sábado, 30 de agosto de 2025


As leituras, deste domingo, desafiam-nos a irmos contra a corrente, pois exaltam a humildade, como um dos valores que o cristão deve assumir, no seu viver do dia a dia. 

Na 1ª leitura, (Sir 3, 19-21.30-31, ou Eco 3,17-18.20.28-29.), o autor sagrado diz-nos que a humildade passa por reconhecer como o Senhor é grande e alegrar-se n’Ele, dando-Lhe louvor e glória. Só um coração humilde é capaz de se entregar e confiar plenamente em Deus. Peçamos ao Senhor um coração humilhado e contrito.

"Filho, em todas as tuas obras procede com humildade e serás mais estimado do que o homem generoso. Quanto mais importante fores, mais deves humilhar-te e encontrarás graça diante do Senhor. Porque é grande o poder do Senhor e os humildes cantam a sua glória. A desgraça do soberbo não tem cura, porque a árvore da maldade criou nele raízes. O coração do sábio compreende as máximas do sábio e o ouvido atento alegra-se com a sabedoria. "

Na 2ª leitura (Hebreus 12,18-19.22-24.)  S.Paulo lembra-nos como Jesus, o filho de Deus, se fez pequeno, se humilhou, deu o Seu sangue, para nos ganhar para Deus. Só n’Ele, pela graça recebida no Batismo, poderemos seguir o caminho da salvação, aspirar às coisas do alto. Entreguemos-lhe o nosso coração, deixemo-nos amar por Ele.

"Irmãos: Vós não vos aproximastes de uma realidade sensível, como os israelitas no monte Sinai: o fogo ardente, a nuvem escura, as trevas densas ou a tempestade, o som da trombeta e aquela voz tão retumbante que os ouvintes suplicaram que não lhes falasse mais. Vós aproximastes-vos do monte Sião, da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste, de muitos milhares de Anjos em reunião festiva, de uma assembleia de primogénitos inscritos no Céu, de Deus, juiz do universo, dos espíritos dos justos que atingiram a perfeição e de Jesus, mediador da nova aliança." 

No Evangelho (Lc 14, 1.7-14)  Jesus conduz-nos por caminhos de humildade, seja através da parábola que conta, seja pela forma como atua no banquete, para o qual foi convidado. Jesus diz-nos para não escolhermos os primeiros lugares, mas os últimos e ainda para convidarmos os que não nos podem retribuir pelo bem que lhes fizermos. Peçamos ao Senhor um coração que se dá gratuitamente, sem esperar agradecimento, nem reconhecimento de qualquer  espécie. 

"Naquele tempo, Jesus entrou, num sábado, em casa de um dos principais fariseus para tomar uma refeição. Todos O observavam. Ao notar como os convidados escolhiam os primeiros lugares, Jesus disse-lhes esta parábola: «Quando fores convidado para um banquete nupcial, não tomes o primeiro lugar. Pode acontecer que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu; então, aquele que vos convidou a ambos, terá que te dizer: ‘Dá o lugar a este’; e ficarás depois envergonhado, se tiveres de ocupar o último lugar. Por isso, quando fores convidado, vai sentar-te no último lugar; e quando vier aquele que te convidou, dirá: ‘Amigo, sobe mais para cima’; ficarás então honrado aos olhos dos outros convidados. Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado». Jesus disse ainda a quem O tinha convidado: «Quando ofereceres um almoço ou um jantar, não convides os teus amigos nem os teus irmãos, nem os teus parentes nem os teus vizinhos ricos, não seja que eles por sua vez te convidem e assim serás retribuído. Mas quando ofereceres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; e serás feliz por eles não terem com que retribuir-te: ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos." 

 Dá-me Senhor um coração humilde. 

«Tu és o Senhor, o Pai dos humildes».

1. Cantámos juntos este versículo do Salmo responsorial, que é como o motivo condutor de toda a liturgia da Palavra deste domingo, que tenho a alegria de celebrar convosco nesta histórica Catedral.

Alegrem-se os justos. . . e cantam com alegria. Cante a Deus, cante seu nome. «Senhor» é o seu nome (cf. Sal 67). A alegria a que somos convidados é a de saber que somos amados por Deus: por aquele Deus que é o Senhor e, ao mesmo tempo, o Pai dos humildes. Somos chamados a prostrar-nos diante d'Ele, diante da sua majestade, na consciência da nossa pequenez. É ele quem exalta e consola (Manzoni). É Ele que ama os pequeninos e os pobres. É Ele que dispersa os soberbos, derruba os poderosos e exalta os humildes (cf. Lc 1, 51).

«Tu és o Senhor, o Pai dos humildes».

2. A Palavra de Deus retorna insistentemente nesta Missa ao valor e à necessidade da humildade. É uma lição muito importante, que devemos aprender completamente se realmente quisermos trilhar o caminho da Verdade. Na verdade, humildade é verdade. E a primeira Verdade fundamental é a transcendência absoluta de Deus Criador, manifestada na bondade infinita de Cristo Redentor: realidades supremas e decisivas, diante das quais o homem se sente exaltado como filho e humilhado como criatura humilde, que não pode vangloriar-se de nada.

Tudo isso no mundo nos educa para tal: a nossa pequenez diante das maravilhas da criação, a nossa impotência diante das forças da natureza, terríveis e indomáveis. A própria ciência nos ajuda a manter o espírito de humildade dentro de nós: considerando a imensidão do universo que nos rodeia, com os seus espaços talvez em expansão e com a multidão ilimitada de galáxias e sistemas planetários; meditar sobre o microcosmo que é o átomo, com as suas partículas subatómicas e as suas forças coesivas, e sobre o prodígio orgânico dos cromossomos, com os genes e componentes químicos que os estruturam; refletindo sobre as ações e reações extraordinárias dos neurónios do cérebro humano, cuja contribuição a alma usa para expressar o pensamento, chega-se logicamente ao louvor e admiração dessa Inteligência infinita, que criou e ordenou tudo de maneira tão harmoniosa e perfeita.

Resta, portanto, o reconhecimento da dependência total do Altíssimo: a verdadeira sabedoria é apenas humildade diante de Deus, que, por conseguinte, se torna sentido de adoração, de confiança no Seu amor, de confiança na Sua Providência, mesmo quando os Seus desígnios podem parecer obscuros e intrincados.

Assim, as palavras do Eclesiástico brilham com suprema sabedoria: "Filho, sê modesto na tua atividade. . . Quanto mais velho se é, mais humilhado se é; assim achareis graça diante do Senhor, porque Ele é glorificado pelos humildes» (Sir 3, 17-20). A história ensina que, infelizmente, o orgulho foi e é a causa de infinitos males; mesmo a negação de Deus ou a revolta contra Ele são quase sempre uma expressão da razão que se julga autossuficiente, e não quer curvar-se diante da majestade omnipotente do Criador, nem aceitar o Seu mistério.

«Tu és o Senhor, o Pai dos humildes».

3. Na mesma linha está o ensinamento do Evangelho de hoje, que expõe esta realidade de forma simples e clara. Com efeito, Jesus, ao participar num almoço em casa de um dos chefes dos fariseus, aproveita a ocasião para ensinar a ser humilde. Diz-nos: para escolhermos o último lugar; para nos contentarmos com pouco; para buscarmos não a ostentação da aparência, mas a realidade do ser. Diante de Deus não somos nada; e mesmo diante dos homens somos muito pequenos, aliás tornamo-nos ridículos, até miseráveis se assumirmos poses e atitudes de autossuficiência, de vanglória.

Jesus, no entanto, não quer apenas sugerir indicações de boas maneiras e comportamento prudente; Ele quer, acima de tudo, enquadrar a mente e dar grandes e luminosas ideias para as nossas vidas. Com efeito, acrescenta: «Todo aquele que se exaltar será humilhado, e quem se humilhar será exaltado» (Lc 14, 11). Às vezes, isto já pode acontecer nesta terra, nesta nossa vida; mas isso é secundário. É essencial que os humildes sejam exaltados no céu pelo próprio Deus. "Quer ser grande?", perguntou Santo Agostinho; e ele mesmo respondeu: "Comece com as coisas menores. Quer levantar um edifício de grande altura? Pensai primeiro nos fundamentos" (S. Augustini Sermo 69, 1, 2). Se realmente queremos construir o edifício de nossa santificação, ele deve ser fundamentado na humildade.

Jesus é o nosso modelo. Como diz São Paulo, "embora ele seja de natureza divina. . . esvaziou-se, assumindo a condição de servo. . .; humilhou-se a si mesmo e fez-se obediente até à morte e morte de cruz» (Fl 2, 6-8). Como não sentir, como não sermos pequenos e humildes diante do mistério da Encarnação e da Redenção, diante do Filho de Deus que vai a Belém, que permanece em silêncio em Nazaré, que vive uma vida pobre, que morre numa cruz nua? Jesus é o primeiro, o verdadeiramente humilde, o único que verdadeiramente glorificou a Deus. Com efeito, Deus é «glorificado pelos humildes», disse-nos ainda o Eclesiástico (Sir 3, 20) porque Se humilhou durante toda a Sua vida, manifestando vitoriosamente o Seu poder de Senhor, e foi assim que Ele mesmo se definiu: «manso e humilde de coração» (Mt 11, 29).

«Tu és o Senhor, o Pai dos humildes».

4. Quando o homem se coloca diante de Deus nesta dimensão, que é a única justa, então, como que por um paradoxo extraordinário, Deus exalta-o. Deus inclina-se para a sua humildade para o elevar a si mesmo; Ele se dá a ele como herança; chama-o à posse dos maiores bens, torna-o participante da Sua vida, dos Seus dons, das realidades eternas que são as únicas que tornam o homem grande.

Este ensinamento é-nos dado pelo trecho da Carta aos Hebreus que ouvimos na segunda Leitura. O autor ressalta que, enquanto o povo de Israel se aproximava de Deus com temor e tremor, agora, depois de Jesus, o Verbo Encarnado, que veio habitar entre nós, podemo-nos aproximar com alegria: "do monte de Sião e da cidade do Deus vivo; da Jerusalém celestial e das miríades de anjos; da assembleia festiva e da assembleia dos primogénitos inscritos no céu; de Deus, juiz de todos; e dos espíritos dos justos levados à perfeição, ao mediador da nova aliança" (Hb 12:22-24).

Queridos irmãos e irmãs! Aqui, todas essas realidades transcendentes se tornaram nossas na atmosfera sobrenatural, na qual estamos imersos. A Palavra de Deus impele-nos e estimula-nos a uma confiança plena e total n'Aquele que nos criou, pelo facto de Cristo se ter tornado um só connosco e, como nós, tudo o que é seu se tornou nosso, como sublinha claramente São João da Cruz numa das suas célebres passagens: o céu e a terra, o presente e o futuro, os méritos dos santos, a Igreja dispensadora de graça, de amor e de comunhão de vida com Deus Trindade, tudo é agora nossa posse: «Tudo é teu! Mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus» (1 Cor 3, 22-23). Esta é a verdadeira grandeza do homem e da mulher, a grandeza que nunca passa, que não se altera com a alternância dos acontecimentos históricos, que não murcha nem morre. Tudo é nosso porque Deus se rebaixou a nós para nos elevar a si. A verdadeira grandeza é aquela dada por Deus a quem o acolhe com um coração humilde e puro.

«Tu és o Senhor, o Pai dos humildes».

5. A partir destes amplos horizontes, Cristo convida-nos hoje a abrir o coração às mesmas dimensões do seu Santíssimo Coração. Como Ele, devemos fazer nossos os sofrimentos e as angústias de todos os humildes do mundo, dos pobres, dos famintos, dos marginalizados. Jesus veio para isto, como cantámos no versículo do Aleluia: «O Senhor enviou-Me a pregar a Boa Nova aos pobres, a proclamar a liberdade aos cativos» (Lc 4, 18).

E, de facto, o Evangelho que hoje se ouve é também e sobretudo uma grande lição de amor para os irmãos e irmãs mais provados. Ao aceitar o convite para almoçar, Jesus mostra que aprecia muito a bondade do convidado; mas convida-o a uma maior generosidade: «Quando deres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos». Assim, Jesus manifesta a sua preferência pelos que sofrem, e lança a mensagem fundamental do Evangelho, que é o serviço prestado por amor a Deus e aos irmãos: «Sereis bem-aventurados, porque não têm com que retribuir-vos... Recebereis a vossa recompensa na ressurreição dos justos» (Lc 14, 13-14).

Tais palavras são um desafio constante à nossa fé. Devemos acreditar, mas também devemos agir, ou seja, testemunhar e viver o cristianismo através da caridade desinteressada e concreta. Também nos nossos dias, não obstante todas as conquistas da ciência e da tecnologia e a expansão mais ampla da cultura e do bem-estar, a caridade continua a ser necessária, porque o irmão que sofre está sempre presente no meio de nós. Todos devemos estar cientes disso, tanto pessoal quanto socialmente. Por isso, cada cristão, como cada diocese e paróquia, cada família cristã e cada grupo de leigos, deve sentir-se comprometido no exercício da caridade, nas formas que hoje são oferecidas a cada um: "Caritas", voluntariado, Conferências de São Vicente, obras assistenciais e de recuperação, ajuda e assistência aos idosos, enfermos ou deficientes. Para viver autenticamente a fé cristã, é preciso ter a certeza de que se chega à tarde de cada dia, depois de ter cumprido o compromisso da caridade: «Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos diz o divino Mestre, se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 35).

6. Caríssimos fiéis de Anagni! Repito-vos a minha alegria por ter vindo junto de vós para celebrar esta Eucaristia. Agradeço e saúdo mais uma vez a Mons. Umberto Florenzani, o prefeito e as outras autoridades; agradeço e saúdo os vossos sacerdotes, religiosos, religiosas e todos vós que viestes em tão grande número. Sinto-me feliz por vos manifestar a minha profunda satisfação por aquilo que realizastes sob a guia do vosso Pastor: a Missão do Povo no passado mês de Abril e o IV Congresso Eucarístico Diocesano; e recordo a convocação do Sínodo, que será celebrado no Outono de 1989. Invoco do Senhor a abundância dos favores celestes sobre os vossos propósitos e sobre as vossas várias iniciativas pastorais: Ele continuará a iluminar-vos e a confirmar-vos no caminho do bem, para uma autêntica prosperidade humana e cristã, mantendo sempre vivos e fervorosos os princípios religiosos herdados dos vossos antepassados desde o segundo século depois de Cristo, quando o Evangelho chegou a estas terras e se enraizou mesmo à custa do martírio.

7. "Alegrem-se os justos. . . e cantam com alegria". Desejo-vos do fundo do coração esta alegria perene: a alegria de amar a Deus, de viver em Cristo, de ser Igreja. E recomendo-vos que vos prepareis para o Sínodo com empenho exemplar, na oração assídua e no estudo solícito da doutrina cristã, para que as vossas mentes sejam iluminadas, os vossos corações inflamados e também aqueles que estão longe possam ser tocados pela graça.

Maria Santíssima seja sempre a estrela límpida e benigna que guia os vossos passos pelos caminhos do Senhor. Nesta terra que pertenceu ao grande Leão XIII, não podemos esquecer com que insistência e cuidado, com que riqueza de doutrina e ternura de piedade ele recomendou ao mundo inteiro o amor a Maria, especialmente com a recitação do Rosário, que ele ilustrou maravilhosamente com inúmeros documentos. Ela, que no Magnificat celebrou aquele Deus que levanta os humildes; Ela, que confiou estas palavras aos lábios da Igreja orante, nos ensine a amar a verdadeira grandeza, que consiste na humildade, e a praticar o Evangelho, que é a Boa Nova para os pobres.

Tu és o Senhor, o Pai dos humildes. Por meio de Cristo, manso e humilde de coração. Com Maria, a humilde Virgem de Nazaré. Ámen.

                                                                                                   PAPA JOÃO PAULO II (Homilia dominical em Anagni (Frosinone) - 31 de agosto de 1986)

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