Leitura faseada da carta pastoral, para o próximo biénio, do Bispo de Leiria Fátima (I)
Carta Pastoral 2015-2017 – No Centenário das Aparições
Maria, Mãe de Ternura e de
Misericórdia
† António Marto
Leria, 15 de setembro de 2015,
Memória de Nossa Senhora das Dores
Caríssimos
diocesanos
Irmãs
e irmãos no Senhor Jesus
Ao iniciar esta carta de apresentação do percurso pastoral da nossa diocese para o próximo biénio, desejo, antes de mais, saudar-vos fraternalmente no Senhor. Foi bom e belo o percurso destes dois últimos anos dedicados à pastoral familiar,
que culminou na grande Festa das Famílias. “A alegria e a beleza de viver em
família” à luz da fé tocou muitos corações, despertou entusiasmo, animou grande
número de famílias, suscitou dedicação e empenho nas comunidades, abriu e
potenciou caminhos de serviço pastoral em relação aos vários âmbitos e
situações familiares.
Todo
este dinamismo não pode abrandar agora, quando entramos num novo biénio
dedicado a Nossa Senhora. Ela foi mulher, esposa, mãe e cuidou da família de
Nazaré, vivendo mesmo situações de provação. Por isso, ela é modelo, guia e
amparo para as nossas famílias. Uma genuína e sólida espiritualidade mariana é
uma forte ajuda para “a alegria e a beleza de viver em família” na companhia de
Maria, Mãe de Ternura e de Misericórdia.
1. O Centenário das Aparições
Aproxima-se
a data jubilar do Centenário das Aparições de Nossa Senhora em Fátima. É um
momento importante para a nossa diocese. Um ano jubilar é uma grande convocação
para nos alegrarmos, agradecer e fruir este tão grande dom de Deus e tudo o que
ele trouxe à Igreja e à humanidade. Não podemos de modo algum desperdiçar esta
ocasião de celebração e de memória.
O
mais importante, porém, não são os rituais, nem as cenografias ou montagens
estéticas. A celebração de um ano jubilar pode e deve ser sobretudo um grande
acontecimento profético. Para além do aspeto comemorativo, deve ser vivido na
sua permanente atualidade de graça e de renovação para a Igreja e para o mundo
de hoje, rumo a um futuro melhor.
A
nossa diocese tem uma responsabilidade acrescida, porque foi no seu espaço
geográfico que se realizou o acontecimento-mensagem de Fátima, porque os
primeiros protagonistas a quem foi confiada a mensagem foram membros da Igreja
diocesana e porque tudo se perpetua e continua vivo no e através do nosso Santuário
de Nossa Senhora do Rosário de Fátima.
Como
cada batizado tem um carisma próprio para o serviço da comunidade, assim cada
Igreja local tem o seu próprio carisma para oferecer à catolicidade da Igreja,
para o enriquecimento comum. Também a nossa diocese tem este carisma: cuidar do
dom das Aparições de Nossa Senhora e da sua mensagem específica, vivendo-o e
difundindo-o para o fortalecimento da fé, para a renovação da Igreja e a paz no
mundo. Trata-se de um carisma que se vai configurando e aprofundando através do
tempo. Este tempo do jubileu pede-nos uma maior consciência desta
responsabilidade. À sua preparação e celebração decidimos dedicar o próximo
biénio pastoral.
2. O Ano Santo da Misericórdia: o
caminho da Igreja no novo milénio
No
passado dia 11 de abril, o Santo Padre proclamou um Ano Santo Extraordinário da
Misericórdia, a começar no próximo dia 8 de dezembro, solenidade da Imaculada
Conceição, e a encerrar no dia 20 de novembro de 2016, solenidade de Cristo
Rei. Na bula de proclamação, o Papa Francisco justifica o motivo: “A primeira missão da Igreja é introduzir
todos no grande mistério da misericórdia de Deus contemplando o rosto de
Cristo, sobretudo num momento como o nosso, cheio de grandes esperanças e de
fortes contradições” (MV 25).
Nesta
missão joga-se também a credibilidade da Igreja que “passa pelo caminho do amor
misericordioso e compassivo” (MV 10). Aos bispos de Timor-Leste, na visita ad limina, o Papa especificava: “Sem a
misericórdia, poucas possibilidades temos hoje de nos inserir num mundo de
‘feridos’ que têm necessidade de compreensão, de perdão, de amor. Por isso, não
me canso de chamar a Igreja inteira à ’revolução’ da ternura’ (Cf. EG 88)”.
De
facto, vivemos hoje num mundo ferido – nos mais variados aspetos da vida
pessoal, familiar, social – e cínico no estilo de vida fechado no bem-estar
individual, na indiferença, na competitividade e na violência. Este nosso mundo ferido e cínico tem
necessidade de uma cura de misericórdia. Se os cristãos não procurarem na
misericórdia o seu caráter distintivo e se nós todos não voltarmos a dar a
cidadania cultural à compaixão, à mansidão e à misericórdia, acabaremos vítimas
do cinismo mais frio, calculista ou cruel.
“Jesus
Cristo é o rosto da misericórdia do Pai. O mistério da fé parece encontrar a
sua síntese nestas palavras”, assim começa o texto da bula do Ano Santo (MV 1).
Mas, no final, o Santo Padre refere-se a Maria Mãe da Misericórdia nestes
termos: “A doçura do seu olhar nos acompanhe neste Ano Santo para podermos
todos nós redescobrir a alegria da ternura de Deus. Ninguém como Maria conheceu
a profundidade do mistério de Deus feito homem. Na sua vida, tudo foi plasmado
pela presença da misericórdia feita carne” (MV 24).
3. O biénio pastoral: Maria, Mãe de
Ternura e de Misericórdia
Em
comunhão com a Igreja universal, não podemos deixar de integrar o Ano Santo da
Misericórdia no nosso percurso pastoral. Aliás, este aspeto veio valorizar
ainda mais o nosso programa, uma vez que o cerne da mensagem de Fátima é, como veremos, Graça e Misericórdia. Em Fátima, Deus deu também uma lição sobre
Si mesmo, sobre o seu modo de ser e de agir: uma lição sobre a misericórdia que pertence a Deus como traço essencial.
É um ensinamento que não podemos esquecer.
O
grande protagonista do acontecimento Fátima é o próprio Deus misericordioso
que, através de Maria, Mãe de Jesus e da Igreja, envia uma mensagem e um apelo
concreto ao mundo numa situação trágica. Maria fala-nos de Deus com a linguagem
do seu coração materno. Neste sentido, escolhemos
como tema geral do biénio a figura de Maria, Mãe de Ternura e de Misericórdia.
É
certo que Maria não é o centro do cristianismo. Não pode de modo algum
substituir a Cristo, único mediador e salvador. Mas ela tem um lugar e uma
missão singulares ao lado de Cristo e ao serviço de Cristo, da Igreja e da
humanidade, precisamente como Mãe do Salvador, unida a Ele por laços
indissolúveis.
O
II Concílio do Vaticano afirma que “Maria, pela sua participação íntima na
história da salvação, reúne por assim dizer e reflete em si as mais altas
verdades da fé” (LG 65). E João Paulo II explicita: “Ela é como um espelho em
que se refletem, da maneira mais profunda e luminosa, as maravilhas de Deus”
(RM 25).
O nosso amor a Maria é muito mais do que
uma mera devoção sentimental; é, antes, a contemplação da beleza do amor
misericordioso de Deus por nós, pela humanidade dispersa que Ele quer reunir; é
a contemplação da beleza da Igreja como Povo do Senhor, de que ela é membro
eminente e mãe amorosa; e da beleza da vida com Cristo, de quem ela foi mãe e
primeira e perfeita discípula.
Nesta
perspetiva, vamos contemplá-la ao longo destes dois próximos anos. No primeiro
ano, temos como objetivo “pôr em relevo a figura de Maria na história da
salvação e na vida do Povo de Deus”, sob o lema “Feliz de ti que acreditaste”
(Lc 1, 45); no segundo ano, o objetivo será “mostrar o relevo das Aparições de
Fátima para a vida cristã e eclesial hoje”, sob o lema “O meu Coração Imaculado
conduzir-vos-á até Deus”.
Naturalmente,
tudo tem em vista uma renovação da vida cristã e da Igreja. Como afirma
perspicazmente o cardeal W. Kasper, “uma
verdadeira renovação da Igreja não é possível sem uma renovada mariologia e sem
uma renovada devoção a Maria. Por isso, Maria pode ser também hoje um modelo
para uma renovação da vida da Igreja e ajudar a realizá-la”.
4. Muitos títulos, uma só Senhora, uma
só Mãe
Desejaria
ainda esclarecer, à partida, um equívoco que grassa por vezes no meio do nosso
povo.
São
muitos os santuários marianos no mundo e inúmeras as invocações a Maria. Há
pessoas convencidas de que estes títulos se referem a “Nossas Senhoras”
diferentes, a ponto de alguns discutirem qual é a mais poderosa ou mais
milagrosa.
Mas
só existe uma Nossa Senhora, a Mãe de Jesus e nossa Mãe, que acompanhou e
acompanha os seus filhos em todos os lugares e culturas e nos ensina a buscar a
unidade na fé e no amor em Cristo. Por isso, ela não tem problema em
apresentar-se com vestes diversas e em cores de pele diferentes. Não tem receio
em falar-nos em distintas línguas e linguagens.
Ao
longo da história, o grande amor dos fiéis foi dando diferentes títulos à
Virgem Mãe, segundo os lugares em que foi vivenciada a sua presença (Guadalupe,
Aparecida, Lurdes, Fátima...), segundo os mistérios da sua vida com Cristo
(Anunciação, Encarnação, Assunção...), segundo a forma como experimentaram a
sua ajuda ou conforto nas várias situações da vida (Mãe de Misericórdia,
Senhora da Saúde...). Mas é sempre a mesma e única Senhora que se manifesta ou
atua nos diferentes lugares e de diversas formas.
( I - continua)
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