Em vez de te queixares das
restrições da pandemia, faz alguma coisa por quem tem menos do que tu.
No quarto e último domingo do Advento, o Evangelho volta a propor-nos a
narrativa da anunciação. «Alegra-te», diz o anjo a Maria, «conceberás um filho,
dar-lho-ás à luz e chamá-lo-ás Jesus».
Parece um anúncio de pura alegria, destinado a fazer feliz a Virgem:
quem, entre as mulheres do tempo, não sonhava tornar-se a mãe do Messias? Mas,
juntamente com a alegria, aquelas palavras preanunciavam a Maria uma grande
provação. Porquê? Porque naquele momento ela estava «noiva». Nessa situação, a
lei de Moisés estabelecia que não devia haver relações e coabitação. Por isso,
tendo um filho, Maria transgrediria a lei, e as penas para as mulheres eram
terríveis: estava prevista a lapidação.
Certamente a mensagem divina terá preenchido o coração de Maria de luz e
de força; todavia, ela encontrou-se diante de uma opção crucial: dizer “sim” a
Deus, arriscando tudo, incluindo a vida, ou declinar o convite e prosseguir com
o seu caminho normal.
Que faz ela? Responde assim; «Aconteça para mim segundo a tua palavra».
Mas na língua em que o Evangelho foi escrito não é simplesmente um “faça-se”. A
expressão verbal indica um desejo forte, indica a vontade de que algo se
realize.
Maria, por outras palavras, não diz: «Se tem de acontecer, que aconteça…
se não pode ser de outra maneira…”. Não é resignação. Não exprime uma aceitação
fraca e submissa, exprime um desejo forte, um desejo vivo. Não é passiva, é
ativa. Não suporta Deus, adere a Deus. É uma enamorada disposta a servir em
tudo e já o seu Senhor. Poderia ter pedido um pouco de tempo para pensar, ou
maiores explicações sobre o que iria suceder; até colocar algumas condições… Em
vez disso, não toma tempo, não faz Deus esperar, não adia.
Quantas vezes – pensemos em nós mesmos – quantas vezes a nossa vida é
feita de adiamentos, inclusive a vida espiritual! Por exemplo: sei que me faz
bem orar, mas hoje não tenho tempo… «amanhã, amanhã, amanhã, amanhã…» - adiamos
as coisas: faço amanhã; sei que ajudar alguém é importante – sim, devo fazê-lo:
faço-o amanhã. É a mesma cadeia dos amanhãs… Adiar as coisas.
Hoje, às portas do Natal, Maria convida-nos a não adiar, a dizer «sim»:
«Devo orar?» «Sim, e oro». «Devo ajudar os outros? Sim.» Como fazê-lo? Faço-o.
Sem adiar. Todo o «sim» custa. Todo o «sim» custa, mas sempre menos do que lhe custou a ela aquele «sim» corajoso, aquele «sim» pronto, aquele «aconteça para
mim segundo a tua palavra» que nos trouxe a salvação.
E nós, que «sim» podemos dizer? Neste tempo difícil, em vez de nos lamentarmos por aquilo que a pandemia nos impede de fazer, façamos alguma coisa por quem tem menos: não um enésimo presente para nós e para os nossos amigos, mas para um necessitado em quem ninguém pensa! E outro conselho: para que Jesus nasça em nós, preparemos o coração: rezemos.
Não nos deixemos “levar por diante” pelo consumismo: «Tenho de comprar
os presentes, tenho de fazer isto e aquilo…». O frenesim de fazer tantas
coisas… o importante é Jesus. O consumismo, irmãos e irmãs, sequestrou-nos o
Natal. O consumismo não está na manjedoura de Belém: nela está a realidade, a
pobreza, o amor. Preparemos o coração como fez Maria: livre do mal, acolhedor,
pronto a hospedar Deus.
«Aconteça para mim segundo a tua palavra.» É a última frase da Virgem
neste último domingo do Advento, e é o convite a dar um passo concreto para o
Natal. Porque se o nascimento de Jesus não toca a nossa vida – a minha, a tua,
todas –, se não toca a vida, passa em vão. No “Angelus” agora também nós
diremos «cumpra-se em mim a tua palavra»: Nossa Senhora nos ajude a dizê-lo com
a vida, com a atitude destes últimos dias, para nos prepararmos bem para o
Natal. (…)
Que o Natal, agora próximo, seja para cada um de nós ocasião de
renovação interior, de oração, de conversão, de passos em frente na fé e de
fraternidade entre nós.
Olhemos à nossa volta, olhemos sobretudo a quantos estão na indigência:
o irmão que sofre, onde quer que esteja, o irmão que sofre pertence-nos. É
Jesus na manjedoura: quem sofre é Jesus. Pensemos um pouco nisto. E o Natal
seja uma proximidade a Jesus neste irmão e nesta irmã. Está ali, no irmão
necessitado, o presépio ao qual devemos dirigir-nos com solidariedade.
Este é o presépio vivo: o presépio no qual encontraremos verdadeiramente
o Redentor nas pessoas que têm necessidade. Caminhemos, portanto, para a Noite
Santa e aguardemos o cumprir-se do mistério da Salvação.
Papa
Francisco
"Angelus", 20.12.2020
Fonte: Sala de Imprensa da Santa Sé
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 21.12.2020
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