Mensagem para a Quaresma 2019 do Bispo da Diocese de Leiria-Fátima
Renovar a nossa fisionomia e o nosso coração de cristãos
A Quaresma vem de novo ao
nosso encontro num momento em que nos sentimos abalados pelos escândalos dos
abusos sobre menores cometidos na Igreja, preocupados com a onda crescente dos
crimes de violência doméstica e inquietos com a exploração irresponsável do dom
da criação. Perante estes e muitos outros males do mundo e das nossas vidas,
ressoa a palavra de ordem “convertei-vos
e acreditai no Evangelho” que dá sentido a todo o caminho quaresmal.
É o próprio Deus quem nos chama a voltar a Ele: “convertei-vos a mim de todo o coração”.
Sabemos por experiência que o mais difícil é perseverar nas boas intenções e passar à prática. Por isso devemos aproveitar bem este tempo de graça em que Deus mesmo cuida da saúde espiritual do seu povo e de cada um de nós, oferecendo-nos os meios adequados. A verdade que nos liberta obriga-nos a reconhecer esta necessidade para confessar e rezar com David: “Pequei contra ti e só contra ti. Fiz o que é mal aos teus olhos... Desvia o teu rosto dos meus pecados e apaga todas as minhas culpas”
(Sl 50, 6.11).
Nesta perspetiva, a mensagem
do Santo Padre para a Quaresma sublinha dois aspetos de premente atualidade,
facilmente esquecidos ou descuidados: “a força destruidora do pecado” e “a
força sanadora do arrependimento e do perdão”. São interpeladores e dignos de
serem meditados por cada um de nós.
Reconhecer a força destruidora do pecado
Em primeiro lugar,
desperta-nos para a realidade do pecado e da sua força destruidora e cada vez
mais invasora, que se espalha e contamina como mancha de óleo. Não podemos
ficar indiferentes ou olhar para o lado. Há que a reconhecer e chamar-lhe pelo
nome: é a face do mal, o pecado.
“Com efeito, quando não
vivemos como filhos de Deus, muitas vezes adotamos comportamentos destruidores
do próximo e das outras criaturas, mas também de nós próprios... Quando se abandona a lei de Deus, a lei do
amor, acaba por se afirmar a lei do mais forte sobre o mais fraco. O pecado –
que habita no coração do homem
(cf. Mc 7, 20-23), manifestando-se
como avidez, ambição desmedida de bem-estar, desinteresse pelo bem dos outros e
muitas vezes também do próprio – leva à exploração da criação (de pessoas e do
meio ambiente)”.
Confiar na força sanadora da conversão e do
perdão
Como antídoto, o Papa
Francisco chama-nos à conversão: a pôr a nossa confiança na força sanadora do
arrependimento e do perdão para vencer a força destruidora do pecado. Como diz
S. Paulo: “Não te deixes vencer pelo mal. Vence o mal com o bem”.
De facto, o pecado deixa
feridas no coração e na alma, nas relações interpessoais, na vida da família,
da comunidade, da Igreja e da criação. Mas a Quaresma, abrindo-nos os olhos à
amarga realidade nua e crua do mal, oferece-nos também o remédio doce e eficaz
da conversão e do perdão, para restaurar a nossa fisionomia e o nosso coração
de cristãos. Para isso indica-nos os clássicos e sempre proveitosos meios do
jejum, da oração e da partilha, como o Papa Francisco ilustra:
“Jejuar, isto é, aprender a modificar a nossa atitude para com os
outros e as criaturas: passar da tentação de «devorar» tudo, para satisfazer a
nossa voracidade, à capacidade de sofrer por amor, que pode preencher o vazio
do nosso coração.
Orar,
para saber renunciar à idolatria e à autossuficiência do nosso eu, e nos
declararmos necessitados do Senhor e da sua misericórdia”.
Para a prática da oração, além
de outras formas ao gosto de cada um e das famílias, propomos e recomendamos
novamente a todo o povo de Deus o retiro
popular, segundo o método da leitura orante da Palavra de Deus. Já está disponível
o opúsculo com o título “A fé é caminho
de encontros”, de acordo com o tema do ano pastoral “Fé, Jovens e Vocação”.
Além disso, recomendo a iniciativa “24 horas para o Senhor”, a
concretizar nos dias 29 e 30 de março, sexta-feira e sábado, ao cuidado das
paróquias, vigararias e outras comunidades. Aproveitemos esta oportunidade para
celebrar o sacramento da Reconciliação
num contexto de adoração eucarística.
Partilhar com os pobres: a renúncia quaresmal
“Dar esmola – continua o Santo Padre -, para sair da insensatez de viver e acumular
tudo para nós mesmos, com a ilusão de assegurarmos um futuro que não nos
pertence. E, assim, reencontrar a alegria do projeto que Deus colocou na
criação e no nosso coração: o projeto de amá-Lo a Ele, aos nossos irmãos e ao
mundo inteiro, encontrando neste amor a verdadeira felicidade”.
Gestos de partilha motivados
pelo bem dos outros são necessários para voltar a Deus, rasgando o coração como
Ele nos pede (cf. Joel 2, 13). Por isso, movidos de misericórdia, abramos os
olhos e o coração aos nossos próximos e partilhemos dons, bens e serviços com
os mais pobres, com as vítimas das injustiças, com os miseráveis deste mundo,
sem emprego, sem casa ou abrigo, doentes, abandonados e descartados.
Um sinal neste sentido é a chamada renúncia
quaresmal. A coleta desta renúncia na nossa diocese será canalizada para a
construção de um Lar para idosos - a Casa Betânia - na ilha do Príncipe,
diocese de S. Tomé e Príncipe. É
uma necessidade urgente, dada a situação dramática a que ali estão votados os
idosos privados de condições mínimas para uma vida com dignidade. Demos, pois, um testemunho forte de
generosidade!
Peregrinar ao encontro de Cristo
Não há Quaresma sem a luz da
Páscoa, isto é, sem o encontro com Cristo Ressuscitado. Nesta perspetiva se
insere a peregrinação diocesana a Fátima no quinto domingo da quaresma, dia 7
de abril. Convido todos a participarem e, de modo particular, os jovens. Em
consonância com o programa pastoral, peregrinaremos sob o lema “Ao encontro de Cristo com Maria e Francisco
Marto”. Este ano incluímos a memória deste pastorinho de Fátima, porque
comemoramos o centenário da sua morte.
Será um momento particular de graça para contemplar Cristo com Maria e com o exemplo do pequeno Francisco, que
Nossa Senhora conduziu à adoração e à intimidade com Jesus ressuscitado
presente na Eucaristia, no sacrário das nossas igrejas e capelas. Ela também
nos ajuda hoje no caminho da conversão para que as nossas comunidades cresçam
numa fé mais viva e num espírito mais missionário, recebendo e irradiando a
alegria e o calor do encontro com Cristo na Páscoa da ressurreição! Então,
poderão contagiar e ajudar os jovens a terem o seu encontro pessoal com Cristo
vivo e a serem revitalizadas com as suas experiências e o entusiasmo da sua
vivência da fé cristã.
A todos os diocesanos desejo
boa e santa Quaresma a caminho da Páscoa!
Leiria, 27 de fevereiro de 2019.
† Cardeal António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
Sem comentários:
Enviar um comentário