domingo, 20 de setembro de 2015

Leitura faseada da carta pastoral, para o próximo biénio, do Bispo de Leiria Fátima (I)
 Carta Pastoral 2015-2017 – No Centenário das Aparições
Maria, Mãe de Ternura e de Misericórdia 
† António Marto
Leria, 15 de setembro de 2015,
Memória de Nossa Senhora das Dores


Caríssimos diocesanos
Irmãs e irmãos no Senhor Jesus

Ao iniciar esta carta de apresentação do percurso pastoral da nossa diocese para o próximo biénio, desejo, antes de mais, saudar-vos fraternalmente no Senhor. Foi bom e belo o percurso destes dois últimos anos dedicados à pastoral familiar, que culminou na grande Festa das Famílias. “A alegria e a beleza de viver em família” à luz da fé tocou muitos corações, despertou entusiasmo, animou grande número de famílias, suscitou dedicação e empenho nas comunidades, abriu e potenciou caminhos de serviço pastoral em relação aos vários âmbitos e situações familiares.
Todo este dinamismo não pode abrandar agora, quando entramos num novo biénio dedicado a Nossa Senhora. Ela foi mulher, esposa, mãe e cuidou da família de Nazaré, vivendo mesmo situações de provação. Por isso, ela é modelo, guia e amparo para as nossas famílias. Uma genuína e sólida espiritualidade mariana é uma forte ajuda para “a alegria e a beleza de viver em família” na companhia de Maria, Mãe de Ternura e de Misericórdia.

1. O Centenário das Aparições
Aproxima-se a data jubilar do Centenário das Aparições de Nossa Senhora em Fátima. É um momento importante para a nossa diocese. Um ano jubilar é uma grande convocação para nos alegrarmos, agradecer e fruir este tão grande dom de Deus e tudo o que ele trouxe à Igreja e à humanidade. Não podemos de modo algum desperdiçar esta ocasião de celebração e de memória.
O mais importante, porém, não são os rituais, nem as cenografias ou montagens estéticas. A celebração de um ano jubilar pode e deve ser sobretudo um grande acontecimento profético. Para além do aspeto comemorativo, deve ser vivido na sua permanente atualidade de graça e de renovação para a Igreja e para o mundo de hoje, rumo a um futuro melhor.
A nossa diocese tem uma responsabilidade acrescida, porque foi no seu espaço geográfico que se realizou o acontecimento-mensagem de Fátima, porque os primeiros protagonistas a quem foi confiada a mensagem foram membros da Igreja diocesana e porque tudo se perpetua e continua vivo no e através do nosso Santuário de Nossa Senhora do Rosário de Fátima.
Como cada batizado tem um carisma próprio para o serviço da comunidade, assim cada Igreja local tem o seu próprio carisma para oferecer à catolicidade da Igreja, para o enriquecimento comum. Também a nossa diocese tem este carisma: cuidar do dom das Aparições de Nossa Senhora e da sua mensagem específica, vivendo-o e difundindo-o para o fortalecimento da fé, para a renovação da Igreja e a paz no mundo. Trata-se de um carisma que se vai configurando e aprofundando através do tempo. Este tempo do jubileu pede-nos uma maior consciência desta responsabilidade. À sua preparação e celebração decidimos dedicar o próximo biénio pastoral.

2. O Ano Santo da Misericórdia: o caminho da Igreja no novo milénio
No passado dia 11 de abril, o Santo Padre proclamou um Ano Santo Extraordinário da Misericórdia, a começar no próximo dia 8 de dezembro, solenidade da Imaculada Conceição, e a encerrar no dia 20 de novembro de 2016, solenidade de Cristo Rei. Na bula de proclamação, o Papa Francisco justifica o motivo: “A primeira missão da Igreja é introduzir todos no grande mistério da misericórdia de Deus contemplando o rosto de Cristo, sobretudo num momento como o nosso, cheio de grandes esperanças e de fortes contradições” (MV 25).
Nesta missão joga-se também a credibilidade da Igreja que “passa pelo caminho do amor misericordioso e compassivo” (MV 10). Aos bispos de Timor-Leste, na visita ad limina, o Papa especificava: “Sem a misericórdia, poucas possibilidades temos hoje de nos inserir num mundo de ‘feridos’ que têm necessidade de compreensão, de perdão, de amor. Por isso, não me canso de chamar a Igreja inteira à ’revolução’ da ternura’ (Cf. EG 88)”.
De facto, vivemos hoje num mundo ferido – nos mais variados aspetos da vida pessoal, familiar, social – e cínico no estilo de vida fechado no bem-estar individual, na indiferença, na competitividade e na violência. Este nosso mundo ferido e cínico tem necessidade de uma cura de misericórdia. Se os cristãos não procurarem na misericórdia o seu caráter distintivo e se nós todos não voltarmos a dar a cidadania cultural à compaixão, à mansidão e à misericórdia, acabaremos vítimas do cinismo mais frio, calculista ou cruel.
“Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai. O mistério da fé parece encontrar a sua síntese nestas palavras”, assim começa o texto da bula do Ano Santo (MV 1). Mas, no final, o Santo Padre refere-se a Maria Mãe da Misericórdia nestes termos: “A doçura do seu olhar nos acompanhe neste Ano Santo para podermos todos nós redescobrir a alegria da ternura de Deus. Ninguém como Maria conheceu a profundidade do mistério de Deus feito homem. Na sua vida, tudo foi plasmado pela presença da misericórdia feita carne” (MV 24).

3. O biénio pastoral: Maria, Mãe de Ternura e de Misericórdia
Em comunhão com a Igreja universal, não podemos deixar de integrar o Ano Santo da Misericórdia no nosso percurso pastoral. Aliás, este aspeto veio valorizar ainda mais o nosso programa, uma vez que o cerne da mensagem de Fátima é, como veremos, Graça e Misericórdia. Em Fátima, Deus deu também uma lição sobre Si mesmo, sobre o seu modo de ser e de agir: uma lição sobre a misericórdia que pertence a Deus como traço essencial. É um ensinamento que não podemos esquecer.
O grande protagonista do acontecimento Fátima é o próprio Deus misericordioso que, através de Maria, Mãe de Jesus e da Igreja, envia uma mensagem e um apelo concreto ao mundo numa situação trágica. Maria fala-nos de Deus com a linguagem do seu coração materno. Neste sentido, escolhemos como tema geral do biénio a figura de Maria, Mãe de Ternura e de Misericórdia.
É certo que Maria não é o centro do cristianismo. Não pode de modo algum substituir a Cristo, único mediador e salvador. Mas ela tem um lugar e uma missão singulares ao lado de Cristo e ao serviço de Cristo, da Igreja e da humanidade, precisamente como Mãe do Salvador, unida a Ele por laços indissolúveis.
O II Concílio do Vaticano afirma que “Maria, pela sua participação íntima na história da salvação, reúne por assim dizer e reflete em si as mais altas verdades da fé” (LG 65). E João Paulo II explicita: “Ela é como um espelho em que se refletem, da maneira mais profunda e luminosa, as maravilhas de Deus” (RM 25).
O nosso amor a Maria é muito mais do que uma mera devoção sentimental; é, antes, a contemplação da beleza do amor misericordioso de Deus por nós, pela humanidade dispersa que Ele quer reunir; é a contemplação da beleza da Igreja como Povo do Senhor, de que ela é membro eminente e mãe amorosa; e da beleza da vida com Cristo, de quem ela foi mãe e primeira e perfeita discípula.
Nesta perspetiva, vamos contemplá-la ao longo destes dois próximos anos. No primeiro ano, temos como objetivo “pôr em relevo a figura de Maria na história da salvação e na vida do Povo de Deus”, sob o lema “Feliz de ti que acreditaste” (Lc 1, 45); no segundo ano, o objetivo será “mostrar o relevo das Aparições de Fátima para a vida cristã e eclesial hoje”, sob o lema “O meu Coração Imaculado conduzir-vos-á até Deus”.
Naturalmente, tudo tem em vista uma renovação da vida cristã e da Igreja. Como afirma perspicazmente o cardeal W. Kasper, “uma verdadeira renovação da Igreja não é possível sem uma renovada mariologia e sem uma renovada devoção a Maria. Por isso, Maria pode ser também hoje um modelo para uma renovação da vida da Igreja e ajudar a realizá-la”.

4. Muitos títulos, uma só Senhora, uma só Mãe
Desejaria ainda esclarecer, à partida, um equívoco que grassa por vezes no meio do nosso povo.
São muitos os santuários marianos no mundo e inúmeras as invocações a Maria. Há pessoas convencidas de que estes títulos se referem a “Nossas Senhoras” diferentes, a ponto de alguns discutirem qual é a mais poderosa ou mais milagrosa.
Mas só existe uma Nossa Senhora, a Mãe de Jesus e nossa Mãe, que acompanhou e acompanha os seus filhos em todos os lugares e culturas e nos ensina a buscar a unidade na fé e no amor em Cristo. Por isso, ela não tem problema em apresentar-se com vestes diversas e em cores de pele diferentes. Não tem receio em falar-nos em distintas línguas e linguagens.
Ao longo da história, o grande amor dos fiéis foi dando diferentes títulos à Virgem Mãe, segundo os lugares em que foi vivenciada a sua presença (Guadalupe, Aparecida, Lurdes, Fátima...), segundo os mistérios da sua vida com Cristo (Anunciação, Encarnação, Assunção...), segundo a forma como experimentaram a sua ajuda ou conforto nas várias situações da vida (Mãe de Misericórdia, Senhora da Saúde...). Mas é sempre a mesma e única Senhora que se manifesta ou atua nos diferentes lugares e de diversas formas.
( I - continua)

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