Encíclica “Todos irmãos”: Duas orações e oito frases marcantes de cada um dos oito capítulos
1 - “As sombras dum mundo fechado”
«Em vários países, uma certa noção de
unidade do povo e da nação, penetrada por diferentes ideologias, cria novas
formas de egoísmo e de perda do sentido social mascaradas por uma suposta
defesa dos interesses nacionais.»
«Os conflitos locais e o desinteresse pelo
bem comum são instrumentalizados pela economia global para impor um modelo
cultural único. Esta cultura unifica o mundo, mas divide as pessoas e as
nações.»
«Nota-se a penetração cultural de uma
espécie de “desconstrucionismo”, em que a liberdade humana pretende construir
tudo a partir do zero. De pé, deixa apenas a necessidade de consumir sem
limites e a acentuação de muitas formas de individualismo sem conteúdo.»
«Uma maneira eficaz de dissolver a
consciência histórica, o pensamento crítico, o empenho pela justiça e os percursos
de integração é esvaziar de sentido ou manipular as “grandes” palavras. Que
significado têm hoje palavras como democracia, liberdade, justiça, unidade?
Foram manipuladas e desfiguradas para utilizá-las como instrumento de domínio,
como títulos vazios de conteúdo que podem servir para justificar qualquer
ação.»
«Nega-se a outros o direito de existir e
pensar e, para isso, recorre-se à estratégia de ridicularizá-los, insinuar
suspeitas sobre eles e reprimi-los. Não se acolhe a sua parte da verdade, os
seus valores, e assim a sociedade empobrece-se e acaba reduzida à prepotência
do mais forte.»
«Tanto na propaganda de alguns regimes
políticos populistas como na leitura de abordagens económico-liberais,
defende-se que é preciso evitar a todo o custo a chegada de pessoas migrantes.
Simultaneamente, argumenta-se que convém limitar a ajuda aos países pobres,
para que toquem o fundo e decidam adotar medidas de austeridade. Não se dão
conta que, atrás destas afirmações abstratas e difíceis de sustentar, há muitas
vidas dilaceradas.»
«A sabedoria não se fabrica com buscas
impacientes na internet, nem é um somatório de informações cuja veracidade não
está garantida. Desta forma, não se amadurece no encontro com a verdade.»
«As conversas giram, em última análise, ao redor das notícias mais recentes; são meramente horizontais e cumulativas. Mas não se presta uma atenção prolongada e penetrante ao coração da vida, nem se reconhece o que é essencial para dar um sentido à existência.»
2 – “Um estranho no caminho”[sobre a
parábola do bom samaritano]
«[A parábola do bom samaritano] é um apelo
sempre novo: que a sociedade se oriente para a prossecução do bem comum e, a
partir deste objetivo, reconstrua incessantemente a sua ordem política e
social, o tecido das suas relações, o seu projeto humano.»
«Viver indiferentes à dor não é uma opção
possível; não podemos deixar ninguém caído “nas margens da vida”.»
«Deixemos que outros continuem a pensar na
política ou na economia para os seus jogos de poder. Alimentemos o que é bom e
coloquemo-nos ao serviço do bem.»
«A proposta é fazer-se presente a quem
precisa de ajuda, independentemente de fazer parte ou não do próprio círculo de
pertença. (…) Assim, já não digo que tenho “próximos” a quem devo ajudar, mas
que me sinto chamado a tornar-me eu um próximo dos outros.»
«Este encontro misericordioso entre um
samaritano e um judeu é uma forte provocação, que desmente toda a manipulação ideológica,
desafiando-nos a ampliar o nosso círculo, a dar à nossa capacidade de
amar uma dimensão universal capaz de ultrapassar todos os preconceitos, todas
as barreiras históricas ou culturais, todos os interesses mesquinhos.»
«Às vezes deixa-me triste o facto de,
apesar de estar dotada de tais motivações, a Igreja ter demorado tanto tempo a
condenar energicamente a escravatura e várias formas de violência.»
«A fé, com o humanismo que inspira, deve manter vivo um sentido crítico perante estas tendências e ajudar a reagir rapidamente quando começam a insinuar-se. Para isso, é importante que a catequese e a pregação incluam, de forma mais direta e clara, o sentido social da existência, a dimensão fraterna da espiritualidade, a convicção sobre a dignidade inalienável de cada pessoa e as motivações para amar e acolher a todos.»
3 – “Pensar e gerar um mundo aberto”
«Há um aspeto da abertura universal do
amor que não é geográfico, mas existencial: a capacidade diária de alargar o
meu círculo, chegar àqueles que espontaneamente não sinto como parte do meu
mundo de interesses, embora se encontrem perto de mim. Por outro lado, cada
irmã ou cada irmão que sofre, abandonado ou ignorado pela minha sociedade, é um
estrangeiro existencial, embora tenha nascido no mesmo país.»
«O individualismo radical é o vírus mais
difícil de vencer. Ilude. Faz-nos crer que tudo se reduz a deixar à rédea solta
as próprias ambições, como se, acumulando ambições e seguranças individuais,
pudéssemos construir o bem comum.»
«Se a sociedade se reger primariamente
pelos critérios da liberdade de mercado e da eficiência, não há lugar para tais
pessoas [pessoa com deficiência, alguém que nasceu num lar extremamente pobre,
alguém que cresceu com uma educação de baixa qualidade e com reduzidas
possibilidades para cuidar adequadamente das suas enfermidades], e a
fraternidade não passará de uma palavra romântica.»
«O direito à propriedade privada só pode
ser considerado como um direito natural secundário e derivado do princípio do
destino universal dos bens criados, e isto tem consequências muito concretas
que se devem refletir no funcionamento da sociedade. Mas acontece, muitas
vezes, que os direitos secundários se sobrepõem aos prioritários e primordiais,
deixando-os sem relevância prática.»
«Como é inaceitável que uma pessoa tenha
menos direitos pelo simples facto de ser mulher, de igual modo é inaceitável
que o local de nascimento ou de residência determine, por si só, menores
oportunidades de vida digna e de desenvolvimento.»
«O direito de alguns à liberdade de
empresa ou de mercado não pode estar acima dos direitos dos povos e da
dignidade dos pobres; nem acima do respeito pelo ambiente.»
«Em muitos casos, o pagamento da dívida
não só não favorece o desenvolvimento, mas limita-o e condiciona-o
intensamente.»
Trata-se, sem dúvida, doutra lógica. Se não se fizer esforço para entrar nesta lógica, as minhas palavras parecerão um devaneio. Mas, se se aceita o grande princípio dos direitos que brotam do simples facto de possuir a inalienável dignidade humana, é possível aceitar o desafio de sonhar e pensar numa humanidade diferente. É possível desejar um planeta que garanta terra, teto e trabalho para todos. Este é o verdadeiro caminho da paz, e não a estratégia insensata e míope de semear medo e desconfiança perante ameaças externas.»
4 – “Um coração aberto ao mundo inteiro”
«As várias culturas, cuja riqueza se foi
criando ao longo dos séculos, devem ser salvaguardadas para que o mundo não
fique mais pobre. Isso, porém, sem deixar de as estimular a que permitam surgir
de si mesmas algo de novo no encontro com outras realidades. Não se pode
ignorar o risco de acabarem vítimas duma esclerose cultural.»
Existe a gratuitidade: é a capacidade de
fazer algumas coisas, pelo simples facto de serem boas, sem olhar a êxitos nem
esperar receber imediatamente algo em troca. Isto permite acolher o
estrangeiro, mesmo que não traga de imediato benefícios palpáveis. Mas há países
que pretendem receber apenas cientistas ou investidores.»
«O universal não deve ser o domínio
homogéneo, uniforme e padronizado de uma única forma cultural imperante, que
perderá as cores do poliedro e ficará enfadonha.»
«Há narcisismos bairristas que não
expressam um amor sadio pelo próprio povo e a sua cultura. Escondem um espírito
fechado que, devido a uma certa insegurança e medo do outro, prefere criar
muralhas defensivas para sua salvaguarda. Mas não é possível ser saudavelmente
local sem uma sincera e cordial abertura ao universal, sem se deixar interpelar
pelo que acontece noutras partes, sem se deixar enriquecer por outras culturas,
nem se solidarizar com os dramas dos outros povos. Este «localismo» encerra-se
obsessivamente numas poucas ideias, costumes e seguranças, revelando-se incapaz
de admirar as múltiplas possibilidades e belezas que oferece o mundo inteiro, e
carecendo de uma solidariedade autêntica e generosa.»
«Temos de reconhecer que, quanto menor for
a amplitude da mente e do coração de uma pessoa, tanto menos poderá interpretar
a realidade circundante em que está imersa. Sem o relacionamento e o confronto
com quem é diferente, torna-se difícil ter um conhecimento claro e completo de
si mesmo e da sua terra, uma vez que as outras culturas não constituem inimigos
de quem seja preciso defender-se, mas reflexos distintos da riqueza inexaurível
da vida humana. Ao olhar para si mesmo, do ponto de vista do outro, de quem é
diferente, cada um pode reconhecer melhor as peculiaridades da sua própria
pessoa e cultura: as suas riquezas, possibilidades e limites.»
«Na realidade, uma sã abertura nunca
ameaça a identidade, porque, ao enriquecer-se com elementos de outros lugares,
uma cultura viva não faz uma cópia nem mera repetição, mas integra as novidades
segundo modalidades próprias. Isto provoca o nascimento de uma nova síntese
que, em última análise, beneficia a todos, já que a cultura donde provêm estas
contribuições acaba mais devolvida.»
«O mundo cresce e enche-se de nova beleza,
graças a sucessivas sínteses que se produzem entre culturas abertas, fora de
qualquer imposição cultural.»
«A integração cultural, económica e política com os povos vizinhos deve ser acompanhada por um processo educativo que promova o valor do amor ao vizinho, primeiro exercício indispensável para se conseguir uma sadia integração universal.»
5 – “A política melhor”
«[Nos populismos e liberalismos] é
palpável a dificuldade de pensar num mundo aberto onde haja lugar para todos,
que inclua os mais frágeis e respeite as diferentes culturas.»
«O mercado, por si só, não resolve tudo,
embora às vezes nos queiram fazer crer neste dogma de fé neoliberal. Trata-se
de um pensamento pobre, repetitivo, que propõe sempre as mesmas receitas
perante qualquer desafio que surja. (…) A fragilidade dos sistemas mundiais
perante a pandemia evidenciou que nem tudo se resolve com a liberdade de
mercado.»
«Pensar nos que hão de vir não tem
utilidade para fins eleitorais, mas é o que exige uma justiça autêntica,
porque, como ensinaram os bispos de Portugal, a terra “é um empréstimo que cada
geração recebe e deve transmitir à geração seguinte”.»
«É caridade acompanhar uma pessoa que
sofre, mas é caridade também tudo o que se realiza – mesmo sem ter contacto
direto com essa pessoa – para modificar as condições sociais que provocam o seu
sofrimento. Alguém ajuda um idoso a atravessar um rio, e isto é caridade
primorosa; mas o político constrói-lhe uma ponte, e isto também é caridade. É
caridade se alguém ajuda outra pessoa fornecendo-lhe comida, mas o político
cria-lhe um emprego, exercendo uma forma sublime de caridade que enobrece a sua
ação política.»
«Só com um olhar cujo horizonte esteja
transformado pela caridade, levando-nos a perceber a dignidade do outro, é que
os pobres são reconhecidos e apreciados na sua dignidade imensa, respeitados no
seu estilo próprio e cultura e, por conseguinte, verdadeiramente integrados na
sociedade. Um tal olhar é o núcleo do autêntico espírito da política. Os
caminhos que se abrem a partir dele são diferentes dos caminhos de um
pragmatismo sem alma.»
«As maiores preocupações de um político
não deveriam ser as causadas por uma descida nas sondagens, mas por não
encontrar uma solução eficaz para o fenómeno da exclusão social e económica.»
«Muitas vezes, hoje, enquanto nos
enredamos em discussões semânticas ou ideológicas, deixamos que irmãos e irmãs
morram ainda de fome ou de sede, sem um teto ou sem acesso a serviços de saúde.
Juntamente com estas necessidades elementares por satisfazer, outra vergonha
para a humanidade que a política internacional não deveria continuar a tolerar
– não se ficando por discursos e boas intenções – é o tráfico de pessoas.
Trata-se daquele mínimo que não se pode adiar mais.»
«Ao pensar no futuro, alguns dias as perguntas devem ser: “Para quê? Para onde estou realmente a apontar?” Passados alguns anos, ao refletir sobre o próprio passado, a pergunta não será: “Quantos me aprovaram, quantos votaram em mim, quantos tiveram uma imagem positiva de mim?” As perguntas, talvez dolorosas, serão: “Quanto amor coloquei no meu trabalho? Em que fiz progredir o povo? Que marcas deixei na vida da sociedade? Que laços reais construí? Que forças positivas desencadeei? Quanta paz social semeei? Que produzi no lugar que me foi confiado?”»
6 – “Diálogo e amizade social”
«Aproximar-se, expressar-se, ouvir-se,
olhar-se, conhecer-se, esforçar-se por entender-se, procurar pontos de
contacto: tudo isto se resume no verbo “dialogar”. Para nos encontrar e ajudar
mutuamente, precisamos de dialogar. Não é necessário dizer para que serve o
diálogo; é suficiente pensar como seria o mundo sem o diálogo paciente de
tantas pessoas generosas, que mantiveram unidas famílias e comunidades. O
diálogo perseverante e corajoso não tem a força de notícia como as desavenças e
os conflitos; e contudo, de forma discreta mas muito mais do que possamos
perceber, ajuda o mundo a viver melhor.»
«Não se deve ocultar o risco de um
progresso científico ser considerado a única abordagem possível para se
entender um aspeto da vida, da sociedade e do mundo.»
«Temos de nos exercitar em desmascarar as
várias modalidades de manipulação, deformação e ocultamento da verdade nas
esferas pública e privada. O que chamamos “verdade” não é só a comunicação de
factos operada pelo jornalismo. É, antes de mais nada, a busca dos fundamentos
mais sólidos que estão na base das nossas opções e também das nossas leis.»
«O poliedro representa uma sociedade onde
as diferenças convivem integrando-se, enriquecendo-se e iluminando-se
reciprocamente, embora isso envolva discussões e desconfianças. Na realidade,
de todos se pode aprender alguma coisa, ninguém é inútil, ninguém é supérfluo.
Isto implica incluir as periferias. Quem vive nelas tem outro ponto de vista,
vê aspetos da realidade que não se descobrem a partir dos centros de poder onde
se tomam as decisões mais determinantes.»
«A palavra “cultura” indica algo que
penetrou no povo, nas suas convicções mais profundas e no seu estilo de vida.
Quando falamos de uma «cultura» no povo, trata-se de algo mais que uma ideia ou
uma abstração; inclui as aspirações, o entusiasmo e, em última análise, um modo
de viver que caracteriza aquele grupo humano. Assim, falar de “cultura do
encontro” significa que nos apaixona, como povo, querermos encontrar, procurar,
pontos de contacto, lançar pontes, projetar algo que envolva a todos. Isto
tornou-se uma aspiração e um estilo de vida. O sujeito desta cultura é o povo,
não um setor da sociedade que tenta manter tranquilo o resto com recursos
profissionais e mediáticos.»
«Isto implica o hábito de reconhecer ao
outro o direito de ser ele próprio e de ser diferente. A partir deste
reconhecimento feito cultura, torna-se possível a criação de um pacto social.
Sem este reconhecimento, surgem maneiras subtis de fazer com que o outro perca
todo o seu significado, se torne irrelevante, fazer com que na sociedade não
lhe seja reconhecido qualquer valor. Por trás da repulsa de certas formas
visíveis de violência, muitas vezes, esconde-se outra violência mais
dissimulada: a daqueles que desprezam o diferente, sobretudo quando as suas
reivindicações prejudicam de alguma maneira os próprios interesses.»
«Um pacto social realista e inclusivo deve
ser também um “pacto cultural”, que respeite e assuma as diversas visões do
mundo, as culturas e os estilos de vida que coexistem na sociedade. (…) Um
pacto cultural pressupõe que se renuncie a compreender de maneira monolítica a
identidade de um lugar, e exige que se respeite a diversidade, oferecendo-lhe
caminhos de promoção e integração social.»
«Ainda é possível optar pelo cultivo da amabilidade; há pessoas que o conseguem, tornando-se estrelas no meio da escuridão. (…) A amabilidade é uma libertação da crueldade que às vezes penetra nas relações humanas, da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da urgência distraída que ignora que os outros também têm direito de ser felizes.»
7 – “Percursos de um novo encontro”
«Se se trata de recomeçar, há de ser
sempre a partir dos últimos.»
«A Shoah não deve ser
esquecida. (…) Não se devem esquecer os bombardeamentos atómicos de Hiroxima e
Nagasáqui.»
«Também não devemos esquecer as
perseguições, o comércio dos escravos e os massacres étnicos que se verificaram
e verificam em vários países, e tantos outros factos históricos que nos fazem
envergonhar de sermos humanos. Devem ser recordados sempre, repetidamente, sem
nos cansarmos nem anestesiarmos.»
«Hoje, é fácil cair na tentação de voltar
a página, dizendo que já passou muito tempo e é preciso olhar para diante. Isso
não, por amor de Deus! Sem memória, nunca se avança; não se evolui sem uma
memória íntegra e luminosa.»
«É muito salutar fazer memória do bem.»
«O perdão é precisamente o que permite
buscar a justiça sem cair no círculo vicioso da vingança nem na injustiça do
esquecimento.»
«Há duas situações extremas que podem
chegar a apresentar-se como soluções em circunstâncias particularmente dramáticas,
sem se dar conta que são respostas falsas, não resolvem os problemas que
pretendem superar e, em última análise, nada mais fazem que acrescentar novos
fatores de destruição no tecido da sociedade nacional e mundial. Trata-se da
guerra e da pena de morte.»
«Os medos e os rancores levam facilmente a entender as penas de maneira vingativa, se não cruel, em vez de as considerar como parte de um processo de cura e reinserção na sociedade.»
8 – “As religiões ao serviço da fraternidade no mundo”
«Como crentes das diversas religiões
sabemos que tornar Deus presente é um bem para as nossas sociedades. Buscar a
Deus com coração sincero, desde que não o ofusquemos com os nossos interesses
ideológicos ou instrumentais, ajuda a reconhecermo-nos como companheiros de
estrada, verdadeiramente irmãos.»
«Não se pode admitir que, no debate
público, só tenham voz os poderosos e os cientistas. Deve haver um lugar para a
reflexão que provém de um fundo religioso que recolhe séculos de experiência e
sabedoria.»
Embora a Igreja respeite a autonomia da
política, não relega a sua própria missão para a esfera do privado. Pelo
contrário, não pode nem deve ficar à margem na construção de um mundo melhor
nem deixar de despertar as forças espirituais que possam fecundar toda a vida
social. É verdade que os ministros da religião não devem fazer política
partidária, própria dos leigos, mas mesmo eles não podem renunciar à dimensão política
da existência que implica uma atenção constante ao bem comum e a preocupação
pelo desenvolvimento humano integral.»
«Existe um direito humano fundamental que
não deve ser esquecido no caminho da fraternidade e da paz: é a liberdade
religiosa para os crentes de todas as religiões.»
«Pedimos a Deus que fortaleça a unidade
dentro da Igreja, unidade que se enriquece com diferenças que se reconciliam
pela ação do Espírito Santo.»
«Como crentes, somos desafiados a retornar
às nossas fontes para nos concentrarmos no essencial: a adoração de Deus e o
amor ao próximo, para que alguns aspetos da nossa doutrina, fora do seu
contexto, não acabem por alimentar formas de desprezo, ódio, xenofobia, negação
do outro. A verdade é que a violência não encontra fundamento algum nas
convicções religiosas fundamentais, mas nas suas deformações.»
«Neste espaço de reflexão sobre a
fraternidade universal, senti-me motivado especialmente por São Francisco de
Assis e também por outros irmãos que não são católicos: Martin Luther King,
Desmond Tutu, Mahatma Mohandas Gandhi e muitos outros. Mas quero terminar
lembrando uma outra pessoa de profunda fé, que, a partir da sua intensa
experiência de Deus, realizou um caminho de transformação até se sentir irmão
de todos. Refiro-me ao Beato Carlos de Foucauld.»
«O seu ideal [Carlos de Foucauld] de uma entrega total a Deus encaminhou-o para uma identificação com os últimos, os mais abandonados no interior do deserto africano. Naquele contexto, afloravam os seus desejos de sentir todo o ser humano como um irmão, e pedia a um amigo: “Peça a Deus que eu seja realmente o irmão de todos”. Enfim, queria ser “o irmão universal”. Mas somente identificando-se com os últimos é que chegou a ser irmão de todos. Que Deus inspire este ideal a cada um de nós. Ámen.»
Oração ao Criador
«Senhor e Pai da Humanidade,
que criastes todos os seres humanos com a mesma dignidade,
infundi nos nossos corações um espírito de irmãos.
Inspirai-nos o sonho de um novo encontro,
de diálogo, de justiça e de paz.
Estimulai-nos a criar sociedades mais sadias
e um mundo mais digno,
sem fome, sem pobreza, sem violência, sem guerras.
Que o nosso coração se abra
a todos os povos e nações da Terra,
para reconhecer o bem e a beleza
que semeastes em cada um deles,
para estabelecer laços de unidade, de projetos comuns,
de esperanças compartilhadas. Ámen.»
Oração cristã ecuménica
«Deus nosso, Trindade de amor,
a partir da poderosa comunhão da vossa intimidade divina
infundi no meio de nós o rio do amor fraterno.
Dai-nos o amor que transparecia nos gestos de Jesus,
na sua família de Nazaré e na primeira comunidade cristã.
Concedei-nos, a nós cristãos, que vivamos o Evangelho
e reconheçamos Cristo em cada ser humano,
para o vermos crucificado nas angústias dos abandonados
e dos esquecidos deste mundo
e ressuscitado em cada irmão que se levanta.
Vinde, Espírito Santo!
Mostrai-nos a vossa beleza
refletida em todos os povos da Terra,
para descobrirmos que todos são importantes,
que todos são necessários, que são rostos diferentes
da mesma Humanidade amada por Deus. Ámen.»
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