COP26. Chegados ao penúltimo dia, aplaudiu-se a BOGA, mas “ainda há muito por fazer” na reta final
Na
reta final escasseia o otimismo, mesmo com um primeiro rascunho de acordo a
aparecer. Os avanços feitos nestas duas semanas de cimeira do Clima não chegam
para impedir as temperaturas de subir menos de 2ºC. O secretário-geral da ONU,
António Guterres, voltou a lembrar os delegados presentes em Glasgow que se
sentia sobretudo inspirado pela mobilização da sociedade civil, incluindo
jovens, mulheres, comunidades indígenas e autarcas. No dia dedicado à
descarbonização das cidades, surgiu uma nova aliança - a BOGA - para acabar com
novas licenças e concessões de gás e petróleo
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NOVEMBRO 2021 22:06
Jornalista:
Carla Tomás
No
dia em que se sinalizam 103 anos após o Armistício que pôs fim à Primeira
Guerra Mundial, o mundo parece encaminhar-se para a catástrofe projetada pela
‘insuficiência de munições’ para enfrentar a guerra das alterações climáticas.
Apesar de alguns avanços nestes onze dias, nenhum permite assegurar a meta de
1,5ºC. O secretário-geral da ONU, António Guterres, voltou a lembrar os
delegados presentes em Glasgow que se sentia sobretudo inspirado pela
mobilização da sociedade civil, incluindo jovens, mulheres, comunidades
indígenas e autarcas.
“Apesar
do progresso, ainda há muito por fazer e o tempo está a fugir”, admitiu o presidente da Cimeira do
Clima de Glasgow, o britânico Alok Sharma, em conferência de imprensa no início
da tarde desta quinta-feira. Sharma apelou a “urgência” e “ambição” para que as
negociações entre as partes acelerem nesta reta final, mantendo a ideia de que
será alcançada uma declaração consensual em Glasgow esta sexta-feira,
supostamente o último dia da 26.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26). Assumiu, porém, que
ainda existe “um desafio monumental pela frente, e que coletivamente não temos
outra escolha a não ser enfrentá-lo e alcançar um resultado de que nos possamos
orgulhar”.
A BOGA, UMA ALIANÇA QUE DEIXA O GÁS E O PETRÓLEO
ENTERRADOS
Uma
das novidades aplaudida neste 11º dia de cimeira do clima foi a apresentação da
BOGA — “Beyond Oil and Gas Alliance” — uma aliança de uma dúzia de
países, liderada pela Costa Rica e pela Dinamarca (até aqui o maior
produtor europeu de petróleo) que quer acabar com novas licenças e concessões
de gás e petróleo nos seus territórios e trabalhar no “phase out” destes combustíveis fósseis nos países
aderentes.
Nenhum
dos maiores produtores de gás e petróleo aderiu a esta coligação, nem sequer o
Reino Unido, e não se sabe o que sairá do potencial acordo de Glasgow sobre o
assunto.
Entre
os signatários, além da Dinamarca e da Costa Rica, estão a França, a Gronelândia,
a Irlanda, o Quebec, a Suécia e o País de Gales, aos quais se juntaram como
membros associados a Califórnia, Portugal e a Nova Zelândia, e ainda Itália
como “Amiga da BOGA’. O objetivo é o de fixar uma data para pôr fim às
explorações em curso nos seus territórios (nalguns só em 2050).
“O nosso objetivo não é pequeno, a nossa ambição não é modesta.
Esperamos que hoje se marque o princípio do fim do petróleo e do gás”,
afirmou o ministro dinamarquês do Clima e Energia, Dan Jørgensen em conferência
de imprensa. E frisou: “Não há futuro para o petróleo e gás num mundo que não
quer mais de 1,5 graus”. Agora esperam que como outras alianças firmadas nesta
e noutras COP, muitos mais países adiram.
Aplaudindo
a decisão, a associação Zero lembrou que “a adesão de Portugal a esta aliança é
perfeitamente compatível com a Lei de Bases do Clima portuguesa aprovada há
menos de uma semana no Parlamento, e não implica esforços adicionais por parte
do país na luta climática”.
O
ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, admite ao Expresso que assim é, já
que “em Portugal não há licenças nem concessões válidas de exploração de gás e
petróleo” e que as concessões que chegaram a existir (no Algarve, em
Aljubarrota e ao largo de Aljezur) “acabaram por cair por irregularidades ou
abandonadas voluntariamente pelos promotores”. Para o ministro, a declaração da
BOGA “é um importante passo para a descarbonização da economia mundial” e que,
assim, “Portugal assume que não irá prosseguir quaisquer políticas de
exploração de hidrocarbonetos no seu território, e vai continuar a política de
eliminação de subsídios aos combustíveis fósseis”.
Outro
das declarações assinadas por Portugal, em conjunto com a Alemanha, Luxemburgo,
Áustria e Dinamarca, visa defender que a UE não financie projetos de energia
nuclear. “Portugal não tem nuclear nem nunca terá. Esta energia não é
segura, não é sustentável e é muito cara”, frisou Matos Fernandes.
UM RASCUNHO AINDA POR AFINAR
Em
vésperas do prazo para a cimeira terminar também se ficou a conhecer o projeto
ou rascunho do acordo que poderá sair de Glasgow. O texto, ainda muito
inconclusivo, será trabalhado nas próximas 24 horas ou mais. Aponta para que os
países apresentem, até 2022, novas contribuições nacionais (NDC) de redução de
emissões; e aumentem, até 2023, o pacote de financiamento climático de 100 mil
milhões de dólares prometido desde 2009 para ajudar os países a mitigar
emissões e a adaptarem-se a eventos extremos. Também a ser limadas estão as
barreiras que travam o pacote para financiar as perdas e danos já vividos nos
países menos desenvolvidos e mais afetados pelos eventos extremos.
O
abandono do carvão e dos subsídios aos combustíveis fósseis também consta do
texto. Porém, há países produtores de petróleo (como a Arábia Saudita) que
querem esta parte fora do acordo. Questionado sobre esta pressão numa
conferência de imprensa, o vice-presidente executivo da Comissão
Europeia, Frans Timmermans, sublinhou que “levamos tempo
a perceber, mas agora todos os países da UE sabem que não há futuro no carvão”
e disse ser completamente “impensável continuar a subsidiar-se combustíveis
fósseis ao ritmo de 11 milhões de dólares por minuto”.
Para
já, o presidente da COP26, Alok Sharma, apenas disse que o texto “é ambicioso”
e que, se os compromissos forem cumpridos, poderá dizer-se que “o 1,5°C é
alcançável”.
A DESINTOXICAÇÃO EUA-CHINA
Outro
dos temas do dia foi a aproximação entre os Estados Unidos e a China, dias
depois de os dois maiores emissores de gases de efeito de estufa mundiais terem
andado a trocar galhardetes em Glasgow sobre quem está a fazer mais ou menos
para enfrentar a crise climática. O acordo entre os dois países (que somam
cerca de 40% das emissões globais) reconhece a “seriedade e urgência da crise
climática”, “o fosso entre os esforços atuais e as metas do Acordo de Paris” e
prometeram cooperar para intensificarem as ambições climáticas.
Esta
é considerada uma boa notícia por líderes políticos e ambientalistas. Manuel
Pulgar-Vidal, responsável da World Wilde Fund (WWF), sublinhou “a importância
simbólica” deste passo, que permite “desintoxicar a relação entre dois maiores
poluidores”. O ambientalista lembrou ainda que foi o entendimento entre Pequim
e Washington que permitiu o Acordo de Paris na COP21, em 2015.
A
diferença estimada entre a meta de 1,5°C (aumento máximo de temperatura
ambicionado até final do século por comparação à época pré-industrial) e aquela
que se vislumbra ser alcançada ainda tem cerca de um grau de diferença, de
acordo com o relatório científico da Global Climate Tracker.
As
iniciativas setoriais apresentadas em Glasgow como complemento às promessas de
redução de emissões (as chamadas “NDC”) entregues pelos diferentes países podem
permitir uma redução de 25% na diferença entre as emissões almejadas até 2030 e
as reais. Mas, mesmo assim, tudo aponta para que no final desta década, as
emissões globais sejam o dobro das necessárias para o caminho dos 1,5°C.
Recorde-se
que globalmente as temperaturas já subiram 1,1°C até 2020 e que um novo estudo
divulgado esta semana pelo Hadley Centre/ Met Office aponta para que uma subida
de apenas 2ºC leve a ondas de calor extremos que vão afetar mil milhões de
pessoas.
A DESCARBONIZAÇÃO DAS CIDADES
No
dia dedicado às cidades, regiões e ambiente modificado, o Reino Unido prometeu
27,5 milhões de libras de fundos internacionais para financiar o Programa de
Ação para o Clima Urbano, para ajudar as cidades em África, Ásia e América
Latina a atingir a neutralidade carbónica até 2050.
O programa será coordenado em parceria com a rede global “C40 Cities Climate Leadership Goup”. Claudia Lopez, co-presidente deste grupo e autarca de Bogotá, na Colombia, esclareceu que em “quase 30 anos de cimeiras do clima, é a primeira vez que 1049 cidades e governos locais ecoam a sua voz e lideram pelo exemplo.
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