sábado, 26 de abril de 2025

DOMINGO II DA PÁSCOA  

OU DA DIVINA MISERICÓRDIA

Na segunda semana da Páscoa, a liturgia desafia-nos a dar testemunho, na nossa vida, em toda e qualquer situação, de que acreditamos verdadeiramente que Jesus está vivo e ressuscitado no meio de nós

Na 1ªleitura (Atos 5, 12-16) damo-nos conta da forma como cresciam as primeiras comunidades, graças à ação do Espírito Santo, que agia nos apóstolos e, através deles, no coração de quem os escutava de coração sincero. 

“Pelas mãos dos Apóstolos realizavam-se muitos milagres e prodígios entre o povo. Unidos pelos mesmos sentimentos, reuniam-se todos no Pórtico de Salomão; nenhum dos outros se atrevia a juntar-se a eles, mas o povo enaltecia-os. Uma multidão cada vez maior de homens e mulheres aderia ao Senhor pela fé, de tal maneira que traziam os doentes para as ruas e colocavam-nos em enxergas e em catres, para que, à passagem de Pedro, ao menos a sua sombra cobrisse alguns deles. Das cidades vizinhas de Jerusalém, a multidão também acorria, trazendo enfermos e atormentados por espíritos impuros e todos eram curados.” 

Na 2ªleitura (Ap 1, 9-11a.12-13.17-19) S.João  dá-nos força e confiança, apontando-nos como único caminho a seguir Jesus Cristo, que está vivo e ressuscitado no meio de nós. Se Ele e só Ele for a única força em que nos apoiemos, nada, nem ninguém, poderá separar-nos do Amor de Deus. 

“Eu, João, vosso irmão e companheiro nas tribulações, na realeza e na perseverança em Jesus, estava na ilha de Patmos, por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus. No dia do Senhor fui movido pelo Espírito e ouvi atrás de mim uma voz forte, semelhante à da trombeta, que dizia: «Escreve num livro o que vês e envia-o às sete Igrejas». Voltei-me para ver de quem era a voz que me falava; ao voltar-me, vi sete candelabros de ouro e, no meio dos candelabros, alguém semelhante a um filho do homem, vestido com uma longa túnica e cingido no peito com um cinto de ouro. Quando o vi, caí a seus pés como morto. Mas ele poisou a mão direita sobre mim e disse-me: «Não temas. Eu sou o Primeiro e o Último, o que vive. Estive morto, mas eis-Me vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da morte e da morada dos mortos. Escreve, pois, as coisas que viste, tanto as presentes como as que hão de acontecer depois destas».”

Hoje é o oitavo dia depois da Páscoa, e o Evangelho de João (Jo 20, 19-31)documenta-nos as duas aparições de Jesus Ressuscitado aos Apóstolos, reunidos no Cenáculo: na tarde de Páscoa, quando Tomé estava ausente, e oito dias mais tarde, na presença de Tomé. Na primeira vez, o Senhor mostrou aos discípulos as feridas do seu corpo, fez o sinal de soprar sobre eles e disse: «Assim como o Pai me enviou, também Eu vos envio». Transmite-lhes a Sua própria missão, com a força do Espírito Santo.

Mas naquela tarde Tomé não estava presente, e, apesar do que os outros apóstolos contavam, não queria acreditar no testemunho deles. «Se eu não vir nem tocar as suas chagas — disse — não acreditarei». Oito dias depois — ou seja, precisamente num dia como como o de hoje — Jesus volta a apresentar-se no meio dos seus e dirige-se imediatamente a Tomé, convidando-o a tocar as feridas das suas mãos e do seu lado. Ele vai ao encontro da sua incredulidade para que, através dos sinais da paixão, Tomé possa alcançar a plenitude da fé pascal, isto é, a fé na Ressurreição de Jesus.

“Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor. Jesus disse-lhes de novo: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos». Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Disseram-lhe os outros discípulos: «Vimos o Senhor». Mas ele respondeu-lhes: «Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei». Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez em casa e Tomé com eles. Veio Jesus, estando as portas fechadas, apresentou-Se no meio deles e disse: «A paz esteja convosco». Depois disse a Tomé: «Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente». Tomé respondeu-Lhe: «Meu Senhor e meu Deus!». Disse-lhe Jesus: «Porque Me viste acreditaste: felizes os que acreditam sem terem visto». Muitos outros milagres fez Jesus na presença dos seus discípulos, que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome.” 

No Evangelho de Hoje, o verbo ver aparece várias vezes «Os discípulos alegraram-se por verem o Senhor» (Jo 20,20); depois disseram a Tomé: «Vimos o Senhor» (v. 25). Mas o Evangelho não descreve como o viram, não descreve o Ressuscitado, apenas destaca um detalhe: «Mostrou-lhes as mãos e o lado» (v. 20). Parece significar que os discípulos reconheceram Jesus desse modo: através das suas chagas. O mesmo acontece com Tomé: ele também queria ver «a marca dos pregos em suas mãos» (v. 25) e, depois de ter visto, acreditou (cf. v. 27).

Apesar da sua incredulidade, temos de agradecer a Tomé, pois a ele não lhe bastou ouvir dizer dos outros que Jesus estava vivo, e nem sequer com poder vê-Lo em carne e osso, mas quis ver dentro, tocar com a mão nas suas chagas, os sinais do seu amor. O Evangelho chama Tomé de «Dídimo» (v. 24), ou seja, gémeo; e nisso ele é verdadeiramente nosso irmão gémeo. Pois também a nós não nos basta saber que Deus existe: um Deus ressuscitado, mas longínquo, não nos preenche a nossa vida; não nos atrai um Deus distante, por mais que seja justo e santo. Não: Nós também precisamos “ver a Deus”, de “tocar com a mão” que Ele tenha ressuscitado, e ressuscitado por nós.

Como podemos vê-Lo? Como os discípulos: por meio das suas chagas. Olhando por ali, compreenderam que Ele não os amava de brincadeira e que os perdoava, embora entre eles houvesse quem O tivesse negado e O tivesse abandonado. Entrar nas suas chagas significa contemplar o amor sem medidas que brota do Seu coração. Esse é o caminho. Significa entender que o Seu coração bate por mim, por ti, por cada um de nós. Queridos irmãos e irmãs, podemo-nos considerar e chamar-nos cristãos, e falar sobre muitos belos valores da fé, mas, como os discípulos, precisamos de ver Jesus tocando o Seu amor. Só assim podemos ir ao coração da fé e, como os discípulos, encontrar uma paz e uma alegria mais fortes do que qualquer dúvida (cf. vv. 19-20).

Tomé, depois de ter visto as chagas do Senhor, exclamou: «Meu Senhor e meu Deus!» (v. 28). Queria chamar a atenção para esse pronome que Tomé repete: meu. Trata-se de um pronome possessivo e, se refletimos sobre isso, podia parecer fora do lugar referi-lo a Deus: como Deus pode ser meu? Como posso fazer que o Todo-poderoso seja meu? Na realidade, dizendo meu, não profanamos a Deus, mas honramos a Sua misericórdia, pois foi Ele que quis “fazer-se nosso”. E, como numa história de amor, dizemos-Lhe: “Fizestes-vos homem por mim, morrestes e ressuscitastes por mim e agora não sois somente Deus; sois o meu Deus, sois a minha vida. Em vós encontrei o amor que eu procurava e muito mais, como nunca teria imaginado”.

Deus não se ofende de ser “nosso”, pois o amor exige familiaridade, a misericórdia requer confiança. Já no início dos dez mandamentos, Deus dizia: «Eu sou o Senhor, teu Deus» (Ex 20,2) e reiterava: «pois eu sou o Senhor teu Deus, um Deus zeloso» (v.5). Aqui está a proposta de Deus, amante zeloso, que se apresenta como teu Deus; e do coração comovido de Tomé brota a resposta: «Meu Senhor e meu Deus!». Entrando hoje, através das chagas, no mistério de Deus, entendemos que a misericórdia não é mais uma das Suas qualidades entre outras, mas o palpitar do Seu coração. E então, como Tomé, não vivemos mais como discípulos vacilantes; devotos, mas hesitantes; nós também nos tornamos verdadeiros enamorados do Senhor! Não devemos ter medo desta palavra: enamorados do Senhor!

Como saborear este amor, como tocar hoje com a mão a misericórdia de Jesus? O Evangelho também nos sugere isso, quando aponta que na tarde mesma da Páscoa (cf. Jo 20, 19), ou seja, logo depois de ressuscitar, Jesus, em primeiro lugar, dá o Espírito para perdoar os pecados. Para experimentar o amor, é preciso passar por ali: deixar-se perdoar. Deixar-se perdoar: pergunto a mim mesmo e a cada um de vós: “deixo-me perdoar?”. “- Mas, Padre, ir confessar-se parece difícil...”. Diante de Deus, somos tentados a fazer como os discípulos no Evangelho: trancarmo-nos por detrás de portas fechadas. Eles faziam isso por temor e nós também temos medo, vergonha de abrir-nos e contar os nossos pecados. Que o Senhor nos dê a graça de compreender a vergonha: de vê-la não como uma porta fechada, mas como o primeiro passo do encontro. Quando nos sentimos envergonhados, devemos ser agradecidos: quer dizer que não aceitamos o mal, e isso é bom. A vergonha é um convite secreto da alma que precisa do Senhor para vencer o mal. O drama está quando não se sente vergonha por coisa alguma. Não devemos ter medo de sentir vergonha! E assim passemos da vergonha ao perdão! Não tenhais medo de vos envergonhar! Não tenhais medo.

Contudo, há uma porta fechada diante do perdão do Senhor: é a resignação. A resignação é sempre uma porta fechada. Os discípulos a experimentaram quando, na Páscoa, constatavam que tudo tivesse voltado a ser como antes: ainda estavam lá, em Jerusalém, desalentados; o “capítulo Jesus” parecia terminado e, depois de tanto tempo com Ele, nada tinha mudado: “-Resignemo-nos”. Também nós podemos pensar: “Sou cristão há muito tempo, porém nada muda em mim, cometo sempre os mesmos pecados”. Então, desalentados, renunciamos à misericórdia. Entretanto, o Senhor nos interpela: “Não acreditas que a misericórdia é maior do que a tua miséria? Estás reincidente no pecado? Sê reincidente em clamar por misericórdia, e veremos quem leva a melhor!”. E depois – quem conhece o sacramento do perdão o sabe – não é verdade que tudo permaneça como antes. Em cada perdão recebemos novo alento, somos encorajados, pois nos sentimos cada vez mais amados, mais abraçados pelo Pai. E quando, sentindo-nos amados, caímos mais uma vez, sentimos mais dor do que antes. É uma dor benéfica, que lentamente nos separa do pecado. Descobrimos então que a força da vida é receber o perdão de Deus, e seguir em frente, de perdão em perdão. Assim segue a vida: de vergonha em vergonha, de perdão em perdão; Esta é a vida cristã.

Depois da vergonha e da resignação, existe outra porta fechada, às vezes blindada: o nosso pecado; o próprio pecado. Quando cometo um grande pecado, se eu, com toda a honestidade, não quero me perdoar, por que o faria Deus? Esta porta, no entanto, está fechada só de um lado: o nosso; para Deus nunca é intransponível. Ele, como nos ensina o Evangelho, adora entrar justamente através “das portas fechadas” – como escutamos -, quando todas as passagens parecem bloqueadas. Lá Deus faz maravilhas. Ele nunca decide separar-se de nós, somos nós que o deixamos do lado de fora. Mas quando nos confessamos, tem lugar o inaudito: descobrimos que precisamente aquele pecado, que nos mantinha distantes do Senhor, converte-se no lugar do encontro com Ele. Ali o Deus ferido de amor vem ao encontro das nossas feridas. E torna as nossas chagas miseráveis semelhantes às suas chagas gloriosas. Trata-se de uma transformação: a minha chaga miserável torna-se semelhante às suas chagas gloriosas. Pois  Ele é misericórdia e faz maravilhas nas nossas misérias. Como Tomé, pedimos hoje a graça de reconhecer o nosso Deus: de encontrar no Seu perdão a nossa alegria; de encontrar na Sua misericórdia a nossa esperança.

Papa Francisco
(Homilia no II Domingo de Páscoa, 8 de abril de 2018)

sábado, 19 de abril de 2025

Uma Santa e Feliz Páscoa

 

DOMINGO DE PÁSCOA - 2025

RESSURREIÇÃO DO SENHOR 

A liturgia deste domingo celebra a ressurreição e garante-nos que a vida, em plenitude, resulta de uma existência feita dom e serviço em favor dos irmãos. A ressurreição de Cristo é o exemplo concreto que confirma tudo isto. As leituras, deste Domingo de Páscoa, introduzem-nos no mistério maior da nossa fé, a ressurreição de Jesus. Mergulhados no imenso Amor de Deus, que Seu Filho nos revela, percebemos que, a partir da ressurreição de Jesus, tudo passa a ser diferente, a vida ganha outro sentido.  Agora podemos branquear a nossa alma no Filho muito amado de Deus, que de braços abertos nos acolhe e estreita contra o Seu peito. Deixemo-nos habitar por este Amor sem fim, para que também os que connosco convivem, ou se cruzam nas estradas da vida, possam sentir-se totalmente amados por Deus. 

S.Lucas, na 1ªleitura de hoje, (At 10,34.37-43) apresenta a Palavra de Jesus, transmitida pelos apóstolos sob o impulso do Espírito Santo: é essa Palavra que contém a proposta libertadora de Deus para os homens. Nos Atos, em especial, S.Lucas mostra como a Igreja nasce da Palavra de Jesus, fielmente anunciada pelos apóstolos; será esta Igreja, animada pelo Espírito, fiel à doutrina transmitida pelos apóstolos, que tornará presente o plano salvador do Pai e o fará chegar a todos os homens. Nesta primeira leitura, Pedro fala do exemplo de Cristo que “passou pelo mundo fazendo o bem” e que, por amor, Se deu até à morte; por isso, Deus ressuscitou-O. Os discípulos, testemunhas desta dinâmica, devem anunciar este “caminho” a todos os homens.

"Naqueles dias, Pedro tomou a palavra e disse: «Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do batismo que João pregou: Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando a todos os que eram oprimidos pelo Demónio, porque Deus estava com Ele.  Nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez no país dos Judeus e em Jerusalém; e eles mataram-n’O, suspendendo-O na cruz. Deus ressuscitou-O ao terceiro dia e permitiu-Lhe manifestar-Se, não a todo o povo, mas às testemunhas de antemão designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele, depois de ter ressuscitado dos mortos. Jesus mandou-nos pregar ao povo e testemunhar que Ele foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos. É d’Ele que todos os profetas dão o seguinte testemunho: quem acredita n’Ele recebe pelo seu nome a remissão dos pecados»."

Na segunda leitura (Col 3, 1-4) S.Paulo convida os cristãos, revestidos de Cristo pelo Batismo, a continuarem a sua caminhada de vida nova, até à transformação plena que acontecerá quando, pela morte, tivermos ultrapassado a última fronteira da nossa finitude.

"Irmãos: Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar, também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória."

O Evangelho de hoje (Jo 20, 1-9) coloca-nos diante de três atitudes face à ressurreição: a da mulher, Madalena, interrogativa, aflita e preocupada, mas pronta a acreditar; a do discípulo obstinado, que se recusa a aceitá-la porque, na sua lógica, o amor total e a doação da vida não podem nunca ser geradores de vida nova; e o discípulo ideal, que ama Jesus e que, por isso, entende o Seu caminho e a Sua proposta – a esse não o escandaliza nem o espanta que da Cruz tenha nascido a vida plena, a vida verdadeira.

"No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro e viu a pedra retirada do sepulcro. Correu então e foi ter com Simão Pedro e com o discípulo predileto de Jesus e disse-lhes: «Levaram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde O puseram». Pedro partiu com o outro discípulo e foram ambos ao sepulcro. Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo antecipou-se, correndo mais depressa do que Pedro, e chegou primeiro ao sepulcro. Debruçando-se, viu as ligaduras no chão, mas não entrou. Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguira. Entrou no sepulcro e viu as ligaduras no chão e o sudário que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não com as ligaduras, mas enrolado à parte. Entrou também o outro discípulo que chegara primeiro ao sepulcro: viu e acreditou. Na verdade, ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos."

Senhor, eu te louvo e bendigo por nos amares tão infinitamente. A ti o louvor a glória a honra e o poder pelos séculos sem fim.

Queridos irmãos e irmãs, Feliz Páscoa!

Hoje ressoa em todo o mundo o anúncio que partiu de Jerusalém há dois mil anos: "Jesus de Nazaré, o crucificado, ressuscitou!" (cf. Mc 16, 6).

A Igreja revive o espanto das mulheres que foram ao sepulcro na madrugada do primeiro dia da semana. O túmulo de Jesus tinha sido fechado com uma grande pedra; e assim, ainda hoje, pedras pesadas, demasiadamente pesadas, fecham as esperanças da humanidade: a pedra da guerra, a pedra das crises humanitárias, a pedra das violações dos direitos humanos, a pedra do tráfico de pessoas e outras. Nós também, como as mulheres discípulas de Jesus, perguntamo-nos uns aos outros: "Quem irá remover estas pedras para nós?" (cf. Mc 16, 3).

E eis a sua descoberta na manhã de Páscoa: a pedra, aquela grande pedra, já havia sido removida. O espanto das mulheres é o nosso espanto: o túmulo de Jesus está aberto e vazio! É aqui que tudo começa. Através desse túmulo vazio passa o novo caminho, o caminho que nenhum de nós, mas somente Deus, poderia abrir: o caminho da vida em meio à morte, o caminho da paz em meio à guerra, o caminho da reconciliação em meio ao ódio, o caminho da fraternidade em meio à inimizade.

Irmãos e irmãs, Jesus Cristo ressuscitou, e somente Ele é capaz de remover as pedras que fecham o caminho para a vida. De facto, Ele mesmo, o Vivente, é o Caminho: o Caminho da vida, da paz, da reconciliação, da fraternidade. Ele abre-nos a passagem, algo humanamente impossível, porque somente Ele tira o pecado do mundo e perdoa os nossos pecados. E sem o perdão de Deus, essa pedra não pode ser removida. Sem o perdão dos pecados, não se consegue sair dos fechamentos, dos preconceitos, das suspeitas mútuas e das presunções, que sempre levam a absolver a si mesmo e a acusar os outros. Somente Cristo Ressuscitado, ao dar-nos o perdão dos pecados, abre o caminho para um mundo renovado.

Somente Ele nos abre as portas da vida, aquelas portas que fechamos continuamente com as guerras que se alastram pelo mundo. Hoje voltamos o nosso olhar, em primeiro lugar, para a Cidade Santa de Jerusalém, testemunha do mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus, e para todas as comunidades cristãs da Terra Santa.

O meu pensamento dirige-se, sobretudo, às vítimas dos muitos conflitos em andamento no mundo, a começar pelos que ocorrem em Israel, na Palestina e na Ucrânia. Que Cristo Ressuscitado abra um caminho de paz para as populações atormentadas dessas regiões. Ao mesmo tempo que convido a que sejam respeitados os princípios do direito internacional, espero que haja uma troca geral de todos os prisioneiros entre a Rússia e a Ucrânia: todos por todos!

Além disso, faço novamente um apelo para que seja garantido o acesso da ajuda humanitária a Gaza e insisto, uma vez mais, na pronta libertação dos reféns sequestrados em 7 de outubro e num cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza.

Não permitamos que as hostilidades em andamento continuem a afetar seriamente a população civil, já exausta, especialmente as crianças. Quanto sofrimento vemos nos olhos das crianças! Aquelas crianças, nas terras onde há guerras, já se esqueceram de como se sorri. Com o seu olhar perguntam-nos: Por quê? Por que tanta morte? Por que tanta destruição? A guerra é sempre um absurdo, a guerra é sempre uma derrota! Não permitamos que ventos de guerra cada vez mais fortes soprem sobre a Europa e o Mediterrâneo. Não nos rendamos à lógica das armas e do rearmamento. A paz nunca é construída com armas, mas estendendo as nossas mãos e abrindo os nossos corações.

Irmãos e irmãs, não nos esqueçamos da Síria, que vem sofrendo as consequências de uma guerra longa e devastadora há treze anos. Tantos mortos, pessoas desaparecidas, tanta pobreza e destruição estão à espera por respostas de todos, inclusive da comunidade internacional.

O meu olhar, hoje, dirige-se de, modo especial, para o Líbano, que há muito tempo vem sendo afetado por um bloqueio institucional e por uma profunda crise económica e social, agora agravada pelas hostilidades na fronteira com Israel. Que o Senhor Ressuscitado conforte o amado povo libanês e sustente todo o país na sua vocação de ser uma terra de encontro, coexistência e pluralismo.

Dirijo um pensamento especial à região dos Bálcãs Ocidentais, onde estão a ser dados passos significativos para a integração no projeto europeu: que as diferenças étnicas, culturais e confessionais não sejam uma causa de divisão, mas se tornem uma fonte de enriquecimento para toda a Europa e para o mundo inteiro.

Da mesma forma, encorajo as conversações entre a Arménia e o Azerbaijão, para que, com o apoio da comunidade internacional, se possa continuar o diálogo, ajudar os deslocados, respeitar os locais de culto das diferentes denominações religiosas e chegar a um acordo de paz definitivo o mais rápido possível.

Que o Cristo Ressuscitado abra um caminho de esperança às pessoas que, noutras partes do mundo, sofrem com a violência, os conflitos, a insegurança alimentar e os efeitos das mudanças climáticas. Que o Senhor conceda conforto às vítimas de todas as formas de terrorismo. Oremos pelos que perderam as suas vidas e imploremos arrependimento e conversão para os autores de tais crimes.

Que o Senhor Ressuscitado ajude o povo haitiano, para que a violência, que derrama sangue e dilacera o País, possa cessar o mais rápido possível e que se possa progredir no caminho da democracia e da fraternidade.

Que Ele dê conforto aos Roingas, afligidos por uma grave crise humanitária, e abra o caminho da reconciliação em Mianmar, dilacerado por anos de conflito interno, a fim de que toda a lógica de violência seja definitivamente abandonada.

Que o Senhor abra caminhos de paz no continente africano, especialmente para as populações provadas no Sudão e em toda a região do Sahel, no Chifre da África, na região de Kivu, na República Democrática do Congo, e na província de Cabo Delgado, em Moçambique, e ponha fim à prolongada situação de seca que afeta vastas áreas e causa fome e carestia.

Que o Ressuscitado faça resplandecer a sua luz sobre os migrantes e aqueles que estão a passar por dificuldades económicas, oferecendo-lhes conforto e esperança nos seus momentos de necessidade. Que Cristo guie todas as pessoas de boa vontade a se unirem em solidariedade, para enfrentarem juntas os muitos desafios que as famílias mais pobres enfrentam na sua busca por uma vida melhor e pela felicidade.

Neste dia em que celebramos a vida que nos foi dada na ressurreição do Filho, lembremo-nos do amor infinito de Deus por cada um de nós: um amor que supera todos os limites e todas as fraquezas. No entanto, quão frequentemente a preciosa dádiva da vida é desprezada! Quantas crianças não conseguem sequer ver a luz? Quantas morrem de fome, ou são privadas de cuidados essenciais, ou são vítimas de abuso e violência? Quantas vidas são mercantilizadas pelo crescente comércio de seres humanos?

Irmãos e irmãs, no dia em que Cristo nos libertou da escravidão da morte, exorto aqueles com responsabilidade política a não pouparem esforços no combate ao flagelo do tráfico humano, trabalhando incansavelmente para desmantelar as suas redes de exploração e trazer liberdade àqueles que são as suas vítimas. Que o Senhor console as suas famílias, especialmente aquelas que aguardam ansiosamente notícias dos seus entes queridos, assegurando-lhes conforto e esperança.

Que a luz da ressurreição ilumine as nossas mentes e converta os nossos corações, conscientizando-nos do valor de toda a vida humana, que deve ser acolhida, protegida e amada.

Feliz Páscoa a todos!

Papa Francisco
(Mensagem Urbi et Orbe de 31de março de 2024)

Feliz Páscoa - 2025

sexta-feira, 18 de abril de 2025

Via - Sacra 2025

  QUARESMA PASSO A PASSO - 2025

SEMANA SANTA 


MEDITAÇÕES E ORAÇÕES PARA A VIA SACRA 2025
ESCRITO PELO SANTO PADRE FRANCISCO

Coliseu
Sexta-feira Santa, 18 de abril de 2025

Introdução

O caminho para o Calvário passa pelas estradas do nosso dia-a-dia. Nós vamos, Senhor, normalmente na direção oposta à vossa. Por isso mesmo, pode acontecer que encontremos o vosso rosto e que cruzemos com o vosso olhar. Caminhamos como de costume e Vós vindes ao nosso encontro. Os vossos olhos leem-nos o nosso coração. Hesitamos, então, em continuar como se nada tivesse acontecido. Podemos dar meia-volta, olhar para Vós e seguir-vos. Podemos identificar-nos com o vosso caminho e perceber que é melhor mudar de rumo.

Do Evangelho segundo São Marcos (10, 21)

Jesus, fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele e disse: «Falta-te apenas uma coisa: vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me».

Jesus é o vosso nome e verdadeiramente em Vós «Deus salva». O Deus de Abraão que chama, o Deus de Isaac que provê, o Deus de Jacob que abençoa, o Deus de Israel que liberta: no vosso olhar, Senhor, que percorreis Jerusalém, há toda uma revelação. Nos vossos passos que saem da cidade está o nosso êxodo para uma nova terra. Viestes para mudar o mundo: para nós isso significa mudar de direção, ver a bondade das vossas pegadas, deixar trabalhar no nosso coração a memória do vosso olhar.

A Via-Sacra é a oração de quem está em movimento. Interrompe os nossos caminhos habituais, para que do cansaço passemos à alegria. É verdade que nos custa trilhar o caminho de Jesus: neste mundo que tudo calcula, a gratuidade tem um preço elevado. No dom gratuito, porém, tudo volta a florescer: uma cidade dividida em facções e dilacerada por conflitos caminha em direção à reconciliação; uma religiosidade estéril redescobre a fecundidade das promessas de Deus; até um coração de pedra pode transformar-se num coração de carne. Basta ouvir o convite: “Vem e segue-me!”, e confiar nesse olhar de amor.

Primeira Estação

Jesus é condenado à morte

Do Evangelho segundo São Lucas (23, 13-16)

Pilatos convocou os sumos sacerdotes, os chefes e o povo e disse-lhes: «Trouxestes este homem à minha presença como se andasse a revoltar o povo. Interroguei-o diante de vós e não encontrei nele nenhum dos crimes de que o acusais. Herodes tão-pouco, visto que no-lo mandou de novo. Como vedes, Ele nada praticou que mereça a morte. Vou, portanto, libertá-lo, depois de o castigar».

Não foi assim que aconteceu. Pilatos não vos libertou. E, no entanto, poderia ter sido diferente. É o jogo dramático da nossa liberdade. Aquilo pelo qual, Senhor, tanto nos estimastes. Confiastes em Herodes, em Pilatos, nos amigos e nos inimigos. Sois irrevogável na confiança com que vos colocais nas nossas mãos. Disso podemos tirar consequências maravilhosas: libertando quem é injustamente acusado, aprofundando a complexidade das situações, contrariando os juízos que matam. Até Herodes poderia ter seguido a santa inquietação que o atraiu a Vós; mas não o fez, nem mesmo quando finalmente esteve na vossa presença. Pilatos poderia ter-vos libertado: já vos tinha absolvido. Mas não o fez. O caminho da cruz, Jesus, é uma possibilidade que já abandonámos demasiadas vezes. Confessamo-lo: prisioneiros de ocupações que não quisemos abandonar, preocupados com o inconveniente de uma mudança de direção. Vós continuais, silenciosamente, diante de nós: em cada irmã e irmão expostos a julgamentos e preconceitos. Regressam os argumentos religiosos, as querelas jurídicas, o aparente bom senso que não se envolve no destino dos outros: inúmeras razões nos puxam para o lado de Herodes, dos sacerdotes, de Pilatos e da multidão. Contudo, pode ser diferente. Vós, Senhor Jesus, não lavais as mãos. Continuais a amar, em silêncio. Fizestes a vossa escolha, e agora é a nossa vez.

Oremos dizendo: Abri o meu coração, Jesus 

Quando diante de mim há uma pessoa julgada

 

Abri o meu coração, Jesus

Quando as minhas certezas são preconceitos.

 

Abri o meu coração, Jesus

Quando estou condicionado pela rigidez.

 

Abri o meu coração, Jesus

Quando o bem me atrai secretamente.

 

Abri o meu coração, Jesus

Quando desejo ser corajoso, mas tenho medo de perder.

 

Abri o meu coração, Jesus

Segunda Estação

Jesus carrega a cruz

Do Evangelho segundo São Lucas (9, 43b-45)

Estando todos admirados com tudo o que Ele fazia, Jesus disse aos seus discípulos: «Prestai bem atenção ao que vou dizer-vos: O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens». Eles, porém, não entendiam aquela linguagem, porque lhes estava velada, de modo que não compreendiam e tinham receio de o interrogar a esse respeito.

Durante meses, talvez por anos, Senhor Jesus, aquele fardo estava sobre os vossos ombros. Quando faláveis dele, ninguém vos prestava atenção: uma resistência invencível, até mesmo para intuir. Não procurastes a cruz, mas, de modo cada vez mais evidente, sentistes que ela se aproximava de vós. Se a aceitastes, foi porque, além do peso, sentíeis a responsabilidade. O caminho da vossa cruz, Senhor Jesus, não é apenas uma subida. É a vossa descida em direção àqueles que amastes, ao mundo amado por Deus. É uma resposta, um assumir a responsabilidade. Custa, como custam as relações mais verdadeiras, os amores mais bonitos. O peso que carregais fala-nos do sopro que vos move, do Espírito que é “Senhor que dá a vida”. Quem sabe por que razão, sobre isto, tememos até mesmo de vos interrogar. Na realidade, somos nós que estamos sem fôlego, por fugirmos à responsabilidade. Bastaria não fugir e ficar: no meio daqueles que nos destes, nos contextos em que nos colocastes. Relacionarmo-nos, sentindo que só assim deixamos de ser prisioneiros de nós próprios. O egoísmo pesa mais do que a cruz e a indiferença mais do que a partilha. O profeta tinha-o anunciado: «Até os adolescentes se cansam e se fatigam e os jovens tropeçam e vacilam. Mas aqueles que confiam no Senhor renovam as suas forças. Têm asas como a águia, correm sem se cansar, marcham sem desfalecer» (cf. Is 40, 30-31).

Oremos dizendo: Livrai-nos do cansaço, Senhor

Se nos afadigamos em torno a nós próprios.

 

Livrai-nos do cansaço, Senhor

Se parece que nos faltam as forças para nos dedicarmos aos outros.

 

Livrai-nos do cansaço, Senhor

Se arranjamos desculpas para fugir à responsabilidade.

 

Livrai-nos do cansaço, Senhor

Se temos talentos e capacidades para pôr à disposição.

 

Livrai-nos do cansaço, Senhor

Se o nosso coração ainda se comove diante das injustiças.

 

Livrai-nos do cansaço, Senhor

Terceira Estação

Jesus cai pela primeira vez

Do Evangelho segundo São Lucas (10, 13-15)

«Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sidónia se tivessem operado os milagres que entre vós se realizaram, de há muito que teriam feito penitência, vestidas de saco e na cinza. Por isso, no dia do juízo, haverá mais tolerância para Tiro e Sidónia do que para vós. E tu, Cafarnaúm, porventura serás exaltada até ao céu? É até ao inferno que serás precipitada».

Foi como se, pela primeira vez, tivesses tocado o fundo do poço, Senhor Jesus, e de vós saíram palavras duras para aqueles lugares que vos eram tão queridos. A semente da vossa palavra parecia ter caído no vazio, assim como cada um dos vossos gestos de libertação. Todos os profetas se sentiram cair no vazio do fracasso, para depois novamente avançar nos caminhos de Deus. A vossa vida, Senhor Jesus, é uma parábola: nunca cai em vão na nossa terra. Mesmo naquela primeira vez, a desilusão foi logo interrompida pela alegria daqueles que havíeis enviado: eles regressaram da missão e contaram-vos os sinais do Reino de Deus. Então, espontaneamente, exultastes de alegria transbordante, que faz saltar com uma energia contagiante. Bendissestes o Pai, que esconde os seus desígnios aos sábios e inteligentes e os revela aos pequeninos. Também o caminho da Cruz está marcado a fundo na terra: os grandes afastam-se dele, gostariam de tocar o céu. Em vez disso, o céu está aqui, abaixado, encontramo-lo mesmo caindo, permanecendo no chão. Os construtores de Babel dizem-nos que não se pode errar e que quem cai está perdido. É o canteiro de obras do inferno. A economia de Deus, pelo contrário, não mata, nem descarta, nem esmaga. É humilde, fiel à terra. O vosso caminho, Senhor Jesus, é a via das bem-aventuranças. Não destrói, mas cultiva, repara, guarda.

Oremos dizendo: Venha a nós o Vosso Reino

Para aqueles que se sentem fracassados.

 

Venha a nós o Vosso Reino

Para contrastar uma economia que mata.

 

Venha a nós o Vosso Reino

Para dar força aos que caíram.

 

Venha a nós o Vosso Reino

Nas sociedades competitivas e para quem procura os primeiros lugares.

 

Venha a nós o Vosso Reino

Para os que estão nas fronteiras e sentem terminada a viagem.

 

Venha a nós o Vosso Reino

Quarta Estação

Jesus encontra a sua Mãe

Do Evangelho segundo São Lucas (8, 19-21)

Sua mãe e seus irmãos vieram ter com Ele, mas não podiam aproximar-se por causa da multidão. Anunciaram-lhe: «Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e querem ver-te». Mas Ele respondeu-lhes: «Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática».

No caminho da cruz, a vossa Mãe está presente: ela foi a vossa primeira discípula. Ali está a vossa Mãe, com delicada determinação, com a sua inteligência que guarda e medita tudo no coração. Desde o momento em que lhe foi proposto acolher-vos no seu seio, ela voltou-se, converteu-se a vós. Ela ajustou os seus caminhos aos vossos. Não foi uma renúncia, mas uma descoberta contínua, até ao Calvário: seguir-vos é deixar-vos ir; ter-vos é dar lugar à vossa novidade. Todas as mães o sabem: um filho surpreende. Como Filho amado, reconheceis que a vossa Mãe e os vossos irmãos são aqueles que escutam e se deixam transformar. Eles não falam, eles fazem. Em Deus, as palavras são ações, as promessas são realidade: no caminho da cruz, ó Mãe, sois das poucas que se lembram disto. Agora é o Filho que precisa de vós: Ele sente que vós não desesperais. Sente que continuais a gerar a Palavra no vosso seio. Também nós, Senhor Jesus, somos capazes de vos seguir, gerados por quem vos seguiu. Também nós somos reinseridos no mundo pela fé da vossa Mãe e de inúmeras testemunhas que geram a vida mesmo onde tudo fala de morte. Daquela vez, na Galileia, eram eles que vos queriam ver. Agora, ao subires ao Calvário, vós mesmo procurais o olhar de quem escuta e põe em prática. Compreensão indizível. Aliança indissolúvel.

Oremos dizendo: Eis a minha mãe  

Maria escuta e fala.

 

Eis a minha mãe

Maria pergunta e medita.

 

Eis a minha mãe

Maria sai de casa e viaja com determinação.

 

Eis a minha mãe

Maria alegra-se e consola.

 

Eis a minha mãe

Maria acolhe e cuida.

 

Eis a minha mãe

Maria arrisca e protege.

 

Eis a minha mãe

Maria não teme julgamentos e insinuações.

 

Eis a minha mãe

Maria espera e permanece.

 

Eis a minha mãe

Maria orienta e acompanha.

 

Eis a minha mãe

Maria não concede nada à morte.

 

Eis a minha mãe

Quinta Estação

Jesus é ajudado pelo Cireneu a carregar a cruz

Do Evangelho segundo São Lucas (23, 26)

Quando o iam conduzindo, lançaram mão de um certo Simão de Cirene, que voltava do campo, e carregaram-no com a cruz, para a levar atrás de Jesus.

Ele não se ofereceu, lançaram mão dele. Simão regressava do seu trabalho e puseram-lhe aos ombros a cruz de um condenado. Talvez tivesse o físico apropriado, mas certamente o seu caminho era outro, e outra a sua agenda. Deus pode surpreender-nos assim. Sabe-se lá, Senhor Jesus, por que razão aquele nome - Simão de Cirene - depressa se tornou inesquecível entre os vossos discípulos. No caminho da cruz, eles não estavam lá, e muito menos nós, mas Simão estava. Isto é verdade até hoje: enquanto alguém se oferece por inteiro, pode-se estar noutro lugar, até mesmo a fugir, ou pode-se acabar envolvido no evento. Acreditamos, Senhor Jesus, que o nome de Simão é recordado porque esse acontecimento inesperado o fez mudar para sempre. Já não deixou de pensar em Vós. Tornou-se parte do vosso corpo, testemunha em primeira mão da vossa diferença em relação a qualquer outro condenado. Simão de Cirene viu-se a carregar a vossa cruz sem a ter pedido, como o jugo de que tinhas falado um dia: «O meu jugo é suave e o meu fardo é leve» (Mt 11, 30). Até os animais trabalham melhor se caminham juntos. E Vós, Senhor Jesus, gostais de nos envolver no vosso trabalho, lavrando a terra para que seja semeada de novo. Precisamos dessa surpreendente leveza. Precisamos de quem nos faça parar, por vezes, e nos ponha aos ombros um pedaço de realidade que simplesmente tem de ser carregado. É possível trabalhar todo o dia, mas, sem Vós, tudo se dispersa. Em vão trabalham os construtores, em vão vigiam as sentinelas da cidade que Deus não edifica (cf. Sl 127). Eis que no caminho da cruz se ergue a nova Jerusalém. E nós, como Simão de Cirene, mudemos de rumo e trabalhemos convosco.

Oremos dizendo: Parai a nossa corrida, Senhor

Quando seguimos o nosso caminho, sem olhar ninguém.

 

Parai a nossa corrida, Senhor

Quando as notícias não nos comovem mais.

 

Parai a nossa corrida, Senhor

Quando as pessoas se tornam números.

 

Parai a nossa corrida, Senhor

Quando nunca há tempo para ouvir.

 

Parai a nossa corrida, Senhor

Quando estamos com pressa para decidir.

 

Parai a nossa corrida, Senhor

Quando não admitimos mudança de planos.

 

Parai a nossa corrida, Senhor

Sexta Estação

Verónica enxuga o rosto de Jesus

Do Evangelho segundo São Lucas (9,29-31)

Enquanto orava, o aspecto do seu rosto modificou-se, e as suas vestes tornaram-se de uma brancura fulgurante. E dois homens conversavam com Ele: Moisés e Elias, os quais, aparecendo rodeados de glória, falavam da sua morte, que ia acontecer em Jerusalém.

Do Livro dos Salmos (27, 8-9a)

O meu coração murmura por ti, os meus olhos te procuram;
é a tua face que eu procuro, Senhor. Não desvies de mim o teu rosto.

Senhor Jesus, no vosso rosto vemos o vosso coração. A vossa decisão vê-se nos olhos, define o vosso rosto, faz dos vossos traços uma expressão de atenção inconfundível. Como vos apercebeis da Verónica, assim vos apercebeis de mim. Procuro o vosso rosto, que revela a decisão de nos amardes até ao último suspiro, e mesmo para além dele, pois o amor é forte como a morte (cf. Ct 8, 6). O que muda o nosso coração é o vosso rosto, que eu gostaria de contemplar e guardar. Vós vos entregais a nós, dia após dia, no rosto de cada ser humano, memória viva da vossa encarnação. Sempre que nos voltamos para o menor dos nossos irmãos, damos atenção aos vossos membros e Vós permaneceis conosco. Assim, iluminais o nosso coração e a expressão do nosso rosto. Em vez de rejeitarmos, passamos a acolher. No caminho da cruz, o nosso rosto, como o vosso, pode finalmente tornar-se radiante e espalhar bênçãos. Gravastes em nós a lembrança disso, um presságio do vosso regresso, quando nos reconhecereis à primeira vista, um a um. Então, talvez nos assemelhemos a Vós. E estaremos face a face, num diálogo sem fim, na intimidade da qual nunca nos cansaremos: a família de Deus.

Oremos dizendo: Imprimi em nós a vossa memória, Senhor 

Se o nosso rosto não tem expressão.

 

Imprimi em nós a vossa memória, Senhor

Se o nosso coração está distante.

 

Imprimi em nós a vossa memória, Senhor

Se os nossos gestos dividem.

 

Imprimi em nós a vossa memória, Senhor

Se as nossas escolhas ferem.

 

Imprimi em nós a vossa memória, Senhor

Se os nossos projetos excluem.

 

Imprimi em nós a vossa memória, Senhor

Sétima Estação

Jesus cai pela segunda vez

Do Evangelho segundo São Lucas (15, 2-6)

Os fariseus e os doutores da Lei murmuravam entre si, dizendo: «Este acolhe os pecadores e come com eles». Jesus propôs-lhes, então, esta parábola: «Qual é o homem dentre vós que, possuindo cem ovelhas e tendo perdido uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto e vai à procura da que se tinha perdido, até a encontrar? Ao encontrá-la, põe-na alegremente aos ombros e, ao chegar a casa, convoca os amigos e vizinhos e diz-lhes: ‘Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida’».

Cair e levantar-se; cair e voltar a levantar-se. Foi assim, Senhor Jesus, que nos ensinastes a entender a aventura da vida humana. Humana porque é aberta. Nós não permitimos que as máquinas cometam erros: pretendemos que sejam perfeitas. As pessoas, pelo contrário, vacilam, distraem-se, perdem-se. Porém, conhecem a alegria: a dos recomeços, dos renascimentos. Os seres humanos não nascem de modo mecânico, mas artesanal: somos peças únicas, um entrelaçamento de graça e responsabilidade. Senhor, fizestes-vos um de nós, não tivestes medo de tropeçar e de cair. Aqueles que se envergonham disso, aqueles que ostentam a infalibilidade, aqueles que escondem as suas próprias quedas e não perdoam as dos outros negam o caminho que escolhestes. Vós sois, Senhor Jesus, o Senhor da alegria. Em Vós, somos todos reencontrados e conduzidos a casa, como a única ovelha que se tinha perdido. É desumana a economia em que noventa e nove valem mais do que um. E apesar disso, construímos um mundo que funciona assim: um mundo de cálculos e algoritmos, de lógicas frias e interesses implacáveis. A lei da vossa casa, Senhor, a economia divina é outra coisa. Voltar-se para Vós, que caís e voltais a levantar-vos, é uma mudança de rumo e uma mudança de ritmo. Conversão que devolve a alegria e nos leva a casa.

Oremos dizendo: Levantai-nos, ó Deus, nossa salvação 

Somos crianças que por vezes choram.

 

Levantai-nos, ó Deus, nossa salvação

Somos adolescentes que se sentem inseguros.

 

Levantai-nos, ó Deus, nossa salvação

Somos jovens que muitos adultos desprezam.

 

Levantai-nos, ó Deus, nossa salvação

Somos adultos que cometeram erros.

 

Levantai-nos, ó Deus, nossa salvação

Somos idosos que ainda querem sonhar.

 

Levantai-nos, ó Deus, nossa salvação

Oitava Estação

Jesus encontra-se com as mulheres de Jerusalém

Do Evangelho segundo São Lucas (23, 27-31)

Seguiam Jesus uma grande multidão de povo e umas mulheres que batiam no peito e se lamentavam por Ele. Jesus voltou-se para elas e disse-lhes: «Filhas de Jerusalém, não choreis por mim, chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos; pois virão dias em que se dirá: ‘Felizes as estéreis, os ventres que não geraram e os peitos que não amamentaram.’ Hão de, então, dizer aos montes: ‘Caí sobre nós!’ E às colinas: ‘Cobri-nos!’ Porque, se tratam assim a árvore verde, o que não acontecerá à seca?».

Sempre reconhecestes nas mulheres, Senhor Jesus, uma semelhança especial com o coração de Deus. É por isso que, na grande multidão de pessoas que mudaram de direção e vos seguiram naquele dia, vistes imediatamente as mulheres e, uma vez mais, estabelecestes com elas uma especial empatia. A cidade é diferente quando se levam os seus habitantes no colo, quando os seus filhos se amamentam: quando, em suma, não se conhece apenas a lógica do domínio, mas se experimentam as coisas a partir do seu interior. Vós atingis o coração das mulheres que, por dever, cumprem o ritual da compaixão. É no coração, efetivamente, que se interconectam os acontecimentos e nascem os pensamentos e as decisões. «Não choreis por mim». O coração de Deus vibra pelo seu povo, gera uma nova cidade: «Chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos». Com efeito, há um choro no qual tudo renasce. Mas são necessárias lágrimas de reflexão, das quais não nos devemos envergonhar, lágrimas que não devem ser mantidas em segredo. A nossa convivência ferida, Senhor, neste mundo despedaçado, precisa das lágrimas sinceras, não das de circunstância. Caso contrário, verifica-se o que os apocalípticos previram: não geramos mais nada e, logo, tudo se desmorona. A fé, pelo contrário, move montanhas. Os montes e as colinas não caem sobre nós, mas no meio deles, abre-se uma estrada. É a vossa estrada, Senhor Jesus: um caminho íngreme, no qual os apóstolos vos abandonaram, mas as vossas discípulas – mães da Igreja – vos seguiram.

Oremos dizendo: Dai-nos um coração de mãe, Senhor

Povoastes com santas mulheres a história da Igreja.

 

Dai-nos um coração de mãe, Senhor

Repudiastes a prepotência e o domínio.

 

Dai-nos um coração de mãe, Senhor

Recolhestes e consolastes as lágrimas das mães.

 

Dai-nos um coração de mãe, Senhor

Confiastes às mulheres a boa nova da Ressurreição.

 

Dai-nos um coração de mãe, Senhor

Inspirastes na Igreja novos carismas e sensibilidades.

 

Dai-nos um coração de mãe, Senhor

Nona Estação

Jesus cai pela terceira vez

Do Evangelho segundo São Lucas (7, 44-49)

[Jesus] disse a Simão: «Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para os pés; ela, porém, banhou-me os pés com as suas lágrimas e enxugou-os com os seus cabelos. Não me deste um ósculo; mas ela, desde que entrou, não deixou de beijar-me os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo, e ela ungiu-me os pés com perfume. Por isso, digo-te que lhe são perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou; mas àquele a quem pouco se perdoa pouco ama». Depois, disse à mulher: «Os teus pecados estão perdoados». Começaram, então, os convivas a dizer entre si: «Quem é este que até perdoa os pecados?».

Não apenas uma ou duas vezes, Senhor Jesus: Vós continuais a cair. Caíeis já quando éreis criança, como todas as crianças. Assim, compreendestes e aceitastes a nossa humanidade, que cai e torna a cair. Se o pecado nos afasta, a vossa existência sem pecado aproxima-vos de cada pecador, une-vos indissoluvelmente às suas quedas. E isso leva à conversão. Escândalo para aqueles que se afastam dos outros e de si mesmos. Escândalo para quem vive dividido em dois, entre o que deveria ser e o que realmente é. Diante da vossa misericórdia, Senhor Jesus, cai toda a hipocrisia. As máscaras, as belas fachadas já não são necessárias. Deus vê o coração. Ele ama o coração. Aquece o coração. Por isso, me ergueis e me pondes novamente a caminho por vias nunca trilhadas, audazes, generosas. Quem sois, Senhor Jesus, que até os pecados perdoais? Novamente por terra, no caminho da cruz, sois o Salvador desta nossa terra. Não só a habitamos, mas somos formados a partir dela. Vós, por terra, continuais a moldar-nos, como um talentoso oleiro.

Oremos dizendo: Somos barro nas vossas mãos 

Quando as coisas parecem não poder mudar, lembrai-nos:

 

Somos barro nas vossas mãos

Quando não se vê o fim dos conflitos, lembrai-nos:

 

Somos barro nas vossas mãos

Quando a tecnologia faz que nos julguemos onipotentes, lembrai-nos:

 

Somos barro nas vossas mãos

Quando os sucessos nos desconectam da terra, lembrai-nos:

 

Somos barro nas vossas mãos

Quando nos importa mais a aparência que o coração, lembrai-nos:

 

Somos barro nas vossas mãos

Décima Estação

Jesus é despojado das suas vestes

Do livro de Job (1, 20-22)

Então, Job levantou-se, rasgou as vestes e rapou a cabeça. Depois, prostrado por terra em adoração, disse: «Saí nu do ventre da minha mãe e nu voltarei para lá. O Senhor mo deu, o Senhor mo tirou; bendito seja o nome do Senhor!». Em tudo isto, Job não cometeu pecado, nem proferiu contra Deus nenhuma insensatez.

Não vos despis, sois despojado das vestes. A diferença é clara para todos nós, Senhor Jesus. Só quem nos ama pode acolher a nossa nudez nas suas mãos e no seu olhar. Pelo contrário, tememos o olhar de quem não nos conhece e só sabe possuir. Vós sois desnudado e exposto diante de todos, mas até a humilhação transformais em familiaridade. Quereis revelar-vos íntimo até mesmo daqueles que vos destroem, olhais para aqueles que vos despojam das vestes como os amados que o Pai vos deu. Há aqui mais do que a paciência de Job, muito mais do que a sua fé. Em Vós está o Esposo que se deixa tomar, tocar e transforma tudo em bem. Deixai-nos as vossas vestes, como relíquias de um amor consumado. Estão nas nossas mãos, pois estivestes na nossa casa e entre nós. Nós mantivemos em nosso poder as vossas vestes e agora lançamo-las à sorte. Porém, a sorte, aqui, não é favorável só a um, mas a todos. Vós conhecei-nos um a um, para salvar a todos: a todos! E se, para Vós, a Igreja se apresenta hoje como uma túnica rasgada, ensinai-nos a tecer de novo a nossa fraternidade, fundada no vosso dom. Somos o vosso corpo, a vossa túnica inconsútil, a vossa Esposa. Somo-lo juntos. Para nós, a sorte caiu em lugares aprazíveis; a nossa herança é preciosa (cf. Sl 16, 6).

Oremos dizendo: Dai à vossa Igreja paz e unidade 

Senhor Jesus, que vedes os vossos discípulos divididos:

 

Dai à vossa Igreja paz e unidade

Senhor Jesus, que carregais as feridas da nossa história:

 

Dai à vossa Igreja paz e unidade

Senhor Jesus, que conheceis a fragilidade dos nossos amores:

 

Dai à vossa Igreja paz e unidade

Senhor Jesus, que nos quereis membros do vosso corpo:

 

Dai à vossa Igreja paz e unidade

Senhor Jesus, que vestis a túnica da misericórdia:

 

Dai à vossa Igreja paz e unidade

Décima primeira Estação

Jesus é pregado na cruz

Do Evangelho segundo São Lucas (23, 32-34a)

Levavam também dois malfeitores, para serem executados com Ele. Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, crucificaram-no a Ele e aos malfeitores, um à direita e outro à esquerda. Jesus dizia: «Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem».

Nada nos assusta mais do que a imobilidade. E Vós estais pregado, imobilizado, preso. Mas estais com outros: nunca sozinho e sempre determinado a revelar-vos, até mesmo na cruz, como o Deus conosco. A revelação não fica parada, não se deixa pregar. Vós, Senhor Jesus, mostrai-nos que em cada circunstância há uma escolha a fazer. Esta é a vertigem da liberdade. Nem sequer na cruz sois neutralizado: Vós decidis por quem ali estais. Dais atenção a um e a outro dos crucificados convosco: deixais passar os insultos de um e acolheis a invocação do outro. Dais atenção àquele que vos crucifica e sabeis ler o coração daquele que não sabe o que está a fazer. Prestais atenção ao céu: gostaríeis que fosse mais claro, mas rompeis a barreira das trevas com a luz da intercessão. Pregado na cruz, em realidade, intercedeis: colocai-vos entre as partes, entre os opostos. E os levai a Deus, porque a vossa cruz derruba muros, perdoa dívidas, anula julgamentos, estabelece a reconciliação. Vós sois o verdadeiro Jubileu. Convertei-nos a Vós, Senhor Jesus, que pregado ao madeiro tudo podeis.

Oremos dizendo: Ensinai-nos a amar 

Quando temos forças e quando nos parece já não as ter:

 

Ensinai-nos a amar

Quando somos imobilizados por leis ou decisões injustas:

 

Ensinai-nos a amar

Quando somos confrontados por quem não quer a verdade e a justiça:

 

Ensinai-nos a amar

Quando nos sentimos tentados a perder a esperança:

 

Ensinai-nos a amar

Quando se diz que não há mais nada a fazer:

 

Ensinai-nos a amar

Décima segunda Estação

Jesus morre na cruz

Do Evangelho segundo São Lucas (23, 45-49)

O Sol tinha-se eclipsado e o véu do templo rasgou-se ao meio. Dando um forte grito, Jesus exclamou: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito». Dito isto, expirou. Ao ver o que se passava, o centurião deu glória a Deus, dizendo: «Verdadeiramente, este homem era justo». E toda a multidão que se tinha aglomerado para este espetáculo, vendo o que acontecera, regressava batendo no peito. Todos os seus conhecidos e as mulheres que o tinham acompanhado desde a Galileia mantinham-se à distância, observando estas coisas.

No Calvário, onde estamos nós? Debaixo da cruz? A alguma distância? Longe? Ou talvez, como os apóstolos, nem sequer lá estamos. Vós expirais, e esta respiração, última e primeira, pede apenas para ser acolhida. Senhor Jesus, orientai os nossos caminhos para o vosso dom. Não permitais que o vosso sopro de vida se disperse. As nossas trevas procuram luz. Os nossos templos querem permanecer definitivamente abertos. Agora o Santo já não está por detrás do véu: o seu segredo é oferecido a todos. Percebe-o um soldado que, observando atentamente como morreis, reconhece uma nova força. Compreende-o a multidão que tinha gritado contra Vós: antes distante, encontra agora o espetáculo de um amor jamais visto, de uma beleza que faz acreditar de novo. Dais tempo àqueles que vos veem morrer, Senhor Jesus, para que regressem a bater no peito: atingindo o próprio coração a fim de que a sua dureza se desfaça. A nós, Senhor Jesus, que muitas vezes ainda vos vemos de longe, concedei que vivamos fazendo memória de Vós, para que um dia, quando vierdes, até mesmo a morte nos encontre vivos.

Oremos dizendo: Vinde Espírito Santo! 

Mantivemo-nos distantes das chagas do Senhor:

 

Vinde Espírito Santo!

Diante do irmão caído, voltamo-nos para o outro lado:

 

Vinde Espírito Santo!

Os misericordiosos e os pobres de espírito parecem-nos fracassados:

 

Vinde Espírito Santo!

Crentes e não crentes estão em pé diante do crucifixo:

 

Vinde Espírito Santo!

O mundo inteiro procura um novo começo:

 

Vinde Espírito Santo!

Décima terceira Estação

Jesus é deposto da cruz

Do Evangelho segundo São Lucas (23, 50-53a)

Um membro do Conselho, chamado José, homem reto e justo, não tinha concordado com a decisão nem com o procedimento dos outros. Era natural de Arimateia, cidade da Judeia, e esperava o Reino de Deus. Foi ter com Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. Descendo-o da cruz, envolveu-o num lençol.

Por fim, o vosso corpo está nas mãos de um homem bom e justo. Estais envolto no sono da morte, Senhor Jesus, mas, para se encarregar de Vós, há um coração vivo, que fez uma escolha. José não era daqueles que dizem e não fazem. «Não tinha concordado com a decisão nem com o procedimento dos outros», diz o Evangelho. E é uma boa notícia: quem vos abraça, Senhor Jesus, não abraçou a opinião comum. Encarrega-se de Vós alguém que se encarregou da própria responsabilidade. No colo de José de Arimateia, que «esperava o Reino de Deus», estais no vosso lugar, Senhor Jesus. Estais no vosso lugar entre aqueles que ainda têm esperança, entre aqueles que não se resignam a pensar que a injustiça é inevitável. Vós, Senhor Jesus, quebrais a cadeia do inevitável, quebrais os automatismos que destroem a casa comum e a fraternidade. Dais, àqueles que esperam o vosso Reino, a coragem de se apresentarem à autoridade: como Moisés ao Faraó, como José de Arimateia a Pilatos. Capacitai-nos para grandes responsabilidades, tornai-nos corajosos. Assim, morrestes e continuais a reinar. E para nós, Senhor Jesus, servir-vos é reinar.

Oremos dizendo: Servir-vos é reinar 

Dando de comer aos famintos:

 

Servir-vos é reinar

Dando de beber aos sedentos:

 

Servir-vos é reinar

Vestindo os nus:

 

Servir-vos é reinar

Acolhendo os estrangeiros:

 

Servir-vos é reinar

Visitando os doentes:

 

Servir-vos é reinar

Visitando os prisioneiros:

 

Servir-vos é reinar

Sepultando os mortos:

 

Servir-vos é reinar

Décima quarta estação

Jesus é colocado no sepulcro

Do Evangelho segundo São Lucas (23, 53-56)

Envolveu-o num lençol e depositou-o num sepulcro talhado na rocha, onde ainda ninguém tinha sido sepultado. Era o dia da Preparação e já começava o sábado. Entretanto, as mulheres que tinham vindo com Ele da Galileia acompanharam José, observaram o túmulo e viram como o corpo de Jesus fora depositado. Ao regressar, prepararam aromas e perfumes; e, durante o sábado, observaram o descanso, conforme o preceito.

Num sistema que jamais se detém, Senhor Jesus, viveis o vosso sábado. Vivem-no também as mulheres, a quem os aromas e os perfumes gostariam de falar já de ressurreição. Ensinai-nos a não fazer nada, quando nos é pedido apenas para esperar. Educai-nos nos tempos da terra, que não são aqueles artificiais. Deposto no túmulo, Senhor Jesus, partilhais a condição que a todos nos iguala, e atingis as profundezas que tanto nos assustam. Vede como fugimos delas, multiplicando as nossas atividades. Andamos muitas vezes em vão, mas o sábado brilha com as suas luzes: educa-nos e pede-nos descanso. Vida divina, vida à escala humana, aquela que conhece a paz do sábado. «Cada um repousará debaixo da sua parreira e da sua figueira, sem que ninguém o amedronte» (Mq 4, 6), profetizou Miqueias. E Zacarias faz-lhe eco: «Naquele dia – oráculo do Senhor do universo – todo o homem convidará o seu vizinho sob a videira e a figueira» (cf. Zc 3, 10). Senhor Jesus, que pareceis dormir no mundo tempestuoso, levai-nos a todos para a paz do sábado. Então toda a criação nos aparecerá muito bela e boa, destinada à ressurreição. E haverá paz sobre o teu povo e entre todas as nações.

Oremos dizendo: Venha a vossa paz

Para a terra, o ar e as águas:

 

Venha a vossa paz

Para os justos e os injustos:

 

Venha a vossa paz

Para quem é invisível e não tem voz:

 

Venha a vossa paz

Para quem não possui poder nem dinheiro:

 

Venha a vossa paz

Para quem espera que brote um rebento de justiça:

 

Venha a vossa paz

Invocação final

«“Laudato si’, mi’ Signore – Louvado sejas, meu Senhor”, cantava São Francisco de Assis. Neste gracioso cântico, recordava-nos que a nossa casa comum se pode comparar a uma irmã [...]. Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos» (Carta Enc. Laudato si’, 1-2).

«“Fratelli Tutti”: escrevia São Francisco de Assis, dirigindo-se a seus irmãos e irmãs para lhes propor uma forma de vida com sabor a Evangelho». (Carta Enc. Fratelli tutti, 1)

«“Amou-nos”, diz São Paulo referindo-se a Cristo [...], para nos ajudar a descobrir que nada “será capaz de separar-nos” desse amor». (Carta Enc. Dilexit nos, 1).


Percorremos a Via-Sacra; voltámo-nos para o amor do qual nada nos pode separar. Agora, enquanto o Rei dorme e um grande silêncio desce sobre toda a terra, fazendo nossas as palavras de São Francisco, invoquemos o dom da conversão do coração.

Deus altíssimo e glorioso,
iluminai as trevas do meu coração.
Dai-me fé reta,
esperança certa,
caridade perfeita
e profunda humildade.
Dai-me, Senhor, sabedoria e discernimento
para cumprir a vossa verdadeira e santa vontade. Amen.