SOLENIDADE DO SANTÍSSIMO CORPO E SANGUE DE CRISTO - 2022
Hoje é dia de festa "maior" na Igreja, pois festejamos o Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. A Eucaristia é o milagre do Amor de Deus, em que Jesus se torna verdadeiramente presente no pão e no vinho oferecidos e colocados no altar sagrado, quando sobre eles o sacerdote invoca do Pai o Espírito Santo. É Jesus, o Filho de Deus, que nos diz: sou Eu que estou aqui, vivo, ressuscitado, no meio de vós, neste vinho e neste pão partido que se reparte e chega a todos os que, de coração sincero, me querem receber e assim estarei sempre convosco até ao fim dos tempos. Nunca compreenderemos o mistério de Deus, mas percebemos muito bem que Deus nos ama infinitamente. A Eucaristia é a prova desse Amor inesgotável pela nossa humanidade e poder participar nela é uma graça sem fim.
"Naqueles dias, Melquisedec, rei de Salém, trouxe
pão e vinho. Era sacerdote do Deus Altíssimo e abençoou Abraão, dizendo:
«Abençoado seja Abraão pelo Deus Altíssimo, criador do céu e da terra. Bendito
seja o Deus Altíssimo, que entregou nas tuas mãos os teus inimigos». E Abraão
deu-lhe a dízima de tudo."
Na 2ª leitura (1 Cor 11, 23-26) S. Paulo coloca-nos na Última Ceia, na instituição da Eucaristia. Deixemo-nos alimentar por Jesus.
"Irmãos: Eu
recebi do Senhor o que também vos transmiti: o Senhor Jesus, na noite em que ia
ser entregue, tomou o pão e, dando graças, partiu-o e disse: «Isto é o meu
Corpo, entregue por vós. Fazei isto em memória de Mim». Do mesmo modo, no fim da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova
aliança no meu Sangue. Todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de
Mim». Na verdade, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste
cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha."
No evangelho (Lc 9,11b-17) a
multiplicação dos pães aparece-nos como um sinal da Eucaristia, que se parte, e
reparte, de modo a fazer chegar o Amor de Deus a todos os homens dos vários
tempos e lugares. A Eucaristia é o alimento que Jesus deixou a todos os que O
quiserem receber de coração sincero.
“Naquele tempo, estava Jesus a falar à multidão sobre o reino de Deus e a curar aqueles que necessitavam. O dia começava a declinar. Então os Doze aproximaram-se e disseram-Lhe: «Manda embora a multidão para ir procurar pousada e alimento às aldeias e casais mais próximos, pois aqui estamos num local deserto». Disse-lhes Jesus: «Dai-lhes vós de comer». Mas eles responderam: «Não temos senão cinco pães e dois peixes... Só se formos nós mesmos comprar comida para todo este povo». Eram de facto uns cinco mil homens. Disse Jesus aos discípulos: «Mandai-os sentar por grupos de cinquenta». Assim fizeram e todos se sentaram. Então Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao Céu e pronunciou sobre eles a bênção. Depois partiu-os e deu-os aos discípulos, para eles os distribuírem pela multidão. Todos comeram e ficaram saciados; e ainda recolheram doze cestos dos pedaços que sobraram.
SEQUÊNCIA
Terra, exulta de alegria,
Louva o teu pastor e guia,
Com teus hinos, tua voz.
Quanto possas tanto ouses,
Em louvá-l’O não repouses:
Sempre excede o teu louvor.
Hoje a Igreja te convida:
O pão vivo que dá vida
Vem com ela celebrar.
Este pão – que o mundo creia –
Por Jesus na santa Ceia
Foi entregue aos que escolheu.
Eis o pão que os Anjos comem
Transformado em pão do homem;
Só os filhos o consomem:
Não será lançado aos cães.
Em sinais prefigurado,
Por Abraão imolado,
No cordeiro aos pais foi dado,
No deserto foi maná.
Bom pastor, pão da verdade,
Tende de nós piedade,
Conservai-nos na unidade,
Extingui nossa orfandade
E conduzi-nos ao Pai.
Aos mortais dando comida,
Dais também o pão da vida:
Que a família assim nutrida
Seja um dia reunida
Aos convivas lá do Céu.
Hoje, a
Palavra de Deus ajuda-nos a descobrir dois verbos simples, dois verbos
essenciais para a vida de cada dia: dizer e dar.
Dizer. Na primeira leitura, Melquisedec diz: «Abençoado seja
Abrão pelo Deus Altíssimo, e bendito seja o Deus Altíssimo» (Gn 14,
19-20). O dizer de Melquisedec é bendizer. Abençoa
Abrão, em quem serão abençoadas todas as famílias da terra (Gn 12,
3; Gal 3, 8). Tudo parte da bênção: as palavras de bem geram
uma história de bem. O mesmo acontece no Evangelho: antes de multiplicar os
pães, Jesus abençoa-os: «tomou os cinco pães, ergueu os olhos ao Céu, pronunciou
sobre eles a bênção, partiu-os e foi-os dando aos discípulos» (Lc 9,
16). De cinco pães, a bênção faz alimento para uma multidão: faz brotar uma
cascata de bem.
Por que faz
bem abençoar? Porque é transformar a palavra em dom. Quando se abençoa, não se
está a fazer uma coisa para si mesmo, mas para os outros. Abençoar não é dizer
palavras bonitas, nem usar palavras de circunstância. Não é isso, mas é dizer
bem, dizer com amor. Assim fez Melquisedec: espontaneamente diz bem de Abrão,
sem que este tenha dito ou feito algo por ele. Assim fez Jesus, mostrando o
significado da bênção com a distribuição gratuita dos pães. Quantas vezes fomos
abençoados, também nós, na igreja ou nas nossas casas! Quantas vezes recebemos
palavras que nos fizeram bem, ou um sinal da cruz na fronte! Fomos abençoados
no dia do Batismo e, no final de cada Missa, somos abençoados. A Eucaristia é
uma escola de bênção. Deus diz bem de nós, seus filhos amados, encorajando-nos
assim a continuar. E nós bendizemos a Deus nas nossas assembleias (cf. Sal 68,
27), reencontrando o gosto do louvor, que liberta e cura o coração. Vimos à
Missa com a certeza de ser abençoados pelo Senhor, e saímos para, por nossa
vez, abençoarmos, para sermos canais de bem no mundo.
Vale também
para nós: é importante que nós, Pastores, nos lembremos de abençoar o povo de
Deus. Queridos sacerdotes, não tenhais medo de abençoar! Abençoar o povo de
Deus: queridos sacerdotes, continuai a abençoar! O Senhor quer dizer bem do seu
povo; fica feliz em fazer-nos sentir o seu carinho por nós. E só depois de
abençoados é que podemos abençoar os outros com a mesma unção de amor.
Entretanto, é triste ver hoje quão facilmente se faz o contrário: se amaldiçoa,
despreza, insulta. Assaltados por demasiado frenesi, não nos contemos,
desafogando a raiva sobre tudo e todos. Muitas vezes, infelizmente, é quem
grita mais e mais forte, é quem está mais irritado que parece ter razão e obter
consensos. Não nos deixemos contagiar pela arrogância, não nos deixemos invadir
pela amargura, nós que comemos o Pão que em si contém toda a doçura.
O povo de Deus ama o louvor, não vive de lamentações; está feito para a bênção,
não para a lamentação. Diante da Eucaristia, de Jesus que Se fez Pão, deste Pão
humilde que contém a totalidade da Igreja, aprendamos a bendizer o
que temos, a louvar a Deus, a abençoar e não a amaldiçoar o nosso passado, a
dar boas palavras aos outros.
O segundo
verbo é dar. Ao «dizer», segue-se o «dar», como no caso de Abrão
que, abençoado por Melquisedec, «deu-lhe o dízimo de tudo» (Gn 14,
20); como no caso de Jesus que, depois de pronunciar a bênção, dava o
pão para ser distribuído, desvendando assim o seu significado mais belo: o pão
não é apenas produto de consumo, mas recurso de partilha. De facto, na narração
da multiplicação dos pães, surpreendentemente nunca se fala de multiplicar. Na
verdade, os verbos usados são «partir, dar, distribuir» (cf. Lc 9,
16). Em suma, não se destaca a multiplicação, mas a partilha.
É importante: Jesus não realiza uma magia, não transforma os cinco pães em
cinco mil, para depois dizer: «Agora distribuí-os». Não. Jesus reza, abençoa
aqueles cinco pães e começa a parti-los, confiando no Pai. E não se esgotam
mais aqueles cinco pães… Isto não é magia, mas confiança em Deus e na sua
providência.
No mundo,
procura-se sempre aumentar os lucros, aumentar o volume de negócios... Sim, mas
com que finalidade? É o dar ou o ter? O partilhar ou o acumular? A «economia»
do Evangelho multiplica partilhando, alimenta distribuindo; não satisfaz a
voracidade de poucos, mas dá vida ao mundo (cf. Jo 6, 33). O
verbo de Jesus não é ter, mas dar.
E a
solicitação que Ele faz aos discípulos é categórica: «Dai-lhes vós de
comer» (Lc 9,13). Tentemos imaginar os raciocínios que terão feito
os discípulos: «Não temos pão para nós, e devemos pensar nos outros? Por que
devemos dar-lhes de comer, se eles vieram para escutar o nosso Mestre? Se não
trouxeram comida, voltem para casa – é um problema deles –, ou então deem-nos
dinheiro e nós compraremos». Não é que sejam errados estes raciocínios, mas não
são os de Jesus, que não ouve razões: dai-lhes vós mesmos de comer.
Aquilo que temos só produz fruto se o dermos (isto é o que nos quer dizer
Jesus!); e não importa se é pouco ou muito. O Senhor faz grandes coisas com o
nosso pouquinho, como no caso dos cinco pães. Ele não realiza prodígios com
ações espetaculares, não tem a varinha mágica, mas atua com coisas humildes. A
omnipotência de Deus é humilde, feita apenas de amor; e o amor faz grandes
coisas com as coisas pequenas. Assim no-lo ensina a Eucaristia: n’Ela, está
Deus encerrado num bocado de pão. Simples, essencial, pão partido e partilhado,
a Eucaristia que recebemos transmite-nos a mentalidade de Deus. E leva a
darmo-nos, a nós mesmos, aos outros. É antídoto contra afirmações como estas:
«lamento, mas não me diz respeito», «não tenho tempo, não posso, não é da minha
conta». Antídoto contra o virar a cara para o outro lado.
Na nossa cidade faminta de amor e solicitude, que sofre de degradação e abandono, perante tantos idosos sozinhos, famílias em dificuldade, jovens que dificilmente conseguem ganhar o pão e alimentar os seus sonhos, o Senhor diz-te: «Dá-lhes tu de comer». E tu podes retorquir: «Tenho pouco, não tenho capacidade para estas coisas». Não é verdade! O teu pouco é tanto aos olhos de Jesus, se não o guardares para ti mas o colocares em jogo. E tu, entra também em jogo. E não estás sozinho: tens a Eucaristia, o Pão do caminho, o Pão de Jesus. Também nesta tarde, seremos alimentados pelo seu Corpo entregue. Se o recebermos com o coração, este Pão irradiará em nós a força do amor: sentir-nos-emos abençoados e amados, e teremos vontade de abençoar e amar, a começar daqui, da nossa cidade, das estradas que vamos percorrer nesta tarde. O Senhor passa pelas nossas estradas para dizer-bem, dizer bem de nós e para nos dar coragem, dar-nos coragem a nós. A nós, pede-nos também para sermos bênção e dom.
Domingo, 23 de junho de 2019 - Homilia
Papa Francisco
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