sábado, 30 de agosto de 2025


As leituras, deste domingo, desafiam-nos a irmos contra a corrente, pois exaltam a humildade, como um dos valores que o cristão deve assumir, no seu viver do dia a dia. 

Na 1ª leitura, (Sir 3, 19-21.30-31, ou Eco 3,17-18.20.28-29.), o autor sagrado diz-nos que a humildade passa por reconhecer como o Senhor é grande e alegrar-se n’Ele, dando-Lhe louvor e glória. Só um coração humilde é capaz de se entregar e confiar plenamente em Deus. Peçamos ao Senhor um coração humilhado e contrito.

"Filho, em todas as tuas obras procede com humildade e serás mais estimado do que o homem generoso. Quanto mais importante fores, mais deves humilhar-te e encontrarás graça diante do Senhor. Porque é grande o poder do Senhor e os humildes cantam a sua glória. A desgraça do soberbo não tem cura, porque a árvore da maldade criou nele raízes. O coração do sábio compreende as máximas do sábio e o ouvido atento alegra-se com a sabedoria. "

Na 2ª leitura (Hebreus 12,18-19.22-24.)  S.Paulo lembra-nos como Jesus, o filho de Deus, se fez pequeno, se humilhou, deu o Seu sangue, para nos ganhar para Deus. Só n’Ele, pela graça recebida no Batismo, poderemos seguir o caminho da salvação, aspirar às coisas do alto. Entreguemos-lhe o nosso coração, deixemo-nos amar por Ele.

"Irmãos: Vós não vos aproximastes de uma realidade sensível, como os israelitas no monte Sinai: o fogo ardente, a nuvem escura, as trevas densas ou a tempestade, o som da trombeta e aquela voz tão retumbante que os ouvintes suplicaram que não lhes falasse mais. Vós aproximastes-vos do monte Sião, da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste, de muitos milhares de Anjos em reunião festiva, de uma assembleia de primogénitos inscritos no Céu, de Deus, juiz do universo, dos espíritos dos justos que atingiram a perfeição e de Jesus, mediador da nova aliança." 

No Evangelho (Lc 14, 1.7-14)  Jesus conduz-nos por caminhos de humildade, seja através da parábola que conta, seja pela forma como atua no banquete, para o qual foi convidado. Jesus diz-nos para não escolhermos os primeiros lugares, mas os últimos e ainda para convidarmos os que não nos podem retribuir pelo bem que lhes fizermos. Peçamos ao Senhor um coração que se dá gratuitamente, sem esperar agradecimento, nem reconhecimento de qualquer  espécie. 

"Naquele tempo, Jesus entrou, num sábado, em casa de um dos principais fariseus para tomar uma refeição. Todos O observavam. Ao notar como os convidados escolhiam os primeiros lugares, Jesus disse-lhes esta parábola: «Quando fores convidado para um banquete nupcial, não tomes o primeiro lugar. Pode acontecer que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu; então, aquele que vos convidou a ambos, terá que te dizer: ‘Dá o lugar a este’; e ficarás depois envergonhado, se tiveres de ocupar o último lugar. Por isso, quando fores convidado, vai sentar-te no último lugar; e quando vier aquele que te convidou, dirá: ‘Amigo, sobe mais para cima’; ficarás então honrado aos olhos dos outros convidados. Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado». Jesus disse ainda a quem O tinha convidado: «Quando ofereceres um almoço ou um jantar, não convides os teus amigos nem os teus irmãos, nem os teus parentes nem os teus vizinhos ricos, não seja que eles por sua vez te convidem e assim serás retribuído. Mas quando ofereceres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; e serás feliz por eles não terem com que retribuir-te: ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos." 

 Dá-me Senhor um coração humilde. 

«Tu és o Senhor, o Pai dos humildes».

1. Cantámos juntos este versículo do Salmo responsorial, que é como o motivo condutor de toda a liturgia da Palavra deste domingo, que tenho a alegria de celebrar convosco nesta histórica Catedral.

Alegrem-se os justos. . . e cantam com alegria. Cante a Deus, cante seu nome. «Senhor» é o seu nome (cf. Sal 67). A alegria a que somos convidados é a de saber que somos amados por Deus: por aquele Deus que é o Senhor e, ao mesmo tempo, o Pai dos humildes. Somos chamados a prostrar-nos diante d'Ele, diante da sua majestade, na consciência da nossa pequenez. É ele quem exalta e consola (Manzoni). É Ele que ama os pequeninos e os pobres. É Ele que dispersa os soberbos, derruba os poderosos e exalta os humildes (cf. Lc 1, 51).

«Tu és o Senhor, o Pai dos humildes».

2. A Palavra de Deus retorna insistentemente nesta Missa ao valor e à necessidade da humildade. É uma lição muito importante, que devemos aprender completamente se realmente quisermos trilhar o caminho da Verdade. Na verdade, humildade é verdade. E a primeira Verdade fundamental é a transcendência absoluta de Deus Criador, manifestada na bondade infinita de Cristo Redentor: realidades supremas e decisivas, diante das quais o homem se sente exaltado como filho e humilhado como criatura humilde, que não pode vangloriar-se de nada.

Tudo isso no mundo nos educa para tal: a nossa pequenez diante das maravilhas da criação, a nossa impotência diante das forças da natureza, terríveis e indomáveis. A própria ciência nos ajuda a manter o espírito de humildade dentro de nós: considerando a imensidão do universo que nos rodeia, com os seus espaços talvez em expansão e com a multidão ilimitada de galáxias e sistemas planetários; meditar sobre o microcosmo que é o átomo, com as suas partículas subatómicas e as suas forças coesivas, e sobre o prodígio orgânico dos cromossomos, com os genes e componentes químicos que os estruturam; refletindo sobre as ações e reações extraordinárias dos neurónios do cérebro humano, cuja contribuição a alma usa para expressar o pensamento, chega-se logicamente ao louvor e admiração dessa Inteligência infinita, que criou e ordenou tudo de maneira tão harmoniosa e perfeita.

Resta, portanto, o reconhecimento da dependência total do Altíssimo: a verdadeira sabedoria é apenas humildade diante de Deus, que, por conseguinte, se torna sentido de adoração, de confiança no Seu amor, de confiança na Sua Providência, mesmo quando os Seus desígnios podem parecer obscuros e intrincados.

Assim, as palavras do Eclesiástico brilham com suprema sabedoria: "Filho, sê modesto na tua atividade. . . Quanto mais velho se é, mais humilhado se é; assim achareis graça diante do Senhor, porque Ele é glorificado pelos humildes» (Sir 3, 17-20). A história ensina que, infelizmente, o orgulho foi e é a causa de infinitos males; mesmo a negação de Deus ou a revolta contra Ele são quase sempre uma expressão da razão que se julga autossuficiente, e não quer curvar-se diante da majestade omnipotente do Criador, nem aceitar o Seu mistério.

«Tu és o Senhor, o Pai dos humildes».

3. Na mesma linha está o ensinamento do Evangelho de hoje, que expõe esta realidade de forma simples e clara. Com efeito, Jesus, ao participar num almoço em casa de um dos chefes dos fariseus, aproveita a ocasião para ensinar a ser humilde. Diz-nos: para escolhermos o último lugar; para nos contentarmos com pouco; para buscarmos não a ostentação da aparência, mas a realidade do ser. Diante de Deus não somos nada; e mesmo diante dos homens somos muito pequenos, aliás tornamo-nos ridículos, até miseráveis se assumirmos poses e atitudes de autossuficiência, de vanglória.

Jesus, no entanto, não quer apenas sugerir indicações de boas maneiras e comportamento prudente; Ele quer, acima de tudo, enquadrar a mente e dar grandes e luminosas ideias para as nossas vidas. Com efeito, acrescenta: «Todo aquele que se exaltar será humilhado, e quem se humilhar será exaltado» (Lc 14, 11). Às vezes, isto já pode acontecer nesta terra, nesta nossa vida; mas isso é secundário. É essencial que os humildes sejam exaltados no céu pelo próprio Deus. "Quer ser grande?", perguntou Santo Agostinho; e ele mesmo respondeu: "Comece com as coisas menores. Quer levantar um edifício de grande altura? Pensai primeiro nos fundamentos" (S. Augustini Sermo 69, 1, 2). Se realmente queremos construir o edifício de nossa santificação, ele deve ser fundamentado na humildade.

Jesus é o nosso modelo. Como diz São Paulo, "embora ele seja de natureza divina. . . esvaziou-se, assumindo a condição de servo. . .; humilhou-se a si mesmo e fez-se obediente até à morte e morte de cruz» (Fl 2, 6-8). Como não sentir, como não sermos pequenos e humildes diante do mistério da Encarnação e da Redenção, diante do Filho de Deus que vai a Belém, que permanece em silêncio em Nazaré, que vive uma vida pobre, que morre numa cruz nua? Jesus é o primeiro, o verdadeiramente humilde, o único que verdadeiramente glorificou a Deus. Com efeito, Deus é «glorificado pelos humildes», disse-nos ainda o Eclesiástico (Sir 3, 20) porque Se humilhou durante toda a Sua vida, manifestando vitoriosamente o Seu poder de Senhor, e foi assim que Ele mesmo se definiu: «manso e humilde de coração» (Mt 11, 29).

«Tu és o Senhor, o Pai dos humildes».

4. Quando o homem se coloca diante de Deus nesta dimensão, que é a única justa, então, como que por um paradoxo extraordinário, Deus exalta-o. Deus inclina-se para a sua humildade para o elevar a si mesmo; Ele se dá a ele como herança; chama-o à posse dos maiores bens, torna-o participante da Sua vida, dos Seus dons, das realidades eternas que são as únicas que tornam o homem grande.

Este ensinamento é-nos dado pelo trecho da Carta aos Hebreus que ouvimos na segunda Leitura. O autor ressalta que, enquanto o povo de Israel se aproximava de Deus com temor e tremor, agora, depois de Jesus, o Verbo Encarnado, que veio habitar entre nós, podemo-nos aproximar com alegria: "do monte de Sião e da cidade do Deus vivo; da Jerusalém celestial e das miríades de anjos; da assembleia festiva e da assembleia dos primogénitos inscritos no céu; de Deus, juiz de todos; e dos espíritos dos justos levados à perfeição, ao mediador da nova aliança" (Hb 12:22-24).

Queridos irmãos e irmãs! Aqui, todas essas realidades transcendentes se tornaram nossas na atmosfera sobrenatural, na qual estamos imersos. A Palavra de Deus impele-nos e estimula-nos a uma confiança plena e total n'Aquele que nos criou, pelo facto de Cristo se ter tornado um só connosco e, como nós, tudo o que é seu se tornou nosso, como sublinha claramente São João da Cruz numa das suas célebres passagens: o céu e a terra, o presente e o futuro, os méritos dos santos, a Igreja dispensadora de graça, de amor e de comunhão de vida com Deus Trindade, tudo é agora nossa posse: «Tudo é teu! Mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus» (1 Cor 3, 22-23). Esta é a verdadeira grandeza do homem e da mulher, a grandeza que nunca passa, que não se altera com a alternância dos acontecimentos históricos, que não murcha nem morre. Tudo é nosso porque Deus se rebaixou a nós para nos elevar a si. A verdadeira grandeza é aquela dada por Deus a quem o acolhe com um coração humilde e puro.

«Tu és o Senhor, o Pai dos humildes».

5. A partir destes amplos horizontes, Cristo convida-nos hoje a abrir o coração às mesmas dimensões do seu Santíssimo Coração. Como Ele, devemos fazer nossos os sofrimentos e as angústias de todos os humildes do mundo, dos pobres, dos famintos, dos marginalizados. Jesus veio para isto, como cantámos no versículo do Aleluia: «O Senhor enviou-Me a pregar a Boa Nova aos pobres, a proclamar a liberdade aos cativos» (Lc 4, 18).

E, de facto, o Evangelho que hoje se ouve é também e sobretudo uma grande lição de amor para os irmãos e irmãs mais provados. Ao aceitar o convite para almoçar, Jesus mostra que aprecia muito a bondade do convidado; mas convida-o a uma maior generosidade: «Quando deres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos». Assim, Jesus manifesta a sua preferência pelos que sofrem, e lança a mensagem fundamental do Evangelho, que é o serviço prestado por amor a Deus e aos irmãos: «Sereis bem-aventurados, porque não têm com que retribuir-vos... Recebereis a vossa recompensa na ressurreição dos justos» (Lc 14, 13-14).

Tais palavras são um desafio constante à nossa fé. Devemos acreditar, mas também devemos agir, ou seja, testemunhar e viver o cristianismo através da caridade desinteressada e concreta. Também nos nossos dias, não obstante todas as conquistas da ciência e da tecnologia e a expansão mais ampla da cultura e do bem-estar, a caridade continua a ser necessária, porque o irmão que sofre está sempre presente no meio de nós. Todos devemos estar cientes disso, tanto pessoal quanto socialmente. Por isso, cada cristão, como cada diocese e paróquia, cada família cristã e cada grupo de leigos, deve sentir-se comprometido no exercício da caridade, nas formas que hoje são oferecidas a cada um: "Caritas", voluntariado, Conferências de São Vicente, obras assistenciais e de recuperação, ajuda e assistência aos idosos, enfermos ou deficientes. Para viver autenticamente a fé cristã, é preciso ter a certeza de que se chega à tarde de cada dia, depois de ter cumprido o compromisso da caridade: «Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos diz o divino Mestre, se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 35).

6. Caríssimos fiéis de Anagni! Repito-vos a minha alegria por ter vindo junto de vós para celebrar esta Eucaristia. Agradeço e saúdo mais uma vez a Mons. Umberto Florenzani, o prefeito e as outras autoridades; agradeço e saúdo os vossos sacerdotes, religiosos, religiosas e todos vós que viestes em tão grande número. Sinto-me feliz por vos manifestar a minha profunda satisfação por aquilo que realizastes sob a guia do vosso Pastor: a Missão do Povo no passado mês de Abril e o IV Congresso Eucarístico Diocesano; e recordo a convocação do Sínodo, que será celebrado no Outono de 1989. Invoco do Senhor a abundância dos favores celestes sobre os vossos propósitos e sobre as vossas várias iniciativas pastorais: Ele continuará a iluminar-vos e a confirmar-vos no caminho do bem, para uma autêntica prosperidade humana e cristã, mantendo sempre vivos e fervorosos os princípios religiosos herdados dos vossos antepassados desde o segundo século depois de Cristo, quando o Evangelho chegou a estas terras e se enraizou mesmo à custa do martírio.

7. "Alegrem-se os justos. . . e cantam com alegria". Desejo-vos do fundo do coração esta alegria perene: a alegria de amar a Deus, de viver em Cristo, de ser Igreja. E recomendo-vos que vos prepareis para o Sínodo com empenho exemplar, na oração assídua e no estudo solícito da doutrina cristã, para que as vossas mentes sejam iluminadas, os vossos corações inflamados e também aqueles que estão longe possam ser tocados pela graça.

Maria Santíssima seja sempre a estrela límpida e benigna que guia os vossos passos pelos caminhos do Senhor. Nesta terra que pertenceu ao grande Leão XIII, não podemos esquecer com que insistência e cuidado, com que riqueza de doutrina e ternura de piedade ele recomendou ao mundo inteiro o amor a Maria, especialmente com a recitação do Rosário, que ele ilustrou maravilhosamente com inúmeros documentos. Ela, que no Magnificat celebrou aquele Deus que levanta os humildes; Ela, que confiou estas palavras aos lábios da Igreja orante, nos ensine a amar a verdadeira grandeza, que consiste na humildade, e a praticar o Evangelho, que é a Boa Nova para os pobres.

Tu és o Senhor, o Pai dos humildes. Por meio de Cristo, manso e humilde de coração. Com Maria, a humilde Virgem de Nazaré. Ámen.

                                                                                                   PAPA JOÃO PAULO II (Homilia dominical em Anagni (Frosinone) - 31 de agosto de 1986)

sábado, 23 de agosto de 2025

 DOMINGO XXI DO TEMPO COMUM-2025-ANO C

As leituras de hoje , tal como as proclamadas no passado domingo, provocam em nós uma reflexão mais profunda, falam do caminho da salvação. É necessário estar sempre alerta e disponível para deixar que o Senhor nos guie e conduza, mesmo quando há muitas dificuldades. O que importa é abrirmos-lhe o nosso coração e deixar que Ele nos preencha por inteiro. Assentes, radicados n’Ele, então também nós caminharemos e ajudaremos outros na procura d’Aquele que nos guia pela porta estreita. 

Na 1ª leitura (Is.66,18-21.) Deus diz-nos, através do profeta Isaías, que oferece a salvação a todos os povos, ao mundo inteiro. Demos glória a Deus e disponhamo-nos a abrir o coração e a receber o dom da salvação, que nos é dado gratuitamente pelo próprio Senhor. 

Eis o que diz o Senhor: «Eu virei reunir todas as nações e todas as línguas, para que venham contemplar a minha glória. Eu lhes darei um sinal e de entre eles enviarei sobreviventes às nações: a Társis, a Fut, a Lud, a Mosoc, a Rós, a Tubal e a Javã, às ilhas remotas que não ouviram falar de Mim nem contemplaram ainda a minha glória, para que anunciem a minha glória entre as nações. De todas as nações, como oferenda ao Senhor, eles hão de reconduzir todos os vossos irmãos, em cavalos, em carros, em liteiras, em mulas e em dromedários, até ao meu santo monte, em Jerusalém – diz o Senhor – como os filhos de Israel trazem a sua oblação em vaso puro ao templo do Senhor. Também escolherei alguns deles para sacerdotes e levitas».”

Na 2ª leitura (Heb 12,5-7.11-13.) S .Paulo, numa linguagem que todos percebemos muito bem, porque, na vida do dia a dia, vivenciamos, muito frequentemente, situações destas, garante-nos que Deus nos conduz sempre, com um amor infinito. Muitas vezes, só nos damos conta do como nos ama imenso, bem depois (semanas, anos) da ocorrência dos acontecimentos.

Irmãos: Já esquecestes a exortação que vos é dirigida, como a filhos que sois: «Meu filho, não desprezes a correção do Senhor, nem desanimes quando Ele te repreende; porque o Senhor corrige aquele que ama e castiga aquele que reconhece como filho». É para vossa correção que sofreis. Deus trata-vos como filhos. Qual é o filho a quem o pai não corrige? Nenhuma correção, quando se recebe, é considerada como motivo de alegria, mas de tristeza. Mais tarde, porém, dá àqueles que assim foram exercitados um fruto de paz e de justiça. Por isso, levantai as vossas mãos fatigadas e os vossos joelhos vacilantes e dirigi os vossos passos por caminhos direitos, para que o coxo não se extravie, mas antes seja curado.”

No Evangelho (Lc 13,22-30.) é o próprio Jesus quem nos explica que ninguém tem a salvação garantida, que esta é oferecida a todos, mas que a porta é estreita. Para a passarmos há que alimentar a relação de amor, que se estabelece entre Deus e cada um de nós, com os valores do Evangelho, que Jesus nos deixou. Que o coração de cada ser humano se deixe repassar por este Amor infinito de Deus.

"Naquele tempo, Jesus dirigia-Se para Jerusalém e ensinava nas cidades e aldeias por onde passava. Alguém Lhe perguntou: «Senhor, são poucos os que se salvam?». Ele respondeu: «Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque Eu vos digo que muitos tentarão entrar sem o conseguir. Uma vez que o dono da casa se levante e feche a porta, vós ficareis fora e batereis à porta, dizendo: ‘Abre-nos, senhor’; mas ele responder-vos-á: ‘Não sei donde sois’. Então começareis a dizer: ‘Comemos e bebemos contigo, e tu ensinaste nas nossas praças’. Mas ele responderá: ‘Repito que não sei donde sois. Afastai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade’. Aí haverá choro e ranger de dentes, quando virdes no reino de Deus Abraão, Isaac e Jacob e todos os Profetas, e vós a serdes postos fora. Hão de vir do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e sentar-se-ão à mesa no reino de Deus. Há últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos».  

Senhor, que eu me deixe amar por Ti. Concede-me o dom de um coração sincero.



Prezados irmãos e irmãs bom dia!

O Evangelho de hoje (cf. Lc 13, 22-30) apresenta-nos Jesus que passa ensinando pelas cidades e aldeias, a caminho de Jerusalém, onde sabe que deve morrer na Cruz para a salvação de todos nós. Neste contexto, insere-se a pergunta de um homem, que se dirige a ele dizendo: «Senhor, são poucos aqueles que se salvam?» (v. 23). Trata-se de uma questão que era debatida naquela época — quantos se salvam, quantos não... — e havia diferentes maneiras de interpretar as Escrituras a tal respeito, em conformidade com os textos que eram analisados. Contudo, Jesus inverte a pergunta — que se centra mais na quantidade: isto é, «são poucos?» — e, ao contrário, coloca a resposta ao nível da responsabilidade, convidando-nos a usar bem o tempo presente. Com efeito, diz: «Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque vos digo que muitos tentarão entrar, sem o conseguir» (v. 24).

Com estas palavras, Jesus dá a entender que não se trata de número, não existem «postos limitados» no Paraíso! Mas trata-se de atravessar desde já a porta certa e esta porta certa é para todos, mas é estreita. Eis o problema! Jesus não nos quer iludir, dizendo: «Sim, ficai tranquilos, é fácil, há uma bonita auto-estrada e no fundo uma grande porta...». Ele não nos diz isto: fala-nos da porta estreita. Diz as coisas como estão: a porta é estreita. Em que sentido? No sentido que para se salvar é preciso amar a Deus e ao próximo, e isso não é fácil! É uma «porta estreita», porque é exigente, o amor é sempre exigente, requer compromisso, ou melhor, «esforço», isto é, a vontade firme e perseverante de viver segundo o Evangelho. São Paulo chama-lhe «o bom combate da fé» (1 Tm 6, 12). É necessário o esforço de todos os dias, do dia inteiro, para amar a Deus e ao próximo.

E, para se explicar melhor, Jesus narra uma parábola. Há um dono da casa, que representa o Senhor. A sua casa simboliza a vida eterna, ou seja, a salvação. E aqui volta a imagem da porta. Jesus diz: «Quando o dono da casa se levantar e fechar a porta, ficareis fora e batereis, dizendo: “Abre-nos, Senhor!”. Mas ele responder-vos-á: “Não sei de onde sois!”». (v. 25).

Então, estas pessoas procurarão ser reconhecidas, lembrando ao dono da casa: «Comemos e bebemos contigo... Ouvimos os teus conselhos, os teus ensinamentos públicos...» (cf. v. 26); «Estivemos presentes, quando tu deste aquela conferência...». Mas o Senhor repetirá que não os conhece, chamando-lhes «praticantes de injustiça». Eis o problema! O Senhor não nos reconhecerá pelos nossos títulos — «Mas olha, Senhor, que eu pertencia àquela associação, eu era amigo daquele monsenhor, daquele cardeal, daquele sacerdote...». Não, os títulos não contam, não contam! O Senhor só nos reconhecerá por uma vida humilde, por uma vida boa, por uma vida de fé, que se traduz em obras.

E para nós, cristãos, isto significa que somos chamados a estabelecer uma verdadeira comunhão com Jesus, rezando, indo à igreja, aproximando-nos dos sacramentos e alimentando-nos com a sua Palavra. Isto mantém-nos na fé, nutre a nossa esperança e reaviva a caridade. E assim, com a graça de Deus, podemos e devemos despender a nossa vida para o bem dos nossos irmãos, lutando contra todas as formas de mal e injustiça.

Que nos ajude nisto a Virgem Maria. Ela passou pela porta estreita, que é Jesus! Acolheu-o de todo o coração e seguiu-o todos os dias da sua vida, até quando não o compreendia, até quando uma espada trespassou a sua alma. É por isso que a invocamos como «Porta do Céu»: Maria, Porta do Céu, uma porta que reproduz exatamente a forma de Jesus: a porta do coração de Deus, um coração exigente, mas aberto a todos nós.

Papa Francisco
(Angelus, 25 de agosto de 2019)

sábado, 16 de agosto de 2025

 DOMINGO XX DO TEMPO COMUM-2025-ANO C

As leituras de hoje colocam-nos frente a nós próprios, no que diz respeito a vivermos como cristãos. É um desafio concreto que nos é feito, tanto nas leituras do Antigo, como do Novo Testamento, a assumirmos, no nosso quotidiano ,o que somos: seguidores de Jesus Cristo. E quem O segue faz como Ele fez, pratica o que nos ensinou, independentemente das consequências, como aconteceu com Jeremias. 

Na 1ª leitura (Jer 38,4-6.8-10) é o profeta Jeremias quem nos faz perceber como é necessário denunciar o que está mal, mesmo quando isso pode por em causa o nosso sossego e comodidade. E, quando tudo parece perdido, não deixar de confiar no Senhor, no Seu Amor, porque Ele nunca nos deixa sós.

"Naqueles dias, os ministros disseram ao rei de Judá: «Esse Jeremias deve morrer, porque semeia o desânimo entre os combatentes que ficaram na cidade e também todo o povo com as palavras que diz. Este homem não procura o bem do povo, mas a sua perdição». O rei Sedecias respondeu: «Ele está nas vossas mãos; o rei não tem poder para vos contrariar». Apoderaram-se então de Jeremias e, por meio de cordas, fizeram-no descer à cisterna do príncipe Melquias, situada no pátio da guarda. Na cisterna não havia água, mas apenas lodo, e Jeremias atolou-se no lodo. Entretanto, Ebed-Melec, o etíope, saiu do palácio e falou ao rei: «Ó rei, meu senhor, esses homens procederam muito mal tratando assim o profeta Jeremias: meteram-no na cisterna, onde vai morrer de fome, pois já não há pão na cidade». Então o rei ordenou a Ebed-Melec, o etíope: «Leva daqui contigo três homens e retira da cisterna o profeta Jeremias, antes que ele morra»." 

Na 2ªleitura (Hebreus 12,1-4.) é S.Paulo quem nos desafia a sermos coerentes e a permanecermos firmes e lutadores, mesmo quando a caminhada é difícil. Na caminhada da fé, somos chamados a fazer como os atletas, isto é, a dar tudo o que temos. N'Aquele que tudo suportou por nós, nada é impossível. 

«Irmãos: Estando nós rodeados de tão grande número de testemunhas, libertemo-nos de todo o impedimento e do pecado que nos cerca e corramos com perseverança para o combate que se apresenta diante de nós, fixando os olhos em Jesus, guia da nossa fé e autor da sua perfeição. Renunciando à alegria que tinha ao seu alcance, Ele suportou a cruz, desprezando a sua ignomínia, e está sentado à direita do trono de Deus. Pensai n’Aquele que suportou contra Si tão grande hostilidade da parte dos pecadores, para não vos deixardes abater pelo desânimo. Vós ainda não resististes até ao sangue, na luta contra o pecado.»  

No Evangelho (Lucas 12,49-53.) é o próprio Jesus quem nos desafia a segui-Lo, com todas as consequências que advêm de uma adesão, de coração, ao projeto de salvação amorosa, que Ele tem para cada um de nós e para todo o mundo. Não basta dizer sim, é preciso abrirmos a nossa alma e deixar que o Seu Santo Espírito nos inunde, nos invada, completamente, de modo a que, como diz S. Paulo, Jesus seja tudo em nós. 

"Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Eu vim trazer o fogo à terra e que quero Eu senão que ele se acenda? Tenho de receber um baptismo e estou ansioso até que ele se realize. Pensais que Eu vim estabelecer a paz na terra? Não. Eu vos digo que vim trazer a divisão. A partir de agora, estarão cinco divididos numa casa: três contra dois e dois contra três. Estarão divididos o pai contra o filho e o filho contra o pai, a mãe contra a filha e a filha contra a mãe, a sogra contra a nora e a nora contra a sogra»."  

Senhor, que eu me deixe consumir pelo fogo do Teu Amor.

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Na página do Evangelho de hoje (cf. Lc 12, 49-53), Jesus adverte os seus discípulos de que chegou o momento de tomar uma decisão. A sua vinda ao mundo coincide com o tempo das escolhas decisivas: a opção pelo Evangelho não pode ser adiada. E para que esta chamada seja compreendida melhor, ele serve-se da imagem do fogo que ele mesmo veio trazer à terra. Ele diz: «Eu vim lançar fogo sobre a terra; e como gostaria que ele já se tivesse ateado!» (v. 49). Estas palavras pretendem ajudar os discípulos a abandonar toda atitude de preguiça, apatia, indiferença e fechamento para acolher o fogo do amor de Deus, aquele amor que, como recorda São Paulo, «foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo» (Rm 5, 5). Porque é o Espírito Santo que nos faz amar a Deus e amar o próximo; é o Espírito Santo que todos nós temos dentro de nós.

Jesus revela aos seus amigos, e também a nós, o seu desejo mais ardente: levar à terra o fogo do amor do Pai, que acende a vida e pelo qual o homem é salvo. Jesus chama-nos a espalhar este fogo no mundo, graças ao qual seremos reconhecidos como seus verdadeiros discípulos. O fogo do amor, acendido por Cristo no mundo através do Espírito Santo, é um fogo sem limites, é um fogo universal. É o que se verifica desde os primeiros tempos do cristianismo: o testemunho do Evangelho difundiu-se como um fogo benéfico, superando todas as divisões entre indivíduos, categorias sociais, povos e nações. O testemunho do Evangelho queima, queima todas as formas de particularismo e mantém a caridade aberta a todos, com a preferência pelos mais pobres e pelos excluídos.

A adesão ao fogo do amor que Jesus trouxe à terra envolve toda a nossa existência e requer adoração a Deus e também a disponibilidade para servir o próximo. Adoração a Deus e disponibilidade para servir o próximo. A primeira, adorar a Deus, significa também aprender a oração de adoração, que normalmente esquecemos. É por isso que convido todos a descobrir a beleza da oração de adoração e a praticá-la com frequência. E depois a segunda, a disponibilidade para servir os outros: penso com admiração em muitas comunidades e grupos de jovens que, mesmo durante o verão, se dedicam a este serviço aos doentes, aos pobres, às pessoas com deficiência. Para viver segundo o espírito do Evangelho é necessário que, diante das necessidades sempre novas que surgem no mundo, haja discípulos de Cristo que saibam responder com novas iniciativas de caridade. Por isso, com a adoração a Deus e o serviço ao próximo — juntos, adorando Deus e servindo o próximo — o Evangelho manifesta-se verdadeiramente como o fogo que salva, que transforma o mundo a partir da mudança do coração de cada um.

Nesta perspetiva, compreendemos também a outra afirmação de Jesus no trecho evangélico de hoje, que à primeira vista pode desconcertar: «Pensas que vim trazer paz à terra? Não, eu vos digo, mas divisão» (Lc 12, 51). Ele veio para «separar com o fogo». Separar o quê? O bem do mal, o justo do injusto. Neste sentido ele veio para «dividir», para pôr em «crise» — mas de forma saudável — a vida dos seus discípulos, pondo fim às ilusões fáceis daqueles que acreditam que podem combinar vida cristã e mundanidade, vida cristã e compromissos de todos os tipos, práticas religiosas e atitudes contra os outros. Combinar, pensam alguns, a verdadeira religiosidade com práticas supersticiosas: muitos que se consideram cristãos vão ao adivinho ou à adivinha para que lhes leiam as mãos! E isto é superstição, não é de Deus. Trata-se de não viver de forma hipócrita, mas de estar disposto a pagar o preço de escolhas coerentes — é esta a atitude que cada um de nós deve procurar na vida: a coerência — pagar o preço da coerência com o Evangelho. Coerência com o Evangelho. Porque é bom considerar-nos cristãos, mas sobretudo devemos ser cristãos em situações concretas, testemunhando o Evangelho que é essencialmente amor a Deus e aos irmãos.

Maria Santíssima nos ajude a deixar-nos purificar o coração com o fogo que Jesus trouxe, a difundi-lo na nossa vida, através de escolhas decisivas e corajosas.

Papa Francisco
(Angelus, 18 de agosto de 2019)