Tempo Comum
As leituras de hoje são apelo a uma verdadeira
conversão de coração. É verdade que a conversão é um dom de Deus, mas, por
outro lado, implica que o homem se Lhe entregue totalmente, que n’Ele coloque toda a sua vida, toda a sua confiança. Deus, que é
todo misericórdia, perdão, amor conhece bem a sinceridade (ou não) do nosso
arrependimento e renovará a nossa vida,
como fez com Abraão, que acreditou contra toda a esperança.
A 1ª leitura (OS 6, 3-6) do profeta Oseias enquadra-se numa situação em que o povo (Efraim, Judá) não se converteu verdadeiramente ao Senhor, mas tentou manipulá-L’O. Deus conhece muito bem cada um de nós, no mais profundo dos nossos sentimentos, não se deixa enganar. O profeta apresenta-nos a resposta de Deus aos falsos arrependimentos.
"Procuremos conhecer o Senhor. A sua vinda é
certa como a aurora. Virá a nós como o aguaceiro de Outono, como a chuva da
Primavera sobre a face da terra. «Que farei por ti, Efraim? Que farei por ti,
Judá?» – diz o Senhor – «O vosso amor é como o nevoeiro da manhã, como o
orvalho da madrugada que logo se evapora. Por isso os castiguei por meio dos
Profetas e os matei com palavras da minha boca; e o meu direito resplandece
como a luz. Porque Eu quero a misericórdia e não os sacrifícios, o conhecimento
de Deus, mais que os holocaustos»."
Na 2ª leitura (Rom 4, 18-25) S.Paulo mostra-nos que ter fé, é “estar plenamente convencido que Deus é capaz de cumprir o que tinha prometido” e, depois, agir em conformidade, como fez Abraão. Em Jesus, que, por cada um de nós, na Cruz morreu, mas depois ressuscitou, esta fé é possível. Acreditemos como Abraão, Paulo, …, todos os santos.
Irmãos: Contra toda a esperança, Abraão
acreditou que havia de tornar-se pai de muitas nações, como tinha sido
anunciado: «Assim será a tua descendência». Sem vacilar na fé, não tomou em
consideração nem a falta de vigor do seu corpo, pois tinha quase cem anos, nem
a falta de vitalidade do seio materno de Sara. Perante a promessa de Deus, não
se deixou abalar pela desconfiança, antes se fortaleceu na fé, dando glória a
Deus, plenamente convencido de que Deus era capaz de cumprir o que tinha
prometido. Por este motivo é que isto «lhe foi atribuído como justiça». Não é
só por causa dele que está escrito «Foi-lhe atribuído», mas também por causa de
nós, que acreditamos n’Aquele que ressuscitou dos mortos, Jesus, Nosso Senhor,
que foi entregue à morte por causa das nossas faltas e ressuscitou para nossa
justificação.
O enquadramento do evangelho (Mt 9, 9-13) faz-nos lembrar a primeira leitura no que toca à atitude do povo, que podemos comparar com a dos fariseus. No
entanto, Mateus, vai mais longe ao revelar-nos a atitude de Jesus em relação aos
pecadores: prefiro a misericórdia ao sacrifício. Creio que é S. Lucas quem nos
conta que um dia Jesus disse (Lc15:7):” haverá maior alegria no céu pelo
arrependimento de um só pecador, do que por noventa e nove justos que não necessitam
de arrependimento.”
“Naquele tempo, Jesus ia a passar, quando viu um
homem chamado Mateus, sentado no posto de cobrança dos impostos, e disse-lhe:
«Segue-Me». Ele levantou-se e seguiu Jesus. Um dia em que Jesus estava à mesa
em casa de Mateus, muitos publicanos e pecadores vieram sentar-se com Ele e os
seus discípulos. Vendo isto, os fariseus diziam aos discípulos: «Por que motivo
é que o vosso Mestre come com os publicanos e os pecadores?». Jesus ouviu-os e
respondeu: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os
doentes. Ide aprender o que significa: ‘Prefiro a misericórdia ao sacrifício’.
Porque Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores».”
Senhor concede-me o dom da conversão.
Ouvimos o
Evangelho da vocação de Mateus. Mateus era um «publicano», ou seja, um cobrador
de impostos em nome do império romano, e por isso era considerado pecador
público. Mas Jesus chama-o para o seguir e para se tornar seu discípulo. Mateus
aceita e convida-o para jantar na sua casa juntamente com os discípulos. Então,
começa um debate entre os fariseus e os discípulos de Jesus, porque estes
compartilham a mesa com os publicanos e os pecadores. «Mas tu não podes ir à
casa desta gente!», diziam eles. Com efeito, Jesus não os afasta mas, pelo
contrário, frequenta as suas casas e senta-se ao seu lado; isto significa que
também eles podem tornar-se seus discípulos. E é igualmente verdade que sermos cristãos não nos torna impecáveis. Como o publicano Mateus, cada um de nós
confia na graça do Senhor, não obstante os próprios pecados. Todos nós somos
pecadores, todos cometemos pecados. Chamando Mateus, Jesus mostra aos pecadores
que não tem em consideração o passado deles, nem a sua condição social, nem
sequer as convenções exteriores mas, ao contrário, abre-lhes um novo futuro.
Certa vez ouvi um bonito ditado: «Não há santo sem passado, nem pecador sem
futuro». É isto que Jesus faz. Não há santo sem passado, nem pecador sem
futuro. É suficiente responder ao convite com o coração humilde e sincero. A
Igreja não é uma comunidade de pessoas perfeitas, mas de discípulos a caminho,
que seguem o Senhor porque se reconhecem pecadores e necessitados do seu
perdão. Por conseguinte, a vida cristã é escola de humildade que nos abre à
graça.
Este
comportamento não é compreendido por quantos têm a presunção de se julgar
«justos», de achar que são melhores que os outros. Soberba e orgulho não nos
permitem reconhecer-nos necessitados de salvação, aliás, impedem-nos de ver o
rosto misericordioso de Deus e de agir com misericórdia. Elas são um muro. A
soberba e o orgulho são um muro que impedem a relação com Deus. E no entanto, a
missão de Jesus é precisamente esta: vir à procura de cada um de nós, para
curar as nossas feridas e para nos chamar a segui-lo com amor. Di-lo
claramente: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os
doentes» (v. 12). Jesus apresenta-se como um bom médico! Anuncia o Reino de
Deus, e os sinais da sua vinda são evidentes: Ele cura das doenças, liberta do
medo, da morte e do demónio. Diante de Jesus, nenhum pecador deve ser excluído
— nenhum pecador deve ser excluído! — porque o poder purificador de Deus não
conhece enfermidades que não possam ser curadas; e isto deve dar-nos confiança
e abrir o nosso coração ao Senhor, a fim de que venha e nos cure. Chamando os
pecadores à sua mesa, Ele cura-os restabelecendo-os naquela vocação que eles
julgavam perdida e que os fariseus tinham esquecido: a de convidados para o
banquete de Deus. Segundo a profecia de Isaías: «O Senhor dos exércitos
preparou para todos os povos, nesse monte, um banquete de carnes gordas, um
festim de vinhos velhos, de carnes gordas, de vinhos velhos purificados... E
naquele dia dirão: eis o nosso Deus, do qual esperamos a nossa libertação.
Congratulemo-nos, rejubilemo-nos pelo seu socorro» (25, 6-9).
Se os fariseus
veem nos convidados somente pecadores e se recusam a sentar-se ao seu lado,
Jesus ao contrário recorda-lhes que também aqueles são comensais de Deus. Deste
modo, sentar-se à mesa com Jesus significa ser por Ele transformado e salvo. Na
comunidade cristã, a mesa de Jesus é dupla: há a mesa da Palavra e a mesa da
Eucaristia (cf. Dei Verbum, 21). São estes os remédios com
que o Médico Divino nos cura e nos alimenta. Com o primeiro — a Palavra — Ele
revela-se e convida-nos a um diálogo entre amigos. Jesus não tinha medo de
dialogar com os pecadores, os publicanos, as prostitutas... Não, Ele não tinha
receio: amava todos! A sua Palavra penetra-nos e, como um bisturi, age em
profundidade para nos livrar do mal que se oculta na nossa vida. Às vezes esta
Palavra é dolorosa porque incide sobre as hipocrisias, desmascara as falsas
desculpas, revela as verdades escondidas; mas ao mesmo tempo ilumina e
purifica, dá força e esperança, é um precioso reconstituinte no nosso caminho
de fé. Por sua vez, a Eucaristia nutre-nos com a própria vida de Jesus e, com
um remédio poderosíssimo, de modo misterioso renova continuamente a graça do
nosso Batismo. Aproximando-nos da Eucaristia, nós alimentamo-nos com o Corpo e
Sangue de Jesus; e no entanto, entrando em nós, é Jesus que nos une ao seu
Corpo!
Concluindo
aquele diálogo com os fariseus, Jesus recorda-lhes uma palavra do profeta
Oseias (6, 6): «Ide e aprendei o que significam estas palavras: Eu
quero a misericórdia e não o sacrifício» (Mt 9, 13).
Dirigindo-se ao povo de Israel, o profeta repreendia-o porque as preces que
elevava eram palavras vazias e incoerentes. Não obstante a aliança de Deus e a
misericórdia, o povo vivia frequentemente segundo uma religiosidade «de
fachada», sem viver em profundidade o mandamento do Senhor. Eis por que razão o
profeta insiste: «Eu quero a misericórdia», ou seja, a lealdade de um coração
que reconhece os próprios pecados, que se arrepende e volta a ser fiel à
aliança com Deus: «E não o sacrifício»: sem um coração arrependido, todas as
obras religiosas são ineficazes! Jesus aplica esta frase profética também aos
relacionamentos humanos: aqueles fariseus eram muito observantes na forma, mas
não estavam dispostos a compartilhar a mesa com os publicanos e os pecadoes;
não reconheciam a possibilidade de um arrependimento e por isso de uma cura;
não punham em primeiro lugar a misericórdia: embora fossem fiéis guardiões da
Lei, demonstravam que não conheciam o Coração de Deus! É como se te oferecessem
um pacote com um presente e tu, em vez de ir ver o dom, olhasses somente para o
papel com o qual ele foi embrulhado: só as aparências, a forma, e não o núcleo
da graça, do dom que é oferecido!
Caros irmãos e irmãs, todos nós somos convidados à mesa do Senhor. Façamos nosso o convite a sentarmo-nos ao seu lado, juntamente com os seus discípulos. Aprendamos a olhar com misericórdia e a reconhecer em cada um deles um nosso comensal. Somos todos discípulos necessitados de experimentar e viver a palavra consoladora de Jesus. Todos nós temos necessidade de nos alimentarmos da misericórdia de Deus, porque é desta fonte que brota a nossa salvação. Obrigado!
Papa Francisco
(Audiência Geral, 13 de abril de 2016)
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