QUARESMA PASSO A PASSO - 2025
Sábado IV da
Quaresma – dia 28 – 05/04/2025
EVANGELHO Jo
7, 40-53
«Porque não O trouxestes?». Os guardas responderam:
«Nunca ninguém falou como esse homem».
Aproxima-se a Paixão. As leituras fazem-nos escutar o grito sofrido de
Jeremias e as interrogações sobre a identidade de Jesus. O profeta faz-nos ver
até que ponto havemos de estar dispostos a sofrer para sermos fiéis a Deus, e
servi-l'O de coração puro. O evangelho dá-nos conta do avolumar das
controvérsias e das hostilidades contra Jesus, verdadeiro cordeiro que
serenamente se encaminha para o matadouro.
Os guardas, enviados a prender Jesus, voltam sem cumprir a ordem, porque
«Nunca nenhum homem falou assim». Mas os fariseus, de coração cada vez mais
endurecido, ripostam: «Será que também vós ficastes seduzidos?». Barricados nos
seus preconceitos, não querem ouvir nada sobre Jesus. Apenas O querem prender.
"Naquele tempo, alguns que tinham ouvido as palavras de Jesus diziam no meio da multidão: «Ele é realmente o Profeta». Outros afirmavam: «É o Messias». Outros, porém, diziam: «Poderá o Messias vir da Galileia? Não diz a Escritura que o Messias será da linhagem de David e virá de Belém, a cidade de David?» Houve assim desacordo entre a multidão a respeito de Jesus. Alguns deles queriam prendê-l’O, mas ninguém Lhe deitou as mãos. Então os guardas do templo foram ter com os príncipes dos sacerdotes e com os fariseus e estes perguntaram-lhes: «Porque não O trouxestes?». Os guardas responderam: «Nunca ninguém falou como esse homem». Os fariseus replicaram: «Também vos deixastes seduzir? Porventura acreditou n’Ele algum dos chefes ou dos fariseus? Mas essa gente, que não conhece a Lei, está maldita». Disse-lhes Nicodemos, aquele que anteriormente tinha ido ter com Jesus e era um deles: «Acaso a nossa Lei julga um homem sem antes o ter ouvido e saber o que ele faz?» Responderam-lhe: «Também tu és galileu? Investiga e verás que da Galileia nunca saiu nenhum profeta». E cada um voltou para sua casa."
Também hoje as opiniões se dividem acerca de Jesus. Muitos fecham-se nas
suas dúvidas e na sua indiferença, porque recusam Aquele que pode trazer a paz
aos corações e a união entre os homens. Muitos não buscam realmente a verdade,
mas apenas confirmar os seus preconceitos. Também não faltam ameaças,
perseguições, condenações de inocentes. Felizmente também não faltam pessoas
corajosas, como Nicodemos, capazes de desafiar a opinião dos «poderosos»,
porque estão decididamente apaixonados pela verdade. Para estar com Cristo, é
preciso estarmos cordialmente abertos aos desejos de Deus, à verdade de Deus, à
luz de Deus. Então seremos capazes de acolher a Cristo em todos os momentos e
situações da vida.
De facto, Jesus só tem lugar na vida daqueles que se deixam seduzir. A Jesus não se aceita com argumentos, mas com a relação. Ninguém pode ficar indiferente diante de Jesus, mas reconhecê-l'O como o Messias exige deixar-se seduzir pela proximidade, pela abertura do coração, pela relação de amor.
Pai Nosso que estais nos céus, santificado seja o Vosso Nome, venha a nós o Vosso Reino, seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Ámen.
«E cada um voltou para a sua
casa» (Jo 7, 53): após a discussão e tudo o mais, cada um voltou às
suas convicções. Há uma rutura no povo: as pessoas que seguem Jesus escutam-n'O - não se dão conta do muito tempo que passam ouvindo-O, porque Ele entra no coração - e o grupo de Doutores da Lei que a priori rejeitam
Jesus porque não age de acordo com a lei, de acordo com eles.
São dois grupos de pessoas. O povo que ama Jesus, que O segue, e o grupo dos intelectuais da Lei, os chefes de Israel, os líderes do povo. Isto é claro «quando os guardas foram ter com os chefes dos sacerdotes, os quais lhes disseram: «Por que não o trouxestes aqui?»; perante a resposta obtida, os fariseus interpelaram-nos: «Também vós vos deixastes seduzir? Por acaso algum dos chefes ou dos fariseus acreditou nele? Mas esta gente que não conhece a Lei, é maldita!» (Jo 7, 45-49). Este grupo de doutores da Lei, a elite, sente desprezo por Jesus. Mas também desprezam o povo, “aquelas pessoas”, que são ignorantes, que não sabem nada. O povo santo e fiel de Deus acredita em Jesus, segue-O, e o pequeno grupo de elite, os Doutores da Lei, afasta-se do povo e não recebe Jesus. Mas como é possível, se eles eram ilustres, inteligentes, tinham estudado? Contudo eles tinham um grande defeito: tinham perdido a memória da própria pertença a um povo. O povo de Deus segue Jesus... eles não conseguem explicar porquê, mas seguem-n'O e as Suas palavras chegam ao seu coração. Não se cansam. Pensemos no dia da multiplicação dos pães: passaram o dia inteiro com Jesus, a ponto de os apóstolos lhe dizerem: « Manda embora o povo para que possa comprar algo para comer» (cf. Mc 6, 36). Também os Apóstolos se distanciaram, não consideraram, não desprezaram, mas não consideraram o povo de Deus. «Deixa-os ir comer». Com a resposta de Jesus: «Dai-lhes vós de comer» (cf. Mc 6, 37), Ele insere-os de novo no povo.
Este afastamento entre a elite
dos líderes religiosos e o povo é um drama que vem de longe. Pensemos também,
no Antigo Testamento, na atitude dos filhos de Eli no templo: eles usavam o
povo de Deus; e se alguns deles, que eram um pouco ateus, viessem para cumprir
a Lei, diziam: «Eles são supersticiosos». Desprezo pelo povo. O desprezo pelo
povo «que não é educado como nós que estudamos, que sabemos...». Em vez disso,
o povo de Deus tem uma grande graça: o seu instinto. A intuição de saber onde
está o Espírito. É pecador, como nós: é pecador. Mas possui a intuição de
conhecer os caminhos da salvação.
O problema das elites, de
clérigos de elite como estes, é que tinham perdido a memória da sua pertença ao
Povo de Deus; tornaram-se sofisticados, passaram para outra classe social,
sentem-se dirigentes. É o clericalismo que já existia. (...) Fala-se disto
nestes dias: o mesmo assunto. «São pessoas de segunda classe: nós somos a
classe dirigente, não devemos sujar as mãos com os pobres».
Muitas vezes penso: são pessoas
boas - sacerdotes, religiosas - que não têm coragem de ir e servir os pobres.
Falta alguma coisa. O que faltava aos doutores da Lei. Perderam a memória,
perderam o que Jesus sentia no coração: que faziam parte do próprio povo. Eles
perderam a memória do que Deus disse a David: «Eu escolhi-te do rebanho».
Perderam a memória da própria pertença ao rebanho.
E eles, cada um, cada um voltou
para casa (cf. Jo 7, 53). Um afastamento. Nicodemos, que
via - era um homem inquieto, talvez não tão corajoso, muito diplomático,
mas inquieto - foi então ter com Jesus, mas era fiel com o que podia; procurou
mediar e citou a Lei: «Julga porventura a nossa Lei um homem antes de o ter
ouvido e de saber o que ele faz?» (Jo 7, 51). Responderam-lhe; mas
não responderam à pergunta sobre a Lei: «Dar-se-á o caso de que também
tu és da Galileia? Examina, e verás que
da Galileia não se levanta profeta» (Jo 7,
52). E assim concluíram a história.
Pensemos também hoje em tantos
homens e mulheres qualificados no serviço de Deus que são bons e vão
servir o povo; tantos sacerdotes que não se afastam do povo. Anteontem recebi
uma fotografia de um padre, um pároco de montanha, de muitas aldeias pequenas,
num lugar onde neva, e na neve levava o ostensório pelas aldeias a fim de
conceder a bênção. Ele não se importava com a neve, não se importava com
a dor que o frio lhe fazia sentir nas mãos em contacto com o metal do
ostensório: ele só se importava com levar Jesus ao povo.
Pensemos, cada um de nós, de
que lado estamos, se estamos no meio, um pouco indecisos, se estamos com o
sentimento do povo de Deus, o povo fiel de Deus que não pode falhar: eles têm
essa infallibilitas in credendo. E pensemos na elite que se separa
do povo de Deus, no clericalismo. E talvez o conselho que Paulo dá ao seu
discípulo, o jovem bispo Timóteo, nos faça bem a todos: «Lembra-te da tua mãe e
da tua avó» (cf. 2 Tm 1, 5). Lembra-te da tua mãe e da tua
avó. Se Paulo aconselhava isto, era porque conhecia bem o perigo a que conduzia
este sentido de elitismo na nossa liderança.
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