terça-feira, 15 de abril de 2025

  QUARESMA PASSO A PASSO - 2025

SEMANA SANTA

Quarta-feira da Semana Santa – dia 37 - 16/04/2025

Evangelho Mt 26, 14-25 

"Enquanto comiam, declarou: «Em verdade, em verdade vos digo: Um de vós Me entregará»."

Jesus sente que a Sua «hora» se aproxima. Por isso, ordena que a celebração da Páscoa seja devidamente preparada. Deseja ardentemente comê-la com os discípulos pois, nela, o antigo memorial dará lugar ao novo, deixando-nos o Seu Corpo e o Seu Sangue como alimento e bebida. A entrega de Si mesmo acontece num ambiente toldado pelo anúncio da entrega-traição. Os discípulos mergulham num clima de insegurança e de desconfiança. Fazem perguntas a Jesus, chamando «Senhor» (Kyrios), enquanto Judas o chama simplesmente «Mestre. (Rabi). Mas Jesus é, de facto, Senhor. Por isso, conhece o traidor e reconhece que nele se cumprem as Escrituras. A insegurança dos discípulos representa a nossa própria insegurança perante a possibilidade de também nós virmos a atraiçoar e a negar Jesus. 

"Naquele tempo, um dos Doze, chamado Iscariotes, foi ter com os príncipes dos sacerdotes e disse-lhes: «Que estais dispostos a dar-me para vos entregar Jesus?» Eles garantiram-lhe trinta moedas de prata. A partir de então, Judas procurava uma oportunidade para O entregar. No primeiro dia dos Ázimos, os discípulos foram ter com Jesus e perguntaram-Lhe: «Onde queres que façamos os preparativos para comer a Páscoa?» Ele respondeu: «Ide à cidade, a casa de tal pessoa, e dizei-lhe: ‘O Mestre manda dizer: O meu tempo está próximo. É em tua casa que Eu quero celebrar a Páscoa com os meus discípulos’». Os discípulos fizeram como Jesus lhes tinha mandado e prepararam a Páscoa. Ao cair da tarde, sentou-Se à mesa com os Doze. Enquanto comiam, declarou: «Em verdade, em verdade vos digo: Um de vós Me entregará». Profundamente entristecidos, começou cada um a perguntar-Lhe: «Serei eu, Senhor?» Jesus respondeu: «Aquele que meteu comigo a mão no prato é que vai entregar-Me. O Filho do homem vai partir, como está escrito acerca d’Ele. Mas ai daquele por quem o Filho do homem vai ser entregue! Melhor seria para esse homem não ter nascido». Judas, que O ia entregar, tomou a palavra e perguntou: «Serei eu, Mestre?» Respondeu Jesus: «Tu o disseste»."

A Paixão de Jesus não foi um acontecimento imprevisto. Tudo fora profeticamente anunciado, até o preço da traição. A referência à profecia de Zacarias leva-nos a ver Jesus como o rei manso e humilde de que fala o mesmo profeta . Mas é sobretudo Isaías que profeticamente anuncia, com pormenores impressionantes, todo o drama de Jesus. A primeira leitura apresenta-nos, mais uma vez, o misterioso Servo de Javé, atormentado e humilhado, mas cheio de paciência, e de obediente e confiante abandono em Deus. É uma clara figura de Jesus na sua Paixão, onde se revelará a majestade de Deus-Pai.

No evangelho encontramos, de um lado, Judas que atraiçoa o Mestre e, do outro lado, Jesus que dá orientações para a ceia pascal. Como mandavam os ritos, Jesus devia explicar o significado dessa refeição singular e solene. Fê-lo dando-lhe um sentido novo, em que se destacam dois elementos importantes: Jesus torna os Seus discípulos participantes da Sua dignidade e do Seu destino; o Seu sangue será derramado para remissão dos pecados.

Entre a preparação e a celebração da ceia, é descoberto o traidor. Judas entrega Jesus, e Jesus entrega-Se a Si mesmo. A traição torna-se ocasião para o dom voluntário e total de Jesus. A Sua morte torna-se fonte de vida. O seu Coração vence a morte e transforma-a em vida para o mundo.

A Páscoa estava desde sempre preparada em Deus. Mas, quando o Filho do homem veio realizá-la no meio de nós, abriu-se para todo o homem um horizonte novo de ilimitada liberdade, a liberdade de amar dando a própria vida, para se reencontrar em plenitude no seio amante da Trindade.

Senhor Jesus Cristo, queremos, hoje, confessar-nos diante de Ti. Para isso, pedimos-Te um coração arrependido, e palavras humildes e sinceras. Também nós Te vendemos, mais do que uma vez. Todos os dias especulamos sobre a Tua pessoa, e vivemos desse miserável lucro. Nós, que Tu amas! Como podes suportar-nos ainda na Tua casa, a comer o pão das Tuas lágrimas e a beber o sangue do Teu sofrimento? Vendido por nós, por quase nada, compraste-nos com o preço infinito do Teu sangue. Que, através da ferida do Teu Coração, possamos ser introduzidos e estabelecidos para sempre na comunhão do Teu amor. Ámen.

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A quarta-feira Santa é também chamada "Quarta-feira da traição", o dia em que a Igreja enfatiza a traição de Judas. Judas vende o Mestre.

Quando pensamos na venda de pessoas, vem-nos à mente o comércio feito com os escravos da África para os levar para a América - uma coisa antiga -, depois o comércio, por exemplo, das jovens yazidis vendidas em Daesh: mas é algo distante, é uma situação... Ainda hoje as pessoas são vendidas. Todos os dias. Há Judas que vendem os seus irmãos e irmãs, explorando-os no trabalho, não pagando o salário justo, não reconhecendo os próprios deveres... Aliás, muitas vezes eles vendem as coisas mais queridas. Penso que, para se sentir mais confortável, um homem é capaz de afastar os seus pais e não voltar a vê-los, colocando-os numa casa de repouso sem os ir visitar... vende. Há um ditado muito conhecido que, falando de pessoas assim, diz que “este é capaz de vender a mãe”: e eles vendem-na. Agora estão tranquilos, estão longe: “Ocupai-vos vós deles...”.

Hoje o comércio humano é como nos primórdios: faz-se. Porquê? Por que: Jesus disse-o. Ele atribuiu ao dinheiro um senhorio. Jesus disse: «Não podeis servir a Deus e ao dinheiro» (cf. Lc 16, 13), a dois senhores. É a única coisa que Jesus coloca no auge e cada um de nós deve escolher: ou serves a Deus e serás livre na adoração e no serviço; ou serves ao dinheiro e serás escravo do dinheiro. Esta é a opção; e muitas pessoas querem servir a Deus e ao dinheiro. E isto não pode ser feito. No final, fingem servir a Deus para servir o dinheiro. Trata-se de exploradores ocultos que são socialmente impecáveis, mas debaixo da mesa negoceiam, até as pessoas: não importa. A exploração humana consiste na venda do próximo.

Judas foi-se, mas deixou discípulos, que não são seus discípulos, mas do diabo. Não sabemos como foi a vida de Judas. Um jovem normal, talvez, e até com inquietações, pois o Senhor o chamou para ser discípulo. Ele nunca conseguiu ser um discípulo: não tinha boca de discípulo nem coração de discípulo, como lemos na primeira leitura. Era débil no discipulado, mas Jesus amava-o... Depois o Evangelho faz-nos compreender que ele gostava de dinheiro: na casa de Lázaro, quando Maria ungiu os pés de Jesus com aquele perfume caro, ele fez a reflexão e João sublinhou: «Dizia isso não porque ele se interessasse pelos pobres, mas porque era ladrão» (cf. Jo 12, 6). O amor ao dinheiro tinha-o afastado das regras: roubar, e de roubar a trair o passo é breve. Quem gosta demasiado de dinheiro trai para ter mais, sempre: é uma regra, é um facto. O jovem Judas, talvez bondoso, com boas intenções, acaba por ser um traidor ao ponto de ir ao mercado para vender: «Foi ter com os príncipes dos sacerdotes e disse: “que me quereis dar, eu vo-lo entregarei?”» (cf. Mt 26, 14). Na minha opinião, este homem estava fora de si.

Um aspeto que me chama a atenção é que Jesus nunca o chama “traidor”; diz que será traído, mas não o chama “traidor”. Nunca diz: “Vai-te embora, traidor”. Nunca! Na verdade chama-lhe “Amigo” e beija-o. O mistério de Judas: … como é o mistério de Judas? Não sei... o sacerdote Primo Mazzolari explicou-o melhor do que eu... Sim, conforta-me contemplar aquele capitel de Vézelay: que fim levou Judas? Não sei. Jesus ameaça vigorosamente, aqui; ele ameaça com veemência: «ai daquele homem por quem o Filho do homem é traído! Bom seria para esse homem se não houvera nascido!» (Cf. Mt. 26, 24). Mas isto significa que Judas está no Inferno? Não sei. Eu olho para o capitel. E ouço a palavra de Jesus: “Amigo”.

Mas isto faz-nos pensar noutra coisa, que é mais real, mais do que hoje: o diabo entrou em Judas, foi o diabo que o levou até este ponto. E como terminou a história? O diabo é um mau pagador, não é um pagador de confiança. Ele promete tudo, mostra tudo e no final deixa-te sozinho no teu desespero de enforcado.

O coração de Judas, inquieto, atormentado pela ganância e angustiado pelo amor a Jesus, - um amor que não conseguiu tornar-se amor, - mortificado com este nevoeiro, procura os sacerdotes para lhes pedir perdão e salvação. «Que nos importa? Isso é contigo» (cf. Mt 27, 4): o diabo fala assim e deixa-nos no desespero.

Pensemos nos muitos Judas institucionalizados neste mundo, que exploram as pessoas. E pensemos também no pequeno Judas que cada um de nós tem dentro de si na hora de escolher: entre lealdade ou interesse. Cada um de nós tem a capacidade de trair, de vender, de escolher pelo próprio interesse. Cada um de nós tem a possibilidade de se deixar atrair pelo amor ao dinheiro, aos bens ou pelo bem-estar futuro. “Judas, onde estás?” Mas  faço esta pergunta a cada um de nós: “Tu, Judas, o pequeno Judas dentro de mim: onde estás?”.

Papa Francisco 
(Homilia em Santa Marta8 de abril de 2020)

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