quinta-feira, 31 de outubro de 2024

 SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS

A comunhão dos santos ocupa um lugar muito importante na liturgia da Igreja. Já desde o século V que se faz a memória dos santos na oração eucarística e, ao longo do ano, em todas as paróquias se fazem festas aos patronos, ou se celebra a memória de santos particularmente ligados à devoção de cada comunidade.

       Contudo, ao longo dos tempos, numerosas pessoas simples e humildes deixaram, àqueles que viveram à sua volta, o testemunho autêntico e admirável da santidade. É justo celebrá-los ao lado daqueles que estão inscritos na lista das canonizações.

       A liturgia celebra o Deus três vezes santo rodeado de todos os eleitos santificados pela sua graça. Cada um não reflete senão uma parte ínfima da santidade infinita de Deus. A adoração de Deus é o centro da celebração de todos os santos e a solenidade faz-nos tomar consciência da multidão de todos os resgatados que nos precederam e do mundo invisível que nos espera. Por solidariedade, eles intercedem por nós.

       A Vida dos santos tem um valor pedagógico, ela encaminha-nos para Cristo. Os santos são o evangelho encarnado. O mistério da Igreja é a comunhão fraterna que existe entre os vivos e os mortos através da oração e dos sacramentos. Nós formamos um só corpo do qual Cristo é a cabeça. Que a intercessão e o exemplo dos santos nos ajudem a libertar o santo que se esconde em nós como um bloco de mármore, ainda não esculpido, que o amor de Deus quer cinzelar para que apareça a sua imagem.

       Celebramos a Solenidade de Todos os Santos (...) revisitando os artigos do Credo que nos pede que reafirmemos que acreditamos na ressurreição da carne e na vida que há de vir. Por isso, o mesmo Concílio afirma na Constituição Lumem Gentium:

“Munidos de tantos e tão grandes meios de salvação, todos os fiéis, seja qual for a sua condição ou estado, são chamados pelo Senhor à perfeição do Pai, cada um por seu caminho” (LG 11).

       Ou seja, o Vaticano II lembra que a santidade é um caminho acessível a todos (é um direito) e, mais adiante, afirma que desde o batismo todos somos chamados (é um dever) à santidade:

“A nossa fé crê que a Igreja, cujo mistério o sagrado Concílio expõe, é indefetivelmente santa. Com efeito, Cristo, Filho de Deus, que é com o Pai e o Espírito o único Santo, amou a Igreja como esposa, entregou-se por ela, para a santificar (cf. Ef. 5, 25-26) e uniu-a a Si como seu corpo, cumulando-a com o dom do Espírito Santo, para Glória de Deus. Por isso, todos na Igreja são chamados à santidade (LG 39).

       A Solenidade de todos os Santos é inseparável da comemoração dos defuntos. A primeira celebração é vivida na alegria; a segunda está mais ligada à recordação daqueles que amamos. Não devemos nunca esquecer que o céu eternizará todos os atos de amor e de serviço que os homens cumpriram neste mundo. Sempre que os homens se convertem e fazem obras de justiça, de liberdade e de respeito pelos outros, o Reino de Deus deixa-se já ver e antecipa a pátria eterna para onde todos caminhamos.

Pe.João Carlos
(in site "Caritas in Veritate")

Na 1ª leitura (Ap 7,2-4.9-14) a visão dos que passaram pela grande tribulação e lavaram as túnicas no sangue do Cordeiro e dos 144 mil que foram marcados na fronte, desperta em nós a coragem de atravessar a vida dando o melhor de nós mesmos como pessoas de fé, porque na casa do Pai há mesmo lugar para nós.

www.aliturgia.com

"Eu, João, vi um Anjo que subia do Nascente, trazendo o selo do Deus vivo. Ele clamou em alta voz aos quatro Anjos a quem foi dado o poder de causar dano à terra e ao mar: «Não causeis dano à terra, nem ao mar, nem às árvores, até que tenhamos marcado na fronte os servos do nosso Deus». E ouvi o número dos que foram marcados: cento e quarenta e quatro mil, de todas as tribos dos filhos de Israel. Depois disto, vi uma multidão imensa, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas. Estavam de pé, diante do trono e na presença do Cordeiro, vestidos com túnicas brancas e de palmas na mão. E clamavam em alta voz: «A salvação ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro». Todos os Anjos formavam círculo em volta do trono, dos Anciãos e dos quatro Seres Vivos. Prostraram-se diante do trono, de rosto por terra, e adoraram a Deus, dizendo: «Amen! A bênção e a glória, a sabedoria e a ação de graças, a honra, o poder e a força ao nosso Deus, pelos séculos dos séculos. Amen!». Um dos Anciãos tomou a palavra e disse-me: «Esses que estão vestidos de túnicas brancas, quem são e de onde vieram?». Eu respondi-lhe: «Meu Senhor, vós é que o sabeis». Ele disse-me: «São os que vieram da grande tribulação, os que lavaram as túnicas e as branquearam no sangue do Cordeiro»."

Na 2ª leitura (1Jo 3,1-3)  S. João desperta em nós um sentimento de gratidão e louvor a Deus, pelas maravilhas inimagináveis que opera nos homens de ontem, de hoje e de sempre. 

"Caríssimos: Vede que admirável amor o Pai nos consagrou em nos chamar filhos de Deus. E somo-lo de facto. Se o mundo não nos conhece, é porque não O conheceu a Ele. Caríssimos, agora somos filhos de Deus e ainda não se manifestou o que havemos de ser. Mas sabemos que, na altura em que se manifestar, seremos semelhantes a Deus, porque O veremos tal como Ele é. Todo aquele que tem n’Ele esta esperança purifica-se a si mesmo, para ser puro, como Ele é puro." 

No Evangelho (Mt 5,1-12), Jesus apresenta uma proposta de Santidade: as bem-aventuranças. Que o Senhor nos ajude e o Espírito Santo nos ilumine para as vivermos, no dia a dia da vida, pois só  este caminho nos conduz à santidade. 

"Naquele tempo, ao ver as multidões, Jesus subiu ao monte e sentou-Se. Rodearam-n’O os discípulos e Ele começou a ensiná-los, dizendo: «Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos Céus. Bem-aventurados os humildes, porque possuirão a terra. Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o reino dos Céus. Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós. Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos Céus a vossa recompensa»."

Bendito e louvado sejas Senhor, hoje e sempre, pelo Teu Amor por cada um de nós e por toda a humanidade.

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

Hoje celebramos Todos os Santos e na Liturgia ressoa a mensagem “programática” de Jesus, nomeadamente as Bem-aventuranças (cf. Mt 5, 1-12a). Mostram-nos o caminho que conduz ao Reino de Deus e à felicidade: o caminho da humildade, da compaixão, da mansidão, da justiça e da paz. Ser santo significa caminhar por esta estrada. Concentremo-nos agora em dois aspetos deste estilo de vida. Dois aspetos que são próprios deste estilo de vida de santidade: alegria e profecia.

A alegria. Jesus começa com a palavra «bem-aventurados» (Mt 5, 3). É o anúncio principal, o anúncio de uma felicidade sem precedentes. A bem-aventurança, a santidade não é um programa de vida feito apenas de esforços e renúncias, mas é sobretudo a alegre descoberta de ser filhos amadas por Deus. E isto enche-nos de alegria. Não é uma conquista humana, é um dom que recebemos: somos santos porque Deus, que é o Santo, vem habitar na nossa vida. É Ele quem nos dá a santidade. Por isto somos bem-aventurados! A alegria do cristão, portanto, não é a emoção de um instante ou um simples otimismo humano, mas a certeza de poder enfrentar todas as situações sob o olhar amoroso de Deus, com a coragem e a força que vem d’Ele. Os santos, mesmo no meio de muitas tribulações, experimentaram esta alegria e deram testemunho dela. Sem alegria, a fé torna-se um exercício rigoroso e opressivo, e corre o risco de adoecer de tristeza. Consideremos estas palavras: adoecer de tristeza. Um Padre do deserto disse que a tristeza é um «verme do coração», que corrói a vida (cf. EVAGRIO PONTICO, Os oito espíritos da maldade, XI). Questionemo-nos sobre isto: somos cristãos alegres? Sou ou não um cristão alegre? Difundimos alegria ou somos pessoas sombrias, tristes e com cara de funeral? Lembremo-nos que não há santidade sem alegria!

O segundo aspeto: a profecia. As bem-aventuranças são dirigidas aos pobres, aos aflitos, a quantos têm fome de justiça. É uma mensagem contracorrente. Na verdade, o mundo diz que para ser feliz é preciso ser rico, poderoso, sempre jovem e forte, gozar de fama e sucesso. Jesus inverte estes critérios e faz um anúncio profético - e esta é a dimensão profética da santidade -: a verdadeira plenitude de vida é alcançada seguindo Jesus, praticando a sua Palavra. E isto significa outra pobreza, ou seja, ser pobre dentro, esvaziar-se a si próprio para dar lugar a Deus. Quem se considera rico, bem-sucedido e seguro, baseia tudo em si próprio e fecha-se a Deus e aos irmãos, enquanto aqueles que sabem que são pobres e não são auto- suficientes permanecem abertos a Deus e ao próximo. E encontram a alegria. As bem-aventuranças, então, são a profecia de uma nova humanidade, de uma nova forma de viver: fazer-se pequeno e confiar-se a Deus, em vez de emergir sobre os outros; ser manso, em vez de procurar impor-se; praticar a misericórdia, em vez de pensar apenas em si próprio; comprometer-se com a justiça e a paz, em vez de alimentar, até com conivência, injustiça e desigualdade. A santidade é acolher e pôr em prática, com a ajuda de Deus, esta profecia que revoluciona o mundo. Então podemos perguntar-nos: testemunho a profecia de Jesus? Expresso o espírito profético que recebi no Batismo? Ou será que me conformo com o conforto da vida e com a minha preguiça, pensando que tudo corre bem se estiver bem para mim? Levo ao mundo a novidade jubilosa da profecia de Jesus ou as queixas habituais por aquilo que não me agrada? Perguntas que nos fará bem fazer a nós próprios.

Que a Santa Virgem nos dê algo da sua alma, aquela alma abençoada que alegremente engrandeceu o Senhor, que “derruba os poderosos dos tronos e eleva os humildes” (cf. Lc 1, 52).

Papa Francisco
(Angelus, 1 de novembro de 2021)

sábado, 26 de outubro de 2024

 XXX DOMINGO DO TEMPO COMUM

Hoje, mais do que noutros domingos, a nossa alma exulta de alegria, louva e canta, porque o Senhor nos faz saber, através da liturgia da Palavra, que fazemos parte do Seu povo e em Jesus Cristo, o “Filho de David”, a todo aquele que O busca continuamente de coração sincero, O chama insistentemente, todo Se revela num Amor sem fim.

Na 1ªleitura (Jer 31, 7-9)  o profeta Jeremias apela à confiança em Deus, por mais difíceis que sejam as circunstâncias da vida. Fá-lo dando-nos conta do anúncio do regresso do povo de Israel à terra prometida, após o exílio na Babilónia . Às vezes a espera é longa e difícil, mas Deus está sempre connosco, nunca nos deixa sós. Deixemo-nos conduzir por Ele: À ida vão a chorar, levando as sementes; à volta vêm a cantar, trazendo os molhos de espigas”. 

“Eis o que diz o Senhor: «Soltai brados de alegria por causa de Jacob, enaltecei a primeira das nações. Fazei ouvir os vossos louvores e proclamai: ‘O Senhor salvou o seu povo, o resto de Israel’. Vou trazê-los das terras do Norte e reuni-los dos confins do mundo. Entre eles vêm o cego e o coxo, a mulher que vai ser mãe e a que já deu à luz. É uma grande multidão que regressa. Eles partiram com lágrimas nos olhos e Eu vou trazê-los no meio de consolações. Levá-los-ei às águas correntes, por caminho plano em que não tropecem. Porque Eu sou um Pai para Israel e Efraim é o meu primogénito».”

Na 2ªleitura (Hebr 5, 1-6)  S. Paulo situa-nos em Jesus, o único e verdadeiro sacerdote, que nos conquistou para Deus. Só Ele nos pode curar das nossas cegueiras e libertar-nos para amarmos a Deus. Deixemos que nos conduza ao Pai, entreguemo-nos de coração, para que, também através de nós, outros conheçam o quanto são amados por Deus.

“Todo o sumo sacerdote, escolhido de entre os homens, é constituído em favor dos homens, nas suas relações com Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados. Ele pode ser compreensivo para com os ignorantes e os transviados, porque também ele está revestido de fraqueza; e, por isso, deve oferecer sacrifícios pelos próprios pecados e pelos do seu povo. Ninguém atribui a si próprio esta honra, senão quem foi chamado por Deus, como Aarão. Assim também, não foi Cristo que tomou para Si a glória de Se tornar sumo sacerdote; deu-Lha Aquele que Lhe disse: «Tu és meu Filho, Eu hoje Te gerei», e como disse ainda noutro lugar: «Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec».”

No evangelho (Mc 10, 46-52)  S. Marcos projeta-nos para Jericó e faz-nos questionar sobre quem somos: alguém da multidão que seguia Jesus, um discípulo, Bartimeu, ou um pouco de cada um?! A mistura de sentimentos, que a leitura gera, desembocará, por certo, num grito semelhante ao de Bartimeu: «Jesus, Filho de David, tem piedade de mim». Tenhamos a coragem deste homem e, de um salto, vamos ter com Jesus, porque Ele continua a perguntar-nos, também a nós: «Que queres que Eu te faça?».

“Naquele tempo, quando Jesus ia a sair de Jericó com os discípulos e uma grande multidão, estava um cego, chamado Bartimeu, filho de Timeu, a pedir esmola à beira do caminho. Ao ouvir dizer que era Jesus de Nazaré que passava, começou a gritar: «Jesus, Filho de David, tem piedade de mim». Muitos repreendiam-no para que se calasse. Mas ele gritava cada vez mais: «Filho de David, tem piedade de mim». Jesus parou e disse: «Chamai-o». Chamaram então o cego e disseram-lhe: «Coragem! Levanta-te, que Ele está a chamar-te». O cego atirou fora a capa, deu um salto e foi ter com Jesus. Jesus perguntou-lhe: «Que queres que Eu te faça?». O cego respondeu-Lhe: «Mestre, que eu veja». Jesus disse-lhe: «Vai: a tua fé te salvou». Logo ele recuperou a vista e seguiu Jesus pelo caminho.” 

Jesus, Filho de David, tem compaixão de mim. Salva-me Senhor!

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

O Evangelho da Liturgia de hoje narra sobre Jesus que, saindo de Jericó, restitui a vista a Bartimeu, um cego que mendiga à beira da estrada (cf. Mc 10, 46-52). É um encontro importante, o último antes da entrada do Senhor em Jerusalém para a Páscoa. Bartimeu tinha perdido a vista, mas não a voz! De facto, quando soube que Jesus estava prestes a passar, começou a gritar: «Filho de David, Jesus, tem piedade de mim!» (v. 47). E grita, grita mesmo. Os discípulos e a multidão irritaram-se com os seus gritos e repreenderam-no para que se calasse. Mas ele grita ainda mais alto: «Filho de David, tem piedade de mim!» (v. 48). Jesus ouve, e pára imediatamente. Deus ouve sempre o grito dos pobres, e não ficou absolutamente perturbado pela voz de Bartimeu, aliás, dá-se conta de que está cheio de fé, uma fé que não tem medo de insistir, de bater à porta do coração de Deus, apesar da incompreensão e das repreensões. E aqui reside a raiz do milagre. Com efeito, Jesus diz-lhe: «A tua fé te salvou» (v. 52).

A fé de Bartimeu transparece da sua oração. Não se trata de uma oração tímida, convencional. Antes de tudo, chama ao Senhor “Filho de David”: ou seja, reconhece-o como Messias, Rei que vem ao mundo. Depois chama-o pelo nome, com confiança: “Jesus”. Não tem medo d’Ele, não se distancia. E assim, do coração, grita ao Deus amigo todo o seu drama: “Tem piedade de mim”. Apenas aquela oração: “Tem piedade de mim”. Não lhe pede algumas moedas, como faz com os transeuntes. Não. Àquele que tudo pode, pede tudo. Às pessoas pede moedas, a Jesus que pode fazer tudo, pede tudo: “Tem piedade de mim, tem piedade de tudo o que eu sou”. Não pede uma graça, mas apresenta-se: pede misericórdia para a sua pessoa, para a sua vida. Não é um pedido insignificante, mas é muito bonito, pois invoca a piedade, isto é, a compaixão, a misericórdia de Deus, a sua ternura.

Bartimeu não usa muitas palavras. Diz o essencial e confia-se ao amor de Deus, que pode fazer a sua vida florescer novamente, realizando o que é impossível aos homens. Por isso ele não pede esmola ao Senhor, mas manifesta tudo, a sua cegueira e o seu sofrimento, que superava o facto de não poder ver. A cegueira era a ponta do iceberg, mas no seu coração deve ter havido feridas, humilhações, sonhos despedaçados, erros, remorsos. Ele rezava com o coração. E nós? Quando pedimos uma graça a Deus, será que colocamos na oração a nossa história, feridas, humilhações, sonhos desfeitos, erros, remorsos?

Filho de David, Jesus, tem piedade de mim!”. Façamos hoje esta oração. E perguntemo-nos: “Como está a minha oração?”. Cada um de nós se pergunte: “Como vai a minha oração?”. É corajosa, tem a boa insistência de Bartimeu, sabe “alcançar” o Senhor que passa, ou contenta-se em dar-lhe uma saudação formal de vez em quando, quando me lembro? Essas orações tíbias não ajudam minimamente. Ou então: a minha oração é “substanciosa”, expõe o meu coração diante do Senhor? Apresento-lhe a história e os rostos da minha vida? Ou é anémica, superficial, constituída por rituais sem afeto nem coração? Quando a fé está viva, a oração é sentida: não mendiga tostões, não se reduz às necessidades do momento. A Jesus, que tudo pode, deve ser pedido tudo. Não vos esqueçais disto. A Jesus que tudo pode, deve-se pedir tudo, com a minha insistência perante Ele. Ele não vê a hora de derramar a sua graça e alegria nos nossos corações, mas infelizmente somos nós que mantemos a distância, talvez por timidez, ou preguiça ou incredulidade.

Muitos de nós, quando rezamos, não acreditamos que o Senhor possa fazer um milagre. Lembro-me da história – que constatei – daquele pai a quem os médicos disseram que a sua filha de nove anos não superaria aquela noite; estava no hospital. Ele, de autocarro, percorreu setenta quilómetros até ao santuário de Nossa Senhora. Estava fechado e ele, agarrado ao portão, passou a noite inteira a rezar: “Senhor, salva-a! Senhor, dá-lhe a vida!”. Rezava a Nossa Senhora, toda a noite, gritando a Deus, gritando do coração. Depois, de manhã, quando regressou ao hospital, encontrou a sua esposa a chorar. E pensou: “Morreu”. E a esposa disse: “Não se entende, não se entende, os médicos dizem que é uma coisa estranha, parece que sarou”. O grito daquele homem que pedia tudo foi ouvido pelo Senhor que lhe deu tudo. Isto não é uma história: eu mesmo presenciei isto, na outra diocese. Temos esta coragem na oração? Àquele que nos pode dar tudo, peçamos tudo, como Bartimeu, que foi um grande mestre, um grande mestre de oração. Ele, Bartimeu, seja para nós um exemplo com a sua fé concreta, insistente e corajosa. E que Nossa Senhora, Virgem orante, nos ensine a dirigirmo-nos a Deus de todo o coração, na confiança de que Ele ouve atentamente cada oração.

Papa Francisco

(Angelus , 24 de outubro de 2021)

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

CARTA ENCÍCLICA DILEXIT NOS

CARTA ENCÍCLICA

DILEXIT NOS
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
SOBRE O AMOR HUMANO E DIVINO
DO CORAÇÃO DE JESUS

1. «Amou-nos», diz São Paulo referindo-se a Cristo (Rm 8, 37), para nos ajudar a descobrir que nada «será capaz de separar-nos» desse amor (Rm 8, 39). Paulo afirmava-o com firme certeza, porque o próprio Cristo tinha garantido aos seus discípulos: «Eu vos amei» (Jo 15, 9.12). Disse também: «Chamei-vos amigos» (Jo15, 15). O seu coração aberto precede-nos e espera-nos incondicionalmente, sem exigir qualquer pré-requisito para nos amar e oferecer a sua amizade: Ele amou-nos primeiro (cf. 1 Jo 4, 10). Graças a Jesus, «conhecemos o amor que Deus nos tem, pois cremos nele» (1 Jo 4, 16).

CAPÍTULO I

A IMPORTÂNCIA DO CORAÇÃO

2. Para exprimir o amor de Jesus Cristo, recorre-se frequentemente ao símbolo do coração. Há quem se interrogue se isto atualmente tenha um significado válido. Porém, é necessário recuperar a importância do coração quando nos assalta a tentação da superficialidade, de viver apressadamente sem saber bem para quê, de nos tornarmos consumistas insaciáveis e escravos na engrenagem de um mercado que não se interessa pelo sentido da nossa existência [1]

Dilexit nos: Nova encíclica do Papa Francisco - Ecclesia

sábado, 19 de outubro de 2024

   XXIX DOMINGO DO TEMPO COMUM 

As leituras de hoje centram-nos no Amor maior de Jesus por cada ser vivente, por cada um de nós. Jesus numa comunhão de Amor total ao Pai, todo se dá, numa entrega sem limites, o Inocente dá a Sua vida pelos pecadores, para nos resgatar para Deus. Como Deus nos ama! Bendito e louvado sejais hoje e sempre, pelos séculos sem fim.

Na 1ªleitura (Is 53, 10-11) Isaías projeta-nos para Jesus, o servo sofredor, que dá a vida por nós, os pecadores e, inocente, toma sobre Si as nossas iniquidades. Seguros, neste amor infinito, vale a pena entrar na aventura de procurar Deus, de O buscar continuamente, no dia a dia da vida, de n’Ele nos deixarmos amar até ao mais profundo do nosso ser.

“Aprouve ao Senhor esmagar o seu servo pelo sofrimento. Mas, se oferecer a sua vida como sacrifício de expiação, terá uma descendência duradoira, viverá longos dias, e a obra do Senhor prosperará em suas mãos. Terminados os sofrimentos, verá a luz e ficará saciado na sua sabedoria. O justo, meu servo, justificará a muitos e tomará sobre si as suas iniquidades.” 

Na 2ªleitura (Hebr 4, 14-16) S.Paulo encaminha-nos também, como Isaías, para a entrega de Jesus na Cruz, por nosso amor. Com tal intercessor, junto de Deus, a nosso favor, porque ainda continuamos com tanta dificuldade em descansar totalmente n’Ele, no Seu Amor infinito por cada um de nós? Entreguemo-nos de coração a Jesus e deixemo-nos “empapar” no Seu Amor. Que Ele nos habite sempre e assim chegue, também através de nós, a todos os que O procuram de coração sincero. 

“Irmãos: Tendo nós um sumo sacerdote que penetrou os Céus, Jesus, Filho de Deus, permaneçamos firmes na profissão da nossa fé. Na verdade, nós não temos um sumo sacerdote incapaz de se compadecer das nossas fraquezas. Pelo contrário, Ele mesmo foi provado em tudo, à nossa semelhança, exceto no pecado. Vamos, portanto, cheios de confiança ao trono da graça, a fim de alcançarmos misericórdia e obtermos a graça de um auxílio oportuno.”

O Evangelho de hoje (Mc 10, 35-45) situa-nos no dia a dia da vida, naquilo a que damos mais valor, nos objetivos que traçamos, no que nos faz correr todos os dias. De uma maneira geral, todos gostamos do reconhecimento em relação às atividades que desenvolvemos, de ser considerados, … E, no meio de tudo isto, Jesus faz o anúncio da Sua Paixão. À sede de proeminência, Jesus contrapõe o Amor sem limites, o serviço, a entrega. Deixemo-nos repassar por Ele e sejamos testemunhas do Seu Amor, sem fim, por cada um de nós e por toda a humanidade.

“Naquele tempo, Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se de Jesus e disseram-Lhe: «Mestre, nós queremos que nos faças o que Te vamos pedir». Jesus respondeu-lhes: «Que quereis que vos faça?». Eles responderam: «Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda». Disse-lhes Jesus: «Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que Eu vou beber e receber o batismo com que Eu vou ser batizado?». Eles responderam-Lhe: «Podemos». Então Jesus disse-lhes: «Bebereis o cálice que Eu vou beber e sereis batizados com o batismo com que Eu vou ser batizado. Mas sentar-se à minha direita ou à minha esquerda não Me pertence a Mim concedê-lo; é para aqueles a quem está reservado». Os outros dez, ouvindo isto, começaram a indignar-se contra Tiago e João. Jesus chamou-os e disse-lhes: «Sabeis que os que são considerados como chefes das nações exercem domínio sobre elas e os grandes fazem sentir sobre elas o seu poder. Não deve ser assim entre vós: quem entre vós quiser tornar-se grande, será vosso servo, e quem quiser entre vós ser o primeiro, será escravo de todos; porque o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida pela redenção de todos».”

Senhor ensina-me a amar, ou melhor, ama em mim aqueles que pões no meu caminho e todos os outros para quem devo ser tua testemunha.

 

O Evangelho da liturgia de hoje (Mc 10, 35-45) narra-nos que dois discípulos, Tiago e João, pedem ao Senhor que um dia se possam sentar com Ele na glória, como se fossem “primeiros-ministros”, ou algo do género. Mas os outros discípulos ouvem-nos e ficam indignados. Neste ponto, Jesus oferece-lhes pacientemente um grande ensinamento: a verdadeira glória não se obtém elevando-se acima dos outros, mas vivendo o mesmo batismo que Ele receberá pouco depois em Jerusalém, ou seja, a cruz. O que significa isto? A palavra “batismo” significa “imersão”: com a sua Paixão, Jesus imergiu-se na morte, oferecendo a sua vida para nos salvar. Portanto, a sua glória, a glória de Deus, é amor que se torna serviço, não poder com ambições de domínio. Não poder com ambições de domínio, não! É o amor que se faz serviço. Por isso Jesus conclui dizendo aos seus e também a nós: «Quem quiser ser grande entre vós faça-se vosso servo» (Mc 10, 43). Para vos tornar grandes, devereis percorrer o caminho do serviço, servir os outros.

Estamos diante de duas lógicas diferentes: os discípulos querem emergir e Jesus quer imergir-se. Reflitamos sobre estes dois verbos. O primeiro é emergir. Exprime aquela mentalidade mundana a que somos sempre tentados: viver todas as coisas, até as relações, para alimentar a nossa ambição, escalar os degraus do sucesso, para alcançar posições importantes. A busca do prestígio pessoal pode tornar-se uma doença do espírito, também disfarçada de boas intenções; por exemplo, quando por detrás do bem que fazemos e pregamos, na verdade procuramos apenas nós mesmos e a nossa afirmação, ou seja, chegar à frente, subir... E vemos isto também na Igreja. Quantas vezes nós cristãos, que deveríamos ser os servos, procuramos subir, para chegar à frente. Portanto, precisamos sempre de verificar as verdadeiras intenções do coração, de nos perguntarmos: “Por que realizo este trabalho, esta responsabilidade? Para oferecer um serviço ou para ser notado, elogiado e enaltecido?”. A esta lógica mundana, Jesus contrapõe a sua: em vez de se elevar acima dos outros, desce do pedestal para os servir; em vez de se destacar acima dos outros, imerge-se na vida dos demais. Vi no no programa “À Sua Imagem” [programa televisivo da Rai, ndr] aquela reportagem da Cáritas para que não falte comida a ninguém: preocupar-se com a fome dos outros, preocupar-se com as necessidades dos outros. Há hoje muitas, muitas pessoas carenciadas, e depois da pandemia ainda mais. Olhar e abaixar-se no serviço, e não procurar escalar para a própria glória.

Eis então o segundo verbo: imergir-se. Jesus pede-nos para nos imergirmos. E de que modo? Com compaixão, na vida de quantos encontramos. Ali [naquela reportagem da Cáritas] víamos a fome: e nós, pensamos com compaixão na fome de tantas pessoas? Quando estamos diante da refeição, que é uma graça de Deus e que podemos comer,...há muitas pessoas que trabalham e não conseguem ter uma refeição suficiente durante todo o mês. Será que pensamos nisto? Imergir-se com compaixão, ter compaixão. Não é um dado de enciclopédia: há tantos famintos... Não! São pessoas. E eu tenho compaixão pelas pessoas? Compaixão da vida daqueles que encontramos, como fez Jesus comigo, contigo, com todos nós, Ele aproximou-se de nós com compaixão.

Olhemos para o Senhor Crucificado, completamente imerso na nossa história ferida, e descubramos a maneira como Deus faz as coisas. Vejamos que Ele não ficou lá em cima no céu, a olhar para nós, mas baixou-se para lavar os nossos pés. Deus é amor e o amor é humilde, não se eleva, mas desce, como a chuva que cai sobre a terra e traz vida. Mas como fazer para nos pôr no mesmo rumo de Jesus, a passar do emergir para o imergir-nos, da mentalidade do prestígio, mundana, àquela do serviço, cristã? O compromisso é necessário, mas não é suficiente. Por nós mesmos é difícil, para não dizer impossível, mas temos uma força dentro de nós que nos ajuda. É a do Batismo, daquela imersão em Jesus que todos nós recebemos por graça e que nos dirige, impele-nos a segui-lo, a não procurar os nossos interesses, mas a colocarmo-nos ao serviço. É uma graça, é um fogo que o Espírito acendeu em nós e que deve ser alimentado. Hoje peçamos ao Espírito Santo que renove em nós a graça do Batismo, a imersão em Jesus, na sua maneira de ser, para sermos mais servos, para sermos servos como Ele foi connosco.

Oremos a Nossa Senhora: ela, embora sendo a maior, não procurou emergir, mas foi humilde serva do Senhor, e está totalmente imersa no nosso serviço, para nos ajudar a encontrar Jesus.

Papa Francisco

(Angelus , 17 de outubro de 2021)

Dia Mundial das Missões 2024 - Obras Missionárias Pontifícias

Dia Mundial das Missões - Ecclesia

sábado, 12 de outubro de 2024

    XXVIII DOMINGO DO TEMPO COMUM 

Na liturgia de hoje, as leituras levam-nos a refletir sobre o que nos leva(ou) a optar por isto, ou por aquilo, nas mais diversas situações da vida, sejam elas de mera gestão do quotidiano, ou de decisões que afetam, de forma mais profunda, o nosso modo de vida, a nossa condição de filhos de Deus, o nosso estado de vida. O que é que, no mais íntimo de nós mesmos, nos faz escolher este, ou aquele, caminho? Que o Espírito Santo seja sempre a luz que nos ilumine nas nossas escolhas.

Na primeira leitura (Sab 7, 7-11) o autor sagrado mostra-nos o que pede a Deus quem se deixa guiar pelo Seu Santo Espírito:

“Orei e foi-me dada a prudência; implorei e veio a mim o espírito de sabedoria. Preferi-a aos cetros e aos tronos e, em sua comparação, considerei a riqueza como nada. Não a equiparei à pedra mais preciosa, pois todo o ouro, à vista dela, não passa de um pouco de areia e, comparada com ela, a prata é considerada como lodo. Amei-a mais do que a saúde e a beleza e decidi tê-la como luz, porque o seu brilho jamais se extingue. Com ela me vieram todos os bens e, pelas suas mãos, riquezas inumeráveis.” 

Peçamos ao Senhor, na nossa oração, o dom da Sua Graça, o dom da Sabedoria.

Na 2ª leitura (Hebr 4, 12-13) S.Paulo desafia-nos a escutar a Palavra de Deus e a deixarmos que ela nos vá transformando. Deus sabe do que precisamos em cada momento, só necessitamos de O escutar de coração aberto. Deixemo-nos interpelar pelo Senhor Deus, através da Sua Palavra.

“A palavra de Deus é viva e eficaz, mais cortante que uma espada de dois gumes: ela penetra até ao ponto de divisão da alma e do espírito, das articulações e medulas, e é capaz de discernir os pensamentos e intenções do coração. Não há criatura que possa fugir à sua presença: tudo está patente e descoberto a seus olhos. É a ela que devemos prestar contas.”

O evangelho de hoje (Mc 10, 17-30) é espelho do que tantas vezes sentimos no dia a dia. Quantas vezes andamos perdidos e sem rumo. Nem sei se podemos dizer, como o jovem deste evangelho, que cumprimos os mandamentos desde a nossa juventude! Mas, apesar de todas as dificuldades que o caminho para Deus apresenta, há uma certeza que Jesus nos dá, a de que “a Deus tudo é possível”. Logo, para todo aquele que se Lhe entrega de coração sincero, a salvação é possível. Deus ama cada um dos Seu filhos com um amor sem limites, por isso, confiemos, deixemos que Ele faça o caminho connosco, entreguemo-nos, seja qual for a situação em que nos encontremos. Deixemo-nos amar por Ele e tudo será possível, porque como nos disse Jesus, a Deus nada é impossível.

“Naquele tempo, ia Jesus pôr-Se a caminho, quando um homem se aproximou correndo, ajoelhou diante d’Ele e perguntou-Lhe: «Bom Mestre, que hei de fazer para alcançar a vida eterna?». Jesus respondeu: «Porque Me chamas bom? Ninguém é bom senão Deus. Tu sabes os mandamentos: Não mates; não cometas adultério; não roubes; não levantes falso testemunho; não cometas fraudes; honra pai e mãe’». O homem disse a Jesus: «Mestre, tudo isso tenho eu cumprido desde a juventude». Jesus olhou para ele com simpatia e respondeu: «Falta-te uma coisa: vai vender o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu. Depois, vem e segue-Me». Ouvindo estas palavras, anuviou-se-lhe o semblante e retirou-se pesaroso, porque era muito rico. Então Jesus, olhando à sua volta, disse aos discípulos: «Como será difícil para os que têm riquezas entrar no reino de Deus!». Os discípulos ficaram admirados com estas palavras. Mas Jesus afirmou-lhes de novo: «Meus filhos, como é difícil entrar no reino de Deus! É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus». Eles admiraram-se ainda mais e diziam uns aos outros: «Quem pode então salvar-se?». Fitando neles os olhos, Jesus respondeu: «Aos homens é impossível, mas não a Deus, porque a Deus tudo é possível». Pedro começou a dizer-Lhe: «Vê como nós deixámos tudo para Te seguir». Jesus respondeu: «Em verdade vos digo: Todo aquele que tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou terras, por minha causa e por causa do Evangelho, receberá cem vezes mais, já neste mundo, em casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras, juntamente com perseguições, e, no mundo futuro, a vida eterna».”

Envia sobre mim Senhor o dom da Tua Graça. Que o Teu Santo Espírito me ilumine, me guie, em todos os momentos da vida, em todas as minhas opções.

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

O Evangelho de hoje, tirado do capítulo 10 de Marcos, subdivide-se em três cenas, cadenciadas por três olhares de Jesus.

A primeira cena apresenta o encontro entre o Mestre e uma pessoa que — segundo o trecho paralelo de Mateus — é identificado como «jovem». O encontro de Jesus com um jovem. Ele corre ao encontro de Jesus, ajoelha-se e chama-lhe: «Bom Mestre». E depois, pergunta-lhe: «Que devo fazer para alcançar a vida eterna?», ou seja, a felicidade (v. 17). «Vida eterna» não é somente a vida do além, mas é a vida plena, completa, sem limites. Que devemos fazer para a alcançar? A resposta de Jesus resume os mandamentos que se referem ao amor pelo próximo. A este respeito, nada se pode repreender àquele jovem; mas evidentemente a observância dos preceitos não lhe é suficiente, não satisfaz o seu desejo de plenitude. E Jesus intui este desejo que o jovem traz no coração; por isso, a sua resposta traduz-se num olhar intenso, repleto de ternura e carinho. Assim diz o Evangelho: «Fixou nele o olhar, amou-o» (v. 21). Compreendeu que era um jovem bom... Mas Jesus entende também qual é o ponto fraco do seu interlocutor, e apresenta-lhe uma proposta concreta: distribuir todos os seus bens aos pobres e segui-lo. No entanto, aquele jovem tem um coração dividido entre dois senhores: Deus e o dinheiro, e por isso vai embora entristecido. Isto demonstra que fé e apego às riquezas não podem conviver. Assim, no fim, o impulso inicial do jovem dilui-se na infelicidade de um seguimento malogrado.

Na segunda cena, o evangelista enquadra o olhar de Jesus, e desta vez trata-se de um olhar pensativo, de admoestação: «Olhando ao seu redor, disse aos discípulos: “Como é difícil para os ricos entrarem no Reino de Deus!”» (v. 23). Diante da admiração dos seus discípulos, que se interrogavam: «Então, quem pode salvar-se?» (v. 26), Jesus responde com um olhar de encorajamento — é o terceiro olhar — e diz: sim, a salvação é «impossível para os homens, mas não para Deus!» (v. 27). Se confiarmos no Senhor, poderemos superar todos os obstáculos que nos impedem de o seguir pelo caminho da fé. Confiar no Senhor! Ele infunde-nos a força, dá-nos a salvação, acompanha-nos ao longo do caminho!

E assim chegamos à terceira cena, aquela da solene declaração de Jesus: Em verdade vos digo: quem deixa tudo para me seguir, terá a vida eterna no futuro e o cêntuplo já no presente (cf. vv. 29-30). Este «cêntuplo» é composto pelos bens antes possuídos e depois deixados, mas que se encontram multiplicados ao infinito. Privando-nos dos bens, recebemos o benefício do verdadeiro bem; libertamo-nos da escravidão dos bens e adquirimos a liberdade do serviço por amor; renunciamos à posse e alcançamos a alegria do dom. Aquilo que Jesus dizia: «Há maior felicidade em dar do que em receber» (cf. At 20, 35).

O jovem não se deixou conquistar pelo olhar de amor de Jesus, e deste modo não conseguiu mudar. Somente acolhendo o amor do Senhor com gratidão humilde poderemos libertar-nos da sedução dos ídolos e da cegueira das nossas ilusões. O dinheiro, o prazer e o sucesso deslumbram, mas depois dececionam: prometem a vida mas causam a morte. O Senhor pede-nos que nos desapeguemos destas falsas riquezas para entrar na vida verdadeira, na vida plena, autêntica, luminosa. E eu pergunto-vos, a vós jovens, rapazes e moças, que agora vos encontrais na praça: «Sentistes o olhar de Jesus em vós? O que desejais responder-lhe? Preferis deixar esta praça com a alegria que nos dá Jesus, ou com a tristeza no coração que a mundanidade nos oferece?»...

A Virgem Maria nos ajude a abrir o coração ao amor de Jesus, ao olhar de Jesus, o Único que pode saciar a nossa sede de felicidade.

Papa Francisco

(Angelus , 11 de outubro de 2015)