Mensagem do Papa Francisco
para a
Quaresma de 2019
Quaresma de 2019
Fev 26,
2019 - 11:00
«A criação encontra-se em expetativa
ansiosa, aguardando a revelação dos filhos de Deus» (Rm 8, 19)
Queridos irmãos e irmãs!
Todos os anos, por meio
da Mãe Igreja, Deus «concede aos seus fiéis a graça de se prepararem, na
alegria do coração purificado, para celebrar as festas pascais, a fim de que
(…), participando nos mistérios da renovação cristã, alcancem a plenitude da
filiação divina» (Prefácio I da Quaresma). Assim, de Páscoa em Páscoa, podemos
caminhar para a realização da salvação que já recebemos, graças ao mistério
pascal de Cristo: «De facto, foi na esperança que fomos salvos» (Rm 8, 24). Este mistério de salvação, já operante
em nós durante a vida terrena, é um processo dinâmico que abrange também a
história e toda a criação. São Paulo chega a dizer: «Até a criação se encontra
em expetativa ansiosa, aguardando a revelação dos filhos de Deus» (Rm 8, 19). Nesta perspetiva, gostaria de oferecer
algumas propostas de reflexão, que acompanhem o nosso caminho de conversão na
próxima Quaresma.
1. A redenção da criação
A celebração do Tríduo
Pascal da paixão, morte e ressurreição de Cristo, ponto culminante do Ano Litúrgico,
sempre nos chama a viver um itinerário de preparação, cientes de que tornar-nos
semelhantes a Cristo (cf. Rm 8, 29) é um
dom inestimável da misericórdia de Deus.
Se o homem vive como
filho de Deus, se vive como pessoa redimida, que se deixa guiar pelo Espírito
Santo (cf. Rm 8, 14), e sabe reconhecer e
praticar a lei de Deus, a começar pela lei gravada no seu coração e na
natureza, beneficia também a criação,
cooperando para a sua redenção. Por isso, a criação – diz São Paulo – deseja de
modo intensíssimo que se manifestem os filhos de Deus, isto é, que a vida
daqueles que gozam da graça do mistério pascal de Jesus se cubra plenamente dos
seus frutos, destinados a alcançar o seu completo amadurecimento na redenção do
próprio corpo humano. Quando a caridade de Cristo transfigura a vida dos santos
– espírito, alma e corpo –, estes rendem louvor a Deus e, com a oração, a
contemplação e a arte, envolvem nisto também as criaturas, como demonstra
admiravelmente o «Cântico do irmão sol», de São Francisco de Assis (cf.
Encíclica Laudato si’,87). Neste mundo,
porém, a harmonia gerada pela redenção continua ainda – e sempre estará –
ameaçada pela força negativa do pecado e da morte.
2. A força destruidora do pecado
Com efeito, quando não
vivemos como filhos de Deus, muitas vezes adotamos comportamentos destruidores
do próximo e das outras criaturas – mas também de nós próprios –, considerando,
de forma mais ou menos consciente, que podemos usá-los como bem nos apraz.
Então sobrepõe-se a intemperança, levando a um estilo de vida que viola os
limites que a nossa condição humana e a natureza nos pedem para respeitar,
seguindo aqueles desejos incontrolados que, no livro da Sabedoria, se atribuem
aos ímpios, ou seja, a quantos não têm Deus como ponto de referência das suas
ações, nem uma esperança para o futuro (cf. 2, 1-11). Se não estivermos
voltados continuamente para a Páscoa, para o horizonte da Ressurreição, é claro
que acaba por se impor a lógica do tudo e imediatamente, do possuir cada vez mais.
Como sabemos, a causa de
todo o mal é o pecado, que, desde a sua aparição no meio dos homens,
interrompeu a comunhão com Deus, com os outros e com a criação, à qual nos
encontramos ligados antes de mais nada através do nosso corpo. Rompendo-se a
comunhão com Deus, acabou por falir também a relação harmoniosa dos seres
humanos com o meio ambiente, onde estão chamados a viver, a ponto de o jardim
se transformar num deserto (cf. Gn 3, 17-18).
Trata-se daquele pecado que leva o homem a considerar-se como deus da criação, a
sentir-se o seu senhor absoluto e a usá-la, não para o fim querido pelo
Criador, mas para interesse próprio em detrimento das criaturas e dos outros.
Quando se abandona a lei
de Deus, a lei do amor, acaba por se afirmar a lei do mais forte sobre o mais fraco.
O pecado – que habita no coração do homem (cf. Mc 7,
20-23), manifestando-se como avidez, ambição desmedida de bem-estar,
desinteresse pelo bem dos outros e muitas vezes também do próprio – leva à
exploração da criação (pessoas e meio ambiente), movidos por aquela ganância
insaciável que considera todo o desejo um direito e que, mais cedo ou mais
tarde, acabará por destruir inclusive quem está dominado por ela.
3. A força sanadora do arrependimento e do perdão
Por isso, a criação tem impelente
necessidade que se revelem os filhos de Deus, aqueles que se tornaram «nova
criação»: «Se alguém está em Cristo, é uma nova criação. O que era antigo
passou; eis que surgiram coisas novas» (2 Cor 5, 17).
Com efeito, com a sua manifestação, a própria criação pode também «fazer páscoa»: abrir-se para o novo céu e a nova terra
(cf. Ap 21, 1). E o caminho rumo à Páscoa chama-nos
precisamente a restaurar a nossa fisionomia e o nosso coração de cristãos,
através do arrependimento, a conversão e o perdão, para podermos viver toda a
riqueza da graça do mistério pascal.
Esta «impaciência», esta
expetativa da criação ver-se-á satisfeita quando se manifestarem os filhos de
Deus, isto é, quando os cristãos e todos os homens entrarem decididamente neste
«parto» que é a conversão. Juntamente connosco, toda a criação é chamada a sair
«da escravidão da corrupção, para alcançar a liberdade na glória dos filhos de
Deus» (Rm 8, 21). A Quaresma é sinal sacramental desta
conversão. Ela chama os cristãos a encarnarem, de forma mais intensa e
concreta, o mistério pascal na sua vida pessoal, familiar e social,
particularmente através do jejum, da oração e da esmola.
Jejuar, isto é, aprender a modificar a nossa
atitude para com os outros e as criaturas: passar da tentação de «devorar» tudo
para satisfazer a nossa voracidade, à capacidade de sofrer por amor, que pode
preencher o vazio do nosso coração. Orar, para saber
renunciar à idolatria e à autossuficiência do nosso eu, e nos declararmos
necessitados do Senhor e da sua misericórdia. Dar esmola, para
sair da insensatez de viver e acumular tudo para nós mesmos, com a ilusão de
assegurarmos um futuro que não nos pertence. E, assim, reencontrar a alegria do
projeto que Deus colocou na criação e no nosso coração: o projeto de amá-Lo a
Ele, aos nossos irmãos e ao mundo inteiro, encontrando neste amor a verdadeira
felicidade.
Queridos irmãos e irmãs,
a «quaresma» do Filho de Deus consistiu em entrar no deserto da criação para fazê-la voltar a ser
aquele jardim da comunhão com Deus que era antes do
pecado das origens (cf. Mc 1,12-13; Is 51,3). Que a nossa Quaresma seja percorrer o
mesmo caminho, para levar a esperança de Cristo também à criação, que «será
libertada da escravidão da corrupção, para alcançar a liberdade na glória dos filhos
de Deus» (Rm 8, 21). Não deixemos que passe em vão este
tempo favorável! Peçamos a Deus que nos ajude a realizar um caminho de
verdadeira conversão. Abandonemos o egoísmo, o olhar fixo em nós mesmos, e
voltemo-nos para a Páscoa de Jesus; façamo-nos próximo dos irmãos e irmãs em
dificuldade, partilhando com eles os nossos bens espirituais e materiais.
Assim, acolhendo na nossa vida concreta a vitória de Cristo sobre o pecado e a
morte, atrairemos também sobre a criação a sua força transformadora.
Vaticano, Festa de São Francisco de Assis,
4 de outubro de 2018.
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