CARTA ENCÍCLICA
DILEXIT NOS
DO
SANTO PADRE
FRANCISCO
SOBRE O AMOR HUMANO E DIVINO
DO CORAÇÃO DE JESUS
1. «Amou-nos», diz São Paulo referindo-se a
Cristo (Rm 8, 37), para nos ajudar a descobrir que nada «será capaz
de separar-nos» desse amor (Rm 8, 39). Paulo afirmava-o com firme
certeza, porque o próprio Cristo tinha garantido aos seus discípulos: «Eu vos
amei» (Jo 15, 9.12). Disse também: «Chamei-vos amigos» (Jo15,
15). O seu coração aberto precede-nos e espera-nos incondicionalmente, sem
exigir qualquer pré-requisito para nos amar e oferecer a sua amizade: Ele
amou-nos primeiro (cf. 1 Jo 4, 10). Graças a
Jesus, «conhecemos o amor que Deus nos tem, pois cremos nele» (1 Jo 4,
16).
CAPÍTULO I
A IMPORTÂNCIA DO CORAÇÃO
2. Para exprimir o amor de Jesus Cristo, recorre-se frequentemente ao símbolo do coração. Há quem se interrogue se isto atualmente tenha um significado válido. Porém, é necessário recuperar a importância do coração quando nos assalta a tentação da superficialidade, de viver apressadamente sem saber bem para quê, de nos tornarmos consumistas insaciáveis e escravos na engrenagem de um mercado que não se interessa pelo sentido da nossa existência [1]
O que entendemos quando dizemos “coração”?
3. No grego clássico profano, o termo kardía designa
a parte mais íntima dos seres humanos, dos animais e das plantas. Em Homero,
indica não só o centro corpóreo, mas também a alma e o centro espiritual do ser
humano. Na Ilíada, o pensamento e o sentimento pertencem ao coração
e estão muito próximos um do outro [2]. O coração aparece como o centro do desejo e
o lugar onde são forjadas as decisões importantes duma pessoa [3]. Em Platão, o coração assume, de certa
forma, uma função “sintetizante” do que é racional e das tendências de cada
pessoa, uma vez que tanto o comando das faculdades superiores como as paixões
se transmitem através das veias que convergem no coração [4]. Assim, desde a antiguidade advertimos a
importância de considerar o ser humano não como uma soma de diferentes
capacidades, mas como um complexo anímico-corpóreo com um centro unificador que
dá a tudo o que a pessoa experimenta um substrato de sentido e orientação.
4. A Bíblia diz que «a Palavra de Deus é viva,
eficaz [...] e discerne os sentimentos e as intenções do coração» (Heb 4,
12). Deste modo, fala-nos de um núcleo, o coração, que se esconde por detrás de
todas as aparências, e até mesmo de pensamentos superficiais que nos confundem.
Os discípulos de Emaús, na sua misteriosa caminhada com Cristo ressuscitado,
viviam um momento de angústia, confusão, desespero, desilusão. Mas, para além
disso e apesar de tudo, acontecia algo no seu íntimo: «Não nos ardia o coração,
quando Ele nos falava pelo caminho?» (Lc 24, 32).
5. O coração é igualmente o lugar da sinceridade,
onde não se pode enganar ou dissimular. Costuma indicar as verdadeiras
intenções, o que se pensa, se acredita e se quer realmente, os “segredos” que
não se contam a ninguém, em suma, a verdade nua e crua de cada um. O que não é
aparência ou mentira, mas autêntico, real, inteiramente “pessoal”. É por isso
que Sansão, que não havia revelado a Dalila o segredo da sua força, foi
interpelado por ela deste modo: «Como podes dizer “Amo-te”, se o teu coração
não está comigo?» (Jz 16, 15). Só quando lhe revelou o seu segredo
tão escondido é que ela «viu que ele lhe abrira todo o coração» (Jz 16,
18).
6. Frequentemente, esta verdade íntima de cada
pessoa está escondida debaixo de muita superficialidade, o que torna difícil o
autoconhecimento e ainda mais difícil conhecer o outro: «Nada mais enganador
que o coração, tantas vezes perverso: quem o pode conhecer?» (Jr 17,
9). Compreendemos assim porque é que o livro dos Provérbios nos exorta: «Vela
com todo o cuidado sobre o teu coração, porque dele jorram as fontes da vida.
Preserva-te da linguagem enganosa, afasta de ti a maledicência» (Pr 4,
23-24). A mera aparência, a dissimulação e o engano danificam e pervertem o
coração. Para além das muitas tentativas de mostrar ou exprimir o que não
somos, é no coração que se decide tudo: ali não conta o que mostramos
exteriormente ou o que ocultamos, ali conta o que somos. E esta é a base de
qualquer projeto sólido para a nossa vida, porque nada que valha a pena pode
ser construído sem o coração. As aparências e as mentiras só trazem vazio.
7. Como metáfora, quero recordar algo que já
contei em outra ocasião: «Recordo que no carnaval, quando éramos crianças, a
avó nos preparava doces, e a que ela fazia era uma massa muito fina. Depois
colocava-a no azeite e aquela massa crescia e quando nós a comíamos, estava
vazia. Aqueles doces em dialeto chamavam-se “mentirinhas”. E era precisamente a
avó quem explicava a razão: aqueles doces “são como as mentiras, parecem
grandes, mas dentro não têm nada, não há nada verdadeiro, não há substância
alguma”» [5].
8. Em vez de procurar uma satisfação superficial
e de representar um papel diante dos outros, é melhor deixar que surjam
perguntas decisivas: quem realmente sou? O que procuro? Que sentido quero dar à
vida, às minhas escolhas e ações? Por que razão e para que fim estou neste
mundo? Como vou querer avaliar a minha existência quando ela terminar? Que
sentido quero dar a tudo o que vivo? Quem quero ser perante os outros? Quem sou
diante de Deus? Estas perguntas conduzem-me ao meu coração.
Regressar ao coração
9. Neste mundo líquido, é necessário voltar a
falar do coração; indicar onde cada pessoa, de qualquer classe e condição, faz
a própria síntese; onde os seres concretos encontram a fonte e a raiz de todas
as suas outras potências, convicções, paixões e escolhas. Movemo-nos, porém, em
sociedades de consumidores em série, preocupados só com o agora e dominados
pelos ritmos e ruídos da tecnologia, sem muita paciência para os processos que
a interioridade exige. Na sociedade atual, o ser humano «corre o perigo de se
desorientar do centro de si mesmo» [6]. «O homem contemporâneo encontra-se com
frequência transtornado, dividido, quase privado de um princípio interior que
crie unidade e harmonia no seu ser e no seu agir. Modelos de comportamento
infelizmente bastante difundidos, exaltam a sua dimensão racional-tecnológica,
ou, ao contrário, a instintiva» [7]. Falta o coração.
10. Ora, o problema da sociedade líquida é atual,
mas a desvalorização do centro íntimo do homem – o coração – vem de mais longe:
encontramo-la já no racionalismo grego e pré-cristão, no idealismo pós-cristão
ou no materialismo nas suas diversas formas. O coração teve pouco espaço na
antropologia e é uma noção estranha ao grande pensamento filosófico.
Preferiram-se outros conceitos, como a razão, a vontade ou a liberdade. O seu
significado permanece impreciso e não lhe foi atribuído um lugar específico na
vida humana. Talvez porque não fosse fácil colocá-lo entre as ideias “claras e
distintas” ou porque o conhecimento de si mesmo supõe dificuldade: parece que a
realidade mais íntima é também a mais afastada do nosso conhecimento. Talvez
porque o encontro com o outro não se consolida como caminho para nos
encontrarmos a nós próprios, já que o pensamento conduz, uma vez mais, a um
individualismo doentio. Muitos, para construir os seus sistemas de pensamento,
sentiram-se seguros no âmbito mais controlável da inteligência e da vontade. E,
ao não se encontrar um lugar para o coração, como algo distinto das faculdades
e das paixões humanas consideradas separadamente, também não se desenvolveu
suficientemente a ideia de um centro pessoal, em que a única realidade que pode
unificar tudo é, em última análise, o amor.
11. Ao não se dar o devido valor ao coração,
desvaloriza-se também o que significa falar a partir do coração, agir com o
coração, amadurecer e curar o coração. Quando não se consideram as
especificidades do coração, perdemos as respostas que a inteligência por si só
não pode dar, perdemos o encontro com os outros, perdemos a poesia. E perdemos
a história e as nossas histórias, porque a verdadeira aventura pessoal é aquela
que se constrói a partir do coração. No fim da vida, só isto contará.
12. É preciso afirmar que temos um coração e que
o nosso coração coexiste com outros corações que o ajudam a ser um “tu”. Como
não podemos desenvolver longamente este tema, recorreremos ao personagem
chamado Stavroguine, de um romance de Dostoievski [8]. Romano Guardini aponta-o como a própria
encarnação do mal, porque a sua principal caraterística é não possuir coração:
«Stavroguine, porém, não possui coração. O seu espírito é, portanto, frio e
vazio e o seu corpo intoxica-se de indolência e sensualidade “animalesca”. Não
pode ir até junto dos outros homens nem estes podem chegar na realidade até
ele. Porque é o coração que origina a proximidade; é pelo coração que me
encontro junto dos outros e os outros estão igualmente junto de mim. Só o
coração pode acolher, dar refúgio. A interioridade é o ato e esfera do coração.
Stavroguine, porém, encontra-se longe, […] muito afastado também de si mesmo. O
homem está em intimidade com o seu íntimo no coração, não no espírito. Estar em
intimidade com o íntimo, no espírito, não é do domínio humano. Mas quando o
coração não vive, o homem encontra-se ao lado de si mesmo» [9].
13. É necessário que todas as ações sejam
colocadas sob o “controle político” do coração, que a agressividade e os
desejos obsessivos sejam acalmados no bem maior que o coração lhes oferece e na
força que ele tem contra os males; que a inteligência e a vontade sejam também
postas ao seu serviço, sentindo e saboreando as verdades em vez de as querer
dominar, como algumas ciências tendem a fazer; que a vontade deseje o bem maior
que o coração conhece, e que a imaginação e os sentimentos se deixem também moderar
pelo bater do coração.
14. Em última análise, poder-se-ia dizer que eu
sou o meu coração, porque é ele que me distingue, que me molda na minha
identidade espiritual e que me põe em comunhão com as outras pessoas. O
algoritmo que atua no mundo digital mostra que os nossos pensamentos e as
decisões da nossa vontade são muito mais “standard” do que pensávamos. São
facilmente previsíveis e manipuláveis. Não é o caso do coração.
15. Trata-se de uma palavra importante para a
filosofia e a teologia, que procuram alcançar uma síntese integral. Na verdade,
a palavra “coração” não pode ser explicada plenamente pela biologia, pela
psicologia, pela antropologia ou por qualquer outra ciência. É uma daquelas
palavras originais que «significam realidades que dizem respeito ao homem no
seu conjunto enquanto pessoa corpóreo-espiritual» [10]. Assim, o biólogo não é mais realista
quando fala do coração, porque vê apenas um aspecto dele e o todo não é menos
real, pelo contrário, é-o ainda mais. Tampouco uma linguagem abstrata poderia
ter o mesmo significado concreto e, simultaneamente, integrador. Se o “coração”
leva ao mais íntimo da nossa pessoa, permite também que nos reconheçamos na
nossa integralidade e não apenas num mero aspecto isolado.
16. Por outro lado, este poder único do coração
ajuda-nos a compreender porque é que se diz que quando apreendemos uma
realidade com o coração podemos conhecê-la melhor e mais plenamente. Isto
conduz-nos inevitavelmente ao amor de que esse coração é capaz, porque «o mais
íntimo da realidade é amor» [11]. Para Heidegger, segundo a interpretação de
um pensador contemporâneo, a filosofia não começa com um conceito puro ou uma
certeza, mas com uma comoção: «O pensamento deve ser comovido antes de
trabalhar com conceitos, ou enquanto trabalha com eles. Sem a comoção, o
pensamento não pode começar. A primeira imagem mental seria a pele arrepiada. É
a comoção que primeiramente dá o que pensar e perguntar. A filosofia ocorre
sempre numa tonalidade afetiva fundamental ( Stimmung)» [12]. E é aqui que surge o coração, que «guarda
as tonalidades afetivas fundamentais, […] trabalha como “guardião da tonalidade
afetiva fundamental”. O “coração” ouve não-metaforicamente a “voz silenciosa”
do ser ao se deixar afinar e determinar por ela» [13].
O coração que une os fragmentos
17. Ao mesmo tempo, o coração torna possível
qualquer vínculo autêntico, porque uma relação que não é construída com o
coração não pode ultrapassar a fragmentação do individualismo. Restariam apenas
duas mónadas que se justapõem, mas não se ligam verdadeiramente. Uma sociedade
cada vez mais dominada pelo narcisismo e pela autorreferencialidade é uma
sociedade “anti-coração”. E, por fim, chega-se à “perda do desejo”, porque o
outro desaparece do horizonte e nos fechamos no nosso egoísmo, sem capacidade para
relações saudáveis [14]. Como resultado, tornamo-nos incapazes de
acolher Deus. Como diria Heidegger, para receber o divino é preciso construir
uma «casa de hóspedes» [15].
18. Vemos assim como no coração de cada pessoa se
produz esta ligação paradoxal entre a valorização do próprio ser e a abertura
aos outros, entre o encontro muito pessoal consigo mesmo e o dom de si aos
outros. Só nos tornamos nós próprios quando adquirimos a capacidade de
reconhecer o outro, e só encontra o outro quem é capaz de reconhecer e aceitar
a própria identidade.
19. O coração é também capaz de unificar e
harmonizar a própria história pessoal, que parece fragmentada em mil pedaços,
mas na qual tudo pode adquirir sentido. É isso que o Evangelho exprime no olhar
de Maria, que olhava com o coração. Ela foi capaz de dialogar com as
experiências que conservava, meditando-as no seu coração, dando-lhes tempo:
simbolizando-as e guardando-as no seu interior para as recordar. No Evangelho,
a melhor expressão do que pensa o coração é oferecida por duas passagens de São
Lucas que nos dizem que Maria “guardava (synetérei) todas estas coisas,
ponderando-as (symbállousa) no seu coração” (cf. Lc 2,
19.51). O verbo symbállein (do qual provem a palavra
“símbolo”) significa ponderar, unir duas coisas na mente, examinar-se,
refletir, dialogar consigo mesmo. Em Lc 2, 51, dietérei é
“conservava com cuidado”, e o que ela guardava não era apenas “a cena” que via,
mas também o que ainda não compreendia, conservando-o presente e vivo, na
esperança de unir tudo no seu coração.
20. Na era da inteligência artificial, não
podemos esquecer que a poesia e o amor são necessários para salvar o humano. O
que nenhum algoritmo conseguirá abarcar é, por exemplo, aquele momento de
infância que se recorda com ternura e que continua a acontecer em todos os
cantos do planeta, mesmo com o passar dos anos. Penso na utilização do garfo
para selar as bordas daquelas empadas caseiras que preparávamos com as nossas
mães ou avós. É aquele momento de aprendizagem culinária, a meio caminho entre
a brincadeira e a idade adulta, em que assumimos a responsabilidade do trabalho
para ajudar o outro.Tal como o exemplo do garfo, poderia citar milhares de
pequenos pormenores que sustentam a biografia de cada um: sorrir com uma piada,
fazer um desenho em contraluz numa janela, jogar o primeiro jogo de futebol com
uma “bola de trapos”, cuidar de lagartas numa caixa de sapatos, secar uma flor
entre as páginas de um livro, cuidar de um pássaro que caiu do ninho, formular
um desejo ao despetalar uma margarida. Todos estes pequenos pormenores, o
ordinário-extraordinário, nunca poderão estar entre os algoritmos. Porque o
garfo, as piadas, a janela, a bola, a caixa de sapatos, o livro, o pássaro, a
flor… são sustentados pela ternura preservada nas memórias do coração.
21. Este núcleo de cada ser humano, o seu centro
mais íntimo, não é o núcleo da alma, mas da pessoa inteira na sua identidade
única, que é alma e corpo. Tudo está unificado no coração, que pode ser a sede
do amor com todas as suas componentes espirituais, psíquicas e também físicas.
Em última análise, se aí reina o amor, a pessoa realiza a sua identidade de
forma plena e luminosa, porque cada ser humano é criado sobretudo para o amor;
é feito nas suas fibras mais profundas para amar e ser amado.
22. É por esta razão que, assistindo a sucessivas
novas guerras, com a cumplicidade, a tolerância ou a indiferença de outros
Países, ou com simples lutas de poder em torno de interesses de parte, podemos
pensar que a sociedade mundial está a perder o seu coração. Basta olhar e ouvir
– nos diferentes lados do confronto – as idosas que são prisioneiras destes
conflitos devastadores. É desolador vê-las chorar os netos assassinados, ou
escutá-las desejar a própria morte por terem perdido a casa onde sempre viveram.
Elas, que muitas vezes foram modelos de força e resiliência ao longo de vidas
difíceis e sacrificadas, chegam à última fase da sua existência e não recebem
uma merecida paz, mas sim angústia, medo e indignação. Descarregar a culpa nos
outros não resolve este drama vergonhoso. Ver as avós a chorar sem que isso se
torne intolerável é sinal de um mundo sem coração.
23. Quando alguém reflete, procura ou medita
sobre o próprio ser e a sua identidade, ou analisa questões mais elevadas;
quando pensa no sentido da própria vida e até mesmo procura a Deus, e ainda
quando sente o gosto de ter vislumbrado algo da verdade; todas estas reflexões
exigem que se encontre o seu ponto culminante no amor. Amando, a pessoa sente
que sabe porquê e para que vive. Assim, tudo converge para um estado de conexão
e de harmonia. Por isso, diante do próprio mistério pessoal, talvez a pergunta mais
decisiva que se possa fazer seja esta: tenho coração?
O fogo
24. Isto comporta consequências para a
espiritualidade. Por exemplo, a teologia dos Exercícios Espirituais de
Santo Inácio de Loyola tem como princípio o affectus. O discurso é
construído sobre uma vontade fundamental – com toda a força do coração – que dá
energia e recursos à tarefa de reorganizar a vida. As regras e as composições
de lugar que Inácio põe em prática funcionam sobre um “fundamento” que é
diferente delas: o desconhecido do coração. Michel de Certeau mostra como as
‘moções’ de que fala Santo Inácio são as irrupções de uma vontade de Deus e de
uma vontade do próprio coração que permanece diversa em relação à ordem
manifesta. Algo de inesperado começa a falar no coração da pessoa, algo que
surge do incognoscível, que abala a superfície do conhecido e se lhe opõe. É a
origem de um novo “ordenamento da vida” a partir do coração. Não se trata de
discursos racionais que devem ser postos em prática, passando-os para a vida,
de modo a que a afetividade e a prática fossem simplesmente as consequências –
dependentes – de um conhecimento adquirido [16].
25. Onde o filósofo detém o seu pensamento, o
coração fiel ama, adora, pede perdão e oferece-se para servir no lugar que o
Senhor, à escolha, lhe dá para O seguir. Então percebe que é o “tu” de Deus e
que pode ser um “eu” porque Deus é um “tu” para ele. Na realidade, somente o
Senhor se dispõe a tratar-nos sempre – e para sempre – como um “tu”. Aceitar a
sua amizade é uma questão de coração e constitui-nos como pessoas no sentido
pleno da palavra.
26. São Boaventura dizia que, no final, se deve
perguntar «não à luz, mas ao fogo» [17]. E ensinava que «a fé está no intelecto, de
tal modo que provoca o afeto. Por exemplo: saber que Cristo morreu por nós não
permanece (somente) conhecimento, mas torna-se necessariamente afeto,
amor» [18]. Nessa linha, São John Henry Newman tomou
como lema a frase “ Cor ad cor loquitur”, porque, além de toda
dialética, o Senhor salva-nos falando ao nosso coração a partir de seu Sagrado
Coração. Seguindo ele, grande pensador, esta mesma lógica fazia com que o lugar
do encontro mais profundo consigo mesmo e com o Senhor não fosse a leitura ou a
reflexão, mas o diálogo orante, de coração a coração, com Cristo vivo e
presente. É por isso que Newman encontrava na Eucaristia o Coração de Jesus
Cristo vivo, capaz de libertar, de dar sentido a cada momento e de derramar a
verdadeira paz sobre o ser humano: «Ó Coração Sacratíssimo e Amorosíssimo de
Jesus, estás escondido na Sagrada Eucaristia, e continuas a bater por nós […].
Eu te adoro, então, com todo o meu melhor amor e temor, com meu carinho
fervoroso, com a minha vontade mais conquistada e resolvida. Ó meu Deus, quando
tu te rebaixas a sofrer para (que eu possa) receber-te, para comer e beber a
Ti, e Tu por um tempo fazes a tua morada dentro de mim, ó faça meu coração
bater com o teu Coração. Purifica-o de tudo o que é terreno, de tudo o que é
orgulhoso e sensual, tudo o que é duro e cruel, de toda a perversidade, de toda
a desordem, de todo amortecimento. Então, encha-o de Ti, que nem os
acontecimentos do dia, nem as circunstâncias do tempo possam ter o poder de
perturbá-lo, mas que em teu amor e temor possa ter paz» [19] .
27. Perante o Coração de Jesus vivo e atual, o
nosso intelecto, iluminado pelo Espírito, compreende as palavras de Jesus.
Assim, a nossa vontade põe-se em ação para as praticar. Mas isso poderia
permanecer como uma forma de moralismo autossuficiente. Ouvir, saborear e
honrar o Senhor pertence ao coração. Só o coração é capaz de colocar as outras
faculdades e paixões e toda a nossa pessoa numa atitude de reverência e
obediência amorosa ao Senhor.
O mundo pode mudar a partir do coração
28. Só a partir do coração é que as nossas
comunidades serão capazes de unir e pacificar os diferentes intelectos e
vontades, para que o Espírito nos possa guiar como uma rede de irmãos, porque a
pacificação é também uma tarefa do coração. O Coração de Cristo é êxtase, é
saída, é dom, é encontro. N’Ele tornamo-nos capazes de nos relacionarmos uns
com os outros de forma saudável e feliz, e de construir neste mundo o Reino de
amor e de justiça. O nosso coração unido ao de Cristo é capaz deste milagre
social.
29. Levar o coração a sério tem consequências
sociais. Como ensina o Concílio Vaticano II, «temos, com efeito, de reformar o
nosso coração, com os olhos postos no mundo inteiro e naquelas tarefas que
podemos realizar juntos para o progresso da humanidade» [20]. Porque «os desequilíbrios de que sofre o
mundo atual estão ligados com aquele desequilíbrio fundamental que se radica no
coração do homem» [21]. Perante os dramas do mundo, o Concílio
convida-nos a regressar ao coração, explicando que o ser humano «pela sua
interioridade, transcende o universo das coisas: tal é o conhecimento profundo
que ele alcança quando reentra no seu interior, onde Deus, que perscruta os
corações (cf. 1 Sm 16, 7; Jr 17, 10), o
espera, e onde ele, sob o olhar do Senhor, decide da própria sorte» [22].
30. Isto não significa confiar demasiado em nós
próprios. Sejamos cautelosos: tenhamos consciência de que o nosso coração não é
autossuficiente; é frágil e ferido. Tem dignidade ontológica, mas ao mesmo
tempo deve procurar uma vida mais digna [23]. O Concílio Vaticano II também diz que «o
fermento evangélico despertou e desperta no coração humano uma irreprimível
exigência de dignidade» [24], ainda que não baste apenas conhecer o
Evangelho, ou fazer mecanicamente o que ele nos manda, para viver de acordo com
esta dignidade. Precisamos da ajuda do amor divino. Recorramos, pois, ao
Coração de Cristo, o centro do seu ser, que é uma fornalha ardente de amor
divino e humano, a mais alta plenitude que a humanidade pode atingir. É aí,
nesse Coração, que finalmente nos reconhecemos e aprendemos a amar.
31. Por último, esse Coração Sagrado é o
princípio unificador da realidade, porque «Cristo é o coração do mundo; a sua
Páscoa de morte e ressurreição é o cerne da história que, graças a Ele, é
história da salvação» [25]. Todas as criaturas avançam «juntamente
conosco e através de nós, para a meta comum, que é Deus, numa plenitude
transcendente onde Cristo ressuscitado tudo abraça e ilumina» [26]. Diante do Coração de Cristo, peço mais uma
vez ao Senhor que tenha compaixão desta terra ferida, que Ele quis habitar como
um de nós. Que derrame os tesouros da sua luz e do seu amor, para que o nosso
mundo, que sobrevive entre guerras, desequilíbrios socioeconómicos, consumismo
e o uso anti-humano da tecnologia, recupere o que é mais importante e
necessário: o coração.
CAPÍTULO II
GESTOS E PALAVRAS DE AMOR
32. O Coração de Cristo, que simboliza o centro
pessoal de onde brota o seu amor por nós, é o núcleo vivo do primeiro anúncio.
Ali se encontra a origem da nossa fé, a fonte que mantém vivas as convicções
cristãs.
Gestos que refletem o coração
33. O modo como nos ama é algo que Cristo não
quis explicar-nos exaustivamente. Mostra-o nos seus gestos. Observando-O,
podemos descobrir como trata cada um de nós, mesmo que nos custe perceber isso.
Procuremos, pois, onde a nossa fé pode reconhecê-Lo: no Evangelho.
34. O Evangelho diz que Jesus «veio para os seus»
(Jo 1, 11). Os “seus” somos nós, pois não nos trata como algo
estranho. Considera-nos como propriedade sua, que guarda com cuidado, com
afeto. Trata-nos como seus. Isto não significa que sejamos seus escravos; Ele
próprio o nega: «Não vos chamo servos» (Jo 15, 15). O que Ele
propõe é a pertença mútua dos amigos. Veio, superou todas as distâncias,
tornou-se próximo de nós, como as coisas mais simples e quotidianas da
existência. Efetivamente, Ele tem outro nome, que é “Emanuel” e significa “Deus
conosco”, Deus próximo à nossa vida, vivendo entre nós. O Filho de Deus
encarnou e «esvaziou-se a si mesmo, tomando a condição de servo» (Fl 2,
7).
35. Isto se torna evidente quando vemos o modo
como age. Está sempre à procura, sempre próximo, sempre aberto ao encontro.
Contemplamos isto quando se detém a conversar com a Samaritana, junto do poço
onde ela ia buscar água (cf. Jo 4, 5-7). Vemo-lo quando, no
meio da noite escura, encontra Nicodemos, que tinha medo de ser visto perto
d’Ele (cf. Jo 3, 1-2). Admiramo-lo quando, sem se envergonhar,
deixa que uma prostituta lhe lave os pés (cf. Lc 7, 36-50);
quando diz, olhos nos olhos, à mulher adúltera: “Não te condeno” (Jo 8,
11); ou quando, perante a indiferença dos discípulos, diz afetuosamente ao cego
do caminho: “Que queres que te faça?” (Mc10, 51). Cristo mostra que Deus
é proximidade, compaixão e ternura.
36. Se curava alguém, preferia aproximar-se:
«Jesus estendeu a mão e tocou-o» ( Mt8, 3); «tocou-lhe na mão»
( Mt 8, 15); «tocou-lhes nos olhos» ( Mt 9,
29). E, como faz uma mãe, curou os doentes até com a própria saliva (cf. Mc 7,
33) para que não O sentissem alheio às suas vidas. Porque «o Senhor conhece a
bela ciência das carícias. A ternura de Deus não nos ama com palavras;
aproxima-se de nós e, estando perto, dá-nos o seu amor com toda a ternura
possível» [27].
37. Visto que nos custa confiar, porque fomos
feridos por tantas falsidades, agressões e desilusões, ele sussurra-nos ao
ouvido: «Filho, tem confiança» (Mt 9, 2); «Filha, tem confiança» (Mt 9,
22). Trata-se de vencer o medo e de tomar consciência de que, com Ele, não
temos nada a perder. A Pedro, que estava desconfiado, «Jesus estendeu-lhe a
mão, segurou-o e disse-lhe: […] “Porque duvidaste?”» (Mt 14,
31). Não tenhas medo. Deixa-O aproximar-se e sentar-se ao teu lado.
Podemos duvidar de muitas pessoas, mas não d’Ele. E não te paralises por causa
dos teus pecados.Recorda-te que muitos pecadores «sentaram-se com Ele» (Mt 9,
10) e Jesus não se escandalizou com nenhum deles. Os elitistas da religião
queixavam-se e chamavam-Lhe «glutão e bebedor de vinho, amigo de cobradores de
impostos e pecadores» (Mt 11, 19). Quando os fariseus
criticavam esta sua proximidade com as pessoas consideradas humildes ou
pecadoras, Jesus dizia-lhes: «Prefiro a misericórdia ao sacrifício» (Mt 9,
13).
38. Esse mesmo Jesus espera hoje que lhe dês a
possibilidade de iluminar a tua existência, de erguer-te, de encher-te com a
sua força. Porque, antes de morrer, disse aos seus discípulos: «Não vos
deixarei órfãos; Eu voltarei a vós! Ainda um pouco e o mundo já não me verá;
vós é que me vereis» (Jo 14, 18-19). Ele consegue sempre uma
maneira para se manifestar na tua vida, para que tu O possas encontrar.
O olhar
39. O Evangelho conta-nos que se aproximou dele
um homem rico, cheio de ideais, mas sem forças para mudar de vida. Então
«Jesus, fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele» (Mc 10, 21).
Consegues imaginar esse instante, o encontro entre os olhos deste homem e o
olhar de Jesus? Se te chama, se te convoca para uma missão, primeiro Ele olha
para ti, penetra no teu íntimo, percebe e conhece tudo o que há em ti, pousa
sobre ti o seu olhar: «Caminhando ao longo do mar da Galileia, Jesus viu dois
irmãos [...]. Um pouco mais adiante, viu outros dois irmãos» (Mt 4,
18.21).
40. Muitos textos do Evangelho mostram-nos que
Jesus está atento às pessoas, às suas preocupações, ao seu sofrimento. Por
exemplo: «Contemplando a multidão, encheu-se de compaixão por ela, pois estava
cansada e abatida» (Mt 9, 36). Quando nos parece que somos
ignorados por todos, que não há quem se interesse pelo que nos acontece, que
não temos importância para ninguém, Ele permanece atento a cada um de nós. Foi
o que fez notar a Natanael, que se encontrava só e ensimesmado: «Antes de
Filipe te chamar, Eu vi-te quando estavas debaixo da figueira!» (Jo 1,
48).
41. Precisamente porque está atento, é capaz de
reconhecer cada boa intenção que temos, cada pequena boa ação que praticamos. O
Evangelho diz que «Viu também uma viúva pobre depositar [no cofre do tesouro do
templo] duas moedinhas» (Lc 21, 2) e imediatamente o fez notar
aos seus apóstolos. Jesus presta atenção de tal modo que admira as coisas boas
que encontra em nós. Quando o centurião Lhe suplicou com toda a confiança,
«Jesus, ao ouvi-lo, admirou-se» (Mt 8, 10). Como é belo saber que,
se outros ignoram as nossas boas intenções ou as coisas positivas que fazemos,
Jesus não só não as ignora como até as admira.
42. Enquanto ser humano, tinha aprendido isto de
Maria, sua mãe. Ela, que tudo contemplava com cuidado e «guardava tudo no seu
coração» (Lc 2, 19.51), ensinou-O desde muito cedo, na companhia de
São José, a prestar atenção.
As palavras
43. Embora nas Escrituras tenhamos a sua Palavra
sempre viva e atual, por vezes Jesus fala interiormente e convoca-nos para nos
conduzir ao melhor lugar. Esse lugar melhor é o seu próprio Coração. Ele
chama-nos para nos introduzir no lugar onde podemos recuperar a força e a paz:
«Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu hei de
aliviar-vos» (Mt 11, 28). Por isso, pede aos seus discípulos:
«Permanecei em mim» (Jo 15, 4).
44. As palavras que Jesus pronunciou indicavam
que a sua santidade não elimina os sentimentos. Por vezes, mostravam um amor
apaixonado, que sofre por nós, se comove, se lamenta e chega, até mesmo, às
lágrimas. É evidente que Ele não era indiferente às preocupações e angústias
comuns das pessoas, como o cansaço ou a fome: «Tenho compaixão desta multidão
[...] Não têm nada para comer [...] desfalecerão no caminho, e alguns vieram de
longe» (Mc 8, 2-3).
45. O Evangelho não esconde os sentimentos de
Jesus em relação a Jerusalém, a cidade amada: «Quando se aproximou, ao ver a
cidade, Jesus chorou sobre ela» (Lc19, 41) e exprimiu o seu maior
desejo: «Se neste dia também tu tivesses conhecido o que te pode trazer a
paz!» (Lc 19, 42). Os evangelistas, embora por vezes O mostrem
poderoso ou glorioso, não deixam de exprimir os seus sentimentos diante da
morte e da dor dos amigos. Antes de contar que, junto do túmulo de Lázaro,
«Jesus começou a chorar» (Jo 11, 35), o Evangelho detém-se a dizer
que «Jesus era muito amigo de Marta, da sua irmã e de Lázaro» (Jo 11,
5) e que, ao ver Maria e os seus companheiros a chorar, «suspirou profundamente
e comoveu-se» (Jo 11, 33).A narração não deixa dúvidas de que se
trata de um pranto sincero, que nasce de uma perturbação interior. Por fim, a
angústia de Jesus perante a sua própria morte violenta, às mãos daqueles que
tanto amava, também não ficou escondida: «começou a sentir pavor e a
angustiar-se» (Mc 14, 33), a ponto de dizer: «a minha alma está
numa tristeza mortal» (Mc 14, 34). Esta perturbação interior
exprime-se com toda a sua força no grito do Crucificado: «Meu Deus, meu Deus,
porque Me abandonaste?» (Mc 15, 34).
46. Tudo isto, à primeira vista, pode parecer um
mero romanticismo religioso. No entanto, é o que há de mais sério e mais
decisivo. Encontra a sua expressão máxima em Cristo pregado numa cruz. Essa é a
palavra de amor mais eloquente. Não se trata de algo superficial, não é puro
sentimento, não é uma alienação espiritual. É amor. Por isso, quando São Paulo
procurava as palavras certas para explicar a sua relação com Cristo,
disse:«amou-me e a Si mesmo se entregou por mim» (Gl 2, 20). Esta
era a sua maior convicção: saber-se amado. A entrega de Cristo na cruz
subjugava-o, mas só fazia sentido porque havia algo ainda maior do que essa
entrega: “Amou-me”. Quando muitas pessoas procuravam em várias propostas
religiosas salvação, bem-estar ou segurança, Paulo, tocado pelo Espírito, soube
olhar além e maravilhar-se com o que há de maior e mais fundamental: “Amou-me”.
47. Depois de contemplar Cristo, vendo o que os
seus gestos e palavras nos revelam do seu Coração, recordemos agora como a
Igreja reflete sobre o santo mistério do Coração do Senhor.
CAPÍTULO III
ESTE É O CORAÇÃO QUE TANTO AMOU
48. A devoção ao Coração de Cristo não é o culto
a um órgão separado da Pessoa de Jesus. O que contemplamos e adoramos é a Jesus
Cristo por inteiro, o Filho de Deus feito homem, representado numa imagem sua
em que se destaca o seu coração. Neste caso, o coração de carne é entendido
como imagem ou sinal privilegiado do centro mais íntimo do Filho incarnado e do
seu amor ao mesmo tempo divino e humano, porque, mais do que qualquer outro
membro do seu corpo, é «o índice natural ou o símbolo da sua imensa caridade» [28].
Adoração a Cristo
49. É indispensável sublinhar que nos
relacionamos com a Pessoa de Cristo, através da amizade e da adoração, atraídos
pelo amor representado na imagem do seu Coração. Veneramos essa imagem que O
representa, mas a adoração dirige-se apenas a Cristo vivo, na sua divindade e
em toda a sua humanidade, para nos deixarmos abraçar pelo seu amor humano e
divino.
50. Seja qual for a imagem utilizada, é certo que
o objeto de adoração é o Coração vivo de Cristo – e nunca uma imagem –, porque
faz parte do seu Corpo santíssimo e ressuscitado, inseparável do Filho de Deus
que o assumiu para sempre. Ele é adorado enquanto «o coração da pessoa do Verbo
a quem está unido de modo inseparável» [29]. Não o adoramos isoladamente, mas na medida
em que com esse Coração é o próprio Filho incarnado que vive, ama e recebe o
nosso amor. Por isso, qualquer ato de amor ou de adoração ao seu Coração é «na
realidade e propriamente tributado ao Cristo mesmo» [30], porque se refere espontaneamente a Ele e é
«o símbolo e a imagem expressa da infinita caridade de Cristo» [31].
51. Por isso, ninguém deve pensar que esta
devoção nos possa separar ou distanciar de Jesus Cristo e do seu amor. De modo
espontâneo e direto, ela dirige-nos a Ele e só a Ele, que nos chama a uma
amizade valiosa, feita de diálogo, afeto, confiança e adoração. Este Cristo com
o seu coração trespassado e ardente é o mesmo Cristo que por amor nasceu em
Belém, percorreu a Galileia curando, acariciando, derramando misericórdia, e
amou-nos até ao fim, estendendo os braços na cruz. Por fim, é o mesmo que ressuscitou
e vive gloriosamente no meio de nós.
A veneração da sua imagem
52. Convém notar que a imagem de Cristo com o seu
coração, ainda que de maneira nenhuma possa ser objeto de adoração, não é uma
imagem qualquer, entre muitas outras que poderíamos escolher. Não é algo
inventado de modo abstrato ou desenhado por um artista, «não é um símbolo
imaginário, é um símbolo real, que representa o centro, a fonte da qual brotou
a salvação para a humanidade inteira» [32].
53. Há uma experiência humana universal que torna
esta imagem única. Pois não há dúvida que, ao longo da história e em várias
partes do mundo, o coração se tenha tornado um símbolo da intimidade mais
pessoal e também do afeto, emoções e capacidade de amar. Para além de qualquer
explicação científica, uma mão colocada sobre o coração de um amigo exprime um
afeto especial; quando uma pessoa se apaixona e está perto da pessoa amada, o
batimento cardíaco acelera; quando alguém sofre um abandono ou uma desilusão
por parte da pessoa amada, sente uma espécie de forte opressão no coração.Por
outro lado, para exprimir que algo é sincero, que vem realmente do centro da
pessoa, afirma-se: “Digo-o do fundo do coração”. A linguagem poética não pode
ignorar a força destas experiências. Por isso, é inevitável que, ao longo da
história, o coração tenha alcançado uma força simbólica única, que não é
meramente convencional.
54. É, pois, compreensível que a Igreja tenha
escolhido a imagem do coração para representar o amor humano e divino de Jesus
Cristo e o núcleo mais íntimo da sua Pessoa. Mas, se a imagem de um coração com
chamas de fogo pode ser um símbolo eloquente que nos recorda o amor de Jesus
Cristo, é conveniente que esse coração faça parte de uma imagem de Jesus
Cristo.Isto torna ainda mais significativo o seu apelo a uma relação pessoal de
encontro e de diálogo [33]. Essa imagem venerada de Cristo, onde se
destaca o seu coração amoroso, tem ao mesmo tempo um olhar que apela ao
encontro, ao diálogo e à confiança; tem mãos fortes capazes de nos sustentar;
tem uma boca que nos fala de uma forma única e personalíssima.
55. O coração tem o valor de ser percebido não
como um órgão separado, mas como um centro íntimo que gera unidade e, ao mesmo
tempo, como expressão da totalidade da pessoa, o que não acontece com outros
órgãos do corpo humano. Se é o centro íntimo da totalidade da pessoa e,
portanto, uma parte que representa o todo, poderíamos facilmente
desnaturalizá-lo caso o contemplássemos separado da figura do Senhor. A imagem
do coração deve remeter-nos para a totalidade de Jesus Cristo no seu centro
unificador e, a partir desse, simultaneamente deve levar-nos a contemplar
Cristo em toda a beleza e riqueza da sua humanidade e da sua divindade.
56. Isto vai além da atração que podem gerar as
várias imagens do Coração de Cristo, pois não é que, diante das imagens de
Cristo, «se deva pedir alguma coisa a essas imagens ou depositar confiança
nelas como antigamente faziam os pagãos», mas que «por meio das imagens que
beijamos e diante das quais nos descobrimos e prostramos, adoramos a
Cristo» [34].
57. Além disso, algumas destas imagens podem
parecer-nos pouco atrativas e não nos mover muito ao amor e à oração. Isso é
secundário, pois a imagem não é mais do que uma figura motivadora, e, como
diriam os orientais, não devemos fixar-nos no dedo que aponta para a lua.
Enquanto a Eucaristia é presença real a ser adorada, neste caso trata-se apenas
de uma imagem que, embora tenha sido abençoada, nos convida a ir além dela, nos
orienta a elevar e unir o nosso próprio coração ao de Cristo vivo. A imagem venerada
convoca, aponta, conduz, a fim de dedicarmos tempo ao encontro com Cristo e à
sua adoração, conforme nos pareça melhor imaginá-Lo. Assim, olhando a imagem,
estamos diante de Cristo, e diante d’Ele «o amor se detém, contempla o
mistério, desfruta dele em silêncio» [35].
58. Dito tudo isto, não devemos esquecer que esta
imagem do coração nos fala de carne humana, da terra, e por isso nos fala
também de Deus que quis entrar na nossa condição histórica, fazer-se história e
partilhar o nosso caminho terreno. Uma forma de devoção mais abstrata ou
estilizada não será necessariamente mais fiel ao Evangelho, porque neste sinal
sensível e acessível se manifesta o modo como Deus quis revelar-se e tornar-se
próximo de nós.
Amor sensível
59. Amor e coração não estão necessariamente
unidos, pois num coração humano podem reinar o ódio, a indiferença e o egoísmo.
Porém, não atingimos a nossa plena humanidade se não saímos de nós mesmos, tal
como não nos tornamos inteiramente nós mesmos se não amamos. Portanto, o centro
mais íntimo da nossa pessoa, criado para o amor, só realizará o projeto de Deus
enquanto amar. Assim, o símbolo do coração simboliza ao mesmo tempo o amor.
60. O Filho eterno de Deus, que infinitamente me
transcende, quis amar-me também com um coração humano. Os seus sentimentos
humanos tornam-se o sacramento de um amor infinito e definitivo. O seu coração
não é, portanto, um símbolo físico que só exprime uma realidade meramente
espiritual ou separada da matéria. O olhar dirigido ao Coração do Senhor
contempla uma realidade física: a sua carne humana, que torna possível que
Cristo tenha emoções e sentimentos muito humanos – como nós –, embora
plenamente transformados pelo seu amor divino. A devoção deve alcançar o amor
infinito da pessoa do Filho de Deus, mas é preciso afirmar que este é
inseparável do seu amor humano e, para isso, ajuda-nos a imagem do seu coração
de carne.
61. Se ainda hoje no sentimento popular o coração
é percebido como o centro afetivo de todo o ser humano, é ele que melhor pode
significar o amor divino de Cristo que está unido para sempre e de modo
inseparável ao seu amor integralmente humano. Já Pio XII recordava que a
Palavra de Deus, quando «descreve o amor do coração de Jesus, não
compreende somente a caridade divina, mas se estende também aos sentimentos do
afeto humano. [...] Por conseguinte, o coração de Cristo, unido
hipostaticamente à pessoa divina do Verbo, sem dúvida deve ter palpitado de
amor e de qualquer outro afeto sensível» [36].
62. Contrariamente a alguns que negavam ou
relativizavam a verdadeira humanidade de Cristo, nos Padres da Igreja
encontramos uma forte afirmação da realidade concreta e tangível do afeto
humano do Senhor. Assim, São Basílio sublinhava que a incarnação do Senhor não
era algo de fantasioso, mas que «o Senhor possuía os afetos naturais» [37]. São João Crisóstomo propunha um exemplo:
«Se não tivesse possuído a nossa natureza, não teria experimentado a tristeza
uma e outra vez» [38]. Santo Ambrósio afirmava: «Como tomou a
alma, tomou também as paixões da alma» [39]. E Santo Agostinho apresentava os
afetos humanos como uma realidade que, uma vez assumida por Cristo, já não é
alheia à vida da graça: «O Senhor Jesus, não obrigado por necessidade, mas por
voluntária compaixão assumiu este sentimento de fraqueza humana, como aceitara
a própria carne na condição da humana fraqueza, para [...] se a algum
deles [os membros da Igreja] acontecer contristar-se e condoer-se no meio das
tentações humanas, não julgue-se por isso alheio à graça de Deus» [40]. Finalmente, São João Damasceno considera
esta real experiência afetiva de Cristo na sua humanidade como um sinal de que
Ele assumiu integralmente a nossa natureza – e não parcialmente – para a
redimir e transformar por inteiro. Assim, Cristo assumiu todos os elementos que
compõem a natureza humana, a fim de que todos eles fossem santificados [41].
63. Vale a pena retomar aqui a reflexão de um
teólogo que reconhece que, sob a influência do pensamento grego, a teologia
relegou durante muito tempo o corpo e os sentimentos ao universo do
«pré-humano, sub-humano ou tentador do verdadeiramente humano», mas «o que a
teologia não resolveu na teoria, foi resolvido pela espiritualidade na prática.
A espiritualidade e a religiosidade popular mantiveram viva a relação com os
aspectos somáticos, psicológicos e históricos de Jesus. A Via-Sacra, a devoção
às suas chagas, a espiritualidade do Preciosíssimo Sangue, a devoção ao Coração
de Jesus, as práticas eucarísticas [...]: tudo isso preencheu as lacunas da
teologia, alimentando a imaginação e o coração, o amor e a ternura por Cristo,
a esperança e a memória, o desejo e a nostalgia. A razão e a lógica tomaram
outros caminhos» [42].
Tríplice amor
64. Entretanto, não nos detemos só nos seus
sentimentos humanos, por mais belos e comoventes que sejam, pois, contemplando
o Coração de Cristo reconhecemos como nos seus sentimentos nobres e sadios, na
sua ternura, no vibrar do seu afeto humano, se manifesta toda a verdade do seu
amor divino e infinito. Assim o exprimiu Bento XVI: «Do horizonte infinito do
seu amor, Deus quis entrar nos limites da história e da condição humana,
assumiu um corpo e um coração; de modo que nós possamos contemplar e encontrar
o infinito no finito, o Mistério invisível e inefável no Coração humano de
Jesus, o Nazareno» [43].
65. Na realidade, há um tríplice amor que está
contido e nos deslumbra na imagem do Coração do Senhor. Primeiramente, o amor
divino infinito que encontramos em Cristo. Mas, pensamos também na dimensão
espiritual da humanidade do Senhor. Desde esse ponto de vista, «o coração de
Cristo é símbolo de enérgica caridade, que, infundida em sua alma, constitui o
precioso dote da sua vontade humana […]. Finalmente […] é símbolo do seu
amor sensível» [44].
66. Estes três amores não são capacidades
separadas, funcionando de forma paralela ou desconexa, mas atuam e exprimem-se
em conjunto e num fluxo constante de vida: «À luz da fé, pela qual cremos
que na pessoa de Cristo estão unidas a natureza humana e a natureza divina,
podemos conceber os estreitíssimos vínculos que existem entre o amor sensível
do coração físico de Jesus e o seu duplo amor espiritual, o humano e o
divino» [45].
67. Por isso, entrando no Coração de Cristo,
sentimo-nos amados por um coração humano, cheio de afetos e sentimentos como os
nossos. A sua vontade humana quer amar-nos livremente, e esse querer espiritual
está plenamente iluminado pela graça e pela caridade. Quando chegamos ao mais
íntimo desse Coração, somos inundados pela glória incomensurável do seu amor
infinito de Filho eterno, que já não podemos separar do seu amor humano. É
precisamente no seu amor humano, e não afastando-nos dele, que encontramos o seu
amor divino; encontramos «o infinito no finito» [46].
68. É ensinamento constante e definitivo da
Igreja que a nossa adoração da sua Pessoa é única, e abrange inseparavelmente
tanto a sua natureza divina como a sua natureza humana. Desde os tempos
antigos, a Igreja ensinou que devemos «adorar um único e mesmo Cristo, Filho de
Deus e do homem, de duas e em duas naturezas inseparáveis e indivisas» [47]. E isto «com uma única adoração [...],
visto que o Verbo veio a ser carne» [48]. De modo algum Cristo é «adorado em duas
naturezas, introduzindo com isto duas adorações», mas deve-se «venerar com
única adoração o Deus Verbo encarnado junto com a sua carne» [49].
69. São João da Cruz quis exprimir que, na
experiência mística, o amor incomensurável de Cristo ressuscitado não é sentido
como estranho à nossa vida. O Infinito de algum modo desce para que, através do
Coração aberto de Cristo, possamos experimentar um encontro de amor
verdadeiramente recíproco: «É bem possível que a ave de voo baixo possa prender
a Águia-real das alturas, quando Ela Se abaixa querendo ser presa» [50]. E explica que «vendo a esposa ferida pelo
seu amor, acorre ao seu gemido, ferido também Ele pelo amor dela; é que, nos
apaixonados, a ferida de um é de ambos, e os dois sentem o mesmo» [51]. Este místico entende a figura do lado
ferido de Cristo como um apelo à plena união com o Senhor. Ele é o cervo
vulnerado, ferido quando ainda não nos tínhamos deixado tocar pelo seu amor,
que desce às correntes de água para saciar a sua própria sede e que encontra
conforto sempre que nos dirigimos a Ele:
«Volta, minha pomba,
Que, ferido, o veado
Lá no outeiro assoma
Ao sopro do teu voo e o fresco toma» [52].
Perspectivas trinitárias
70. A devoção ao Coração de Jesus é marcadamente
cristológica; é uma contemplação direta de Cristo que convida à união com Ele.
Isto é legítimo, se tivermos em conta o que pede a Carta aos Hebreus: correr a
nossa prova «tendo os olhos postos em Jesus» ( Heb 12,
2). Entretanto, não podemos ignorar que, ao mesmo tempo, Jesus se apresenta
como o caminho para ir ao Pai: «Eu sou o caminho [...]. Ninguém pode ir ao Pai
senão por mim» ( Jo 14, 6). Ele quer conduzir-nos ao Pai. É
por isso que a pregação da Igreja, desde o início, não nos detém em Jesus
Cristo, mas nos conduz ao Pai. Ele é quem por fim, enquanto plenitude
originária, deve ser glorificado [53].
71. Detenhamo-nos, por exemplo, na carta aos
Efésios, onde podemos ver com força e clareza como a nossa adoração se dirige
ao Pai: «Eu dobro os joelhos diante do Pai» ( Ef 3, 14). «Um
só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por todos e permanece em
todos» ( Ef 4, 6). «Sem cessar, dai graças por tudo a Deus
Pai» ( Ef 5, 20). O Pai é Aquele a quem estamos destinados
(cf. 1 Cor 8, 6). Por isso, São João Paulo II dizia que «toda
a vida cristã é como uma grande peregrinação para a casa do Pai» [54]. É o que experimentou Santo Inácio de
Antioquia no seu caminho para o martírio: «Dentro de mim, há uma água viva, que
murmura e diz: “Vem para o Pai”» [55].
72. Ele é, acima de tudo, o Pai de Jesus Cristo:
«Bendito seja o Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo» ( Ef 1,
3). É «o Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai a quem pertence a glória»
( Ef 1, 17). Quando o Filho se fez homem, todos os desejos e
aspirações do seu coração humano se dirigiam ao Pai. Se virmos como Cristo se
referia ao Pai, podemos constatar este fascínio do seu coração humano, esta
orientação perfeita e constante para o Pai [56]. A sua história nesta nossa terra foi um
caminhar sentindo no seu coração humano um apelo incessante para ir ao
Pai [57].
73. Sabemos que a palavra aramaica que Ele usou
para se dirigir ao Pai foi “Abbá”, que significa “paizinho”. No seu
tempo, esta familiaridade incomodava alguns (cf. Jo5, 18). É a
expressão que Jesus usa para falar com o Pai quando surgiu a angústia da morte:
«Abbá, Pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice! Mas não se
faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres» (Mc 14, 36).
Reconheceu-se sempre amado pelo Pai: «por me teres amado antes da criação do
mundo» (Jo 17, 24). E, no seu coração humano, Jesus ficou em êxtase
ao ouvir o Pai dizer-lhe: «Tu és o meu Filho muito amado, em ti pus todo o meu
agrado» (Mc 1, 11).
74. O quarto Evangelho diz que o Filho eterno do
Pai esteve sempre «no seio do Pai» [58] ( Jo 1, 18). Santo
Ireneu refere-se ao «Filho de Deus [...] existindo desde sempre junto do
Pai» [59]. E Orígenes sustenta que o Filho persevera
«na contemplação perpétua da profundeza paterna» [60]. Por isso, quando o Filho se fez homem,
passou noites inteiras a comunicar com o Pai amado, no cimo da montanha
(cf. Lc 6, 12). Dizia: «Tenho de estar na Casa do Meu Pai»
( Lc 2, 49). Vejamos as suas expressões de louvor: «Jesus
estremeceu de alegria sob a ação do Espírito Santo e disse: “Bendigo-te, ó Pai,
Senhor do Céu e da Terra”» ( Lc 10, 21). E as suas
últimas palavras, cheias de confiança, foram: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu
espírito» ( Lc 23, 46).
75. Voltemos agora o nosso olhar para o Espírito
Santo, que enche o Coração de Cristo e arde n’Ele. Porque, como dizia São João
Paulo II, o Coração de Cristo é «a obra-prima do Espírito Santo» [61]. Não se trata apenas de uma coisa do
passado, pois «no Coração de Cristo é viva a ação do Espírito Santo, ao qual
Jesus atribuiu a inspiração da sua missão (cf. Lc 4, 18; Is 61,
1) e do qual na Última Ceia prometera o envio. É o Espírito que ajuda a acolher
a riqueza do sinal do lado trespassado de Cristo, do qual brotou a Igreja (cf.
Const. Sacrosanctum Concilium, 5)» [62]. Em suma, «só o Espírito Santo pode abrir
diante de nós esta plenitude do “homem interior”, que se encontra no Coração de
Cristo. Somente Ele pode fazer com que desta plenitude consigam haurir força,
gradualmente, também os nossos corações humanos» [63].
76. Se buscamos aprofundar o mistério da ação do
Espírito, vemos que Ele geme em nós e diz “Abbá”: «Porque sois filhos,
Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: “Abbá! –
Pai!”» (Gl 4, 6). Com efeito, «esse mesmo Espírito dá
testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de Deus» (Rm 8,
16).A ação do Espírito Santo no coração humano de Cristo provoca constantemente
esta atração ao Pai. E quando pela graça nos une aos sentimentos de Cristo,
faz-nos participantes da relação do Filho com o Pai, é o «Espírito que faz de
vós filhos adoptivos. É por Ele que clamamos: Abbá, ó Pai!» (Rm 8,
15).
77. Assim, a nossa relação com o Coração de
Cristo transforma-se sob o impulso do Espírito, que nos orienta para o Pai,
fonte da vida e origem última da graça. O próprio Cristo não deseja que nos
detenhamos somente n’Ele. O amor de Cristo é «revelação da misericórdia do
Pai» [64]. O seu desejo é que, impelidos pelo
Espírito que brota do seu Coração, “com Ele e n’Ele” nos dirijamos ao Pai. A
glória dirige-se ao Pai “por” Cristo [65], “com” Cristo [66] e “em” Cristo [67]. São João Paulo II ensinou que «o Coração
do Salvador convida a subir de novo ao amor do Pai, que é a fonte de todo o
amor autêntico» [68]. É isto mesmo que o Espírito Santo,
chegando a nós a partir do Coração de Cristo, procura alimentar nos nossos
corações. Por isso, a Liturgia, sob a ação vivificante do Espírito, dirige-se
sempre ao Pai a partir do Coração ressuscitado de Cristo.
Expressões recentes do Magistério
78. O Coração de Cristo esteve presente na
história da espiritualidade cristã de diversas maneiras. Na Bíblia e nos
primeiros séculos da Igreja, aparecia sob a figura do lado ferido do Senhor,
quer como fonte de graça, quer como apelo a um encontro íntimo de amor. Assim
reapareceu constantemente no testemunho de muitos santos até aos nossos tempos.
Nos últimos séculos, esta espiritualidade tomou a forma de um verdadeiro culto
ao Coração do Senhor.
79. Alguns dos meus predecessores referiram-se ao
Coração de Cristo e, com expressões variadas, convidaram a unir-se a Ele. No
final do século XIX, Leão XIII convidava-nos a consagrarmo-nos a Ele e, na sua
proposta, unia ao mesmo tempo o apelo à união com Cristo e a admiração perante
o esplendor do seu amor infinito [69]. Cerca de trinta anos depois, Pio XI
apresentou esta devoção como o resumo da experiência da fé cristã [70]. Além disso, Pio XII sustentou que o culto
do Sagrado Coração exprime de forma excelente, como uma síntese sublime, a
nossa adoração a Jesus Cristo [71].
80. Mais recentemente, São João Paulo II
apresentou o desenvolvimento deste culto nos séculos passados como uma resposta
ao crescimento de formas de espiritualidade rigoristas e desencarnadas que
esqueciam a misericórdia do Senhor, mas ao mesmo tempo como um apelo
contemporâneo a um mundo que procura construir-se sem Deus: «A devoção ao
Sagrado Coração, do modo como se desenvolveu na Europa de há dois séculos, sob
o impulso das experiências místicas de Santa Margarida Maria Alacoque, foi a
resposta à rigorosidade jansenista, que tinha acabado por menosprezar a
infinita misericórdia de Deus. [...] O homem do Ano 2000 tem necessidade do
Coração de Cristo para conhecer Deus e para se conhecer a si mesmo; tem
necessidade dele para construir a civilização do amor» [72].
81. Bento XVI convidava a reconhecer o Coração de
Cristo como uma presença íntima e quotidiana na vida de todos: «Cada pessoa
precisa de um “centro” da própria vida, de uma fonte de verdade e de bondade da
qual haurir no suceder-se das diversas situações e na fadiga da quotidianidade.
Cada um de nós, quando se detém no silêncio, precisa de ouvir não só o palpitar
do próprio coração, mas, mais em profundidade, o pulsar de uma presença de
confiança, percetível com os sentidos da fé e contudo muito mais real: a
presença de Cristo, coração do mundo» [73].
Aprofundamento e atualidade
82. A imagem expressiva e simbólica do Coração de
Cristo não é o único recurso que o Espírito Santo nos dá para encontrar o amor
de Cristo, e terá sempre necessidade de ser enriquecida, iluminada e renovada
através da meditação, da leitura do Evangelho e do amadurecimento espiritual.
Já Pio XII dizia que a Igreja não pretende que «no coração de Jesus se deva ver
e adorar a chamada imagem formal, quer dizer, a representação perfeita e
absoluta do seu amor divino, não sendo possível, como não é, representar adequadamente
por qualquer imagem criada a íntima essência desse amor» [74].
83. A devoção ao Coração de Cristo é essencial
para a nossa vida cristã, na medida em que significa a nossa abertura, cheia de
fé e de adoração, ao mistério do amor divino e humano do Senhor, até ao ponto
de podermos voltar a afirmar que o Sagrado Coração é um compêndio do
Evangelho [75]. É preciso lembrar que as visões ou
manifestações místicas narradas por alguns dos santos que propuseram
apaixonadamente a devoção ao Coração de Cristo não são algo em que os crentes
sejam obrigados a acreditar como se fossem a Palavra de Deus [76]. São belos estímulos que podem motivar e
fazer muito bem, embora ninguém se deva sentir obrigado a segui-los se não
achar de proveito no seu caminho espiritual. Do mesmo modo, é necessário
recordar sempre, como afirmou Pio XII, que não se pode dizer que este culto
«deve a sua origem a revelações privadas» [77].
84. A proposta da comunhão eucarística nas
primeiras sextas-feiras do mês, por exemplo, era uma mensagem forte numa época
em que muitas pessoas deixavam de comungar por não confiarem no perdão divino,
na sua misericórdia, e consideravam a comunhão como uma espécie de recompensa
para os perfeitos.Naquele contexto jansenista, a promoção desta prática fez
muito bem, ajudando-nos a reconhecer na Eucaristia o amor gratuito e próximo do
Coração de Cristo que nos chama à união com Ele. Podemos afirmar que hoje também
faria muito bem por outra razão: porque no meio do turbilhão do mundo atual e
da nossa obsessão pelo tempo livre, do consumo e da distração, dos telefones e
das redes sociais, esquecemo-nos de alimentar a nossa vida com a força da
Eucaristia.
85. Da mesma forma, ninguém deve sentir-se
obrigado a fazer uma hora de adoração às quintas-feiras. Mas como não o
recomendar? Quando alguém vive com fervor esta prática, junto de tantos irmãos
e irmãs, e encontra na Eucaristia todo o amor do Coração de Cristo, «adora
juntamente com a Igreja o símbolo e como que a marca da caridade divina,
caridade que com o coração do Verbo encarnado chegou até a amar o género
humano» [78].
86. Isto era difícil de compreender para muitos
jansenistas, que desprezavam tudo o que era humano, afetivo, corpóreo, e
entendiam, em última análise, que esta devoção nos afastava da mais pura
adoração ao Deus Altíssimo. Pio XII chamou «falso misticismo» [79] a esta atitude elitista de alguns
grupos que viam a Deus tão alto, tão separado, tão distante, que consideravam
as expressões sensíveis da piedade popular perigosas e necessitadas de controle
eclesiástico.
87. Poder-se-ia afirmar que hoje, mais do que o
jansenismo, enfrentamos um forte avanço da secularização que visa um mundo
livre de Deus. Acrescenta-se a isso, a multiplicação na sociedade de várias
formas de religiosidade sem referência a uma relação pessoal com um Deus de
amor, que são novas manifestações de uma “espiritualidade sem carne”. Isto é
real. No entanto, devo advertir que, no seio da própria Igreja, o nefasto
dualismo jansenista renasceu com novos rostos. Ganhou força renovada nas
últimas décadas, mas é uma manifestação daquele gnosticismo que já nos
primeiros séculos da fé cristã causava dano à espiritualidade e ignorava a
verdade da “salvação da carne”. Por isso, dirijo o meu olhar para o Coração de
Cristo e convido a renovar esta devoção. Espero que possa ser atrativa também à
sensibilidade atual e que nos ajude assim a enfrentar estes velhos e novos
dualismos, aos quais oferece uma resposta adequada.
88. Gostaria de acrescentar que o Coração de
Cristo nos liberta, ao mesmo tempo, de um outro dualismo: o de comunidades e
pastores concentrados apenas em atividades exteriores, em reformas estruturais
desprovidas de Evangelho, em organizações obsessivas, em projetos mundanos, em
reflexões secularizadas, em várias propostas apresentadas como requisitos que,
por vezes, se pretendem impor a todos.O resultado é, muitas vezes, um
cristianismo que esqueceu a ternura da fé, a alegria do serviço, o fervor da missão
pessoa-a-pessoa, a cativante beleza de Cristo, a gratidão emocionante pela
amizade que Ele oferece e pelo sentido último que dá à vida. Em suma, outra
forma de transcendentalismo enganador, igualmente desencarnado.
89. Estas doenças tão atuais, das quais – se nos
deixamos aprisionar – nem sequer sentimos o desejo de ser curados, levam-me a
propor a toda a Igreja um novo aprofundamento sobre o amor de Cristo
representado no seu santo Coração. Aí encontramos todo o Evangelho, aí está
sintetizada a verdade em que acreditamos, aí está tudo o que adoramos e
procuramos na fé, aí está o que mais precisamos.
90. Perante o Coração de Cristo, é possível
voltar à síntese encarnada do Evangelho e viver o que propus há pouco,
recordando a amada Santa Teresa do Menino Jesus: «A atitude mais adequada é
depositar a confiança do coração fora de nós mesmos, ou seja, na infinita
misericórdia de um Deus que ama sem limites e que deu tudo na Cruz de
Jesus» [80]. Ela viveu-a intensamente porque descobriu
no coração de Cristo que Deus é amor: «A mim deu-me a sua Misericórdia
infinita, e é através dela que contemplo e adoro as demais perfeições
divinas» [81]. É por isso que a oração mais popular,
dirigida como um dardo ao Coração de Cristo, diz simplesmente: «Eu confio em
Vós» [82]. Não são necessárias mais palavras.
91. Nos capítulos seguintes, destacaremos dois
aspectos fundamentais que a devoção ao Sagrado Coração deve reunir hoje para
continuar a alimentar-nos e a aproximar-nos do Evangelho: a experiência
espiritual pessoal e o compromisso comunitário e missionário.
CAPÍTULO IV
AMOR QUE DÁ DE BEBER
92. Voltemos à Sagrada Escritura, aos textos
inspirados que são o lugar principal onde encontramos a Revelação. Nelas e na
Tradição viva da Igreja está contido o que o próprio Senhor nos quis dizer para
toda a história. A partir da leitura de textos do Antigo e do Novo Testamento,
recolheremos alguns dos efeitos da Palavra no longo caminho espiritual do Povo
de Deus.
Sede do amor de Deus
93. A Bíblia mostra que uma abundância de água
vivificante foi anunciada ao povo que tinha caminhado pelo deserto e esperava a
libertação: «Tirareis água com alegria das fontes da salvação» (Is 12,
3). Os anúncios messiânicos assumiram a forma de uma fonte de água
purificadora: «Derramarei sobre vós uma água pura e sereis
purificados [...] introduzirei em vós um espírito novo» (Ez 36,
25-26). É a água que restituirá ao povo uma existência plena, como uma fonte
que jorra do templo e, ao passar, derrama vida e saúde: «Eis que havia à beira
da torrente grande quantidade de árvores, em cada uma das margens. [...] Por
onde quer que a torrente passar, todo o ser vivo que se move viverá [...]
porque aonde quer que esta água chegar, tornar-se-á salubre; e a vida
desenvolver-se-á por toda a parte aonde ela chegar» (Ez 47, 7.9).
94. A festa judaica das Tendas ( Sukkot),
que comemorava os quarenta anos no deserto, tinha gradualmente assumido o
símbolo da água como elemento central, e previa para cada manhã um rito de
oferenda de água, que se tornava muito solene no último dia da festa: fazia-se
uma grande procissão até ao templo onde, finalmente, eram dadas sete voltas em
torno do altar e, com grande alvoroço, se oferecia água a Deus [83].
95. O anúncio da chegada do tempo messiânico é
apresentado como uma fonte aberta para o povo: «Derramarei sobre a casa de
David e sobre os habitantes de Jerusalém um espírito de benevolência e de
súplica. Eles contemplarão aquele a quem trespassaram. [...] Naquele dia,
haverá uma fonte aberta para a casa de David e para os habitantes de Jerusalém,
para a purificação do pecado e da impureza» (Zc12, 10; 13, 1).
96. Um homem trespassado, uma fonte aberta, um
espírito de benevolência e de súplica. Os primeiros cristãos inevitavelmente
viam esta promessa cumprida no lado aberto de Cristo, fonte de onde brota a
vida nova. Ao percorrermos o Evangelho de João, vemos como aquela profecia se
cumpriu em Cristo.Contemplamos o seu lado trespassado, de onde jorrava a água
do Espírito: «Um dos soldados traspassou-lhe o peito com uma lança e logo
brotou sangue e água» (Jo 19, 34). E o evangelista acrescenta:
«Hão-de olhar para aquele que trespassaram» (Jo 19, 37). Retoma
assim o anúncio do profeta que prometia ao povo uma fonte aberta em Jerusalém,
quando olhassem para o trespassado (cf. Zc 12, 10). A fonte
aberta é o lado ferido de Jesus Cristo.
97. Notemos que o próprio Evangelho anuncia este
momento sagrado, precisamente «no último dia, o mais solene da festa» das
Tendas (Jo 7, 37). Naquele momento, Jesus bradou ao povo que
celebrava, na grande procissão: «Se alguém tem sede, venha a mim […] hão
de correr do seu coração rios de água viva» (Jo 7, 37-38).
Para isso, era preciso que chegasse a sua “hora”, «porque Jesus ainda não tinha
sido glorificado» (Jo 7, 39). Tudo se cumpriu na fonte
transbordante da Cruz.
98. No Apocalipse, reaparece tanto o Trespassado
– «Todos os olhos o verão, até mesmo os que o trespassaram» (Ap 1,
7) –, como a fonte aberta – «O que tem sede que se aproxime; e o que
deseja beba gratuitamente da água da vida» (Ap 22, 17).
99. O lado trespassado é ao mesmo tempo a sede do
amor, um amor que Deus declarou ao seu povo com tantas palavras diferentes que
vale a pena recordar:
«És precioso aos meus olhos, […] te estimo e
te amo» (Is 43, 4).
«Acaso pode uma mulher esquecer-se do seu bebé,
não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse
dele, Eu nunca te esqueceria. Eis que Eu gravei a tua imagem na palma das
minhas mãos» (Is 49, 15-16).
«Ainda que os montes sejam abalados e tremam as
colinas, o meu amor por ti nunca mais será abalado, e a minha aliança de paz
nunca mais vacilará» (Is 54, 10).
«Amei-te com um amor eterno. Por isso, dilatei a
misericórdia para contigo» (Jr 31, 3).
«O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como
poderoso salvador! Ele exulta de alegria por tua causa, pelo seu amor te
renovará.Ele dança e grita de alegria por tua causa» (Sf 3, 17).
100. O profeta Oseias chega a falar do coração de
Deus: «Segurava-os com laços humanos, com laços de amor» (Os 11,
4). Por causa desse mesmo amor desprezado, podia dizer: «O meu coração dá
voltas dentro de mim, comovem-se as minhas entranhas» (Os 11,
8). Mas sempre vencerá a misericórdia (cf. Os 11, 9), que
alcançará a sua expressão máxima em Cristo, palavra definitiva de amor.
101. No Coração trespassado de Cristo estão
concentradas, escritas na carne, todas as expressões de amor das Escrituras.
Não se trata de um amor simplesmente declarado, mas o seu lado aberto é fonte
de vida para o amado; é aquela fonte que sacia a sede do seu povo. Como ensinou
São João Paulo II, «os elementos essenciais desta devoção pertencem também de
modo permanente à espiritualidade da Igreja ao longo da sua história; porque
desde o princípio a Igreja elevou o seu olhar para o Coração de Cristo trespassado
na Cruz» [84].
Ressonâncias da Palavra na história
102. Consideremos alguns dos efeitos que esta
Palavra de Deus produziu na história da fé cristã. Vários Padres da Igreja,
sobretudo da Ásia Menor, mencionaram a chaga do lado de Jesus como a origem da
água do Espírito: a Palavra, a sua graça e os sacramentos que a comunicam. A
força dos mártires vive da «fonte celeste de água viva que brota das entranhas
de Cristo» [85], ou, como traduz Rufino, «das fontes
celestes e eternas que procedem das entranhas de Cristo» [86]. Os fiéis, que renascemos pelo Espírito,
vimos dessa fenda do rochedo, «saímos do ventre de Cristo» [87]. O seu lado ferido, que interpretamos como
o seu coração, está cheio do Espírito Santo, e a partir dele chegam até nós
rios de água viva: «Em Cristo permanece a fonte de todo o Espírito Santo» [88]. Mas o Espírito que recebemos não nos
afasta do Senhor ressuscitado, antes nos enche d’Ele, porque, ao bebermos do
Espírito, bebemos o próprio Cristo: «Bebe Cristo, porque é a rocha que jorra
água; bebe Cristo, porque é a fonte da vida; bebe Cristo, porque é o rio cujo
ímpeto alegra a cidade de Deus; bebe Cristo, porque é a paz; bebe Cristo,
porque do seu ventre brota um rio de água viva» [89].
103. Santo Agostinho abriu o caminho para a
devoção ao Sagrado Coração como lugar de encontro pessoal com o Senhor. Ou
seja, para ele o lado de Cristo não é só fonte de graça e de sacramentos, mas
personaliza-o, apresentando-o como símbolo da união íntima com Cristo, como
lugar de um encontro amoroso. É aí que reside a origem da sabedoria mais
preciosa, que é conhecê-Lo. Com efeito, Agostinho escreve que João, o amado,
quando inclinou a sua cabeça sobre o peito de Jesus, durante a última ceia,
aproximou-se do lugar secreto da sabedoria [90]. Não se trata de uma simples contemplação
intelectual de uma verdade teológica. São Jerónimo explica que uma pessoa capaz
de contemplar «não retira das correntes de água nenhum deleite, mas bebe a água
viva do lado do Senhor» [91].
104. São Bernardo retomou o simbolismo do lado
trespassado do Senhor, entendendo-o explicitamente como revelação e dom do amor
do seu Coração. Através da chaga, ele torna-se acessível a cada um de nós e é
possível fazer nosso o grande mistério do amor e da misericórdia: «O que a mim
me falta, eu extraio das entranhas do Senhor, pois estas transbordam
misericórdia e não faltam fendas pelas quais ela passa. Trespassaram-lhe as
mãos e os pés, perfuraram-lhe o lado com uma lança. E por essas fendas posso extrair
mel da pedra e óleo da rocha duríssima, isto é, posso saborear e ver quão suave
é o Senhor [...] O ferro trespassou-lhe a alma, e aproximou-se do seu coração,
para que não deixe já de saber como se compadecer das minhas fraquezas. O
segredo do seu coração é patente através das chagas do corpo, é patente o
grande sacramento da piedade, são patentes as vísceras de misericórdia do nosso
Deus» [92].
105. Isto reaparece de forma especial em
Guilherme de Saint-Thierry, o qual convidava a entrar no Coração de Jesus, que
nos alimenta no seu próprio seio [93]. Não é de admirar, se recordamos que para
este autor «a arte do amor é a arte das artes [...]. Este mesmo amor é incutido
pelo Criador [...]. Com efeito, o amor é uma força da alma, que a conduz como
que por um peso natural ao lugar e ao fim que lhe são próprios» [94]. Esse lugar que lhe é próprio, onde o amor
reina em plenitude, é o Coração de Cristo: «Aonde pois, Senhor, conduzis
aqueles que abraçais e estreitais em vossos braços, senão para o vosso coração?
O vosso coração, Jesus, é aquele doce maná da vossa divindade (cf. Heb 9,
4), que guardais no vosso interior, no cofre áureo da vossa alma que supera
toda a sabedoria. Felizes os que conduzis até lá com o vosso abraço. Felizes os
que, imersos nestas profundezas, foram escondidos por Vós dentro do Vosso
coração» [95].
106. São Boaventura une as duas linhas
espirituais em torno do Coração de Cristo: ao mesmo tempo que o apresenta como
fonte dos sacramentos e da graça, propõe que esta contemplação se torne uma
relação de amigos, um encontro pessoal de amor.
107. Por um lado, ajuda-nos a reconhecer a beleza
da graça e dos sacramentos que brotam daquela fonte de vida que é o lado ferido
do Senhor: «Para que do lado de Cristo morto na cruz se formasse a Igreja e se
cumprisse a palavra da Escritura que diz: “Hão de olhar para Aquele que
trespassaram”, a divina providência permitiu que um dos soldados lhe abrisse
com a lança o lado sacrossanto e dele fizesse brotar sangue e água. Este é o
preço da nossa salvação, saído daquela divina fonte, isto é, do íntimo do seu
Coração, para dar aos sacramentos da Igreja o poder de conferir a vida da graça
e se tornar para aqueles que vivem em Cristo uma fonte de água viva que jorra
para a vida eterna» [96].
108. Depois convida-nos a dar mais um passo, para
que o acesso à graça não se torne algo de mágico, ou uma espécie de emanação
neoplatónica, mas uma relação direta com Cristo, habitando no seu Coração, pois
quem bebe é amigo de Cristo, é um coração amoroso: «Levanta-te, pois, tu que
amas a Cristo, sê como a pomba que faz o seu ninho na borda do rochedo, e aí,
como o pássaro que encontrou sua morada, não cesses de estar vigilante; aí
esconde, como a andorinha, os filhos nascidos do casto amor» [97].
A difusão da devoção ao Coração de Cristo
109. O lado trespassado, onde reside o amor de
Cristo, do qual, por sua vez, brota a vida da graça, assumiu gradualmente a
forma do coração, sobretudo na vida monástica. Sabemos que, ao longo da
história, o culto ao Coração de Cristo não se manifestou de modo igual, e que
os aspectos desenvolvidos nos tempos modernos, relacionados com diversas
experiências espirituais, não podem ser extrapolados para as formas medievais e
muito menos para as formas bíblicas, nas quais podemos vislumbrar as sementes
deste culto. No entanto, hoje a Igreja não despreza nenhum dos bens que o
Espírito Santo nos deu ao longo dos séculos, sabendo que será sempre possível
reconhecer em certos pormenores da devoção um sentido mais claro e pleno, ou
compreender e desvendar novos aspectos dela.
110. Várias mulheres santas relataram
experiências de encontro com Cristo, caracterizado pelo repouso no Coração do
Senhor, fonte de vida e de paz interior. É o caso de Santa Lutgarda, Santa
Matilde de Hackeborn, Santa Ângela de Foligno, Juliana de Norwich, entre
outras. Santa Gertrudes de Helfta, monja cisterciense, contou um momento de
oração durante o qual reclinou a cabeça sobre o Coração de Cristo e escutou os
seus batimentos. Num diálogo com São João Evangelista, ela pergunta-lhe por que
razão, no seu Evangelho, não fala do que viveu quando teve a mesma experiência.
Gertrudes conclui que «a doçura destes batimentos foi reservada aos tempos
modernos, para que, ao escutá-los, o mundo envelhecido e morno possa renovar-se
no amor de Deus» [98]. Poderíamos pensar que se trata de um
anúncio referente ao nosso tempo, um apelo a reconhecer como este mundo se
tornou “velho”, necessitado de receber a mensagem sempre nova do amor de
Cristo? Santa Gertrudes e Santa Matilde foram consideradas entre «as mais
íntimas confidentes do Sagrado Coração» [99].
111. Os monges cartuxos, encorajados sobretudo
por Ludolfo da Saxónia, encontraram na devoção ao Sagrado Coração um meio de
encher de afeto e proximidade a sua relação com Jesus Cristo. Quem entra pela
ferida do seu Coração é abrasado em chamas de afeto. Santa Catarina de Sena
escreveu que os sofrimentos que o Senhor suportou não são algo que possamos
presenciar, mas que o Coração aberto de Cristo é para nós a possibilidade de um
encontro real e pessoal com tanto amor: «Eis quanto eu manifestei na chaga do meu
peito, no momento em que compreendeste o segredo do meu coração. Fiz ver que
meu amor por vós é mais profundo de quanto possa indicar a dor
passageira» [100].
112. A devoção ao Coração de Cristo transcendeu
gradualmente a vida monástica e encheu a espiritualidade de santos mestres,
pregadores e fundadores de congregações religiosas que a difundiram nas regiões
mais remotas da terra [101].
113. Particularmente interessante foi a
iniciativa de São João Eudes, que «depois de ter pregado com os seus
missionários uma fervorosíssima missão em Rennes, conseguiu que o bispo
aprovasse nessa diocese a celebração da festa do Coração Adorável de Nosso
Senhor Jesus Cristo. Foi a primeira vez que esta festa foi oficialmente
autorizada na Igreja. Mais tarde, os bispos de Coutances, de Evreux, de Bayeux,
de Lisieux e de Rouen autorizaram a mesma festa para as suas respectivas
dioceses entre os anos de 1670 e 1671» [102].
São Francisco de Sales
114. Nos tempos modernos, destaca-se o contributo
de São Francisco de Sales. Ele contemplou muitas vezes o Coração aberto de
Cristo, que nos convida a habitar dentro dele numa relação pessoal de amor, na
qual se iluminam os mistérios da vida. Podemos ver no pensamento deste santo
doutor como, face a uma moral rigorista ou a uma religiosidade de mero
cumprimento de obrigações, o Coração de Cristo lhe aparece como um apelo à
plena confiança na ação misteriosa da sua graça. É assim que ele se exprime na
sua proposta à baronesa de Chantal: «É para mim bem claro que não
permaneceremos mais em nós mesmos [...] habitaremos para sempre no lado
trespassado do Salvador, pois sem ele não só não podemos, mas, mesmo que
pudéssemos, não quereríamos fazer nada» [103].
115. Para ele, a devoção estava longe de se
tornar uma forma de superstição ou uma objetivação indevida da graça, porque
significava um convite a uma relação pessoal em que cada um se sente único
perante Cristo, reconhecido na sua realidade irrepetível, pensado por Cristo e
valorizado de forma direta e exclusiva: «Este coração tão adorável e tão amável
do nosso Mestre, todo ardente de amor por nós, um coração no qual veremos
escritos todos os nossos nomes [...]. Certamente isto é um tema de grande consolação:
Que sejamos tão amados por Nosso Senhor a ponto de nos levar sempre no seu
Coração» [104]. Este nome próprio escrito no Coração de
Cristo foi o modo como São Francisco de Sales procurou simbolizar até onde o
amor de Cristo por cada um não é abstrato ou genérico, mas implica uma
personalização em que o fiel se sente valorizado e reconhecido em si mesmo:
«Quão belo é este Céu, agora que o Salvador é como um sol e o seu peito como
uma fonte de amor da qual os bem-aventurados bebem à vontade! Cada um vai lá
dentro olhar e vê o seu nome escrito em caracteres de amor, que só o amor sabe
ler e que só o amor ali gravou. Ah, Deus! Minha querida filha, não estarão lá
os nossos? Estarão, sem dúvida; pois, embora o nosso coração não tenha amor,
tem o desejo do amor e o princípio do amor» [105].
116. Ele considerava esta experiência tão
fundamental para uma vida espiritual que colocava esta convicção entre as
grandes verdades da fé: «Sim, minha querida Filha, Ele pensa em ti, e não só em
ti, mas no menor cabelo da tua cabeça: é um artigo de fé do qual não se pode
duvidar» [106]. A consequência disto é que o fiel se
torna capaz de um completo abandono no Coração de Cristo, onde encontra
repouso, consolação e força: «Ó Deus! Que felicidade estar assim entre os
braços e o peito [do Salvador] […]. Permanece assim, querida Filha, e enquanto
os demais comem na mesa do Salvador diferentes alimentos, repousa e reclina,
com a mais simples confiança, como outro pequeno São João, a tua cabeça, a tua
alma, o teu espírito sobre o peito amoroso deste querido Senhor» [107]. «Espero que estejas na caverna da pomba e
no lado trespassado do nosso querido Salvador [...]. Quão bom é este Senhor,
minha querida Filha! Quão amável é o seu Coração! Moremos ali, naquele santo
domicílio» [108].
117. Mas, fiel ao seu ensinamento sobre a
santificação na vida ordinária, propõe que esta seja vivida no meio das
atividades, das tarefas e dos deveres do quotidiano: «Perguntais-me como as
almas que são levadas na oração a esta santa simplicidade e a este perfeito
abandono em Deus devem comportar-se em todos os seus atos? Respondo que, não só
na oração, mas na conduta de toda a sua vida, devem caminhar invariavelmente em
espírito de simplicidade, abandonando e entregando toda a sua alma, as suas
ações e os seus sucessos à vontade de Deus, com um amor de perfeita e absoluta
confiança, abandonando-se à graça e aos cuidados do amor eterno que a Divina
Providência sente por elas» [109].
118. Por todas estas razões, no momento de pensar
num símbolo que sintetizasse a sua proposta de vida espiritual, conclui:
«Pensei então, querida Madre, se estiverdes de acordo, que devemos tomar como
escudo um único coração trespassado por duas flechas, encerrado numa coroa de
espinhos» [110].
Uma nova declaração de amor
119. Foi sob a influência salutar da
espiritualidade de São Francisco de Sales que tiveram lugar os acontecimentos
de Paray-le-Monial, no final do século XVII. Santa Margarida Maria Alacoque
relatou importantes aparições entre o fim de dezembro de 1673 e junho de 1675.
É fundamental a declaração de amor que se destaca na primeira grande aparição.
Jesus diz: «O meu divino Coração está tão abrasado de amor para com os homens,
e em particular para contigo, que, não podendo já conter em si as chamas da sua
ardente caridade, precisa derramá-las por teu meio, e manifestar-se-lhes para
os enriquecer de seus preciosos tesouros, que eu te mostro a ti» [111].
120. Santa Margarida Maria resume tudo isto de
uma forma poderosa e fervorosa: «Ali me descobriu as maravilhas do seu amor e
os segredos insondáveis do seu Sagrado Coração, que sempre me tinha conservado
escondidos até àquele momento em que mos abriu pela primeira vez, mas de modo
tão real e sensível que me não deixou lugar a nenhuma dúvida» [112]. Nas declarações seguintes, reafirma-se a
beleza desta mensagem: «Ele me mostrou as maravilhas inexplicáveis do seu puro
amor, e o excesso a que ele tinha chegado em amar os homens» [113].
121. Este reconhecimento intenso do amor de Jesus
Cristo que Santa Margarida Maria transmitiu oferece-nos valiosos estímulos para
a nossa união com Ele. O que não significa que nos sintamos obrigados a aceitar
ou assumir todos os pormenores desta proposta espiritual, onde, como muitas
vezes acontece, se misturam com a ação divina elementos humanos relacionados
com os nossos próprios desejos, inquietações e imagens interiores [114]. Tal proposta deve ser sempre relida à luz
do Evangelho e de toda a rica tradição espiritual da Igreja, reconhecendo ao
mesmo tempo o bem que fez em tantos irmãos e irmãs. Isto permite-nos reconhecer
os dons do Espírito Santo no seio dessa experiência de fé e de amor. Mais
importante do que os pormenores é o núcleo da mensagem que nos é transmitida e
pode ser resumido nas palavras que Santa Margarida ouviu: «Eis aqui este
Coração que tanto tem amado os homens, que a nada se tem poupado até se esgotar
e consumir para lhes testemunhar o seu amor» [115].
122. Esta manifestação é um convite a um
crescimento no encontro com Cristo, graças a uma confiança sem reservas, até
chegarmos a uma união plena e definitiva: «É preciso que o Divino Coração de
Jesus substitua de tal forma o nosso, de modo que só Ele viva e atue em nós e
por nós; que a sua vontade [...] possa atuar absolutamente sem resistência da
nossa parte; e, finalmente, que os seus afetos, pensamentos e desejos estejam
no lugar dos nossos, e sobretudo o seu amor, que se amará a si mesmo em nós e por
nós. E assim, sendo este amável Coração tudo em todas as coisas, poderemos
dizer com São Paulo que já não somos nós que vivemos, mas é Ele que vive em
nós» [116].
123. Efetivamente, na primeira mensagem recebida,
ela apresenta esta experiência de uma forma mais pessoal, mais concreta, cheia
de fogo e de ternura: «Pediu-me o meu coração; eu roguei-lhe que o tomasse, o
que ele fez, e meteu-o no seu adorável Coração, no qual mo mostrou como um
atomozinho que se consumia naquela fornalha ardente» [117].
124. Num outro ponto, notamos que aquele que se
entrega a nós é Cristo ressuscitado, cheio de glória, cheio de vida e de luz.
Embora em diversos momentos fale dos sofrimentos que suportou por nós e das
ingratidões que recebe, não sobressaem aqui o sangue e as feridas sofridas, mas
a luz e o fogo do Vivente. As feridas da Paixão, que não desaparecem, são
transfiguradas. Assim, o Mistério da Páscoa é aqui expresso na sua totalidade:
«Uma vez, entre outras, quando estava o Santíssimo exposto, […] Jesus Cristo,
meu doce Mestre, apareceu-me todo radiante de glória, com suas cinco chagas,
brilhantes como cinco sóis; e a sua sagrada humanidade lançava chamas de todos
os lados, mas sobretudo de seu sagrado peito, que parecia uma fornalha:
abrindo-o, descobriu-me seu amantíssimo e amabilíssimo Coração, que era a fonte
viva daquelas chamas. Foi então que ele me mostrou as maravilhas inexplicáveis
do seu puro amor, e o excesso a que ele tinha chegado em amar aos homens, de
quem não recebia senão ingratidões e frieza» [118].
São Cláudio de La Colombière
125. Quando São Cláudio de La Colombière soube
das experiências de Santa Margarida, tornou-se imediatamente seu defensor e
divulgador. Ele teve um papel especial na compreensão e difusão desta devoção
ao Sagrado Coração, mas também na sua interpretação à luz do Evangelho.
126. Enquanto algumas expressões de Santa
Margarida, se mal entendidas, poderiam levar a confiar demasiado nos próprios
sacrifícios e ofertas, São Cláudio evidencia que a contemplação do Coração de
Cristo, se for autêntica, não provoca complacência em si mesmo nem vanglória
nas experiências ou esforços humanos, mas um abandono indescritível em Cristo
que enche a vida de paz, segurança e decisão. Ele exprimiu muito bem esta
confiança absoluta numa célebre oração:
«Meu Deus, estou tão convencido que velais sobre
aqueles que em Vós confiam, e que nada pode faltar a quem de Vós tudo espera,
que resolvi viver o futuro sem preocupação alguma, e descarregar sobre Vós
todas as minhas preocupações [...]. O que nunca perderei é a
esperança; conservá-la-ei até ao último instante da minha vida, embora todas as
potências infernais se esforcem em vão por me roubar [...]. Esperem outros
a felicidade das suas riquezas e talentos; confiem na inocência da sua vida, no
rigor da sua penitência, no número das suas boas obras ou no fervor das suas
orações […]. Quanto a mim, toda a minha confiança está fundada nesta minha
mesma confiança. Ela nunca enganou ninguém. [...] E assim, estou seguro de que
serei eternamente bem-aventurado, porque espero firmemente sê-lo, e é de Vós, ó
meu Deus, que o espero» [119].
127. São Cláudio escreveu uma nota em janeiro de
1677, encabeçada por algumas linhas que se referem à segurança que sentia em
relação à sua própria missão: «Reconheci que Deus quer servir-se de mim,
procurando o cumprimento dos seus desejos relativamente à devoção que me
sugeriu uma pessoa, com quem Ele se comunica confidencialmente, e em favor da
qual Ele quis servir-se da minha fraqueza. Já a inspirei a muitas
pessoas» [120].
128. É importante notar como, na espiritualidade
de La Colombière, há uma bela síntese entre a rica e bela experiência
espiritual de Santa Margarida e a contemplação muito concreta dos Exercícios
inacianos. Ele escreve no início da terceira semana do mês dos Exercícios:«Duas
coisas me comoveram sumamente e me mantiveram ocupado todo o tempo. A primeira
é a disposição com que Jesus Cristo sai ao encontro daqueles que o procuram
[…]. Seu Coração está mergulhado num mar de amargura; todas as paixões estão soltas
dentro dele, toda a natureza está desconcertada, e através de todas essas
desordens e de todas essas tentações, o seu Coração se volta diretamente para
Deus; ele não dá um passo em falso e não hesita em tomar o lado que lhe é
sugerido pela virtude e pela mais alta virtude. […] A segunda coisa é a
disposição deste mesmo Coração a respeito de Judas que o traiu, dos apóstolos
que o abandonaram de modo covarde, dos sacerdotes e dos outros autores da
perseguição a que foi sujeito. E tudo isto não foi capaz de despertar n’Ele o
mínimo sentimento de ódio ou de indignação. […] Assim, represento para mim
mesmo aquele Coração sem amargura, sem azedume, cheio de verdadeira ternura
para com os seus inimigos» [121].
São Charles de Foucauld e Santa Teresa do Menino
Jesus
129. São Charles de Foucauld e Santa Teresa do
Menino Jesus, sem o pretenderem, reformularam certos elementos da devoção ao
Coração de Cristo, ajudando-nos a compreendê-la de uma forma ainda mais fiel ao
Evangelho. Vejamos agora como se exprime esta devoção nas suas vidas. No
próximo capítulo voltaremos a eles para mostrar a originalidade da dimensão
missionária que ambos desenvolveram de modos diferentes.
Iesus Caritas
130. Em Louye, São Charles de Foucauld fazia
visitas ao Santíssimo Sacramento com a sua prima, Madame de Bondy, e um dia ela
indicou-lhe uma imagem do Sagrado Coração [122]. Para a conversão de Charles, esta sua
prima foi fundamental, como ele reconhece: «Já que o bom Deus fez de ti o
primeiro instrumento das suas misericórdias para comigo, todas as suas
misericórdias vêm de ti. Se não me tivesses convertido, levado a Jesus e
ensinado pouco a pouco, palavra por palavra, tudo o que é piedoso e bom,
estaria eu onde estou hoje?» [123]. Mas, o que ela despertou nele foi
exatamente a consciência ardente do amor de Jesus. Estava tudo ali, e era o
mais importante. E isso concentrava-se particularmente na devoção ao Coração de
Cristo, onde ele encontrava uma misericórdia sem limites: «Esperemos na
misericórdia infinita d’Aquele cujo coração me fizestes conhecer» [124].
131. Depois, o seu diretor espiritual, Padre
Henri Huvelin, ajudá-lo-á a aprofundar este precioso mistério: «Este Coração
abençoado do qual me falaste tantas vezes» [125]. No dia 6 de junho de 1889, Charles
consagra-se ao Sagrado Coração, no qual encontrava um amor absoluto. Diz a
Cristo: «Cumulastes-me de tantos benefícios que me parece ser uma ingratidão
para com o vosso coração não crer que ele esteja pronto a cumular-me de todo o
bem, por maior que seja, e que o seu amor e a sua generosidade não têm
medida» [126]. Será eremita «sob o nome do Sagrado
Coração» [127].
132. No dia 17 de maio de 1906, no qual já não
pôde mais celebrar a missa por se encontrar sozinho, Frei Charles escreveu esta
promessa: «Deixar viver em mim o Coração de Jesus, de modo que já não seja eu a
viver, mas o Coração de Jesus que viva em mim, como vivia em Nazaré» [128]. A sua amizade com Jesus, de coração a
coração, não tinha nada de devocionismo íntimo. Era a raiz dessa vida despojada
de Nazaré, pela qual Charles queria imitar Cristo e configurar-se com Ele. Esta
terna devoção ao Coração de Cristo teve consequências muito concretas no seu
estilo de vida e a sua Nazaré foi alimentada por esta relação muito pessoal com
o Coração de Cristo.
Santa Teresa do Menino Jesus
133. Tal como São Charles de Foucauld, Santa
Teresa do Menino Jesus respirou a enorme devoção que inundava a França no
século XIX. Padre Almire Pichon foi o diretor espiritual da sua família e foi
considerado um grande apóstolo do Sagrado Coração. Uma irmã sua tomou o nome
religioso de “Maria do Sagrado Coração”, e o mosteiro em que Santa Teresa
entrou era dedicado ao Sagrado Coração. No entanto, a sua devoção assumiu
algumas características próprias, que iam além das formas pelas quais se
expressava naquela época.
134. Quando tinha quinze anos, encontrou uma
maneira de resumir a sua relação com Jesus: «Aquele cujo coração batia em
uníssono com o meu» [129]. Dois anos mais tarde, quando lhe falavam
de um Coração coroado de espinhos, acrescentou numa carta: «Sabes, eu não vejo
o Sagrado Coração como toda a gente, penso que o coração do meu Esposo é só meu
como o meu é só d’Ele e então falo-Lhe na solidão desta deliciosa intimidade
esperando contemplá-l’O um dia face a face» [130].
135. Num poema, ela exprimiu o sentido da sua
devoção, feita mais de amizade e confiança do que de segurança nos seus
próprios sacrifícios:
«Preciso de um coração ardente de ternura,
que me dê a sua força sem reserva,
que ame tudo em mim, mesmo a minha
fraqueza...,
que nunca me abandone de noite nem de dia.
[…]
Preciso de um Deus que se revista da mesma
natureza
que se torne meu irmão e possa sofrer! […]
Ah! bem sei que todas as nossas justiças
não têm a teus olhos nenhum valor […].
E eu escolho para meu purgatório
o teu Amor ardente, ó Coração do meu Deus» [131].
136. Talvez o texto mais relevante para
compreender o significado da sua devoção ao Coração de Cristo seja a carta que
escreveu, três meses antes de falecer, ao seu amigo Maurice Bellière: «Quando
vejo Madalena avançar na presença dos numerosos convidados, banhar com as suas
lágrimas os pés do Mestre adorado que toca pela primeira vez, sinto que o coração
dela compreendeu os abismos de amor e de misericórdia do
Coração de Jesus, e que, por muito pecadora que ela seja, este Coração de
amor está não só disposto a perdoar-lhe, mas ainda a prodigalizar-lhe os
benefícios da sua intimidade divina, a elevá-la até aos mais altos cumes da
contemplação. Ah! meu querido Irmãozinho, desde que me foi dado compreender
também o amor do Coração de Jesus, confesso que ele afastou do meu coração todo
o temor. A lembrança das minhas faltas humilha-me, leva-me a nunca me apoiar na
minha força que é só fraqueza, mas esta lembrança fala-me ainda mais de
misericórdia e de amor» [132].
137. As mentes moralizantes, que pretendem
controlar a misericórdia e a graça, diriam que Teresa podia afirmar isto porque
era uma santa, mas que um pecador não poderia dizer o mesmo. Ao fazê-lo,
retiram à espiritualidade de Teresa a sua bela novidade que reflete o coração
do Evangelho. Infelizmente, tornou-se comum em alguns círculos cristãos tentar
aprisionar o Espírito Santo num esquema que lhes permita ter tudo sob a sua
supervisão. Entretanto, esta sábia Doutora da Igreja desmente-os e contradiz diretamente
esta interpretação redutiva com palavras muito claras: «Ainda que eu tivesse
cometido todos os crimes possíveis, mesmo assim teria sempre a mesma confiança:
sinto que toda essa multidão de ofensas seria como uma gota de água lançada num
braseiro ardente» [133].
138. À Irmã Maria, que a elogiava pelo seu amor
generoso a Deus, disposto até ao martírio, responde longamente numa carta que é
hoje um dos grandes marcos da história da espiritualidade. Esta página deveria
ser lida milhares de vezes pela sua profundidade, clareza e beleza. Nela,
Teresa ajuda a Irmã “do Sagrado Coração” a não concentrar esta devoção no
âmbito da dor, já que alguns entendiam a reparação como uma espécie de primado
dos sacrifícios ou de cumprimento moralista. Pelo contrário, ela resume tudo na
confiança como a melhor oferta, agradável ao Coração de Cristo: «Os meus
desejos de martírio não são nada, não são eles que me dão a
confiança ilimitada que sinto no coração. Para dizer a verdade, são as riquezas
espirituais que tornam alguém injusto, quando descansamos nelas com
complacência, e cremos que são algo de grande. […] O que lhe agrada
é ver-me amar a minha pequenez e a minha pobreza, é a
esperança cega que tenho na sua misericórdia…. Eis o meu único tesouro […].
Se desejais sentir alegria, sentir atração pelo sofrimento, é a vossa
consolação que procurais […]. Compreendei que para amar Jesus, para ser a
sua vítima de amor, quanto mais fraco se é, sem desejos, nem
virtudes, tanto mais puro se está para as operações deste Amor consumador e
transformante […]. Oh, como eu queria fazer-vos compreender o que sinto! Só a
confiança e nada mais do que a confiança tem de conduzir-nos ao Amor» [134].
139. Em muitos dos seus textos, percebe-se a sua
luta contra formas de espiritualidade demasiadamente centradas no esforço
humano, no mérito próprio, na oferta de sacrifícios, em certas tarefas para
“ganhar o céu”. Para Teresa, «o mérito não consiste em fazer nem em dar muito,
mas antes em receber» [135]. Leiamos mais uma vez alguns destes textos
muito significativos onde ela insiste num outro caminho, que é um caminho
simples e rápido para ganhar o Senhor através do coração.
140. Assim escreve à sua irmã Leónia: «Garanto-te
que Deus é muito melhor do que tu imaginas. Contenta-se com um olhar, com um
suspiro de amor… Quanto a mim acho a perfeição muito fácil de praticar, porque
compreendi que nada há a fazer senão ganhar Jesus pelo coração… Vê
uma criancinha que acaba de arreliar a mãe […]. Se lhe estende os bracinhos
sorrindo e dizendo: “Dá-me um beijo, não torno mais a fazer isso”,
poderá a mãe deixar de a apertar contra o coração com meiguice e esquecer as
suas travessuras?… No entanto, sabe muito bem que o seu querido filho cairá de
novo na próxima ocasião, mas não tem importância: se ele tornar a
ganhá-la pelo coração, nunca será castigado» [136].
141. Numa carta ao padre Adolphe Roulland diz: «O
meu caminho é todo de confiança e de amor, não compreendo as almas que têm medo
de um Amigo tão terno. Às vezes quando leio certos tratados espirituais em que
a perfeição é apresentada através de inúmeras dificuldades, rodeada por uma
quantidade de ilusões, a minha pobre inteligência cansa-se muito depressa,
fecho o sábio livro que me quebra a cabeça e me seca o coração e pego na
Sagrada Escritura. Então tudo me parece luminoso, uma só palavra revela à minha
alma horizontes infinitos, a perfeição parece-me fácil, vejo que basta
reconhecer o próprio nada e abandonar-se como uma criança nos braços de
Deus» [137].
142. E dirigindo-se ao padre Maurice Bellière, a
propósito de um pai de família, observa: «Não acredito que o coração do ditoso
pai possa resistir à confiança filial do filho de quem conhece a sinceridade e
o amor. Não ignora todavia que o filho mais uma vez cairá nas mesmas faltas,
mas está disposto a perdoar-lhe sempre, se o filho sempre lhe falar ao
coração» [138].
Ressonâncias na Companhia de Jesus
143. Vimos como São Cláudio de La Colombière
relacionava a experiência espiritual de Santa Margarida com a proposta dos
Exercícios Espirituais. Penso que o lugar do Sagrado Coração na história da
Companhia de Jesus mereça algumas breves palavras.
144. A espiritualidade da Companhia de Jesus
sempre propôs um «conhecimento interno do Senhor […] para que mais o ame e o
siga» [139]. Nos seus Exercícios Espirituais, Santo
Inácio convida a colocarmo-nos diante do Evangelho que nos diz sobre Jesus:
«ferido com a lança o seu lado, manou água e sangue» [140]. Quando o exercitante se encontra diante
do lado ferido de Cristo, Inácio propõe-lhe entrar no Coração de Cristo.
Trata-se de um caminho para amadurecer o próprio coração pela mão de um “mestre
dos afetos”, segundo a expressão usada por São Pedro Fabro numa das suas cartas
a Santo Inácio [141]. O jesuíta Juan Alfonso de Polanco também
menciona esta expressão na sua biografia de Santo Inácio: «[o Cardeal
Contarini] reconhecia ter encontrado no Padre Inácio um mestre dos
afetos» [142]. Os colóquios que Santo Inácio propõe são
uma parte essencial desta educação do coração, porque sentimos e saboreamos com
o coração a mensagem do Evangelho e conversamos sobre ela com o Senhor. Santo
Inácio diz que podemos comunicar as nossas coisas ao Senhor e pedir-lhe
conselho sobre elas. Qualquer exercitante pode reconhecer que nos Exercícios há
um diálogo de coração para coração.
145. Santo Inácio termina as contemplações aos
pés do Crucificado, convidando o exercitante a dirigir-se com grande afeto ao
Senhor crucificado e perguntar-lhe «como um amigo fala a outro, ou um servo a
seu senhor» [143] o que deveria fazer por Ele. O
itinerário dos Exercícios culmina na “Contemplação para alcançar amor”, da qual
brota a ação de graças e a oferta da “memória, do entendimento e da vontade” ao
Coração que é fonte e origem de todo o bem [144]. Tal conhecimento interior do Senhor não
se constrói com as nossas luzes e esforços, mas pede-se como um dom.
146. Esta mesma experiência está na origem de uma
longa cadeia de padres jesuítas que se referiram explicitamente ao Coração de
Jesus, como São Francisco de Borja, São Pedro Fabro, Santo Afonso Rodrigues,
Padre Álvarez de Paz, Padre Vicente Carafa, Padre Kasper Drużbicki e tantos
outros. Em 1883, os Jesuítas declararam que «a Companhia de Jesus aceita e
recebe com espírito pleno de alegria e gratidão, o suavíssimo encargo, que lhe
foi confiado por Nosso Senhor Jesus Cristo, de praticar, promover e propagar a
devoção ao seu diviníssimo Coração» [145]. Em dezembro de 1871, o Padre Pieter Jan
Beckx consagrou a Companhia ao Sagrado Coração de Jesus e o Padre Pedro Arrupe,
como sinal de que ainda continuava a fazer parte da vida da Companhia, voltou a
fazê-lo em 1972, com uma convicção que se expressa nestas palavras: «Quero
dizer à Companhia algo que sinto não dever calar. Desde o meu noviciado, sempre
estive convencido de que a chamada “Devoção ao Sagrado Coração” contém uma
expressão simbólica da realidade mais profunda do espírito inaciano e uma
eficácia extraordinária – ultra quam speraverint – tanto para
o aperfeiçoamento pessoal como para a fecundidade apostólica. Ainda conservo a
mesma convicção. […] Encontro nesta devoção uma das fontes mais
íntimas da minha vida interior» [146].
147. Quando São João Paulo II convidou «todos os
membros da Companhia a promover com ainda maior zelo esta devoção que
corresponde mais do que nunca às expectativas do nosso tempo», fê-lo porque
reconhecia os laços íntimos entre a devoção ao Coração de Cristo e a
espiritualidade inaciana, pois «o desejo de “conhecer intimamente o Senhor” e
de “ter um colóquio” com Ele, coração a coração, é caraterístico, graças aos
Exercícios Espirituais, do dinamismo espiritual e apostólico inaciano,
inteiramente ao serviço do amor ao Coração de Deus» [147].
Uma longa corrente de vida interior
148. A devoção ao Coração de Cristo reaparece no
caminho espiritual de vários santos muito diferentes entre si e, em cada um
deles, esta devoção assume novos aspectos. São Vicente de Paulo, para dar um
exemplo, dizia que o que Deus quer é o coração: «Deus pede principalmente o
coração, o coração, que é o principal. Por que razão quem não tem bens merece
mais do que quem, tendo grandes posses, renuncia a elas? Porque quem não tem
nada, vai a Ele com mais afeto; e é isso que Deus quer de modo especial» [148]. Isto implica aceitar que o próprio
coração se una ao de Cristo: «Uma Irmã que faz tudo o possível para predispor o
seu coração a estar unido ao de Nosso Senhor […] quantas bênçãos não receberá
de Deus!» [149].
149. Por vezes, somos tentados a considerar este
mistério de amor como um admirável feito do passado, como uma bela
espiritualidade de outros tempos, mas devemos recordar sempre de novo, como
dizia um santo missionário, que «este Coração divino, que suportou ser
trespassado por uma lança inimiga para poder derramar por aquela ferida sagrada
os Sacramentos, onde se formou a Igreja, jamais deixou de amar» [150]. Santos mais recentes, como São Pio de
Pietrelcina, Santa Teresa de Calcutá e tantos outros, falam com sincera devoção
do Coração de Cristo. Mas gostaria de recordar também as experiências de Santa
Faustina Kowalska, que repropõem a devoção ao Coração de Cristo colocando uma
forte ênfase na vida gloriosa do Ressuscitado e na misericórdia divina. Com
efeito, motivado pelas experiências desta santa e bebendo da herança espiritual
do bispo São Józef Sebastian Pelczar (1842-1924) [151], São João Paulo II relacionou intimamente
a sua reflexão sobre a misericórdia com a devoção ao Coração de Cristo: «A
Igreja parece professar de modo particular a misericórdia de Deus e venerá-la,
voltando-se para o Coração de Cristo. Com efeito, a aproximação de Cristo, no
mistério do seu Coração, permite deter-nos neste ponto da revelação do amor
misericordioso do Pai, que constituiu, em certo sentido, o núcleo central […]
da missão messiânica do Filho do Homem» [152]. O próprio São João Paulo II, referindo-se
ao Sagrado Coração, reconheceu de modo muito pessoal: «Ele falou-me desde a
idade juvenil» [153].
150. A atualidade da devoção ao Coração de Cristo
é particularmente evidente na ação evangelizadora e educativa de numerosas
congregações religiosas femininas e masculinas, marcadas desde as suas origens
por esta experiência espiritual cristológica. Mencioná-las todas seria uma
tarefa interminável. Vejamos apenas dois exemplos escolhidos ao acaso: «O
Fundador [São Daniel Comboni] encontrou no mistério do Coração de Jesus a força
para o seu empenho missionário» [154]. «Impelidas pelo amor do Coração de Jesus,
procuramos o crescimento das pessoas na sua dignidade humana e como filhos e
filhas de Deus, com base no Evangelho e nas suas exigências de amor, perdão,
justiça e solidariedade para com os pobres e marginalizados» [155]. Do mesmo modo, os Santuários consagrados
ao Coração de Cristo, espalhados por todo o mundo, são uma atraente fonte de
espiritualidade e fervor. A todos aqueles que, de algum modo, colaboram nestes
lugares de fé e de caridade, dirijo a minha bênção paterna.
A devoção da consolação
151. A chaga do lado, de onde brota a água viva,
permanece aberta no Ressuscitado. Esta grande ferida causada pela lança, e as
chagas da coroa de espinhos que aparecem com frequência nas representações do
Sagrado Coração, são inseparáveis desta devoção. Nela contemplamos o amor de
Jesus Cristo que foi capaz de se entregar até ao fim. O coração do Ressuscitado
conserva estes sinais da doação total que implicou um intenso sofrimento por
nós. Portanto, de algum modo, é inevitável que o fiel queira responder não só a
este grande amor, mas também à dor que Cristo aceitou suportar por causa de
tanto amor.
Com Ele na Cruz
152. Vale a pena recuperar esta expressão da
experiência espiritual desenvolvida em torno do Coração de Cristo: o desejo
interior de o consolar. Não tratarei agora da prática da “reparação”, que
considero melhor inserida no contexto da dimensão social desta devoção, e que
desenvolverei no próximo capítulo. Agora gostaria apenas de me concentrar
naquele desejo que muitas vezes brota no coração do fiel enamorado quando
contempla o mistério da paixão de Cristo e o vive como um mistério que não só é
recordado, mas que pela graça se torna presente, ou melhor, nos leva a estar
misticamente presentes naquele momento redentor. Se o Amado é o mais
importante, como não querer consolá-lo?
153. O Papa Pio XI procurou fundamentar esta
afirmação convidando-nos a reconhecer que o mistério da redenção através da
Paixão de Cristo, por graça de Deus, transcende todas as distâncias do tempo e
do espaço. Deste modo, se Ele se entregou na Cruz também pelos pecados futuros,
os nossos pecados, transcendendo o tempo, chegaram ao seu Coração ferido, assim
como os atos que oferecemos hoje pela sua consolação: «Se, portanto, à vista de
nossos pecados futuros, porém previstos, a alma de Jesus esteve triste até à
morte, não há dúvida que desde então Lhe tenha dado algum conforto a previsão
do nosso desagravo, quando “lhe apareceu o Anjo do Céu” ( Lc 22,
43), a consolar-Lhe o Coração opresso de tristeza e de angústia. E assim também
agora, em modo admirável, porém verdadeiro, podemos e devemos consolar este
Coração Sacratíssimo, continuamente ofendido pelos pecados dos homens
ingratos» [156].
As razões do coração
154. Pode parecer que esta expressão de devoção
não possua suficiente base teológica, mas o coração tem as suas razões. O sensus
fidelium intui que há aqui algo de misterioso que ultrapassa a nossa
lógica humana, e que a paixão de Cristo não é um mero evento do passado, pois
dela podemos participar a partir da fé. A meditação da entrega de Cristo na
cruz é, para a piedade dos fiéis, algo mais do que uma simples recordação. Esta
convicção está solidamente fundamentada na teologia [157]. A isto junta-se a consciência do próprio
pecado, que Ele carregou sobre os seus ombros feridos, e da própria inadequação
perante tanto amor, que sempre nos ultrapassa infinitamente.
155. Em todo o caso, perguntamo-nos como é
possível relacionarmo-nos com Cristo vivo, ressuscitado, plenamente feliz e, ao
mesmo tempo, consolá-lo na Paixão. Consideremos que o Coração ressuscitado
conserva a sua ferida como uma memória constante, e que a ação da graça provoca
uma experiência que não está inteiramente contida no instante cronológico.
Estas duas convicções permitem-nos admitir que nos encontramos perante um
caminho místico que ultrapassa as tentativas da razão e exprime o que a própria
Palavra de Deus nos sugere: «Mas – escreve o Papa Pio XI – como pode ser que
Jesus Cristo reine bem-aventurado no Céu, se há mister o consolo de nossa
reparação? “Dá uma alma que ame, e compreenderá nosso asserto”, respondemos com
as palavras de Santo Agostinho ( in Ioannis Evangelium, tract. 26,
4), que fazem perfeitamente ao nosso propósito. Toda alma, com efeito, deveras
abrasada em amor de Deus, se com a consideração abrange o tempo passado, vê em
suas meditações e contempla a Jesus a padecer pelo homem, aflito, no meio das
dores mais excruciantes “por nós, homens, e pela nossa salvação”, opresso da
tristeza, das angústias e dos opróbrios, antes “esmagado pelos nossos delitos”
( Is53, 5) e em ato de sanar-nos com suas chagas. Com tanta maior
verdade as almas pias contemplam as dores do Salvador, enquanto os pecados e os
delitos dos homens, perpretados no decurso de todos os tempos, motivaram a
condenação de Jesus» [158].
156. Este ensinamento de Pio XI merece ser tido
em conta. Com efeito, quando a Escritura afirma que os cristãos que não vivem
de acordo com a sua fé «por si mesmos crucificam de novo o Filho de Deus» (Heb 6,
6), ou que, quando suporto sofrimentos pelos outros, «completo na minha carne o
que falta às tribulações de Cristo» (Cl 1, 24), ou que Cristo, na
sua paixão, rezou não só pelos seus discípulos de então, mas «por aqueles que
hão de crer em mim, por meio da sua palavra» (Jo17, 20), está a
dizer algo que quebra os nossos esquemas limitados. Mostra-nos que não é
possível estabelecer um antes e um depois sem qualquer ligação, mesmo que o
nosso pensamento não o saiba explicar. O Evangelho, nos seus vários aspectos,
não é apenas para ser refletido ou recordado, mas para ser vivido, tanto nas
obras de amor como na experiência interior, e isto aplica-se sobretudo ao
mistério da morte e ressurreição de Cristo. As separações temporais utilizadas
pela nossa mente não parece que contenham a verdade desta experiência de fé,
onde se fundem a união com Cristo sofredor e, ao mesmo tempo, a força, a
consolação e a amizade que temos com o Ressuscitado.
157. Vemos, assim, a unidade do Mistério Pascal
nos seus dois aspectos inseparáveis que mutuamente se iluminam. Este Mistério
único, fazendo-se presente pela graça nas suas duas dimensões, significa que,
quando procuramos oferecer algo a Cristo para a sua consolação, os nossos
próprios sofrimentos são iluminados e transfigurados pela luz pascal do amor.
Acontece que participamos neste mistério na nossa vida concreta, porque
anteriormente o próprio Cristo quis participar na nossa vida, quis viver
antecipadamente como cabeça o que o seu corpo eclesial viveria, tanto nas
feridas como nas consolações. Quando vivemos na graça de Deus, esta
participação mútua torna-se uma experiência espiritual. Em última análise, é o
Ressuscitado que, pela ação da sua graça, torna possível que estejamos
misteriosamente unidos à sua paixão. Sabem-no os corações que creem, que
experimentam a alegria da ressurreição, mas ao mesmo tempo desejam participar
no destino do seu Senhor. Estão prontos para esta participação com os sofrimentos,
os cansaços, as desilusões e os medos que fazem parte da sua vida. Não a vivem
na solidão, pois estas feridas são igualmente uma participação no destino do
corpo místico de Cristo que caminha no povo santo de Deus e que leva o destino
de Cristo em todos os tempos e lugares da história. A devoção da consolação não
é a-histórica ou abstrata, mas torna-se carne e sangue no caminho da Igreja.
A compunção
158. O desejo inevitável de consolar Cristo, que
surge da dor de contemplar o que Ele sofreu por nós, alimenta-se também do
reconhecimento sincero das nossas escravidões, dos nossos apegos, da nossa
falta de alegria na fé, das nossas buscas vãs e, para além dos pecados
concretos, da falta de correspondência do nosso coração ao seu amor e ao seu
projeto. É uma experiência que nos purifica, porque o amor precisa da
purificação das lágrimas que, no final, nos deixam mais sedentos de Deus e
menos obcecados por nós próprios.
159. Assim, vemos que, quanto mais profundo se
torna o desejo de consolar o Senhor, mais se aprofunda a compunção do coração
crente, que «não é um sentimento de culpa que te lança por terra, nem uma série
de escrúpulos que paralisam, mas é uma picada benéfica que queima intimamente e
cura, pois o coração, quando se dá conta do próprio mal e se reconhece pecador,
abre-se, acolhe a ação do Espírito Santo, como água viva que o muda a ponto de
lhe correrem as lágrimas pelo rosto [...]. Não significa sentir pena de
nós, como muitas vezes somos tentados a fazer [...]. Diversamente chorar
por nós próprios é arrepender-se seriamente de ter entristecido a Deus
com o pecado; reconhecer que diante d’Ele sempre estamos em débito, nunca em
crédito [...]. Assim como a água, gota a gota, escava a pedra, as lágrimas
lentamente escavam os corações endurecidos. Deste modo assiste-se ao milagre da
tristeza, da tristeza boa que leva à doçura [...]. A compunção, mais do
que fruto do nosso exercício, é uma graça e como tal deve
ser pedida na oração» [159]. É «pedir […] dor com Cristo doloroso,
quebranto com Cristo quebrantado, lágrimas, pena interna de tanta pena que
Cristo passou por mim» [160].
160. Peço, portanto, que ninguém ridicularize as
expressões de fervor devoto do santo povo fiel de Deus, que na sua piedade
popular procura consolar Cristo. E convido cada um a perguntar-se se não há
mais racionalidade, mais verdade e mais sabedoria em certas manifestações desse
amor que procura consolar o Senhor do que nos atos de amor frios, distantes,
calculados e mínimos de que somos capazes aqueles que julgamos possuir uma fé
mais reflexiva, cultivada e madura.
Consolados para consolar
161. Nesta contemplação do Coração de Cristo,
entregue até ao fim, somos consolados. A dor que sentimos no coração dá lugar a
uma confiança total e, por fim, resta a gratidão, a ternura, a paz, o seu amor
reinante na nossa vida. A compunção «não provoca angústia, mas alivia a alma
dos seus pesos, porque intervém na ferida deixada pelo pecado, preparando-nos
para receber lá mesmo a carícia do Senhor» [161]. E a nossa dor une-se à dor de Cristo na
cruz, pois quando dizemos que a graça nos permite superar todas as distâncias,
isso significa também que Cristo, quando sofria, estava unido a todos os
sofrimentos dos seus discípulos ao longo da história. Assim, se sofremos,
podemos experimentar a consolação interior de saber que o próprio Cristo sofre
conosco. Desejando consolá-lo, saímos consolados.
162. Mas, num certo momento desta contemplação do
coração que crê, deve ressoar aquele dramático apelo do Senhor: «Consolai,
consolai o meu povo» (Is 40, 1). E recordamos as palavras de São
Paulo, que nos lembra que Deus nos consola «para que também nós possamos
consolar aqueles que estão em qualquer tribulação, mediante a consolação que
nós mesmos recebemos de Deus» (2 Cor 1, 4).
163. Isto convida-nos agora a procurar aprofundar
a dimensão comunitária, social e missionária de toda a autêntica devoção ao
Coração de Cristo. Com efeito, o Coração de Cristo, ao mesmo tempo que nos
conduz ao Pai, envia-nos aos irmãos. Nos frutos de serviço, fraternidade e
missão que o Coração de Cristo produz através de nós, cumpre-se a vontade do
Pai. Assim se fecha o círculo: «Nisto se manifesta a glória do meu Pai: em que
deis muito fruto» (Jo 15, 8).
CAPÍTULO V
AMOR POR AMOR
164. Nas experiências espirituais de Santa
Margarida Maria encontramos, junto da declaração ardente do amor de Jesus
Cristo, uma ressonância interior que nos chama a dar a vida. Sabermo-nos amados
e colocar toda a nossa confiança nesse amor não significa anular as nossas
capacidades de doação, não implica renunciar ao desejo irrefreável de dar
alguma resposta a partir das nossas pequenas e limitadas capacidades.
Um lamento e um pedido
165. A partir da segunda grande manifestação a
Santa Margarida, Jesus exprime dor porque o seu grande amor pelos homens «não
recebia senão ingratidão e friezas. Isto – disse-me Ele – custa-me muito mais
do que tudo quanto sofri na minha Paixão» [162].
166. Jesus fala da sua sede de ser amado,
mostrando-nos que o seu Coração não é indiferente à nossa reação diante do seu
desejo: «Tenho sede, mas uma sede tão ardente de ser amado pelos homens no
Santíssimo Sacramento, que esta sede me consome; e não encontro ninguém que se
esforce, segundo o meu desejo, por saciar a minha sede, retribuindo um pouco do
meu amor» [163]. O pedido de Jesus é o amor. Quando o
coração fiel o descobre, a resposta que brota espontaneamente não é uma custosa
busca de sacrifícios ou o mero cumprimento de um pesado dever, é uma questão de
amor: «Recebi de Deus graças muito grandes do seu amor, e senti-me impelida do
desejo de lhe corresponder de algum modo e de lhe pagar amor por amor» [164]. O mesmo ensina Leão XIII, escrevendo que,
mediante a imagem do Sagrado Coração, a caridade de Cristo «nos move ao amor
recíproco» [165].
Prolongar o seu amor nos irmãos
167. É preciso voltar à Palavra de Deus para
reconhecer que a melhor resposta ao amor do seu Coração é o amor aos irmãos;
não há maior gesto que possamos oferecer-lhe para retribuir amor por amor. A
Palavra de Deus di-lo com toda a clareza:
«Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos
mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40).
«Toda a Lei se cumpre plenamente nesta única
palavra: Ama o teu próximo como a ti mesmo» (Gl 5, 14).
«Nós sabemos que passámos da morte para a vida,
porque amamos os irmãos. Quem não ama, permanece na morte» (1 Jo 3,
14).
«Aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não
pode amar a Deus, a quem não vê» (1 Jo 4, 20).
168. O amor aos irmãos não se fabrica, não é
fruto do nosso esforço natural, mas exige uma transformação do nosso coração
egoísta. Nasce então espontaneamente a célebre súplica: “Jesus, fazei o nosso
coração semelhante ao Vosso”. Por isso mesmo, o convite de São Paulo não era:
“Esforçai-vos por fazer boas obras”. O seu convite era mais precisamente:
«Tende entre vós os mesmos sentimentos, que estão em Cristo Jesus» (Fl 2,
5).
169. É bom lembrar que no Império Romano muitos
pobres, forasteiros e tantos outros descartados encontravam respeito, carinho e
cuidado nos cristãos. Isto explica o raciocínio do imperador apóstata Juliano,
que se perguntava porque é que os cristãos eram tão respeitados e seguidos,
considerando que uma das razões era o seu empenho na assistência aos pobres e
forasteiros, já que o Império os ignorava e desprezava. Para este imperador,
era intolerável que os pobres não recebessem ajuda de sua parte, enquanto os
odiados cristãos «alimentam os seus, e também os nossos» [166]. Numa carta, insiste, em particular, na
ordem de criar instituições de caridade para competir com os cristãos e atrair
o respeito da sociedade: «Estabelece em todas as cidades alojamentos numerosos
para que os estrangeiros possam gozar da nossa humanidade. [...] Habitua os
helenos às obras de beneficência» [167]. Mas não atingiu o seu objetivo, porque
por detrás destas obras não havia seguramente o amor cristão, que permitia
reconhecer a cada pessoa uma dignidade única.
170. Identificando-se com os últimos da sociedade
(cf. Mt 25, 31-46), «Jesus trouxe a grande novidade do
reconhecimento da dignidade de cada pessoa, como também e sobretudo daquelas
qualificadas como “indignas”. Este princípio novo na história, pelo qual o ser
humano é tanto mais “digno” de respeito e de amor quanto mais é fraco, mísero e
sofredor, a ponto de perder a própria “figura” humana, mudou o rosto do mundo,
dando vida a instituições que se dedicam a cuidar daqueles que se encontram em
condições desumanas: os recém-nascidos abandonados, os órfãos, os idosos
deixados sozinhos, os doentes mentais, os portadores de doenças incuráveis ou
com graves malformações, os sem-teto» [168].
171. Mesmo do ponto de vista da ferida do seu
Coração, olhar para o Senhor, que «tomou as nossas enfermidades e carregou as
nossas dores» ( Mt 8, 17), ajuda-nos a prestar mais atenção ao
sofrimento e às necessidades dos outros, e torna-nos suficientemente fortes
para participar na sua obra de libertação, como instrumentos de difusão do seu
amor [169]. Se contemplarmos a entrega de Cristo por
todos, torna-se inevitável perguntarmo-nos por que razão não somos capazes de
dar a nossa vida pelos outros: «Foi com isto que ficámos a conhecer o amor:
Ele, Jesus, deu a sua vida por nós; assim também nós devemos dar a vida pelos
nossos irmãos» (1 Jo 3, 16).
Algumas ressonâncias na história da
espiritualidade
172. Esta união entre a devoção ao Coração de
Jesus e o compromisso com os irmãos atravessa a história da espiritualidade
cristã. Vejamos alguns exemplos.
Ser uma fonte para os outros
173. A partir de Orígenes, vários Padres da
Igreja interpretaram o texto de João 7, 38 – «hão de correr do seu coração rios
de água viva» – como referindo-se ao próprio fiel, ainda que seja a
consequência de ele próprio ter bebido de Cristo. Assim, a união com Cristo não
tem apenas o objetivo de saciar a própria sede, mas de se tornar uma fonte de
água fresca para os outros. Orígenes dizia que Cristo cumpre a sua promessa
fazendo brotar em nós correntes de água: «A alma do ser humano, que é imagem de
Deus, pode conter em si mesma e produzir de si mesma poços, fontes e
rios» [170].
174. Santo Ambrósio recomendava beber de Cristo
«para que abunde em ti a fonte de água que jorra para a vida eterna» [171]. E Mário Vitorino sustentava que o
Espírito Santo é dado em tal abundância que «quem o recebe torna-se um ventre
que emana rios de água viva» [172]. Santo Agostinho dizia que este rio que
brota do fiel é a benevolência [173]. São Tomás de Aquino reafirmou esta ideia,
afirmando que quando alguém «se apressa a comunicar aos outros os diversos dons
da graça que recebeu de Deus, brota do seu ventre água viva» [174].
175. Com efeito, embora «o sacrifício da cruz,
oferecido com coração amante e obediente, apresenta uma satisfação
superabundante e infinita pelos pecados do género humano» [175], a Igreja, que nasce do Coração de Cristo,
prolonga e comunica em todos os tempos e lugares os efeitos dessa única paixão
redentora, que conduz os homens à união direta com o Senhor.
176. Na Igreja, a mediação de Maria, intercessora
e mãe, só pode ser entendida «como participação nesta única fonte, que é a
mediação do próprio Cristo» [176], único Redentor, e «esta função
subordinada de Maria, não hesita a Igreja em proclamá-la» [177]. A devoção ao coração de Maria não quer
enfraquecer a adoração única devida ao Coração de Cristo, mas estimulá-la:
«A função maternal de Maria em relação aos homens de modo algum ofusca ou
diminui esta única mediação de Cristo; manifesta antes a sua eficácia» [178]. Graças à imensa fonte que brota do lado
aberto de Cristo, a Igreja, Maria e todos os fiéis, de diferentes maneiras,
tornam-se canais de água viva. Deste modo, o próprio Cristo revela a sua glória
na nossa pequenez.
Fraternidade e mística
177. São Bernardo, ao mesmo tempo que convidava à
união com o Coração de Cristo, aproveitava a riqueza desta devoção para propor
uma mudança de vida fundada no amor. Ele acreditava que era possível uma
transformação da afetividade, escravizada pelos prazeres, que não se liberta
pela obediência cega a uma ordem, mas numa resposta à doçura do amor de Cristo.
Supera-se o mal com o bem, vence-se o mal com o crescimento do amor: «Ama,
pois, o Senhor, teu Deus, com o afeto de um coração pleno e íntegro, ama-o com
toda a vigilância e circunspeção da razão, ama-o também com todas as forças, de
modo que nem sequer tenhas medo de morrer por seu amor […]. Que o Senhor Jesus
seja doce e suave ao teu coração, contra os prazeres carnais malignamente
doces, e que a doçura vença a doçura, como um prego expulsa outro prego» [179].
178. São Francisco de Sales foi especialmente
iluminado pelo pedido de Jesus: «Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de
coração» ( Mt 11, 29). Assim, dizia ele, nas coisas mais
simples e ordinárias roubamos o coração do Senhor: «É necessário ter o cuidado
de o servir bem seja nas coisas grandes e elevadas que nas coisas pequenas e
desprezíveis, pois podemos igualmente, por estas ou por aquelas, roubar-lhe o
coração por amor [...]. Estes pequenos gestos quotidianos de caridade, esta dor
de cabeça, esta dor de dentes, esta indisposição, esta contrariedade do marido
ou da mulher, este partir de um copo, este desprezo ou este enfado, a perda das
luvas, de um anel, de um lenço, este pequeno incómodo assumido para deitar-se à
boa hora e se levantar cedo para rezar, para receber a comunhão, esta pequena
vergonha que se experimenta ao fazer um ato de devoção em público; em suma,
todos estes pequenos sofrimentos recebidos e abraçados com amor satisfazem
grandemente à Bondade divina» [180]. Mas, em última análise, a chave da nossa
resposta ao amor do Coração de Cristo é o amor ao próximo: «É um amor firme,
constante, imutável, que, não se detendo em ninharias, nem nas qualidades ou
condições das pessoas, não está sujeito a mudanças ou animosidades [...]. Nosso
Senhor ama-nos sem interrupção, suporta as nossas faltas como as nossas
imperfeições; […] devemos, portanto, fazer o mesmo em relação aos nossos
irmãos, jamais deixando de apoiá-los» [181].
179. São Charles de Foucauld queria imitar Jesus
Cristo, viver como Ele viveu, agir como Ele agiu, fazer sempre o que Jesus
teria feito no seu lugar. Para realizar plenamente este objetivo, necessitava
conformar-se aos sentimentos do Coração de Cristo. Assim, a expressão “amor por
amor” aparece mais uma vez, quando ele diz: «Desejo de sofrimentos, para
retribuir-lhe amor por amor, para imitá-lo [...] para entrar na sua obra e
oferecer-me com ele, o nada que sou, em sacrifício, como vítima, para a santificação
dos homens» [182]. O desejo de levar o amor de Jesus, o seu
trabalho missionário entre os mais pobres e esquecidos da terra, levou-o a
adotar como lema Iesus Caritas, com o símbolo do Coração de Cristo
encimado por uma cruz [183]. Não foi uma decisão superficial: «Com
todas as minhas forças, procuro mostrar e provar a estes pobres irmãos perdidos
que a nossa religião é toda caridade, toda fraternidade, que o seu emblema é um
coração» [184]. E quis estabelecer-se com outros irmãos
«em Marrocos, em nome do coração de Jesus» [185]. Deste modo, a ação evangelizadora deles
seria uma irradiação: «A caridade deve irradiar das fraternidades como irradia
do coração de Jesus» [186]. Este desejo fez dele, pouco a pouco, um
irmão universal, porque, deixando-se plasmar pelo Coração de Cristo, quis
abraçar no seu coração fraterno toda a humanidade sofredora: «O nosso coração,
como o da Igreja, como o de Jesus, deve abraçar todos os homens» [187]. «O amor do coração de Jesus pelos homens,
o amor que ele manifestou na sua paixão, é o amor que nós devemos ter por todos
os seres humanos» [188].
180. O padre Henri Huvelin, diretor espiritual de
São Charles de Foucauld, dizia que «quando Nosso Senhor vive num coração, ele
lhe dá esses sentimentos, e esse coração se abaixa para os pequenos. Tal foi a
disposição do coração de um Vicente de Paulo […]. Quando Nosso Senhor vive na
alma de um sacerdote, inclina-o para os pobres» [189]. É importante notar como esta dedicação de
São Vicente, que o padre Huvelin descreve, era também alimentada pela devoção
ao Coração de Cristo. São Vicente exortava a «tomar do coração de Nosso Senhor
algumas palavras de consolação» [190] para o pobre doente. Para que isso
seja real, pressupõe-se que o próprio coração tenha sido transformado pelo amor
e pela mansidão do Coração de Cristo, e São Vicente repetiu muito essa
convicção nos seus sermões e conselhos, tanto que se tornou uma caraterística
proeminente das Constituições de sua Congregação: «Todos também porão grande
diligência em aprender esta lição ensinada por Cristo: “Aprendei de Mim, que
sou manso e humilde de coração”, considerando que – como Ele mesmo afirma – com
a mansidão se possui a terra, porque com o exercício desta virtude se ganham os
corações dos homens para se converterem a Deus, o que não conseguem aqueles que
tratam com o próximo dura e asperamente» [191].
A reparação: construir sobre as ruínas
181. Tudo isto nos permite compreender, à luz da
Palavra de Deus, que sentido devemos dar à “reparação” oferecida ao Coração de
Cristo, o que é que o Senhor realmente espera que reparemos com a ajuda da sua
graça. Muito se discutiu a este respeito, mas São João Paulo II ofereceu uma
resposta clara aos cristãos de hoje, a fim de nos guiar para um espírito de
reparação mais em sintonia com o Evangelho.
Sentido social da reparação ao Coração de Cristo
182. São João Paulo II explicou que,
entregando-nos em conjunto ao Coração de Cristo, «sobre as ruínas acumuladas
pelo ódio e pela violência, poderá ser construída a civilização do amor tão
desejada, o Reino do Coração de Cristo»; isto implica certamente que sejamos
capazes de «unir o amor filial para com Deus ao amor do próximo»; pois bem, «é
esta a verdadeira reparação pedida pelo Coração do Salvador» [192]. Junto a Cristo, sobre as ruínas que, com
o nosso pecado, deixámos neste mundo, somos chamados a construir uma nova
civilização do amor. Isto é reparar conforme o que o Coração de Cristo espera
de nós. No meio do desastre deixado pelo mal, o Coração de Cristo quis precisar
da nossa colaboração para reconstruir a bondade e a beleza.
183. É verdade que todo o pecado prejudica a
Igreja e a sociedade, de modo que «a cada pecado pode atribuir-se
indiscutivelmente o carácter de pecado social», embora isto seja
especialmente verdade para alguns pecados que «constituem, pelo seu próprio
objeto, uma agressão direta ao próximo» [193]. São João Paulo II explicou que a
repetição destes pecados contra os outros acaba muitas vezes por consolidar uma
“estrutura de pecado” que afeta o desenvolvimento dos povos [194]. Frequentemente isto está inserido numa
mentalidade dominante que considera normal ou racional o que não passa de
egoísmo e indiferença. Este fenómeno pode definir-se como alienação social:
«Alienada é a sociedade que, nas suas formas de organização social, de produção
e de consumo, torna mais difícil a realização deste dom e a constituição dessa
solidariedade inter-humana» [195]. Não é apenas uma norma moral que nos leva
a resistir a estas estruturas sociais alienadas, a desnudá-las e a criar um
dinamismo social que restaure e construa o bem, mas é a própria «conversão do
coração» que «impõe a obrigação» [196] de reparar tais estruturas. É a nossa
resposta ao Coração amante de Jesus Cristo que nos ensina a amar.
184. Precisamente porque a reparação evangélica
tem este forte significado social, os nossos atos de amor, de serviço e de
reconciliação, para serem reparações eficazes, requerem que Cristo os
impulsione, os motive e os torne possíveis. São João Paulo II dizia também que
«para construir a civilização do amor» [197], a humanidade de hoje precisa do Coração
de Cristo. A reparação cristã não pode ser entendida apenas como um conjunto de
obras exteriores, que são indispensáveis e por vezes admiráveis. Exige uma
espiritualidade, uma alma, um sentido que lhe dê força, impulso e criatividade
incansável. Precisa da vida, do fogo e da luz que vêm do Coração de Cristo.
Reparar os corações feridos
185. Por outro lado, uma reparação meramente
exterior não é suficiente; nem para o mundo, nem para o Coração de Cristo. Se
cada um pensar nos seus próprios pecados e nas consequências para os outros,
descobrirá que reparar os danos causados a este mundo implica também o desejo
de reparar os corações feridos, onde se produziu o dano mais profundo, a ferida
mais dolorosa.
186. O espírito de reparação «convida-nos a
esperar que cada ferida possa ser curada, por mais profundas que seja. A
reparação completa parece por vezes impossível, quando se perdem
definitivamente bens ou pessoas queridas, ou quando certas situações se tornam
irreversíveis. Mas a intenção de reparar e de o fazer concretamente é essencial
para o processo de reconciliação e para o regresso da paz ao coração» [198].
A beleza de pedir perdão
187. Não bastam as boas intenções; é
indispensável um dinamismo interior de desejo, que terá consequências externas.
Em suma, «a reparação, para ser cristã, para tocar o coração da pessoa ofendida
e não ser um simples ato de justiça comutativa, pressupõe duas atitudes
exigentes: reconhecer a culpa e pedir perdão [...] É deste reconhecimento
honesto do mal causado ao irmão, e do sentimento profundo e sincero de que o
amor foi ferido, que nasce o desejo de reparar» [199].
188. Não se deve pensar que reconhecer o próprio
pecado perante os outros seja algo degradante ou prejudicial para a nossa
dignidade humana. Pelo contrário, é deixar de mentir a si mesmo, é reconhecer a
própria história tal como ela é, marcada pelo pecado, sobretudo quando fizemos
mal aos nossos irmãos: «Acusar-se a si mesmo faz parte da sabedoria cristã. […]
Isto agrada ao Senhor, porque o Senhor recebe o coração contrito» [200].
189. Faz parte deste espírito de reparação o bom
hábito de pedir perdão aos irmãos, que revela uma enorme nobreza no meio da
nossa fragilidade. Pedir perdão é uma forma de curar as relações pois «reabre o
diálogo e manifesta o desejo de restabelecer o vínculo da caridade fraterna
[…], toca o coração do irmão, consola-o e inspira-o a aceitar o perdão pedido.
Assim, se o irreparável não pode ser completamente reparado, o amor pode sempre
renascer, tornando a ferida suportável» [201].
190. Um coração capaz de compaixão pode crescer
em fraternidade e solidariedade, porque «quem não chora retrocede, envelhece
interiormente, ao passo que a pessoa que chega a uma oração mais simples e
íntima, feita de adoração e comoção diante de Deus, amadurece. Prende-se cada
vez menos a si mesma e mais a Cristo, e torna-se pobre em espírito. Deste modo
sente-se mais próxima dos pobres, os prediletos de Deus» [202]. Por conseguinte, surge um autêntico
espírito de reparação, pois «quem está compungido no coração, sente-se cada vez
mais irmão de todos os pecadores do mundo, sente-se mais irmão, sem qualquer
aparência de superioridade nem dureza de juízo, mas sempre com desejo de amar e
reparar» [203]. Esta solidariedade gerada pela compunção
torna, ao mesmo tempo, possível a reconciliação. A pessoa capaz de compunção,
«em vez de se irritar e escandalizar pelo mal feito pelos irmãos, chora pelos
pecados deles. Não se escandaliza. Cumpre-se uma espécie de reviravolta: a
tendência natural de ser indulgente consigo mesmo e inflexível com os outros
inverte-se e, pela graça de Deus, a pessoa torna-se exigente consigo mesma e
misericordiosa com os outros» [204].
A reparação: um prolongamento do Coração de
Cristo
191. Há um outro modo complementar de entender a
reparação, que nos permite colocá-la numa relação ainda mais direta com o
Coração de Cristo, sem excluir desta reparação o compromisso concreto com os
irmãos, do qual falámos.
192. Num outro contexto, afirmei que Deus «de
certa maneira, quis limitar-Se a Si mesmo» e que «muitas coisas que
consideramos males, perigos ou fontes de sofrimento, na realidade fazem parte
das dores de parto que nos estimulam a colaborar com o Criador» [205]. A nossa cooperação pode permitir que o
poder e o amor de Deus se difundam nas nossas vidas e no mundo, e a rejeição ou
a indiferença podem impedi-lo. Algumas expressões bíblicas exprimem-no
metaforicamente, como quando o Senhor grita: «Se te queres converter, Israel,
volta para mim» ( Jr 4, 1). Ou quando diz, perante a rejeição
do seu povo: «O meu coração dá voltas dentro de mim, comovem-se as minhas
entranhas» ( Os 11, 8).
193. Embora não seja possível falar de um novo
sofrimento de Cristo glorioso, «o mistério pascal de Cristo […] e tudo o que
Cristo é, tudo o que fez e sofreu por todos os homens, participa da eternidade
divina, e assim transcende todos os tempos e em todos se torna presente» [206]. Deste modo, podemos dizer que Ele mesmo
aceitou limitar a glória expansiva da sua ressurreição, conter a difusão do seu
imenso e ardente amor para dar lugar à nossa livre cooperação com o seu
Coração. Isto é tão real que a nossa recusa o detém nesse impulso de doação,
tal como a nossa confiança e a oferta de nós próprios abre um espaço, oferece
um canal desimpedido para a efusão do seu amor.A nossa rejeição ou indiferença
limitam os efeitos do seu poder e a fecundidade do seu amor em nós. Se Ele não
encontra em mim confiança e abertura, o seu amor fica privado – porque Ele
mesmo assim o quis – do seu prolongamento na minha vida, que é única e
irrepetível, e no mundo onde me chama a torná-lo presente. Isso não vem da sua
fragilidade, mas da sua liberdade infinita, do seu poder paradoxal e da
perfeição do seu amor por cada um de nós. Quando a omnipotência de Deus se
manifesta na fraqueza da nossa liberdade, «só a fé a pode descobrir» [207].
194. Com efeito, Santa Margarida conta que, numa
das manifestações de Cristo, Ele lhe falou do seu Coração apaixonado de amor
por nós, que «não podendo já conter em si as chamas da sua ardente caridade,
precisa derramá-las» [208]. Uma vez que o Senhor todo-poderoso, na
sua liberdade divina, quis ter necessidade de nós, a reparação entende-se como
o remover dos obstáculos que colocamos à expansão do amor de Cristo no mundo,
com as nossas faltas de confiança, gratidão e entrega.
A oferta ao Amor
195. Para refletir melhor sobre este mistério,
socorremo-nos novamente da luminosa espiritualidade de Santa Teresa do Menino
Jesus. Ela sabia que algumas pessoas tinham desenvolvido uma forma extrema de
reparação, com a boa vontade de se dar pelos outros, que consistia em
oferecer-se como uma espécie de “para-raios” a fim de que a justiça divina se
realizasse: «Pensei nas almas que se oferecem como vítimas à Justiça de Deus, a
fim de desviarem e de atraírem sobre elas os castigos reservados aos culpados» [209]. Mas, por muito admirável que tal oferta
possa parecer, ela não está muito convencida disso:«Estava longe de me sentir
impelida a fazê-lo» [210]. Esta insistência na justiça divina acaba
por levar a pensar que o sacrifício de Cristo fosse incompleto ou parcialmente
eficaz, ou que a sua misericórdia não fosse suficientemente intensa.
196. Com a sua intuição espiritual, Santa Teresa
do Menino Jesus descobriu que existe uma outra maneira de se oferecer, em que
não é necessário saciar a justiça divina, mas deixar o amor infinito do Senhor
difundir-se sem entraves: «Ó meu Deus! O vosso Amor desprezado vai ficar no
vosso Coração? Estou convencida de que se encontrásseis almas que se
oferecessem como vítimas de holocausto ao vosso Amor, as consumiríeis
rapidamente. Creio que ficaríeis contente por não reprimirdes as ondas de
infinita ternura que há em Vós» [211].
197. Não há nada a acrescentar ao único
sacrifício redentor de Cristo, mas é verdade que a recusa da nossa liberdade
não permite que o Coração de Cristo espalhe as suas “ondas de infinita ternura”
neste mundo. E isto porque o próprio Senhor quer respeitar esta possibilidade.
Foi isto, mais do que a justiça divina, que inquietou o coração de Santa Teresa
do Menino Jesus, pois para ela a justiça só pode ser compreendida à luz do
amor. Vimos que ela adorava todas as perfeições divinas através da misericórdia,
e assim as via transfiguradas, radiantes de amor, dizendo: «A própria Justiça
(e talvez mais ainda que qualquer outra) me parece revestida de amor» [212].
198. Deste modo, nasce o seu ato de oferecimento,
não à justiça divina, mas ao Amor misericordioso: «Ofereço-me como vítima de
holocausto ao vosso amor misericordioso, suplicando-vos que me consumais sem
cessar, deixando transbordar para a minha alma as ondas de ternura infinita que
estão encerradas em Vós, e que assim eu me torne mártir do vosso Amor, ó meu
Deus!» [213]. É importante notar que não se trata
apenas de deixar que o Coração de Cristo difunda a beleza do seu amor no nosso
coração, através de uma confiança total, mas também que, através da própria
vida, chegue aos outros e transforme o mundo: «No coração da Igreja, minha Mãe,
eu serei o Amor [...], assim o meu sonho será realizado» [214]. Os dois aspectos estão inseparavelmente
ligados.
199. O Senhor aceitou a sua oferta. Com efeito,
algum tempo depois, ela própria exprimiu um amor intenso pelos outros,
afirmando que este provinha do Coração de Cristo que se prolongava através
dela. Assim, escrevia a sua irmã Leónia: «Amo-te mil vezes mais ternamente do
que habitualmente se amam as irmãs, visto que posso amar-te com o Coração do
nosso Celeste Esposo» [215]. E mais tarde, escreveu a Maurice
Bellière: «Como eu queria fazer-vos compreender a ternura do Coração de Jesus,
o que Ele espera de vós!» [216].
Integridade e harmonia
200. Irmãs e irmãos, proponho que desenvolvamos
esta forma de reparação, que é, em última análise, oferecer ao Coração de
Cristo uma nova possibilidade de difundir neste mundo as chamas da sua ternura
ardente. Se é verdade que a reparação implica o desejo de «desagravar o Amor
incriado da injustiça que lhe infligem tantas negligências, e esquecimentos e
injúrias» [217], o modo mais adequado é que o nosso amor,
em troca daqueles momentos em que foi rejeitado ou negado, dê ao Senhor a
possibilidade de se dilatar. Isto acontece se o nosso amor ultrapassa a mera
“consolação” a Cristo, de que falámos no capítulo anterior, e se transforma em
atos de amor fraterno com os quais curamos as feridas da Igreja e do mundo.
Deste modo, oferecemos novas expressões da força restauradora do Coração de
Cristo.
201. As renúncias e os sofrimentos exigidos por
estes atos de amor ao próximo unem-nos à paixão de Cristo, e sofrendo com
Cristo «nesta mística crucifixão de que fala o Apóstolo, com ainda maior
abundância receberemos, para nós e para os outros, frutos de propiciação e de
indulgência» [218]. Só Cristo salva pela sua entrega na cruz
por nós, só Ele redime, «pois há um só Deus, e um só mediador entre Deus e os
homens, um homem: Cristo Jesus, que se entregou a si mesmo como resgate por
todos» ( 1 Tm 2, 5-6). A reparação que oferecemos é uma
participação, que aceitamos livremente, no seu amor redentor e no seu único
sacrifício. Assim, completamos na nossa carne «o que falta às tribulações de
Cristo, pelo seu Corpo, que é a Igreja» ( Cl 1, 24) e é o
próprio Cristo que prolonga através de nós os efeitos da sua doação total no
amor.
202. Os sofrimentos têm muitas vezes a ver com o
nosso ego ferido, mas é precisamente a humildade do Coração de Cristo que nos
indica o caminho do abaixamento. Deus quis vir até nós humilhando-Se,
fazendo-Se pequeno. Já o Antigo Testamento nos ensina isso, através das várias
metáforas que mostram um Deus que entra na pequenez da história e se deixa
rejeitar pelo seu povo. O seu amor mistura-se com a vida quotidiana do povo
amado e torna-se mendigo de uma resposta, como se pedisse licença para mostrar
a sua glória. Por outro lado, «talvez uma só vez, com palavras suas, tenha o
Senhor Jesus apelado para o seu coração. E salientou este único traço:
«mansidão e humildade». Como se dissesse que só por este caminho quer
conquistar o homem» [219]. Quando Cristo disse: «Aprendei de mim,
porque sou manso e humilde de coração» ( Mt 11, 29), indicou
que «para se exprimir necessita da nossa pequenez, do nosso abaixamento» [220].
203. No que dissemos, é importante notar vários
aspectos inseparáveis, porque estas ações de amor ao próximo, com todas as
renúncias, abnegações, sofrimentos e fadigas que implicam, cumprem esta função
quando são alimentadas pela caridade do próprio Cristo. Ele permite-nos amar
como Ele amou e, assim, Ele próprio ama e serve através de nós. Se, por um
lado, parece apequenar-se, aniquilar-se, porque quis manifestar o seu amor
mediante os nossos gestos, por outro lado, nas mais simples obras de misericórdia,
o seu Coração é glorificado e manifesta toda a sua grandeza. Um coração humano
que dá espaço ao amor de Cristo através duma confiança total e o deixa
expandir-se na sua própria vida com o seu fogo, torna-se capaz de amar os
outros como Cristo, tornando-se pequeno e próximo de todos. Assim Cristo sacia
a sua sede e espalha gloriosamente, em nós e através de nós, as chamas da sua
ternura ardente. Reparemos na bela harmonia que existe em tudo isto.
204. Finalmente, para compreender esta devoção em
toda a sua riqueza, retomando o que dissemos sobre a sua dimensão trinitária, é
necessário acrescentar que a reparação de Cristo enquanto ser humano é
oferecida ao Pai por obra do Espírito Santo em nós. Portanto, a nossa reparação
ao Coração de Cristo dirige-se, em última análise, ao Pai, que se compraz em
ver-nos unidos a Cristo quando nos oferecemos por Ele, com Ele e n’Ele.
Fazer o mundo enamorar-se
205. A proposta cristã é atrativa quando pode ser
vivida e manifestada na sua integralidade: não como um simples refúgio em
sentimentos religiosos ou em cultos faustosos. Que culto seria o de Cristo se
nos contentássemos com uma relação individual desinteressada em ajudar os
outros a sofrer menos e a viver melhor? Poderá agradar ao Coração que tanto
amou se nos mantivermos numa experiência religiosa íntima, sem consequências
fraternas e sociais? Sejamos honestos e leiamos a Palavra de Deus na sua inteireza.
Por isso mesmo dizemos que não se trata sequer de uma promoção social
desprovida de significado religioso, que no fundo seria querer para o ser
humano menos do que aquilo que Deus lhe quer dar. É por isso que temos de
concluir este capítulo recordando a dimensão missionária do nosso amor ao
Coração de Cristo.
206. São João Paulo II, para além de falar da
dimensão social da devoção ao Coração de Cristo, referiu-se à «reparação, que é
a cooperação apostólica para a salvação do mundo» [221]. Do mesmo modo, a consagração ao Coração
de Cristo «deve ser aproximada à ação missionária da própria Igreja, porque
responde ao desejo do Coração de Jesus de propagar no mundo, através dos
membros do seu Corpo, a sua dedicação total ao Reino» [222]. Por conseguinte, através dos cristãos, «o
amor difundir-se-á no coração dos homens, para que se construa o Corpo de
Cristo que é a Igreja e se edifique uma sociedade de justiça, de paz e de
fraternidade» [223].
207. O prolongamento das chamas de amor do
Coração de Cristo ocorre também na obra missionária da Igreja, que leva o
anúncio do amor de Deus manifestado em Cristo. São Vicente de Paulo ensinou-o
muito bem quando convidou os seus discípulos a pedir ao Senhor «esse coração,
esse coração que nos faz ir a toda a parte, esse coração do Filho de Deus, o
coração de Nosso Senhor, que nos dispõe a ir como Ele iria […] e nos envia como
enviou-lhes [os apóstolos], para levar o seu fogo a toda a parte» [224].
208. São Paulo VI, dirigindo-se às congregações
que propagavam a devoção ao Sagrado Coração, recordava que «o empenho pastoral
e o ardor missionário serão intensamente inflamados quando os sacerdotes e os
fiéis, para difundir a glória de Deus, e seguindo o exemplo da caridade eterna
que Cristo nos mostrou, orientarem os seus esforços para comunicar a todos os
homens as riquezas insondáveis de Cristo» [225]. À luz do Sagrado Coração, a missão
torna-se uma questão de amor, e o maior risco desta missão é que de digam e
façam muitas coisas, mas não se consiga promover o encontro feliz com o amor de
Cristo que abraça e salva.
209. A missão, entendida a partir da irradiação
do amor do Coração de Cristo, requer missionários apaixonados, que se deixem
cativar por Cristo e que inevitavelmente transmitam esse amor que mudou as suas
vidas. Por isso, custa-lhes perder tempo a discutir questões secundárias ou a
impor verdades e regras, porque a sua principal preocupação é comunicar o que
vivem e, sobretudo, que os outros percebam a bondade e a beleza do Amado
através dos seus pobres esforços. Não é isto que acontece com qualquer enamorado?
Vale a pena tomar como exemplo as palavras com que Dante Alighieri, enamorado,
tentou exprimir esta lógica:
«Pensando em todo o seu valor
tão doce se me faz sentir o Amor,
que se agora eu não perder veemência,
falando tornarei enamorada a gente» [226].
210. Falar de Cristo, pelo testemunho ou pela
palavra, de tal modo que os outros não tenham de fazer um grande esforço para o
amar, é o maior desejo de um missionário da alma. Não há proselitismo nesta
dinâmica de amor, as palavras do enamorado não perturbam, não impõem, não
forçam, apenas levam os outros a se perguntarem como é possível um tal amor.
Com o maior respeito pela liberdade e pela dignidade do outro, o enamorado
limita-se a esperar que lhe seja permitido narrar esta amizade que preenche a
sua vida.
211. Sem descurar a prudência e o respeito,
Cristo pede-te que não tenhas vergonha de reconhecer a tua amizade com Ele.
Pede-te que tenhas a coragem de dizer aos outros que foi bom para ti tê-lo
encontrado: «Todo aquele que se declarar por mim, diante dos homens, também me
declararei por ele diante do meu Pai que está no Céu » (Mt 10,
32). Mas para o coração enamorado não é uma obrigação, é uma necessidade
difícil de conter: «Ai de mim, se eu não evangelizar!» (1 Cor 9,
16). «No meu coração, a sua palavra era um fogo devorador, encerrado nos meus
ossos. Esforçava-me por contê-lo, mas não podia» (Jr 20, 9).
Em comunhão de serviço
212. Não se deve pensar nesta missão de comunicar
Cristo como se fosse algo apenas entre mim e Ele. Ela é vivida em comunhão com
a própria comunidade e com a Igreja. Se nos afastarmos da comunidade,
afastamo-nos também de Jesus. Se a esquecermos e não nos preocuparmos com ela,
a nossa amizade com Jesus arrefecerá. Nunca se deve esquecer este segredo: o
amor pelos irmãos e irmãs da própria comunidade – religiosa, paroquial,
diocesana, etc. – é como o combustível que alimenta a nossa amizade com Jesus.
Os atos de amor para com os irmãos e irmãs da comunidade podem ser a melhor ou,
por vezes, a única forma possível de exprimir aos outros o amor de Jesus
Cristo. O próprio Senhor o disse: «Por isto é que todos conhecerão que sois
meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 35).
213. É um amor que se torna serviço comunitário.
Não me canso de recordar que Jesus o disse com grande clareza: «Sempre que
fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes»
(Mt 25, 40). Ele propõe-te que o encontres também aí, em cada irmão
e em cada irmã, especialmente nos mais pobres, desprezados e abandonados da
sociedade. Que lindo encontro!
214. Portanto, se nos dedicarmos a ajudar alguém,
isso não significa que nos esquecemos de Jesus. Pelo contrário, encontramo-lo
de outra forma. E quando tentamos levantar e curar alguém, Jesus está lá, ao
nosso lado. Com efeito, é bom recordar que, quando enviou os seus discípulos em
missão, «o Senhor cooperava com eles» (Mc 16, 20). Ele está lá,
trabalhando, lutando e fazendo o bem conosco. De uma forma misteriosa, é o seu
amor que se manifesta através do nosso serviço, é Ele próprio que fala ao mundo
naquela linguagem que por vezes não tem palavras.
215. Ele te envia a fazer o bem e te impele a
partir do teu interior. Para isso, chama-te com uma vocação de serviço: farás o
bem como médico, como mãe, como professor, como sacerdote. Onde quer que
estejas, poderás sentir que ele te chama e te envia para viveres esta missão na
terra. Ele próprio nos diz: «Envio-vos» (Lc 10, 3). Isto faz parte
da amizade com Ele. Portanto, para que essa amizade amadureça, é preciso que te
deixes enviar por Ele para cumprir uma missão neste mundo, com confiança, com
generosidade, com liberdade, sem medo. Se te fechares no teu conforto, isso não
te dará segurança; os medos, as tristezas e as angústias aparecerão sempre.
Quem não cumpre a sua missão nesta terra não pode ser feliz, fica frustrado.
Por isso, deixa-te enviar, deixa-te conduzir por Ele para onde Ele quiser. Não
te esqueças que Ele vai contigo. Não te atira para o abismo nem te deixa
entregue a ti mesmo. Ele conduz-te e acompanha-te. Ele prometeu e cumpre: «Eu
estarei sempre convosco» (Mt 28, 20).
216. De algum modo tens de ser missionário, como
o foram os apóstolos de Jesus e os primeiros discípulos, que foram anunciar o
amor de Deus, que saíram para dizer que Cristo está vivo e merece ser
conhecido. Santa Teresa do Menino Jesus viveu-o como parte inseparável da sua
oferta ao Amor misericordioso: «Queria dar de beber ao meu Bem-Amado e
sentia-me eu mesma devorada pela sede de almas» [227]. Esta é também a tua missão. Cada um
cumpre-a à sua maneira, e verás como podes ser missionário. Jesus merece-o. Se
tiveres coragem, Ele te iluminará, acompanhará e fortalecerá, e viverás uma
experiência preciosa que te fará muito bem. Não importa se conseguirá ver algum
resultado; deixa isso para o Senhor que trabalha no segredo dos corações, mas
não deixes de viver a alegria de tentar comunicar o amor de Cristo aos outros.
CONCLUSÃO
217. O que está expresso neste documento
permite-nos descobrir que o que está escrito nas encíclicas sociais Laudato si’ e Fratelli tutti não é alheio ao nosso
encontro com o amor de Jesus Cristo, pois bebendo desse amor tornamo-nos
capazes de tecer laços fraternos, de reconhecer a dignidade de cada ser humano
e de cuidar juntos da nossa casa comum.
218. Hoje tudo se compra e se paga, e parece que
o próprio sentido da dignidade depende das coisas que se podem obter com o
poder do dinheiro. Somos instigados a acumular, a consumir e a distrairmo-nos,
aprisionados por um sistema degradante que não nos permite olhar para além das
nossas necessidades imediatas e mesquinhas. O amor de Cristo está fora desta
engrenagem perversa e só Ele pode libertar-nos desta febre onde já não há lugar
para o amor gratuito. Ele é capaz de dar coração a esta terra e reinventar o
amor lá onde pensamos que a capacidade de amar esteja morta para sempre.
219. A Igreja também precisa dele, para não
substituir o amor de Cristo por estruturas ultrapassadas, obsessões de outros
tempos, adoração da própria mentalidade, fanatismos de todo o género que acabam
por ocupar o lugar daquele amor gratuito de Deus que liberta, vivifica, alegra
o coração e alimenta as comunidades. Da ferida do lado de Cristo continua a
correr aquele rio que nunca se esgota, que não passa, que se oferece sempre de
novo a quem quer amar. Só o seu amor tornará possível uma nova humanidade.
220. Peço ao Senhor Jesus Cristo que, para todos
nós, do seu Coração santo brotem rios de água viva para curar as feridas que
nos infligimos, para reforçar a nossa capacidade de amar e servir, para nos
impulsionar a fim de aprendermos a caminhar juntos em direção a um mundo justo,
solidário e fraterno. Isto até que, com alegria, celebremos unidos o banquete
do Reino celeste. Aí estará Cristo ressuscitado, harmonizando todas as nossas
diferenças com a luz que brota incessantemente do seu Coração aberto. Bendito
seja!
Dado em Roma, junto de São Pedro, a 24 de outubro
do ano 2024, décimo segundo do meu Pontificado.
[1] Uma boa parte das reflexões deste primeiro capítulo estão inspiradas nos escritos inéditos do Pe. Diego Fares, S.I. Que o Senhor o tenha na Sua Santa Glória!
[2] Cf. Homero, Ilíada, canto XXI, verso 441.
[3] Cf. Ibid., canto X, verso 244.
[4] Cf. Timeu, § 65c-d; § 70.
[5] Homilia na Missa matutina de Santa Marta (14 de outubro de 2016): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 20 de outubro de 2016), 7.
[6] S. João Paulo II, Alocução do Angelus (2 de julho de 2000): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 8 de julho de 2000), 1.
[7] Idem, Catequese (8 de junho de 1994): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 11 de junho de 1994), 8.
[8] Os Demónios (1872).
[9] Romano Guardini, O mundo religioso de Dostoievski (Lisboa 1973), 232.
[10] Karl Rahner, “Einige Thesen zur Theologie der Herz-Jesu-Verehrung”. in: Schriften zur Theologie III (Einsiedeln 1956), 392.
[11] Ibid., 393.
[12] Han Byung-Chul, O Coração de Heidegger. Sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger (Petrópolis 2023), 93-94.
[13] Ibid., 151.
[14] cf. Idem, Agonia do Eros, (Petrópolis 2017).
[15] cf. Martin Heidegger, Explicações da Poesia de Hölderlin (Brasília 2013), 136.
[16] Cf. Michel de Certeau, L’espace du désir ou le «fondement» des Exercices spirituels. in: Christus 77 (1973), 118-128.
[17] Itinerarium mentis in Deum, VII, 6.
[18] Proemium in I Sent., q. 3.
[19] S. John Henry Newman, Meditações e Devoções (São Paulo, 2016), 283.
[20] Const. past. Gaudium et spes, 82.
[23] Cf. Dicastério para a Doutrina da Fé, Declaração Dignitas Infinita (2 de abril de 2024), 8.
[24] Const. past. Gaudium et spes, 26.
[25] S. João Paulo II, Alocução do Angelus (28 de junho de 1998): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 4 de julho de 1998), 1.
[26] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 83: AAS 107 (2015), 880.
[27] Francisco, Homilia na Missa matutina de Santa Marta (7 de junho de 2013): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 9 de junho de 2013), 6.
[28] Pio XII, Carta enc. Haurietis Aquas (15 de maio de 1956), 12: AAS 48 (1956), 316.
[29] Pio VI, Constituição Auctorem fidei (28 de agosto de 1794), 63. DH 2663.
[30] Leão XIII, Carta enc. Annum Sacrum (25 de maio de 1899): ASS 31 (1898-1899), 649.
[31] Ibidem: «Inest in Sacro Corde symbolum atque expressa imago infinitae Iesu Christi caritatis».
[32] Francisco, Alocução do Angelus, (9 de junho de 2013): L’Osservatore Romano(ed. semanal em português de 16 de junho de 2013), 5.
[33] Sendo assim, entende-se porque a Igreja proibiu que se coloquem sobre os altares representações isoladas dos corações de Jesus ou de Maria (cf. Resposta da Sagrada Congregação dos Ritos Sacros ao Pe. Charles Lecoq, P.S.S., de 5 de abril de 1879. in: Decreta Authentica Congregationis Sacrorum Rituum. Ex actis eiusdem collecta, vol. III, Roma 1900, 107-108, n. 3492). Fora da Liturgia, «para a devoção privada» ( ibidem) pode utilizar-se isoladamente o símbolo de um coração como expressão didática, figura estética ou emblema que convida a pensar no amor de Cristo, mas corre-se o risco de entender o coração como objeto de adoração ou de diálogo espiritual separadamente da Pessoa de Cristo. Em 31 de março de 1887, a Congregação deu uma resposta semelhante ( ibid., 187, n. 3673).
[34] Conc. Ecum. de Trento, Sess. XXV, Decr. Mandat sancta synodus (3 de dezembro de 1563). DH 1823.
[35] V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29 de junho de 2007), 259.
[36] Carta enc. Haurietis Aquas (15 de maio de 1956), 21-22: AAS 48 (1956), 323-324.
[37] Epístola 261, 3: PG 32, 972.
[38] In Ioh. homil. 63, 2: PG 59, 350.
[39] De fide ad Gratianum, II, cap. 7, 56: PL 16, 594 (edição de 1880).
[40] Enarrationes in Psalmos 87, 3: PL 37, 1111.
[41] Cf. De fide orthodoxa, III, 6.20: PG 94, 1006.1081.
[42] Olegário González de Cardedal, La entraña del cristianismo (Salamanca, 2010), 70-71.
[43] Alocução do Angelus (1º de junho de 2008): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 7 de julho de 2008), 7.
[44] Pio XII, Carta enc. Haurietis Aquas (15 de maio de 1956), 27: AAS 48 (1956), 327-328.
[45] Ibid., 58: AAS 48 (1956), 343-344.
[46] Bento XVI, Alocução do Angelus (1º de junho de 2008): L’Osservatore Romano(ed. semanal em português de 7 de julho de 2008), 7.
[47] Vigílio, Constituição Inter innumeras sollicitudines (14 de maio de 553): DH 420.
[48] Conc. Ecum. de Éfeso, Anatematismos de Cirilo de Alexandria, 8: DH 259.
[49] Conc. Ecum. II de Constantinopla, Sess. VIII (2 de junho de 533), Cân. 9: DH 431.
[50] Cântico espiritual (B – segunda redação), Canção 31, 8: S. João da Cruz, Obras completas (Avessadas, 2005), 688.
[51] Ibid., Canção 13, 9: o. c., 600 .
[52] Ibid., Canção 13, 1: o. c., 596.
[53] «Para nós, contudo, um só é Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos» ( 1 Cor 8, 6). «A Deus nosso Pai, a glória pelos séculos dos séculos! Ámen!» ( Fl 4, 20). «Bendito seja Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação!» ( 2 Cor 1, 3).
[54] Carta Ap. Tertio millennio adveniente (10 de novembro de 1994), 49: AAS 87 (1995), 35.
[55] Ad Rom., 7: PG 5, 694.
[56] «O mundo tem de saber que Eu amo o Pai» ( Jo 14, 31). «Eu e o Pai somos Um» ( Jo 10, 30). «Eu estou no Pai e o Pai está em mim» ( Jo 14, 10).
[57] «Vou para o Pai» ( pròs tòn Patéra: Jo 16, 28). «Eu vou para ti» ( pròs sè: Jo17, 11).
[58] « Eis tòn kólpon tou Patròs».
[59] Adv. Haer., III, 18, 1: PG 7, 932.
[60] In Ioh., II, 2: PG 14, 110.
[61] Alocução do Angelus (23 de junho de 2002): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 29 de junho de 2002), 1.
[62] S. João Paulo II, Mensagem por ocasião do centenário da consagração do gênero humano ao divino Coração de Jesus (Varsóvia, 11 de junho de 1999): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 19 de junho de 1999), 3.
[63] Idem, Alocução do Angelus (8 de junho de 1986): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 15 de junho de 1986), 1.
[64] Francisco, Homilia. Visita à policlínica “Gemelli” (27 de junho de 2014): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 3 de julho de 2014), 9.
[65] Cf. Ef 1, 5.7; 2, 18; 3, 12.
[66] Cf. Ef 2, 5-6; 4, 15.
[67] Cf. Ef 1, 3-4.6-7.11.13.15; 2, 10.13.21-22; 3, 6.11.21.
[68] Mensagem por ocasião do centenário da consagração do gênero humano ao divino Coração de Jesus (Varsóvia, 11 de junho de 1999): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 19 de junho de 1999), 2.
[69] «Pois que o Sagrado Coração é o símbolo e a imagem sensível da caridade infinita de Jesus Cristo, caridade que nos anima a amarmo-nos uns aos outros, é natural que nos consagremos a este Coração Santíssimo. Proceder assim é darmo-nos e ligarmo-nos a Jesus Cristo […]. Hoje, eis que um outro emblema bendito e divino se oferece aos nossos olhos. É o Coração Sacratíssimo de Jesus, sobre o qual se ergue a cruz e que brilha com magnífico esplendor no meio das chamas. Nele devemos colocar todas as nossas esperanças; devemos pedir-lhe e esperar dele a salvação dos homens». Carta enc. Annum Sacrum (25 de maio de 1899): ASS 31 (1898-99), 649, 651.
[70] «Neste símbolo, dentre todos o mais auspicioso, e no culto que ao Coração de Jesus tributamos, acaso não deparamos a síntese de toda a religião e regra de vida mais perfeita? Com efeito, esta devoção leva em pouco tempo as almas a estudar mais intimamente Cristo Jesus; excita-as com mais eficácia a um amor mais entusiasta, a mais fiel imitação». Carta enc. Miserentissimus Redemptor (8 de maio de 1928), 3: AAS 20 (1928), 167.
[71] «É um ato de religião excelentíssimo, visto exigir de nós uma plena e inteira vontade de entrega e consagração ao amor do divino Redentor, do qual é sinal e símbolo vivo o seu coração traspassado […]. Nele podemos considerar não só um símbolo, mas também como que um compêndio de todo o mistério da nossa redenção […]. Jesus Cristo expressamente e repetidas vezes indicou o seu coração como símbolo com que estimular os homens ao conhecimento e à estima do seu amor; e ao mesmo tempo constituiu-o sinal e penhor de misericórdia e de graça para as necessidades da Igreja nos tempos modernos». Carta enc. Haurietis Aquas (15 de maio de 1956), 4, 43, 52: AAS 48 (1956), 311, 336, 340.
[72] Catequese (8 de junho de 1994): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 11 de junho de 1994), 8.
[73] Alocução do Angelus (1º de junho de 2008): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 7 de julho de 2008), 7.
[74] Carta enc. Haurietis Aquas (15 de maio de 1956), 58: AAS 48 (1956), 344.
[75] Cf. Ibid., 43: AAS 48 (1956), 336.
[76] «O valor das revelações privadas é essencialmente diverso do da única revelação pública: esta exige a nossa fé [...]. Uma revelação privada [...] é uma ajuda, que é oferecida, mas da qual não é obrigatório fazer uso». Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Verbum Domini (30 de setembro de 2010), 14: AAS 102 (2010), 696.
[77] Carta enc. Haurietis Aquas (15 de maio de 1956), 52: AAS 48 (1956), 340.
[78] Ibid., 58: AAS 48 (1956), 344.
[79] Ibid., 57: AAS 48 (1956), 344.
[80] Francisco, Exort. ap. C’est la confiance (15 de outubro de 2023), 20: L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 19 de outubro de 2023), 6.
[81] Ms A, 83 vº: S. Teresa do Menino Jesus, Obras completas (Avessadas, 1996), 214.
[82] S. Maria Faustina Kowalska, Diário, 22 de fevereiro de 1931, I Caderno, 47, (Curitiba, 2019), 34.
[83] Cf. Mišna Sukkâ IV, 5. 9.
[84] Carta ao Prepósito-Geral da Companhia de Jesus, Paray-le-Monial (5 de outubro de 1986): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 12 de outubro de 1986), 9.
[85] Ata dos mártires de Lião. in: Eusébio de Cesareia, Hist. Eccles., V, 1, 22: PG 20, 418.
[86] Rufino de Aquiléia (Trad.), Hist. Eccles., V, 1, 22 in: Griechischen Christlichen Schriftsteller 9/1 – Eusebius Werke II/1, 411.
[87] S. Justino, Dial. 135: PG 6, 787.
[88] Novaciano, De Trinitate, 29: PL 3, 944. Cf. S. Gregório de Elvira, Tractatus Origenis de libris Sanctarum Scripturarum, tract. XX, 12: CCSL 69, 144.
[89] S. Ambrósio, Expl. Ps. I, 33: PL 14, 983-984.
[90] Cf. Tract. in Joann. Ev. 61, 6: PL 35, 1801.
[91] Epist. III, ad Ruffinum, 4: PL 22, 334.
[92] Sermones in Cant. 61, 4: PL 183, 1072.
[93] Cf. Expositio altera super Cantica Canticorum, c. 1: PL 180, 487.
[94] Guilherme de Saint-Thierry, De natura et dignitate amoris, 1: PL 184, 379.
[95] Idem, Meditativæ Orationes, meditatio VIII: PL 180, 230.
[96] S. Boaventura, Lignum vitae, 30. Tradução em português: Liturgia das Horas (Ofício de Leituras da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus – Segunda Leitura).
[97] Ibidem.
[98] S. Gertrudes de Helfta , Legatus divinae pietatis, IV, 4, 4: SCh, 255, 66.
[99] Léon Dehon, Directoire spirituel des prêtres du Sacré Cœur de Jésus (Thournout, 1936), II, cap. VII, n. 141.
[100] O Diálogo, 18.4.2 – Compreensão da caridade de Cristo; (São Paulo, 2021), 162-163.
[101] Cf. por exemplo: Angelus Walz, De veneratione divini cordis Iesu in Ordine Prædicatorum, Pontificium Institutum Angelicum, (Roma 1937).
[102] Rafael García Herreros, San Juan Eudes (Bogotá,1943), 42.
[103] Carta a S. Joana Francisca de Chantal (24 de abril de 1610) in: Œuvres de Saint François de Sales, t. XIV, Lettres, vol.4 (Annecy, 1906), 289.
[104] Sermão para o II Domingo de Quaresma (20 de fevereiro de 1622) in: o. c., t. X, Sermons, vol. 4 (Annecy, 1898), 243-244.
[105] Carta a S. Joana Francisca de Chantal (31 de maio de 1612) in: o. c., t. XV, Lettres, vol. 5 (Annecy, 1908), 221.
[106] Carta a Marie-Aimée de Blonay (18 de fevereiro de 1618) in: o. c., t. XVIII, Lettres, vol. 8 (Annecy, 1912), 170-171.
[107] Carta a S. Joana Francisca de Chantal (fins de novembro de 1609) in: o. c., t. XIV, Lettres, vol. 4 (Annecy, 1906), 214.
[108] Carta a S. Joana Francisca de Chantal (aprox. 25 de fevereiro de 1610), ibid., 253.
[109] Les vrais entretiens spirituels, 12e. Entretien. in: o. c., t. VI (Annecy, 1895), 217.
[110] Carta a S. Joana Francisca de Chantal (10 de junho de 1611) in: o. c., t. XV, Lettres, vol. 5 (Annecy, 1908), 63.
[111] S. Margarida Maria de Alacoque, Autobiografia, n. 53 (Braga, 1984), 57-58.
[112] Ibid., 57.
[113] Ibid., n. 55, o. c., 60.
[114] Cf. Dicastério para a Doutrina da Fé, Normas para proceder no discernimento de presumidos fenômenos sobrenaturais (17 de maio de 2024), Apresentação – Razão da nova redação das Normas; I, A, 12.
[115] S. Margarida Maria de Alacoque, Autobiografia, n. 92, o. c., 93.
[116] Idem, Carta à Ir. de la Barge (22 de outubro de 1689): Vie et Œuvres de la Bienheureuse Marguerite-Marie Alacoque, t. 2 (Paris, 1915), 468.
[117] Idem, Autobiografia, n. 53, o. c., 58.
[118] Ibid., n. 55, o. c., 60.
[119] S. Cláudio de La Colombière, Ato de confiança. in: Escritos Espirituales del beato Claudio de la Colombière, S.J. (Bilbao, 1979), 110.
[120] Idem, Retiro em Londres (1 a 8 de fevereiro de 1677).
[121] Idem, Exercícios espirituais em Lião (outubro-novembro de 1674).
[122] Cf. Carta à Madame de Bondy (27 de abril de 1897).
[123] Carta à Madame de Bondy (15 de abril de 1901). Cf. Carta à Madame de Bondy (5 de abril de 1909): «Por ti eu conheci as exposições do Santíssimo Sacramento, as bênçãos e o Sagrado Coração».
[124] Carta à Madame de Bondy (7 de abril de 1890).
[125] Carta ao Pe. Huvelin (27 de junho de 1892).
[126] Méditations sur Ancien Testament, Roma 1896.
[127] Carta ao Pe. Huvelin (16 de maio de 1900).
[128] Diário (17 de maio de 1906).
[129] Carta 67, À Sra. Guérin (18 de novembro de 1888): S. Teresa do Menino Jesus, Obras completas (Avessadas, 1996), 373.
[130] Carta 122, A Celina (14 de outubro de 1890): o. c., 445.
[131] Poesia 23, Ao Sagrado Coração de Jesus (21 de junho ou de outubro de 1895): o. c., 735-736.
[132] Carta 247, Ao Pe. Bellière (21 de junho de 1897): o. c., 625.
[133] Últimos conselhos e recordações. Caderno Amarelo (11 de julho de 1897): o. c., 1156.
[134] Carta 197, À Irmã. Maria do Sagrado Coração (17 de setembro de 1896): o. c., 567-569. Isto não significa que Teresa não oferecesse sacrifícios, dores e angústias como um modo de associar-se ao sofrimento de Cristo, mas que, quando queria ir ao fundo, preocupava-se em não dar a estes oferecimentos uma importância que não possuem.
[135] Carta 142, A Celina (6 de julho de 1893): o. c., 476.
[136] Carta 191, A Leónia (12 de julho de 1896): o. c., 557.
[137] Carta 226, Ao Pe. Roulland (9 de maio de 1897): o. c., 608.
[138] Carta 258, Ao Pe. Bellière (18 de julho de 1897): o. c., 639.
[139] S. Inácio de Loyola, Exercícios Espirituais, n. 104.
[140] Ibid., n. 297.
[141] Cf. Carta a Inácio de Loyola (23 de janeiro de 1541).
[142] De Vita P. Ignatii et Societatis Iesu initiis, cap. 8 in: Juan Alfonso de Polanco, S.J., Vita Ignatii Loiolae et rerum Societatis Iesu historia, t. I (Madri, 1894), 64.
[143] S. Inácio de Loyola, Exercícios Espirituais, n. 54.
[144] Cf. Ibid., n. 230ss.
[145] XXIII Congregação Geral da Companhia de Jesus, Decreto 46, 1. in: Institutum Societatis Iesu, vol. 2 (Florença, 1893), 511.
[146] En Él solo… la esperanza (Roma, 1982), 180.
[147] Carta ao Prepósito-Geral da Companhia de Jesus, Paray-le-Monial (5 de outubro de 1986): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 12 de outubro de 1986), 9.
[148] Conferências aos Missionários (13 de agosto de 1655). A pobreza. in: S. Vicente de Paúl, Obras completas, t. 11/3 (Salamanca, 1974) , 156.
[149] Conferências às Filhas da Caridade (9 de dezembro de 1657). in: o. c., t. 9/2 , 974.
[150] S. Daniel Comboni, Scritti, n. 3324. in: Daniele Comboni, Gli scritti (Bolonha, 1991), 998.
[151] Cf. Homilia na Missa de Canonização (18 de maio de 2003): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 24 de maio de 2003), 8-9.
[152] Carta enc. Dives in misericordia (30 de novembro de 1980), 13: AAS 72 (1980), 1219.
[153] Catequese (20 de junho de 1979): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 24 de junho de 1979), 12.
[154] Missionários Combonianos do Coração de Jesus, Regra de Vida, Constituições e Diretório Geral (Roma, 1988), 3.
[155] Religiosas do Sagrado Coração de Jesus (Sociedade do Sagrado Coração), Constituições de 1982, 7.
[156] Carta enc. Miserentissimus Redemptor (8 de maio de 1928), 14: AAS 20 (1928), 174.
[157] Quando é exercitada a virtude da fé referida a Cristo, a alma acede não só a recordações, mas à realidade da sua vida divina (cf. S. Tomás de Aquino, Summa Theologiæ, II-II, q. 1, a. 2, ad 2; q. 4, a. 1).
[158] Carta enc. Miserentissimus Redemptor (8 de maio de 1928), 14: AAS 20 (1928), 174.
[159] Francisco, Homilia na Missa Crismal (28 de março de 2024): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 28 de março de 2024), 4-5.
[160] S. Inácio de Loyola, Exercícios Espirituais, n. 203.
[161] Francisco, Homilia na Missa Crismal (28 de março de 2024): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 28 de março de 2024), 4.
[162] S. Margarida Maria de Alacoque, Autobiografia, n. 55, o. c., 60.
[163] Idem, Carta ao Pe. Croiset (3 de novembro de 1689): Vie et Œuvres de la Bienheureuse Marguerite-Marie Alacoque, t. 2 (Paris, 1915), 576-577.
[164] Idem, Autobiografia, n. 92, o. c., 93.
[165] Carta enc. Annum Sacrum (25 de maio de 1899): ASS 31 (1898-1899), 649.
[166] Juliano, Epist. XLIX ad Arsacium Pontificem Galatiae (Mainz, 1828), 90-91.
[167] Ibid.
[168] Dicastério para a Doutrina da Fé, Declaração Dignitas Infinita (2 de abril de 2024), 19.
[169] Cf. Bento XVI, Carta ao Prepósito Geral da Companhia de Jesus na ocasião do 50º aniversário da Encíclica Haurietis Aquas (15 de maio de 2006): AAS 98 (2006), 461.
[170] In Num. homil. 12, 1: PG 12, 657.
[171] Epist. 29, 24: PL 16, 1060.
[172] Adv. Arium 1, 8: PL 8, 1044.
[173] Cf. Tract. in Joannem 32, 4: PL 35, 1643.
[174] Expos. in Ev. S. Joannis, cap. 7, lectio 5.
[175] Pio XII, Carta enc. Haurietis Aquas (15 de maio de 1956), 20: AAS 48 (1956), 321.
[176] S. João Paulo II, Carta enc. Redemptoris Mater (25 de março de 1987), 38: AAS 79 (1987), 411.
[177] Conc. Ecum. Vaticano II, Const. dogm. Lumen Gentium, 62.
[179] Sermones super Cant., XX, 4: PL 183, 869.
[180] Introdução à vida devota, p. III, c. 35. in: Œuvres de Saint François de Sales, t. III, (Annecy, 1893), 254-255.
[181] Sermão para o XVII Domingo depois de Pentecostes. in: o. c., t. IX, (Annecy, 1897), Sermons, vol. 3, 200-201.
[182] Retiro feito em Nazaré (5-15 de novembro de 1897).
[183] A partir de 19 de março de 1902, todas as suas cartas são encabeçadas com as palavras Iesus Caritas, separadas por um coração encimado por uma cruz.
[184] Carta ao Pe. Huvelin (15 de julho de 1904).
[185] Carta a D. Martin (25 de janeiro de 1903).
[186] Anexo VI. in: René Voillaume, Les fraternités du Père de Foucauld (Paris, 1946), 173.
[187] Méditations des saints Évangiles sur les passages relatifs à quinze vertus (Nazaré, 1897-1898), Charité 77 ( Mt 20,28). in: Charles de Foucauld, Aux plus petits de mes frères, (Paris, 1973), 82.
[188] Ibid., Charité 90 ( Mt 27, 30). in: o. c., 95.
[189] Henri Huvelin, Quelques Directeurs d’Âmes au XVII siècle (Paris, 1911), 97
[190] Conferências às Filhas da Caridade (11 de novembro de 1657). in: S. Vicente de Paúl, Obras completas, t. 9/2 (Salamanca, 1974) , 917.
[191] Regras comuns da Congregação da Missão (17 de maio de 1658), c. 2, 6. in: o. c., t. 10, 470.
[192] Carta ao Prepósito-Geral da Companhia de Jesus, Paray-le-Monial (5 de outubro de 1986): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 12 de outubro de 1986), 9.
[193] S. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Reconciliatio et Pænitentia (2 de dezembro de 1984), 16: AAS 77 (1985), 215.
[194] Cf. Carta enc. Sollicitudo Rei Socialis (30 de dezembro de 1987), 36: AAS 80 (1988), 561-562.
[195] Carta enc. Centesimus annus (1º de maio de 1991), 41: AAS 83 (1991), 844-845.
[196] Catecismo da Igreja Católica, n. 1888.
[197] Cf. Catequese (8 de junho de 1994): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 11 de junho de 1994), 8.
[198] Francisco, Discurso aos participantes do Colóquio internacional “Réparer l´irréparable”, no 350º aniversário das aparições de Jesus em Paray-le-Monial (4 de maio de 2024): L’Osservatore Romano (4 de maio de 2024), p. 12.
[199] Ibidem.
[200] Idem, Homilia na Missa matutina de Santa Marta (6 de março de 2018): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 15 de março de 2018), 12-13.
[201] Idem, Discurso aos participantes do Colóquio internacional “Réparer l´irréparable”, no 350º aniversário das aparições de Jesus em Paray-le-Monial (4 de maio de 2024): L’Osservatore Romano (4 de maio de 2024), p. 12.
[202] Idem, Homilia na Missa Crismal (28 de março de 2024): L’Osservatore Romano(ed. semanal em português de 28 de março de 2024), 5.
[205] Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 80: AAS 107 (2015), 879.
[206] Catecismo da Igreja Católica, n. 1085.
[208] Autobiografia, n. 53: o. c., 57
[209] Ms A, 84 rº: S. Teresa do Menino Jesus, Obras completas (Avessadas, 1996), 214-215.
[210] Ibid., 215.
[211] Ibidem.
[212] Ms A, 83 vº: o. c., 214. Cf. Carta 226, Ao Pe. Roulland (9 de maio de 1897): o. c., 606-610.
[213] Oração 6. Oferecimento de mim mesma como Vítima de Holocausto ao Amor Misericordioso de Deus, 2 rº–2 vº: o. c., 1078.
[214] Ms B, 3 vº: o. c., 230.
[215] Carta 186, A Leónia (11 de abril de 1896): o. c., 549.
[216] Carta 258, Ao Pe. Bellière (18 de julho de 1897): o. c., 557.
[217] Pio XI, Carta enc. Miserentissimus Redemptor (8 de maio de 1928), 6: AAS 20 (1928), 169.
[218] Ibid., 11: AAS 20 (1928), 172.
[219] S. João Paulo II, Catequese (20 de junho de 1979): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 24 de junho de 1979), 12.
[220] Francisco, Homilia na Missa matutina de Santa Marta (27 de junho de 2014): L’Osservatore Romano (ed. semanal em espanhol de 4 de julho de 2014), 10.
[221] Mensagem por ocasião do centenário da consagração do género humano ao divino Coração de Jesus (Varsóvia, 11 de junho de 1999): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 19 de junho de 1999), 2.
[222] Ibidem.
[223] Carta a D. Louis-Marie Billé, Arcebispo de Lião, por ocasião da peregrinação a Paray-le-Monial (4 de junho de 1999): L’Osservatore Romano (ed. semanal em português de 19 de junho de 1999), 1.
[224] Conferências aos Missionários (22 de agosto de 1655). in: S. Vicente de Paúl, o. c., t. 11/3 , 190.
[225] Carta Diserti interpretes (25 de maio de 1965): Enchiridion della Vita Consacrata (Bolonha/Milão, 2001), n. 3809.
[226] Vida Nova, XIX, 5-6. Trad. de Carlos Eduardo Soveral, (Lisboa, 1993), 39.
[227] Ms A, 45 vº: S. Teresa do Menino Jesus, Obras completas (Avessadas, 1996), 143.
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