sábado, 4 de janeiro de 2025

 SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR

A Igreja, liturgicamente, celebra hoje a festa, que popularmente é chamada de “Dias de Reis e comemorada nas ruas no dia 6 de janeiro de cada ano.

Nas leituras dominicais Deus manifesta-se-nos em Jesus, Seu amado Filho. N’Ele encontramos a Luz que nos conduz à Salvação. É a luz salvadora do Amor de Deus, por cada um de nós, por toda a humanidade, que vem ao encontro dos que O procuram e se faz presente no meio de nós.

Na 1ªleitura (Is 60, 1-6)   Isaías convida-nos a proclamar as glórias do Senhor, porque a luz chegou até nós e nos traz a verdadeira vida, na pessoa do Menino Jesus. Louvemos e demos glória a Deus, que assim manifesta o Seu amor por cada um de nós. 

Levanta-te e resplandece, Jerusalém, porque chegou a tua luz e brilha sobre ti a glória do Senhor. Vê como a noite cobre a terra e a escuridão os povos. Mas, sobre ti levanta-Se o Senhor e a sua glória te ilumina. As nações caminharão à tua luz e os reis ao esplendor da tua aurora. Olha ao redor e vê: todos se reúnem e vêm ao teu encontro; os teus filhos vão chegar de longe e as tuas filhas são trazidas nos braços. Quando o vires ficarás radiante, palpitará e dilatar-se-á o teu coração, pois a ti afluirão os tesouros do mar, a ti virão ter as riquezas das nações. Invadir-te-á uma multidão de camelos, de dromedários de Madiã e Efá. Virão todos os de Sabá, trazendo ouro e incenso e proclamando as glórias do Senhor.”

Na 2ªleitura (Ef 3, 2-3a.5-6)  S.Paulo é categórico: para Deus não há gregos, nem romanos, nem escravos, nem homens livres, nem judeus, todos somos chamados a fazer parte do projeto de Amor, que Deus tem para todos os homens, de todos os tempos. Todos somos filhos no Filho, que agora, no Menino deitado sobre as palhas da manjedoura, somos convidados a contemplar e a louvar.

“Irmãos: Certamente já ouvistes falar da graça que Deus me confiou a vosso favor: por uma revelação, foi-me dado a conhecer o mistério de Cristo. Nas gerações passadas, ele não foi dado a conhecer aos filhos dos homens como agora foi revelado pelo Espírito Santo aos seus santos apóstolos e profetas: os gentios recebem a mesma herança que os judeus, pertencem ao mesmo corpo e participam da mesma promessa, em Cristo Jesus, por meio do Evangelho.”

No Evangelho (Mt 2, 1-12)  , a catequese que S.Mateus nos apresenta, está cheia de sinais: o encontro; a estrela; os magos; as atitudes diante da estrela; os presentes; o caminho a seguir para procurar Jesus. Os magos encontram Jesus. Todo aquele que se deixa guiar, por Jesus, encontra Deus nos caminhos da sua vida. A estrela simboliza Jesus, a luz que nos guia. Os magos representam todos os povos, que se deixam guiar para Deus e O procuram de coração sincero. E, como eles, somos desafiados a oferecer o que de melhor temos a Deus.

"Tinha Jesus nascido em Belém da Judeia, nos dias do rei Herodes, quando chegaram a Jerusalém uns Magos vindos do Oriente. «Onde está – perguntaram eles – o rei dos judeus que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-l’O». Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes ficou perturbado e, com ele, toda a cidade de Jerusalém. Reuniu todos os príncipes dos sacerdotes e escribas do povo e perguntou-lhes onde devia nascer o Messias. Eles responderam: «Em Belém da Judeia, porque assim está escrito pelo Profeta: ‘Tu, Belém, terra de Judá, não és de modo nenhum a menor entre as principais cidades de Judá, pois de ti sairá um chefe, que será o Pastor de Israel, meu povo’». Então Herodes mandou chamar secretamente os Magos e pediu-lhes informações precisas sobre o tempo em que lhes tinha aparecido a estrela. Depois enviou-os a Belém e disse-lhes: «Ide informar-vos cuidadosamente acerca do Menino; e, quando O encontrardes, avisai-me, para que também eu vá adorá-l’O». Ouvido o rei, puseram-se a caminho. E eis que a estrela que tinham visto no Oriente seguia à sua frente e parou sobre o lugar onde estava o Menino. Ao ver a estrela, sentiram grande alegria. Entraram na casa, viram o Menino com Maria, sua Mãe, e, prostrando-se diante d’Ele, adoraram-n’O. Depois, abrindo os seus tesouros, ofereceram-Lhe presentes: ouro, incenso e mirra. E, avisados em sonhos para não voltarem à presença de Herodes, regressaram à sua terra por outro caminho.  

Senhor, que, à semelhança dos magos, eu me deixe guiar por Ti, luz da minha vida. 

Como uma estrela que se levanta (cf. Nm 24, 17), Jesus vem iluminar todos os povos e clarear as noites da humanidade. Com os Magos, erguendo o olhar para o céu, hoje também nós nos perguntamos: «Onde está aquele que acaba de nascer?» (Mt 2, 2). Por outras palavras, qual é o lugar onde podemos procurar e encontrar o Senhor de todos nós?

Pela experiência dos Magos, compreendemos que o primeiro «lugar» onde Ele gosta de ser procurado é na inquietação que se interroga. A aventura fascinante destes sábios do Oriente ensina-nos que a fé não nasce dos nossos méritos nem de raciocínios teóricos, mas é dom de Deus. A sua graça ajuda-nos a despertar da apatia e a dar espaço às perguntas importantes da vida, perguntas que nos fazem sair da presunção de ter tudo em ordem, abrindo-nos para aquilo que nos supera. A primeira coisa que vemos nos Magos é esta: a inquietação de quem se interroga. Habitados por uma profunda nostalgia do infinito, perscrutam o céu e deixam-se maravilhar pelo fulgor duma estrela, representando assim a tensão para o transcendente que anima o caminho das civilizações e a busca incessante do nosso coração. De facto, aquela estrela deixa no coração deles precisamente uma pergunta: Onde está aquele que acaba de nascer?

Irmãos e irmãs, o caminho da fé tem início quando damos espaço, com a graça de Deus, à inquietude que nos mantém acordados; quando nos deixamos interrogar, quando não nos contentamos com a tranquilidade dos nossos hábitos, mas nos envolvemos nos desafios de cada dia; quando deixamos de nos manter num espaço neutral e decidimos habitar os espaços incómodos da vida, feitos de relações com os outros, surpresas, imprevistos, projetos a levar por diante, sonhos a realizar, medos a enfrentar, sofrimentos que escavam na carne. Nesses momentos, levantam-se do nosso coração as perguntas irreprimíveis que nos abrem à busca de Deus: Para mim, onde está a felicidade? Onde está a vida plena a que aspiro? Onde está aquele amor que não passa, não conhece ocaso, não se rompe nem mesmo diante de fragilidades, fracassos e traições? Quais são as oportunidades escondidas dentro das minhas crises e tribulações?

Sucede, porém, que o clima que respiramos diariamente oferece «tranquilizantes da alma», paliativos para a insensibilizar, para insensibilizar a nossa inquietude e apagar tais perguntas. Desde os produtos do consumismo até às seduções do prazer, desde os debates elevados a espetáculo até à idolatria do bem-estar… tudo parece dizer-nos: não penses demais, deixa correr, goza a vida! Muitas vezes procuramos sistematizar o coração no cofre da comodidade – sim, sistematizar o coração no cofre da comodidade – mas, se os Magos tivessem feito assim, nunca teriam encontrado o Senhor. Insensibilizar o coração, insensibilizar a alma para pôr termo à inquietação: este é o perigo. Com efeito, Deus habita nas nossas perguntas inquietas; com elas, «procuramo-Lo como a noite procura a aurora (...). Ele está no silêncio que nos turba diante da morte e do fim de todas as grandezas humanas; está na necessidade de justiça e amor que trazemos dentro de nós. Ele é o Mistério santo que vem ao encontro da nostalgia do Totalmente Outro, nostalgia de justiça perfeita e consumada, de reconciliação, de paz» (C. M. Martini, Ao Encontro do Senhor Ressuscitado: o âmago do espírito cristão, Cinisello Balsamo 2012, 66). Concluindo, o primeiro lugar é este: a inquietação que se interroga. Não tenhamos medo de entrar nesta inquietude que gera perguntas: são estas precisamente as estradas que nos levam a Jesus.

O segundo lugar onde podemos encontrar o Senhor é o risco do caminho. De facto, os interrogativos, mesmo espirituais, podem induzir à frustração e desolação, se não nos puserem a caminho, se não dirigirem o nosso movimento interior para o rosto de Deus e a beleza da sua Palavra. O peregrinar dos Magos, «o seu peregrinar exterior – disse Bento XVI – era expressão deste estar interiormente a caminho, da peregrinação interior do seu coração» (Homilia na Missa da Epifania, 06/I/2013). Na realidade, os Magos não se detêm a olhar o céu e contemplar a luz da estrela, mas aventuram-se numa viagem arriscada que não prevê, à partida, estradas seguras nem roteiro definido. Pretendem descobrir quem é o Rei dos Judeus, onde nasceu, onde podem encontrá-Lo. Para isso interpelam Herodes; e este, por sua vez, convoca os sumos sacerdotes e os escribas do povo que esquadrinham as Escrituras. Os Magos estão a caminho: a maior parte dos verbos que descrevem as suas ações são verbos de movimento.

O mesmo vale para a nossa fé: sem um contínuo caminhar e um diálogo constante com o Senhor, sem escuta da Palavra, nem perseverança, aquela não pode crescer. Não basta ter algumas ideias sobre Deus nem qualquer oração que acalma a consciência; é preciso fazer-se discípulo seguindo Jesus e o seu Evangelho, falar de tudo com Ele na oração, procurá-Lo nas situações do dia a dia e no rosto dos irmãos. Desde Abraão que se pôs a caminho para uma terra desconhecida até aos Magos que se movem seguindo a estrela, a fé é um caminho, a fé é uma peregrinação, a fé é uma história de partidas sucessivas. Nunca o esqueçamos: a fé é um caminho, uma peregrinação, uma história de partidas sucessivas. Recordemo-nos disto: a fé não cresce, se permanecer estática; não podemos encerrá-la em qualquer devoçãozinha pessoal, nem fechá-la dentro das paredes das igrejas, mas é preciso trazê-la para fora, vivê-la em caminho constante rumo a Deus e aos irmãos. Perguntemo-nos hoje: Estou a caminhar para o Senhor da vida, para que Se torne o Senhor da minha vida? Jesus, quem sois Vós para mim? Para onde me chamais, que pedis à minha vida? Que opções me convidais a fazer em prol dos outros?

Após a inquietação que se interroga o risco do caminho, o terceiro lugar onde se pode encontrar o Senhor é a maravilha da adoração. No termo de um longo percurso e uma busca fadigosa, os Magos entraram na casa, «viram o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se, adoraram-No» (Mt 2, 11). Este é o ponto decisivo: as nossas inquietudes, as nossas perguntas, os caminhos espirituais e as práticas da fé devem convergir para a adoração do Senhor. Aí encontram o seu centro fontal, porque tudo nasce daqui, pois é o Senhor que suscita em nós o sentir, o agir e o operar. Tudo nasce e tudo culmina aqui, porque o fim de cada coisa não é alcançar uma meta pessoal e receber glória para si mesmo, mas encontrar Deus e deixar-se abraçar pelo seu amor, que dá fundamento à nossa esperança, liberta-nos do mal, abre-nos ao amor pelos outros, torna-nos pessoas capazes de construir um mundo mais justo e mais fraterno. De nada adianta agitar-nos pastoralmente, se não colocamos Jesus no centro, adorando-O. A maravilha da adoração. Aqui aprendemos a estar diante de Deus, não tanto para pedir ou fazer qualquer coisa, mas apenas para nos determos em silêncio abandonando-nos ao seu amor, para nos deixarmos conquistar e regenerar pela sua misericórdia. De facto, rezamos muitas vezes, pedimos coisas, refletimos... mas habitualmente falta-nos a oração de adoração. Perdemos o sentido de adorar, porque perdemos a inquietação que se interroga e perdemos a coragem de avançar por entre os riscos do caminho. Hoje o Senhor convida-nos a fazer como os Magos: como os Magos, prostremo-nos, rendamo-nos a Deus na maravilha da adoração. Adoremos a Deus e não o nosso eu; adoremos a Deus e não os falsos ídolos que nos seduzem com o fascínio do prestígio e do poder, com o fascínio das falsas notícias; adoremos a Deus para não nos prostrarmos diante das coisas que passam e das lógicas sedutoras, mas vazias, do mal.

Irmãos, irmãs, abramos o coração à inquietude, peçamos a coragem para avançar no caminho e terminemos na adoração. Não tenhamos medo! É o percurso dos Magos; é o percurso de todos os santos da história: acolher as inquietudes, pôr-se a caminho e adorar.

Irmãos, irmãs, não deixemos que se apague em nós a inquietação que se interroga; não interrompamos o nosso caminho cedendo à apatia ou à comodidade; e, encontrando o Senhor, rendamo-nos à maravilha da adoração. Então descobriremos a existência duma luz que ilumina mesmo as noites mais escuras: é Jesus. Ele é a estrela resplandecente da manhã, o sol de justiça, o fulgor misericordioso de Deus, que ama todo o homem nos vários povos da terra.

Papa Francisco
(Homilia na Santa Missa da Solenidade da Epifania do Senhor, 6 de janeiro de 2023)

Feliz Dia de Reis