O arcebispo de Évora recorda hoje que a
arquidiocese apontou há ano e meio as dificuldades por que passavam os
imigrantes a trabalhar nas explorações agrícolas da diocese de Beja, assim como
suspeitas de ilegalidades na sua contratação, mas as autoridades civis não
fizeram caso das denúncias.
«Para esta nova forma de escravatura,
nenhuma resposta surgiu, exceto o silêncio de muitos, mesmo tratando-se de um
apelo urgente com consequências de desumanização; escreve D. Francisco Senra
Coelho em nota publicada na página da arquidiocese.
No texto intitulado "Sobre a
humilhante problemática dos migrantes no Alentejo" o prelado começa por
questionar «porque pouco ou nada se fez?», e a seguir recorda um documento da
Comissão arquidiocesana Justiça e Paz apresentado em dezembro de 2019.
«Permito-me refrescar a memória cultural,
social e política do país que somos e lembrar no atual contexto de forte rumor
político e mediático, as constatações então apresentadas e a disponibilidade
para colaborar por parte da Igreja presente no Alentejo», assinala.
O texto salientava que «em muitos» casos das migrações, quer sazonais quer pemanentes, para o trabalho sobretudo na fruticultura, floricultura e pecuária, «suspeita-se a existência de tráfico de pessoas com exploração das mesmas, quer por máfias dos seus países de origem, quer pelas entidades empregadoras».
Os imigrantes «trabalham muitas horas para vantagem deles, porque conseguem usufruir, ao fim do mês, de um salário que compensa um pouco a sua deslocação, mas nada disso justifica que sejam tratados como se fossem máquinas e não seres humanos»
A Comissão
Justiça e Paz oferecia-se, então, para contribuir para o acolhimento dos
migrantes «através dum acompanhamento próximo da realidade laboral e social,
ajudando, dentro da sua esfera de influência local/regional, a uma melhor
integração».
O documento
lançava «o repto de, numa primeira abordagem, denunciar/expor situações
anómalas e não compagináveis com os princípios e os valores da Igreja Católica
e da boa convivência entre pessoas».
Depois de citar excertos da mensagem da
comissão Justiça e Paz, D. Francisco Senra Coelho conclui a nota manifestando
«esperança e confiança na competência das autoridades constituídas» «, e refere
que a Igreja vai acompanhar e apoiar «todas as medidas regularizadoras, de
fiscalização, e humanizantes» relativas a uma «situação que toca os direitos
fundamentais da pessoa humana».
O bispo de Beja, D. João Marcos,
declarou esta sexta-feira à agência Lusa que a paróquia de Odemira tem
procurado ajudar os migrantes - por exemplo, aloja um casal de indianos
-, mas tanto ela como outras instituições católicas «não têm
capacidade para resolver um problema desta magnitude».
«Basta chegar a São Teotónio [freguesia do
concelho de Odemira] e vê-se rua abaixo, rua acima, grupos de homens asiáticos.
Toda a gente sabe disso» e «não é uma coisa de agora», afirmou.
A denúncia, por parte da Igreja católica,
das condições de vida dos imigrantes em explorações agrícolas no Alentejo, não
é recente. Em 2011, por exemplo, o então bispo de Beja, D. Vitalino Dantas,
chamou a atenção para o «trabalho escravo» de trabalhadores estrangeiros
«vítimas de intermediários sem escrúpulos».
Os imigrantes «trabalham muitas horas para vantagem deles, porque conseguem usufruir, ao fim do mês, de um salário que compensa um pouco a sua deslocação, mas nada disso justifica que sejam tratados como se fossem máquinas e não seres humanos», vincou.
Rui Jorge Martins
Fontes: Arquidiocese de Évora, Observador, RTP
Imagem: © SIC
Publicado em 08.05.2021
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