QUARESMA PASSO A PASSO - 2025
SEMANA SANTA
Evangelho Jo 13, 21-33.36-38
«Em verdade, em verdade vos digo: um de vós Me entregará»
Estamos perante um dos textos mais belos de S. João. A
sua meditação requer todo o requinte do nosso coração. Jesus está à mesa com os
discípulos. A mesa é lugar de comunhão. Jesus manifesta a Sua perturbação. Os
discípulos percebem que algo se passa, mas não sabem o quê, não têm capacidade
de discernimento. Jesus está só, diante da verdade. Pedro é o discípulo
preocupado. João é o discípulo amado. O Mestre é quem ama. O discípulo está no
coração do Mestre. Há cumplicidade entre Pedro e João. Judas, pelo contrário, é
o traidor. A hostilidade de Judas é manifesta nas palavras de Jesus, no pão que
toma, na saída apressada, na noite onde se perde. “Depois de ele sair” a
situação transforma-se. O tema agora é a glorificação de Jesus, o seguimento
dos discípulos e a negação de Pedro. Aproximam-se momentos difíceis para todos.
É a hora das trevas.
"Naquele tempo, estando Jesus à mesa com os discípulos, sentiu-Se
intimamente perturbado e declarou: «Em verdade, em verdade vos digo: um de vós
Me entregará». Os discípulos olhavam uns para os outros, sem saberem de quem
falava. Um dos discípulos, o predileto de Jesus, estava à mesa, mesmo a seu
lado. Simão Pedro fez-lhe sinal e disse: «Pergunta-Lhe a quem Se refere». Ele
inclinou-Se sobre o peito de Jesus e perguntou-Lhe: «Quem é, Senhor?» Jesus
respondeu: «É aquele a quem vou dar este bocado de pão molhado». E, molhando o
pão, deu-o a Judas Iscariotes, filho de Simão. Naquele momento, depois de
engolir o pão, Satanás entrou nele. Disse-lhe Jesus: «O que tens a fazer, fá-lo
depressa». Mas nenhum dos que estavam à mesa compreendeu porque lhe disse tal
coisa. Como Judas era quem tinha a bolsa comum, alguns pensavam que Jesus lhe
tinha dito: «Vai comprar o que precisamos para a festa»; ou então, que desse
alguma esmola aos pobres. Judas recebeu o bocado de pão e saiu imediatamente.
Era noite. Depois de ele sair, Jesus disse: «Agora foi glorificado o Filho do
homem e Deus foi glorificado n’Ele. Se Deus foi glorificado n’Ele, também Deus
O glorificará em Si mesmo e glorificá-l’O-á sem demora. Meus filhos, é por
pouco tempo que ainda estou convosco. Haveis de procurar-Me e, assim como disse
aos judeus, também agora vos digo: não podeis ir para onde Eu vou».
Perguntou-Lhe Simão Pedro: «Para onde vais, Senhor?». Jesus respondeu: «Para
onde Eu vou, não podes tu seguir-Me por agora; seguir-Me-ás depois». Disse-Lhe Pedro:
«Senhor, por que motivo não posso seguir-Te agora? Eu darei a vida por Ti».
Disse-Lhe Jesus: «Darás a vida por Mim? Em verdade, em verdade te digo: Não
cantará o galo, sem que Me tenhas negado três vezes»."
Hoje apetece ficar parado na relação de Jesus com João
e sentir-me o discípulo amado, aquele que está no coração do Mestre. Apetece
ser Pedro, preocupado com o Mestre que está perturbado. Mas as palavras que me
esmagam são estas “um de vós me entregará”. “Um de vós” pode ser um qualquer,
posso ser eu. João é o amado, Pedro é o primeiro dos apóstolos, mas aquele que
o vai entregar pode ser um qualquer. Todas as possibilidades estão em aberto
para ser eu, aquele que entrega o mestre. Apetece dizer a Judas “não faças
isso, não toques no pão, não saias deste lugar, não queiras entrar na noite”.
Mas, como dizer isto a mim mesmo com a eficácia necessária para não entregar o
Mestre?
“O que tens a fazer, fá-lo depressa”. Sem pensar, Judas
prepara a única coisa que falta na Ceia de Jesus, a Sua morte. Sem querer, vai
dar aos pobres de todo o mundo e de todos os tempos a única riqueza que tem e
que despreza, Jesus.
Que não suceda assim comigo. Que estas Tuas palavras, Senhor, me levem aos
Teus pés para que, de joelhos e rosto em terra, possa apresentar o meu coração
contrito, por tantas vezes Te entregar, por tantas outras Te negar. Que a noite
não caia sobre mim e sobre o meu pecado. Que as trevas não me dominem. Que não
se turve o meu olhar. Que eu posso ainda ser o discípulo no coração do Mestre.
A profecia de Isaías que
ouvimos é uma profecia sobre o Messias, sobre o Redentor, mas também sobre o
povo de Israel, sobre o povo de Deus: podemos dizer que se trata de uma
profecia sobre cada um de nós. Essencialmente, a profecia enfatiza que o Senhor
escolheu o seu servo desde o ventre materno: diz isto duas vezes (cf. Is 49,
1). Desde o início, o seu servo foi eleito, desde o nascimento ou antes do
nascimento. O povo de Deus foi eleito antes do nascimento, inclusive cada um de
nós. Nenhum de nós caiu no mundo por casualidade, por acaso. Todos têm um
destino, um destino livre, o destino da eleição de Deus. Eu nasci com o destino
de ser filho de Deus, de ser servo de Deus, com a tarefa de servir, de
construir, de edificar. E isto, desde o ventre materno.
O Servo de Javé, Jesus, serviu
até à morte: parecia uma derrota, mas era a forma de servir. E isto sublinha a
forma de servir que temos de assumir na nossa vida. Servir é doar-se, doar-se
aos outros. Servir não é esperar para cada um de nós qualquer outro benefício
que não seja servir. É a glória, servir; e a glória de Cristo é servir ao ponto
de se aniquilar a si mesmo, ao ponto de morrer, morte de Cruz (cf. Fl 2,
8). Jesus é o servo de Israel. O povo de Deus é servo, e quando o povo de Deus
se afasta desta atitude de servir é um povo apóstata: afasta-se da vocação que
Deus lhe deu. E quando cada um de nós se distancia da vocação de servir,
distancia-se do amor de Deus. E constrói a sua vida sobre outros amores, muitas
vezes idólatras.
O Senhor escolheu-nos desde o
ventre materno. Na vida há quedas: cada um de nós é pecador, pode cair e já
caiu. Exceto Nossa Senhora e Jesus: todos os outros caíram, nós somos
pecadores. Mas o que importa é a atitude perante o Deus que me elegeu, que me ungiu
como servo; é a atitude de um pecador capaz de pedir perdão, como Pedro, que
jura “não, Senhor, nunca te negarei, nunca, nunca, nunca”, e depois,
quando o galo canta, ele chora. Arrepende-se (cf. Mt 26, 75).
Este é o caminho do servo: quando escorrega, quando cai, pede perdão.
Por outro lado, quando o servo
não consegue compreender que caiu, quando a paixão o envolve de tal forma que o
leva à idolatria, abre o coração a Satanás, entra na noite: foi o que aconteceu
com Judas (cf. Mt 27, 3-10).
Hoje pensemos em Jesus, o
servo, fiel no serviço. A sua vocação é servir, até à morte e morte de Cruz
(cf. Fl 2, 5-11). Pensemos em cada um de nós, parte do povo de
Deus: somos servos, a nossa vocação é servir, não obter vantagem devido ao
lugar que ocupamos na Igreja. Servir. Sempre em serviço.
Peçamos a graça de perseverar
no serviço. Por vezes com escorregões, quedas, mas pelo menos com a graça de
chorar, como fez Pedro.
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