Tema da terceira semana:
“DESTRUÍ ESTE TEMPLO, E EM TRÊS DIAS O LEVANTAREI”.
19º
Dia
– Domingo III – 07/03/2021
EVANGELHO Jo 2, 13-25
"Tirai tudo isto daqui; não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio."
“Destruam este Templo,
e em três dias eu o levantarei” (Jo 2,19). Eis a mensagem
central do trecho do Evangelho
que temos
no 3° Domingo de Quaresma do ciclo B. Este episódio narrado por todos os evangelistas é teológico,
evidentemente, mas comporta
uma dimensão histórica. Isso porque se sabe, hoje, que este episódio de Jesus, expulsando os vendedores do templo, está
na origem da Sua prisão e na causa da Sua condenação. Mas porque razão
lemos esta versão de João em lugar da de Marcos, o evangelista do ano B?
Simplesmente porque São João, que situa o acontecimento no início da missão de Jesus,
dá mais pormenores importantes para a Igreja do 1°século, do que os que encontramos
em Marcos, ou nos outros evangelistas, que situam o evento justamente antes da
prisão de Jesus, da Sua paixão e da Sua morte.
Este
leitura, seja qual for o lugar em que os evangelistas se situam, retoma,
sem dúvida, o gesto histórico
de Jesus no momento de uma
peregrinação a Jerusalém... um gesto que lhe custou a vida. Por outro lado,
como é uma narrativa composta após a Páscoa, trata-se de uma releitura
teológica de um evento histórico verdadeiro... Hoje, nós, que relemos essa
narrativa, que devemos reter como mensagem?
Jesus,
um revolucionário. Jesus, como profeta, opôs-se abertamente ao poder religioso,
civil e político do seu tempo, e o templo é a representação fiel desse tipo de
poder: o templo de Jerusalém era, para os judeus, o lugar da presença de Deus;
ele era gerenciado pelos sacerdotes e pelos avós, e eles faziam um comércio um
tanto lucrativo. Cada judeu devia ir em peregrinação ao Templo de Jerusalém, ao
menos uma vez na vida, para oferecer sacrifícios a Deus. Havia mesas de
cambistas, pois a moeda imperial era rejeitada. Os ricos obtinham
bois, a classe média, ovelhas,
e os pobres compravam pombas
ou pombinhos, mas todos ofereciam sacrifícios a Deus. Que Jesus, em
peregrinação com seus amigos, havia denunciado abertamente essa prática, é mais
do que credível, e é sem dúvida o que permitiu às autoridades prendê-l’O e
condená-l’O. Então, podemos situar este acontecimento alguns dias antes da Sua
prisão.
Um anúncio
da paixão de Jesus. São João faz alusões à paixão de Jesus nesta narrativa: fazendo
um chicote de cordas para expulsar os vendedores do Templo (Jo 2,15), o evangelista anuncia
o chicote com que Jesus,
o novo templo de Deus,
será flagelado no momento da paixão (Jo 19,1). Tirando as moedas dos
cambistas (Jo 2,15) e dos vendedores de ovelhas (Jo 2,14), podemos ver o
anúncio de que Jesus, ele mesmo, será vítima de um tráfico absolutamente
indigno da casa de Deus, pois Ele, o verdadeiro Templo, o Cordeiro Pascal, será
vendido por 30 moedas, que Judas voltará para jogar no templo, sujando-o
definitivamente (Mt 26,15; 27,5).
A
idolatria e a exploração dos pobres. Como diz verdadeiramente o teólogo Charles
Wachenheim, é um mesmo sopro libertador que inspira
os preceitos do Decálogo (1ª leitura) e a narrativa joanica dos vendedores expulsos do templo.
Nos dois casos, os crentes de ontem e os de hoje são chamados a
livrar-se do culto dos ídolos, que ameaça, incessantemente, escravizá-los:
A Lei. Após ter libertado o
seu povo da escravidão do Egito, Deus oferece-lhes a maneira de alcançar, no dia
a dia, a sua liberdade. É desta forma que nós devemos compreender o Decálogo ou
os Dez Mandamentos. Wackenheim escreve: “Portanto o bezerro de ouro não está longe.
Preferindo um ídolo morto ao Deus vivo,
o povo reproduz nos seus próprios alimentos de servidão o que denuncia a Lei divina: desrespeito dos pais,
morte, adultério, furto, falso testemunho, luxúria. O coração da Lei, o penhor
de uma autêntica libertação, é o reconhecimento do Deus único, “o Amor” de Seu
nome e a observância do sabbat”.
O Evangelho. Confundindo comércio
e religião, os contemporâneos de Jesus transformam o templo em casa de tráfico
(Jo 2,16). Jesus quer libertar esses homens de uma imagem perversa de Deus. Se
ele pega especialmente os vendedores de pombas (Jo 2,16), é porque esses
vendedores exploram descaradamente os fiéis mais pobres, e isso é inaceitável.
Ainda hoje, nos acontece deformar
o rosto de Deus, quando
O utilizamos para esmagar e explorar as pessoas carentes, para condenar ou para excluir
os feridos da vida, os marginalizados. Wackenheim escreve: “O homem religioso tende a
sacralizar livros, tradições, instituições, prédios, ritos e doutrinas,
enquanto que na Bíblia os únicos sagrados são Deus e o próximo”.
O Corpo de Cristo. Não podemos encerrar
Deus num templo de pedras e de tijolos. O único caminho até Deus, a Sua verdadeira casa entre os homens,
é o Seu Filho feito homem.
Wackenheim acrescenta: “Jesus
de Nazaré revela,
ao mesmo tempo, a
eminente dignidade de todo o ser humano e a humildade de um Deus que, no
encontro com todos os ídolos, Se apaga no dom que
Ele faz de Si próprio”. Ao pedido das
autoridades judaicas, para que Jesus
lhes explicasse o seu
gesto: “Que sinal nos mostras para
agires assim?” (Jo 2,18), Jesus
responde: “Destruí este
Templo, e em três dias o levantarei” (Jo 2,19). Jesus revira não somente as mesas, mas também a maneira de reencontrar Deus. Deus não está mais encerrado
num templo de pedras, mesmo se fossem
precisos 46 anos para o reconstruir; o novo templo
de Deus é Cristo que levou três dias para Se levantar, para
ressuscitar, e esse templo, hoje, são os cristãos de todos os tempos que são,
eles mesmos, o Corpo de Cristo ressuscitado. Isso significa que o Cristo de São
João dessacralizou os templos de pedra para sacralizar os templos de carne: os
humanos que levam neles mesmos o Deus vivo. E, para estar mais seguro de ser
bem entendido, o evangelista João diz
explicitamente: “Jesus, porém,
falava do Templo do Seu corpo”
(Jo 2,21).
Escândalo para uns e loucura para outros. É evidente que a fé cristã repousa
sobre um acontecimento paradoxal e estratégico: a morte-ressurreição de Jesus; ainda mais, porque se trata de
uma morte por crucifixão: era a pena de morte infligida aos bandidos, aos assassinos e aos malfeitores. Então, é um escândalo
para os judeus, diz são Paulo, e é pura loucura para os
pagãos (1Co 1,23). É por isso que não dá para separar o Crucificado do
Ressuscitado, pois Cristo, o Messias, é poder de Deus e sabedoria de Deus, por
causa da Páscoa, por causa do Crucificado-Ressuscitado. O que quer dizer que São Paulo estaria escandalizado de ver, hoje, essa devoção popular que se
desenvolveu após ele, ao redor de Jesus crucificado e ensanguentado, sem
referência à Ressurreição. Sim, Jesus foi crucificado, mas ele está
ressuscitado e as nossas cruzes devem significá-lo. Estou convencido de que os
representantes de Cristo ressuscitado, com a cruz atrás, correspondem mais à
teologia dos primeiros cristãos que contemplavam a cruz, no entanto à luz da
Páscoa, do brilho da ressurreição.
Concluindo,
estejamos cientes, hoje, na nossa caminhada de Quaresma, que somos templos de
Deus, e, com esse título, valemos mais do que todas as igrejas e todas as
catedrais do mundo...
in https://www.jesuitasbrasil.org.br/
Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Assim como era no princípio, agora e sempre. Ámen.
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