SOLENIDADE DO SANTÍSSIMO CORPO E SANGUE DE CRISTO
A
Igreja, consciente da grandeza do mistério que hoje celebramos e do significado
profundo da instituição da Eucarística, introduziu, no seu calendário
litúrgico, a solenidade que estamos hoje a celebrar. E fê-lo para afirmar a sua
fé e o seu amor para com Cristo, presente no Santíssimo Sacramento, mas também
para poder cantar, festivamente, os louvores de Deus, na Pessoa de Jesus
Ressuscitado, presente na hóstia e no vinho consagrados.
Com
esta celebração, a Igreja convida os seus fiéis a refletirem e a interiorizarem
a riqueza do amor de Deus, oculto e manifesto na presença real de Cristo, na
Eucaristia; convida-os, enfim, a dar graças a Cristo, pelo dom da sua entrega
por nós: Ele é «corpo entregue»; Ele é «sangue derramado».
Mas
esta aliança não passava duma simples figura simbólica: o sangue dos animais
não tinha eficácia, em si mesmo, para unir os homens com Deus; apenas revelava
o desejo de que isso pudesse acontecer.
(D. Manuel Madureira Dias, in Maravilhas de Deus – Homilias de um Bispo )
“Naqueles dias, Moisés veio
comunicar ao povo todas as palavras do Senhor e todas as suas leis. O povo
inteiro respondeu numa só voz: «Faremos tudo o que o Senhor ordenou». Moisés
escreveu todas as palavras do Senhor. No dia seguinte, levantou-se muito cedo,
construiu um altar no sopé do monte e ergueu doze pedras pelas doze tribos de
Israel. Depois mandou que alguns jovens israelitas oferecessem holocaustos e
imolassem novilhos, como sacrifícios pacíficos ao Senhor. Moisés recolheu
metade do sangue, deitou-o em vasilhas e derramou a outra metade sobre o altar.
Depois, tomou o Livro da Aliança e leu-o em voz alta ao povo, que respondeu:
«Faremos quanto o Senhor disse e em tudo obedeceremos». Então, Moisés tomou o
sangue e aspergiu com ele o povo, dizendo: «Este é o sangue da aliança que o
Senhor firmou convosco, mediante todas estas palavras».”
Na 2ªleitura (Hebr 9, 11-15) S. Paulo torna mais claro para nós o mistério que hoje celebramos. Jesus,
Filho Eterno do Pai, fez-se Homem no seio de Maria. Ao fazer-se homem, sem
deixar de ser o Filho eterno de Deus, assumiu a capacidade de poder dar-se e
entregar-se como homem, sujeitando-se à própria morte. A partir da Encarnação,
Jesus, o Filho de Deus, tem poder de dar a vida e de retomá-la, ou seja, tem
poder de a oferecer.
Ele,
o Filho de Deus feito homem, pode derramar o seu sangue, pode dar a vida ao
Pai, em favor dos homens, cuja natureza assumiu.
E
Jesus realizou, de facto, tudo isto, ao dar a vida por nós, na cruz. O seu
sangue humano é sangue do Filho de Deus. Foi derramado não sobre as nossas
cabeças, mas sobre todo o nosso ser humano, porque Ele era humano. Não foi
símbolo duma purificação que nos atingisse no exterior, mas expressão da
verdadeira identidade do querer humano com o querer divino. A Aliança perfeita
aconteceu! A vontade humana de Jesus identificou-se, em pleno, com a sua
vontade divina.
Fomos redimidos das nossas infidelidades! Estamos salvos!
(D.
Manuel Madureira Dias, in Maravilhas de Deus
– Homilias de um Bispo )
“Irmãos: Cristo veio como sumo
sacerdote dos bens futuros. Atravessou o tabernáculo maior e mais perfeito, que
não foi feito por mãos humanas, nem pertence a este mundo, e entrou de uma vez
para sempre no Santuário. Não derramou sangue de cabritos e novilhos, mas o seu
próprio Sangue, e alcançou-nos uma redenção eterna. Na verdade, se o sangue de
cabritos e de toiros e a cinza de vitela, aspergidos sobre os que estão
impuros, os santificam em ordem à pureza legal, quanto mais o sangue de Cristo,
que pelo Espírito eterno Se ofereceu a Deus como vítima sem mancha, purificará
a nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo! Por isso,
Ele é mediador de uma nova aliança, para que, intervindo a sua morte para
remissão das transgressões cometidas durante a primeira aliança, os que são
chamados recebam a herança eterna prometida.”
No evangelho (Mc
14, 12-16.22-26) Jesus
realizou a sua última ceia pascal com os Doze Apóstolos. Toma o pão e diz:
«Isto é o meu Corpo, entregue por vós». Toma o cálice, com vinho e diz: «Este é
o meu Sangue, o Sangue da nova e eterna aliança, derramado por todos».
A nossa Eucaristia é Ceia, é Aliança, é Páscoa, é Cruz, é Ressurreição, é
Redenção, é identificação com a vontade de Deus, é Corpo entregue e Sangue
derramado pelos homens. Por isso a verdadeira celebração da Eucaristia inclui
sempre a doação de nós mesmos aos irmãos.
(D.
Manuel Madureira Dias, in Maravilhas de Deus
– Homilias de um Bispo )
“No primeiro dia dos Ázimos, em que se imolava o cordeiro pascal, os discípulos perguntaram a Jesus: «Onde queres que façamos os preparativos para comer a Páscoa?». Jesus enviou dois discípulos e disse-lhes: «Ide à cidade. Virá ao vosso encontro um homem com uma bilha de água. Segui-o e, onde ele entrar, dizei ao dono da casa: «O Mestre pergunta: Onde está a sala, em que hei de comer a Páscoa com os meus discípulos?». Ele vos mostrará uma grande sala no andar superior, alcatifada e pronta. Preparai-nos lá o que é preciso». Os discípulos partiram e foram à cidade. Encontraram tudo como Jesus lhes tinha dito e prepararam a Páscoa. Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, recitou a bênção e partiu-o, deu-o aos discípulos e disse: «Tomai: isto é o meu Corpo». Depois tomou um cálice, deu graças e entregou-lho. E todos beberam dele. Disse Jesus: «Este é o meu Sangue, o Sangue da nova aliança, derramado pela multidão dos homens. Em verdade vos digo: Não voltarei a beber do fruto da videira, até ao dia em que beberei do vinho novo no reino de Deus». Cantaram os salmos e saíram para o monte das Oliveiras.”
Prezados
irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje, na
Itália e noutros países, celebra-se a Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo. O
Evangelho apresenta-nos a narração da Última Ceia (Mc 14, 12-16,
22-26). As palavras e os gestos do Senhor tocam o nosso coração: Ele toma o pão
nas suas mãos, pronuncia a bênção, parte-o e dá-o aos discípulos, dizendo:
«Tomai, isto é o meu corpo» (v. 22).
É assim, com
simplicidade, que Jesus nos concede o maior sacramento. O seu é um gesto
humilde de doação, um gesto de partilha. No ápice da sua vida, não distribui
pão em abundância para alimentar as multidões, mas parte-se a si mesmo na ceia
pascal com os discípulos. Deste modo, Jesus mostra-nos que a meta da vida
consiste em doar-se, que o mais importante é servir. E hoje encontramos a
grandeza de Deus num pedacinho de Pão, numa fragilidade que transborda de amor
e de partilha. Fragilidade é precisamente a palavra que eu
gostaria de frisar. Jesus torna-se frágil como o pão que se parte e se
esmigalha. Mas é precisamente na sua fragilidade que está a sua força. Na
Eucaristia, a fragilidade é força: força do amor que se faz pequeno
para ser acolhido e não temido; força do amor que se parte e se divide para
alimentar e dar vida; força do amor que se fragmenta para reunir todos nós em
unidade.
E há outra
força que sobressai na fragilidade da Eucaristia: a força de amar quem erra. Na noite
em que é traído Jesus dá-nos o Pão da vida. Concede-nos o maior dom
enquanto sente no coração o abismo mais profundo: o discípulo que come com Ele,
que se serve do mesmo prato, atraiçoa-o. E a traição é a maior dor para quem
ama. E o que faz Jesus? Reage ao mal com um bem maior. Responde ao “não” de
Judas com o “sim” da misericórdia. Não castiga o pecador, mas dá a vida por
ele, paga por ele. Quando recebemos a Eucaristia, Jesus faz o mesmo em relação
a nós: conhece-nos, sabe que somos pecadores e sabe que cometemos muitos erros,
mas não renuncia a unir a sua vida à nossa. Sabe que precisamos disto, pois a
Eucaristia não é a recompensa dos santos, não, é o Pão dos pecadores. É
por isso que nos exorta: “Não tenhais medo! Tomai e comei!”.
Cada vez que
recebemos o Pão de vida, Jesus dá um novo sentido às nossas fragilidades.
Recorda-nos que aos seus olhos somos mais preciosos do que pensamos. Diz-nos
que se sente feliz quando partilhamos com Ele as nossas fragilidades.
Repete-nos que a sua misericórdia não teme as nossas misérias. A misericórdia
de Jesus não tem medo das nossas misérias. E acima de tudo, cura-nos
amorosamente daquelas fragilidades que não podemos curar sozinhos. Quais
fragilidades? Pensemos. A de nutrir ressentimento para com aqueles que nos
fizeram mal, não a podemos curar sozinhos; a de nos distanciarmos dos outros e
nos isolarmos em nós mesmos, não a podemos curar sozinhos; a de nos
comiserarmos e de nos queixarmos sem encontrar a paz, também não a podemos
curar sozinhos. É Ele que nos cura com a sua presença, com o seu Pão, com a
Eucaristia. A Eucaristia é remédio eficaz contra estes fechamentos. Com efeito,
o Pão da vida cura a rigidez, transformando-a em docilidade. A Eucaristia cura
porque une a Jesus: faz-nos assimilar o seu modo de viver, a sua capacidade de
se partir a si mesmo e de se entregar aos irmãos, de responder ao mal com o
bem. Dá-nos a coragem de sair de nós próprios e de nos debruçarmos com amor
sobre as fragilidades dos outros. Como Deus faz em relação a nós. Esta é a
lógica da Eucaristia: recebemos Jesus que nos ama e cura as nossas fragilidades
para amar os outros e para os ajudar nas suas fragilidades. E isto, durante a
vida inteira. Hoje, na Liturgia das Horas, recitamos um hino: quatro versos que
são o resumo de toda a vida de Jesus. Dizem-nos que, ao nascer, Jesus se fez
companheiro de viagem na vida; depois, na ceia, entregou-se como alimento; em
seguida, na cruz, na sua morte, fez-se “preço”, pagou por nós; e agora,
reinando nos Céus, é a nossa recompensa que vamos buscar, aquela que nos
espera.
Que a Santa
Virgem, em quem Deus se fez carne, nos ajude a receber com coração grato o dom
da Eucaristia e a fazer também da nossa vida uma dádiva. Que a Eucaristia faça
de nós um dom para os outros.
Papa Francisco
( Angelus, 6 de junho de 2021)
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