Nov 24, 2020 - 9:59
Francisco critica negacionistas e apela a mudanças profundas na sociedade, falando na «hora da verdade»
Lisboa, 24 nov 2020 (Ecclesia) – O Papa
defende no novo livro intitulado ‘Vamos sonhar juntos’, escrito com o
jornalista Austen Ivereigh, seu biógrafo, que a pandemia representa a “hora da
verdade” para que a humanidade promova mudanças de fundo contra a injustiça e a
desigualdade.
“A crise da Covid-19 parece única porque
atinge a maior parte da humanidade. Mas é especial apenas pela sua
visibilidade: existem mil outras crises igualmente terríveis, mas dado que para
alguns de nós parecem distantes, comportamo-nos como se não tivéssemos nada a
ver com isso”, refere Francisco, numa das passagens da obra, divulgadas pelo
Vaticano e pela imprensa.
O Papa aborda questões como as guerras,
tráfico de armas, migrações e refugiados, pobreza e fome ou as alterações
climáticas.
A obra, que vai chegar às bancas a 1 de
dezembro, deixa críticas aos “negacionistas” da pandemia, lamentando que estes
manifestantes não protestem também diante de situações de violência ou racismo,
dando como exemplo a morte do afro-americano George Floyd (25 de maio).
“Alguns grupos têm protestado,
recusando-se a manter a distância, manifestando-se contra as restrições às
viagens – como se as medidas que os governos devem impor para o bem do seu povo
constituíssem uma espécie de ataque político à liberdade individual”, indica o
Papa.
Francisco fala em pessoas “incapazes de
sair do seu pequeno mundo de interesses”, alertando para situações de crise
social, como “as favelas, onde as crianças carecem de água e educação”.
Em conversa com Ivereigh, o Papa explica
que a sua preocupação com a ecologia está ligada à defesa da vida humana, ao
contrário do que referem alguns dos seus críticos.
“Se pensas que o aborto, a eutanásia
e a pena de morte são aceitáveis, será difícil que o teu coração se preocupe
com o envenenamento dos rios e a destruição das florestas. E o mesmo se diga do
contrário”, precisa.
Francisco critica uma ideologia da
“sobrevivência do mais forte, sustentada por um mercado sem travão, obcecado
pelo lucro e pela soberania individual”.
“Se a Igreja tem uma tarefa particular a realizar, nos momentos de crise, é precisamente o de recordar ao povo a sua alma, a necessidade de respeitar o bem comum”, sustenta.
O livro apresenta uma reflexão sobre o
rendimento mínimo universal, à imagem do que o Papa tinha feito em abril,
quando enviou uma carta aos movimentos populares mostrando a sua solidariedade
com o trabalhadores, perante a pandemia.
“Temos de ultrapassar a ideia de que o
trabalho de quem cuida de um familiar, ou de uma mãe a tempo inteiro, ou de um
voluntário num projeto social que assiste centenas de crianças, não é um
trabalho porque não recebe um salário”, indica.
Francisco elogia, em ‘Vamos sonhar
juntos’, o trabalho de economistas como Mariana Mazzucato Kate Raworth, para
sublinhar a importância do contributo das mulheres na definição da sociedade
pós-pandemia.
“Promover o Evangelho e não acolher o
estrangeiro necessitado, nem afirmar a sua humanidade como filho de Deus, é
querer fomentar uma cultura cristã apenas de nome, vazia de toda a sua
novidade”, adverte.
A obra aborda também as polémicas ligadas
aos Sínodos sobre a família (2014 e 2015) e sobre a Amazónia (2019), apontando
o dedo a pessoas e meios de comunicação social que procuraram “reduzir todo o
processo sinodal a um só tema”, seja a possibilidade de Comunhão para
divorciados que voltaram a casar, seja a ordenação sacerdotal de homens
casados.
“Mais do que procurar o confronto,
declarando uma guerra em que cada uma das partes espera derrotar a outra, são
precisos processos que permitam exprimir, escutar e amadurecer as diferenças,
de maneira a caminhar juntos sem necessidade de aniquilar ninguém”, observa o
Papa.
Francisco refere-se às perseguições religiosas, apresentando os uighures como um povo “perseguido” a par dos yazidi e dos rohingya, numa crítica indireta ao regime da China.
OC
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