quarta-feira, 29 de maio de 2024

 SOLENIDADE DO SANTÍSSIMO CORPO E SANGUE DE CRISTO

A Igreja, consciente da grandeza do mistério que hoje celebramos e do significado profundo da instituição da Eucarística, introduziu, no seu calendário litúrgico, a solenidade que estamos hoje a celebrar. E fê-lo para afirmar a sua fé e o seu amor para com Cristo, presente no Santíssimo Sacramento, mas também para poder cantar, festivamente, os louvores de Deus, na Pessoa de Jesus Ressuscitado, presente na hóstia e no vinho consagrados.

Com esta celebração, a Igreja convida os seus fiéis a refletirem e a interiorizarem a riqueza do amor de Deus, oculto e manifesto na presença real de Cristo, na Eucaristia; convida-os, enfim, a dar graças a Cristo, pelo dom da sua entrega por nós: Ele é «corpo entregue»; Ele é «sangue derramado».


A primeira leitura (Ex 24, 3-8) indica-nos algumas das características da Antiga Aliança: Deus manifesta a sua divina vontade ao povo de Israel, através da mediação de Moisés; o Povo compromete-se a fazer tudo o que o Senhor disser; Moisés ergue um altar e levanta doze pedras, para significar todo o Povo (uma por cada tribo); manda imolar algumas vítimas; toma sangue dessas vítimas e, com ele, asperge o altar, as doze pedras e o Povo. Está feita a aliança: Deus falou, o Povo respondeu e o pacto foi selado com sangue. O sangue sanciona a aliança. O mesmo sangue das vítimas uniu o altar (símbolo de Deus), as doze pedras (símbolo do povo inteiro) e o próprio povo presente (que se comprometera a ser fiel à vontade divina). A partir de então estavam todos reunidos: Deus com o Povo, o Povo com Deus e os membros do Povo uns com os outros.

Mas esta aliança não passava duma simples figura simbólica: o sangue dos animais não tinha eficácia, em si mesmo, para unir os homens com Deus; apenas revelava o desejo de que isso pudesse acontecer.

(D. Manuel Madureira Dias, in Maravilhas de Deus – Homilias de um Bispo )

“Naqueles dias, Moisés veio comunicar ao povo todas as palavras do Senhor e todas as suas leis. O povo inteiro respondeu numa só voz: «Faremos tudo o que o Senhor ordenou». Moisés escreveu todas as palavras do Senhor. No dia seguinte, levantou-se muito cedo, construiu um altar no sopé do monte e ergueu doze pedras pelas doze tribos de Israel. Depois mandou que alguns jovens israelitas oferecessem holocaustos e imolassem novilhos, como sacrifícios pacíficos ao Senhor. Moisés recolheu metade do sangue, deitou-o em vasilhas e derramou a outra metade sobre o altar. Depois, tomou o Livro da Aliança e leu-o em voz alta ao povo, que respondeu: «Faremos quanto o Senhor disse e em tudo obedeceremos». Então, Moisés tomou o sangue e aspergiu com ele o povo, dizendo: «Este é o sangue da aliança que o Senhor firmou convosco, mediante todas estas palavras».”

Na 2ªleitura (Hebr 9, 11-15) S. Paulo torna mais claro para nós o mistério que hoje celebramos. Jesus, Filho Eterno do Pai, fez-se Homem no seio de Maria. Ao fazer-se homem, sem deixar de ser o Filho eterno de Deus, assumiu a capacidade de poder dar-se e entregar-se como homem, sujeitando-se à própria morte. A partir da Encarnação, Jesus, o Filho de Deus, tem poder de dar a vida e de retomá-la, ou seja, tem poder de a oferecer.

Ele, o Filho de Deus feito homem, pode derramar o seu sangue, pode dar a vida ao Pai, em favor dos homens, cuja natureza assumiu.

E Jesus realizou, de facto, tudo isto, ao dar a vida por nós, na cruz. O seu sangue humano é sangue do Filho de Deus. Foi derramado não sobre as nossas cabeças, mas sobre todo o nosso ser humano, porque Ele era humano. Não foi símbolo duma purificação que nos atingisse no exterior, mas expressão da verdadeira identidade do querer humano com o querer divino. A Aliança perfeita aconteceu! A vontade humana de Jesus identificou-se, em pleno, com a sua vontade divina.
Fomos redimidos das nossas infidelidades! Estamos salvos!

(D. Manuel Madureira Dias, in Maravilhas de Deus – Homilias de um Bispo )

“Irmãos: Cristo veio como sumo sacerdote dos bens futuros. Atravessou o tabernáculo maior e mais perfeito, que não foi feito por mãos humanas, nem pertence a este mundo, e entrou de uma vez para sempre no Santuário. Não derramou sangue de cabritos e novilhos, mas o seu próprio Sangue, e alcançou-nos uma redenção eterna. Na verdade, se o sangue de cabritos e de toiros e a cinza de vitela, aspergidos sobre os que estão impuros, os santificam em ordem à pureza legal, quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno Se ofereceu a Deus como vítima sem mancha, purificará a nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo! Por isso, Ele é mediador de uma nova aliança, para que, intervindo a sua morte para remissão das transgressões cometidas durante a primeira aliança, os que são chamados recebam a herança eterna prometida.”

No evangelho (Mc 14, 12-16.22-26) Jesus realizou a sua última ceia pascal com os Doze Apóstolos. Toma o pão e diz: «Isto é o meu Corpo, entregue por vós». Toma o cálice, com vinho e diz: «Este é o meu Sangue, o Sangue da nova e eterna aliança, derramado por todos».
A nossa Eucaristia é Ceia, é Aliança, é Páscoa, é Cruz, é Ressurreição, é Redenção, é identificação com a vontade de Deus, é Corpo entregue e Sangue derramado pelos homens. Por isso a verdadeira celebração da Eucaristia inclui sempre a doação de nós mesmos aos irmãos.

(D. Manuel Madureira Dias, in Maravilhas de Deus – Homilias de um Bispo )

“No primeiro dia dos Ázimos, em que se imolava o cordeiro pascal, os discípulos perguntaram a Jesus: «Onde queres que façamos os preparativos para comer a Páscoa?». Jesus enviou dois discípulos e disse-lhes: «Ide à cidade. Virá ao vosso encontro um homem com uma bilha de água. Segui-o e, onde ele entrar, dizei ao dono da casa: «O Mestre pergunta: Onde está a sala, em que hei de comer a Páscoa com os meus discípulos?». Ele vos mostrará uma grande sala no andar superior, alcatifada e pronta. Preparai-nos lá o que é preciso». Os discípulos partiram e foram à cidade. Encontraram tudo como Jesus lhes tinha dito e prepararam a Páscoa. Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, recitou a bênção e partiu-o, deu-o aos discípulos e disse: «Tomai: isto é o meu Corpo». Depois tomou um cálice, deu graças e entregou-lho. E todos beberam dele. Disse Jesus: «Este é o meu Sangue, o Sangue da nova aliança, derramado pela multidão dos homens. Em verdade vos digo: Não voltarei a beber do fruto da videira, até ao dia em que beberei do vinho novo no reino de Deus». Cantaram os salmos e saíram para o monte das Oliveiras.”


Prezados irmãos e irmãs, bom dia!

Hoje, na Itália e noutros países, celebra-se a Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo. O Evangelho apresenta-nos a narração da Última Ceia (Mc 14, 12-16, 22-26). As palavras e os gestos do Senhor tocam o nosso coração: Ele toma o pão nas suas mãos, pronuncia a bênção, parte-o e dá-o aos discípulos, dizendo: «Tomai, isto é o meu corpo» (v. 22).

É assim, com simplicidade, que Jesus nos concede o maior sacramento. O seu é um gesto humilde de doação, um gesto de partilha. No ápice da sua vida, não distribui pão em abundância para alimentar as multidões, mas parte-se a si mesmo na ceia pascal com os discípulos. Deste modo, Jesus mostra-nos que a meta da vida consiste em doar-se, que o mais importante é servir. E hoje encontramos a grandeza de Deus num pedacinho de Pão, numa fragilidade que transborda de amor e de partilha. Fragilidade é precisamente a palavra que eu gostaria de frisar. Jesus torna-se frágil como o pão que se parte e se esmigalha. Mas é precisamente na sua fragilidade que está a sua força. Na Eucaristia, a fragilidade é força: força do amor que se faz pequeno para ser acolhido e não temido; força do amor que se parte e se divide para alimentar e dar vida; força do amor que se fragmenta para reunir todos nós em unidade.

E há outra força que sobressai na fragilidade da Eucaristia: a força de amar quem erra. Na noite em que é traído Jesus dá-nos o Pão da vida. Concede-nos o maior dom enquanto sente no coração o abismo mais profundo: o discípulo que come com Ele, que se serve do mesmo prato, atraiçoa-o. E a traição é a maior dor para quem ama. E o que faz Jesus? Reage ao mal com um bem maior. Responde ao “não” de Judas com o “sim” da misericórdia. Não castiga o pecador, mas dá a vida por ele, paga por ele. Quando recebemos a Eucaristia, Jesus faz o mesmo em relação a nós: conhece-nos, sabe que somos pecadores e sabe que cometemos muitos erros, mas não renuncia a unir a sua vida à nossa. Sabe que precisamos disto, pois a Eucaristia não é a recompensa dos santos, não, é o Pão dos pecadores. É por isso que nos exorta: “Não tenhais medo! Tomai e comei!”.

Cada vez que recebemos o Pão de vida, Jesus dá um novo sentido às nossas fragilidades. Recorda-nos que aos seus olhos somos mais preciosos do que pensamos. Diz-nos que se sente feliz quando partilhamos com Ele as nossas fragilidades. Repete-nos que a sua misericórdia não teme as nossas misérias. A misericórdia de Jesus não tem medo das nossas misérias. E acima de tudo, cura-nos amorosamente daquelas fragilidades que não podemos curar sozinhos. Quais fragilidades? Pensemos. A de nutrir ressentimento para com aqueles que nos fizeram mal, não a podemos curar sozinhos; a de nos distanciarmos dos outros e nos isolarmos em nós mesmos, não a podemos curar sozinhos; a de nos comiserarmos e de nos queixarmos sem encontrar a paz, também não a podemos curar sozinhos. É Ele que nos cura com a sua presença, com o seu Pão, com a Eucaristia. A Eucaristia é remédio eficaz contra estes fechamentos. Com efeito, o Pão da vida cura a rigidez, transformando-a em docilidade. A Eucaristia cura porque une a Jesus: faz-nos assimilar o seu modo de viver, a sua capacidade de se partir a si mesmo e de se entregar aos irmãos, de responder ao mal com o bem. Dá-nos a coragem de sair de nós próprios e de nos debruçarmos com amor sobre as fragilidades dos outros. Como Deus faz em relação a nós. Esta é a lógica da Eucaristia: recebemos Jesus que nos ama e cura as nossas fragilidades para amar os outros e para os ajudar nas suas fragilidades. E isto, durante a vida inteira. Hoje, na Liturgia das Horas, recitamos um hino: quatro versos que são o resumo de toda a vida de Jesus. Dizem-nos que, ao nascer, Jesus se fez companheiro de viagem na vida; depois, na ceia, entregou-se como alimento; em seguida, na cruz, na sua morte, fez-se “preço”, pagou por nós; e agora, reinando nos Céus, é a nossa recompensa que vamos buscar, aquela que nos espera.

Que a Santa Virgem, em quem Deus se fez carne, nos ajude a receber com coração grato o dom da Eucaristia e a fazer também da nossa vida uma dádiva. Que a Eucaristia faça de nós um dom para os outros.

Papa Francisco

( Angelus, 6 de junho de 2021)

Sem comentários:

Enviar um comentário