DOMINGO IX DO TEMPO COMUM
A
festa, assim como o sábado para os judeus ou o domingo para os cristãos, só têm
sentido, só são dias consagrados ao Senhor se forem manifestação da ação que
Deus opera em cada homem através da aceitação da Sua vontade no quotidiano.
Caso contrário, a festa não tem sentido porque não é uma festa em honra do
Senhor, mas uma realidade puramente humana, pois Deus fica fora da festa como
fica fora da vida. Em qualquer momento, no entanto, Deus está disposto a
libertar o homem logo que este decida seguir pelos seus caminhos. Tanto o homem
da mão ressequida como os fariseus estão necessitados da ação libertadora de
Jesus. A diferença entre eles é que o homem escuta Jesus e faz o que este lhe
diz e os fariseus permanecem de princípio a fim na “dureza
dos seus corações”, o que entristece Jesus ao ponto de os olhar com
indignação.
Também nós, os que celebramos o domingo, podemos ser pessoas duras de coração de tal modo que as nossas celebrações se tornam rotinas sem compromisso, onde faltam gestos de libertação e onde a voz de Deus ressoa como denúncia da nossa incapacidade de salvar e dignificar os que se encontram nas sombras da existência.
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A 1ª leitura (Dt 5, 12-15) situa-nos na reunião do povo de Israel com Moisés, para a celebração do memorial da Aliança, quando são recordados os mandamentos do Senhor. Na leitura de hoje só se destaca o mandamento que diz respeito ao sétimo dia – o Sábado.
“Eis o que diz o Senhor: «Guarda o dia de sábado, para o santificares, como
te mandou o Senhor, teu Deus. Trabalharás durante seis dias e neles farás todas
as tuas obras. O sétimo, porém, é o sábado do Senhor, teu Deus. Não farás nele
qualquer trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu escravo,
nem a tua escrava, nem o teu boi, nem o teu jumento, nem nenhum dos teus
animais, nem o estrangeiro que mora contigo. Assim, o teu escravo e a tua
escrava poderão descansar como tu. Recorda-te que foste escravo na terra do
Egito e que o Senhor, teu Deus, te fez sair de lá com mão forte e braço
estendido. Por isso, o Senhor, teu Deus, te mandou guardar o dia de sábado».”
Na 2ª leitura (2 Cor 4, 6-11) S. Paulo diz-nos que o poder de Deus, que sustém todas as coisas em Si e não em nós, se manifesta na fragilidade dos homens. Por isso, Paulo pode afirmar que a nossa vitória está onde se revela a nossa fragilidade. Do mesmo modo que trazemos em nós os sinais “da morte de Jesus”, trazemos também os sinais da “vida de Jesus” e podemos dizer “quando sou fraco, então é que sou forte”.
“Irmãos: Deus, que disse: «Das trevas brilhará a luz» fez brilhar a luz em nossos corações, para que se conheça em todo o seu esplendor a glória de Deus, que se reflete no rosto de Cristo. Nós trazemos em vasos de barro o tesouro do nosso ministério, para que se reconheça que um poder tão sublime vem de Deus e não de nós. Em tudo somos oprimidos, mas não esmagados; andamos perplexos, mas não desesperados; perseguidos, mas não abandonados; abatidos, mas não aniquilados. Levamos sempre e em toda a parte no nosso corpo os sofrimentos da morte de Jesus, a fim de que se manifeste também no nosso corpo a vida de Jesus. Porque, estando ainda vivos, somos constantemente entregues à morte por causa de Jesus, para que se manifeste também na nossa carne mortal a vida de Jesus.”
No evangelho (Mc 2, 23 – 3, 6) vemos como para Jesus a lei só faz sentido se estiver ao serviço do homem. Uma lei que oprime o homem é uma lei injusta. Até os mandamentos de Deus têm que servir para a libertação do homem, porque a lei foi feita para o homem e não o homem para a lei. Neste sentido o sábado é o dia para fazer o bem e para salvar.
“Passava Jesus através das searas, num dia de sábado, e os discípulos, enquanto caminhavam, começaram a apanhar espigas. Disseram-Lhe então os fariseus: «Vê como eles fazem ao sábado o que não é permitido». Respondeu-lhes Jesus: «Nunca lestes o que fez David, quando ele e os seus companheiros tiveram necessidade e sentiram fome? Entrou na casa de Deus, no tempo do sumo sacerdote Abiatar, e comeu dos pães da proposição, que só os sacerdotes podiam comer, e deu-os também aos companheiros». E acrescentou: «O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. Por isso, o Filho do homem é também Senhor do sábado». Jesus entrou de novo na sinagoga, onde estava um homem com uma das mãos atrofiada. Os fariseus observavam Jesus, para verem se Ele ia curá-lo ao sábado e poderem assim acusá-l’O. Jesus disse ao homem que tinha a mão atrofiada: «Levanta-te e vem aqui para o meio». Depois perguntou-lhes: «Será permitido ao sábado fazer bem ou fazer mal, salvar a vida ou tirá-la?». Mas eles ficaram calados. Então, olhando-os com indignação e entristecido com a dureza dos seus corações, disse ao homem: «Estende a mão». Ele estendeu-a e a mão ficou curada. Os fariseus, porém, logo que saíram dali, reuniram-se com os herodianos para deliberarem como haviam de acabar com Ele.”
Há «dois caminhos». E é Jesus,
com os seus «gestos de proximidade», quem nos dá a indicação justa a seguir.
Por um lado, o caminho dos «hipócritas», que fecham as portas por causa da sua
afeição à «letra da lei». Por outro, «o caminho da caridade», que passa «do
amor à verdadeira justiça que está dentro da lei».
Para apresentar estes dois modos de viver o Papa propôs o trecho do evangelho de Lucas (14, 1-6). Um sábado (...)
Mas eis que entra em cena um
doente. A este ponto Jesus dirige aos fariseus uma pergunta: «É lícito ou não
curar ao sábado?», «É lícito praticar o bem ao sábado? Ou não? E não praticar o
bem sempre é praticar o mal?». É «uma pergunta simples mas, como todos os
hipócritas, eles calaram-se». De resto, «nunca respondiam quando Jesus os punha
diante da verdade», permaneciam «de boca fechada», mas «depois falavam mal
pelas costas» e «procuravam pôr Jesus em dificuldade».
Na prática, «estas pessoas eram
tão apegadas à lei que tinham esquecido a justiça e o amor». Este modo de
«viver afastava-os do amor e da justiça». Mas «eram os modelos». Para esta
gente «Jesus tem uma só palavra: hipócritas!». Com efeito, não se pode ir «por
todo o mundo procurando prosélitos» e depois fechar «a porta». Para o Senhor,
eram homens «que fechavam sempre as portas da esperança, do amor, da salvação».
A este ponto devemos perguntar
qual «é o caminho para ser fiéis à lei sem descuidar a justiça e o amor». A
resposta «é precisamente o caminho que vem do oposto», sugeriu Francisco,
retomando as palavras de Paulo na carta aos Filipenses (1, 1-11): «Por isso,
rezo para que a vossa caridade cresça cada vez mais em conhecimento e em pleno
discernimento, a fim de que possais distinguir o que é melhor, e ser íntegros e
irrepreensíveis».
Ao contrário, o «outro caminho,
o de estar apegados só à lei, à letra da lei, leva ao fechamento, ao egoísmo, à
soberba de se sentir justos, àquela “santidade” — entre aspas — das
aparências». O caminho que Deus escolheu para nos salvar é a proximidade. Ele
aproximou-se de nós fazendo-se homem. Com efeito «a carne de Deus é o sinal da
verdadeira justiça. Deus que se fez homem como um de nós e nós que nos devemos
fazer como os outros, como os necessitados».
Eis os «dois caminhos» que
temos diante de nós. O primeiro é o de quem diz: «Sou apegado à letra da lei;
não se pode curar ao sábado; não posso ajudar; tenho que ir para casa e não
posso ajudar este doente». O segundo é o de quem se compromete a fazer de modo
que, como escreve são Paulo, «a vossa caridade cresça cada vez mais em
sabedoria e em pleno discernimento»: este é «o caminho da caridade, do amor à
verdadeira justiça que a lei contém».
Ajudam-nos «precisamente os exemplos de proximidade de Jesus», que nos mostra como podemos passar «do amor para a plenitude da lei». Sem «nunca cair na hipocrisia», porque «é tão feio ver um cristão hipócrita».
Papa Francisco
( Meditações Matutinas na Missa na Capela de Santa Marta, 31 de outubro de 2014)
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