar-se parece difícil...”. Diante de Deus, somos tentados a fazer como os discípulos no Evangelho: trancarmo-nos por detrás de portas fechadas. Eles faziam isso por temor e nós também temos medo, vergonha de abrir-nos e contar os nossos pecados. Que o Senhor nos dê a graça de compreender a vergonha: de vê-la não como uma porta fechada, mas como o primeiro passo do encontro. Quando nos sentimos envergonhados, devemos ser agradecidos: quer dizer que não aceitamos o mal, e isso é bom. A vergonha é um convite secreto da alma que precisa do Senhor para vencer o mal. O drama está quando não se sente vergonha por coisa alguma. Não devemos ter medo de sentir vergonha! E assim passemos da vergonha ao perdão! Não tenhais medo de vos envergonhar! Não tenhais medo.

Contudo, há uma porta fechada diante do perdão do Senhor: é a resignação. A resignação é sempre uma porta fechada. Os discípulos a experimentaram quando, na Páscoa, constatavam que tudo tivesse voltado a ser como antes: ainda estavam lá, em Jerusalém, desalentados; o “capítulo Jesus” parecia terminado e, depois de tanto tempo com Ele, nada tinha mudado: “-Resignemo-nos”. Também nós podemos pensar: “Sou cristão há muito tempo, porém nada muda em mim, cometo sempre os mesmos pecados”. Então, desalentados, renunciamos à misericórdia. Entretanto, o Senhor nos interpela: “Não acreditas que a misericórdia é maior do que a tua miséria? Estás reincidente no pecado? Sê reincidente em clamar por misericórdia, e veremos quem leva a melhor!”. E depois – quem conhece o sacramento do perdão o sabe – não é verdade que tudo permaneça como antes. Em cada perdão recebemos novo alento, somos encorajados, pois nos sentimos cada vez mais amados, mais abraçados pelo Pai. E quando, sentindo-nos amados, caímos mais uma vez, sentimos mais dor do que antes. É uma dor benéfica, que lentamente nos separa do pecado. Descobrimos então que a força da vida é receber o perdão de Deus, e seguir em frente, de perdão em perdão. Assim segue a vida: de vergonha em vergonha, de perdão em perdão; Esta é a vida cristã.

Depois da vergonha e da resignação, existe outra porta fechada, às vezes blindada: o nosso pecado; o próprio pecado. Quando cometo um grande pecado, se eu, com toda a honestidade, não quero me perdoar, por que o faria Deus? Esta porta, no entanto, está fechada só de um lado: o nosso; para Deus nunca é intransponível. Ele, como nos ensina o Evangelho, adora entrar justamente através “das portas fechadas” – como escutamos -, quando todas as passagens parecem bloqueadas. Lá Deus faz maravilhas. Ele nunca decide separar-se de nós, somos nós que o deixamos do lado de fora. Mas quando nos confessamos, tem lugar o inaudito: descobrimos que precisamente aquele pecado, que nos mantinha distantes do Senhor, converte-se no lugar do encontro com Ele. Ali o Deus ferido de amor vem ao encontro das nossas feridas. E torna as nossas chagas miseráveis semelhantes às suas chagas gloriosas. Trata-se de uma transformação: a minha chaga miserável torna-se semelhante às suas chagas gloriosas. Pois  Ele é misericórdia e faz maravilhas nas nossas misérias. Como Tomé, pedimos hoje a graça de reconhecer o nosso Deus: de encontrar no Seu perdão a nossa alegria; de encontrar na Sua misericórdia a nossa esperança.

Papa Francisco
(Homilia no II Domingo de Páscoa, 8 de abril de 2018)

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